I. A imputabilidade diminuída é questão de facto
II. A imputabilidade diminuída não determina necessariamente uma atenuação da pena.
III. Havendo pluriocasionalidade, a pena única de 6 anos e 6 meses de prisão, ainda abaixo de 1/3 da diferença entre o mínimo de 3 anos e 6 meses (pena parcelar mais alta) e o máximo de 13 anos e 2 meses de prisão (soma de todas as penas parcelares), mostra-se adequada às circunstâncias concretas do caso e, por isso, deve ser mantida, por corresponder ao mínimo indispensável para garantir a tutela dos valores violados, satisfazer as necessidades de prevenção geral e as exigências de prevenção especial, mostrando-se justa – proporcional, adequada e necessária – e conforme aos critérios plasmados no art. 71º do Código Penal, em sintonia com a jurisprudência deste Tribunal para casos semelhantes.
IV. O julgador pode fixar uma indemnização em montante inferior aos danos causados, segundo a equidade, nos termos do art. 494.º do Código Civil, quando a responsabilidade se fundar em mera culpa.
V. Se houve dolo, a indemnização não pode deixar de corresponder aos danos efectivamente sofridos, devendo os mesmos ser fixados nos termos dos art.s 496º e 562.º e seguintes do Código Civil
Acordam – em conferência – na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:
I – RELATÓRIO
Nos presentes autos de processo comum com intervenção do Tribunal Colectivo, o arguido AA, filho de BB e CC, natural do Brasil, nascido em ........1992, solteiro, trabalhador rural, com morada na Travessa ..., titular do C.C. n.º ......45, actualmente com obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica à ordem dos autos foi julgado e a final, absolvido e condenado nos seguintes termos:
«PARTE CRIMINAL
a) Absolver o arguido AA da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido, pelo art. 152.º, n.º 1 al. b) e n.º 2, 4 e 5, do C. Penal, de que vinha acusado;
b) Absolver o arguido AA da prática, em autoria material e na forma tentada de cinco crimes de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, nºs 1 e 2, alíneas a), b) e) e h), 22º e 23º, todos do Código Penal, de que vinha acusado;
c) Julgar extinto, por amnistia, o procedimento criminal contra o arguido em relação ao crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º nº 1 do CP, e em consequência, determinar o arquivamento dos autos nessa parte (cfr. arts. 2.º, n.º 1, e 4.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto e 127.º, n.º 1, e 128.º, n.º 2, do Código Penal);
d) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e em concurso efectivo de:
i. um crime de incêndio, p. e p. pelos artigos 14º nº 1 e 272º nº 1 do Código penal na pena de 3 anos e 6 meses de prisão;
ii. um crime de homicídio tentado, p. e p. pelos artigos 14º nº 3, 22º, 23º, 73º e 131º do CP cometido sob a pessoa da assistente DD, na pena de 2 anos de prisão;
iii. um crime de homicídio tentado, p. e p. pelos artigos 14º nº 3, 22º, 23º, 73º e 131º do CP cometido sob a pessoa do ofendido EE, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão;
iv. um crime de homicídio tentado, p. e p. pelos artigos 14º nº 3, 22º, 23º, 73º e 131º do CP cometido sob a pessoa da ofendida FF, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão;
v. um crime de homicídio tentado, p. e p. pelos artigos 14º nº 3, 22º, 23º, 73º e 131º do CP cometido sob a pessoa da ofendida GG, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão;
vi. um crime de homicídio tentado, p. e p. pelos artigos 14º nº 3, 22º, 23º, 73º e 131º do CP cometido sob a pessoa do ofendido HH, na pena de 1 ano e 11 meses de prisão;
vii. um crime de dano p. e p. pelos artigos 14º nº 1 e 212º nº 1 do Código Penal na pena de 5 meses de prisão;
Em cúmulo jurídico das penas referidas em d) ao abrigo do disposto no artigo 77º do Código Penal na pena única de 6 (seis) anos e 6 (meses) de prisão.
(…)
PARTE CÍVEL
f) Absolver o Demandado AA da totalidade do pedido de indemnização civil formulado pelo Demandante HH representado pela progenitora DD;
g) Condenar o Demandado AA a pagar à Demandante DD, a quantia global de € 6.000,00 (seis mil euros) a título de danos não patrimoniais, perpetrados com o crime cometido, quantia a que acrescerão juros de mora a contar da data deste acórdão à taxa legal de 4%, até efectivo e integral pagamento, absolvendo o arguido do demais peticionado;
h) Condenar o Demandado AA a pagar à Demandante FF, representada pela progenitora DD, a quantia global de € 4.000,00 (quatro mil euros) a título de danos não patrimoniais, perpetrados com o crime cometido, quantia a que acrescerão juros de mora a contar da data deste acórdão à taxa legal de 4%, até efectivo e integral pagamento, absolvendo o arguido do demais peticionado;
i) Condenar o Demandado AA a pagar à Demandante GG representada pela progenitora DD, a quantia global de € 3.000,00 (três mil euros), a título de danos não patrimoniais, perpetrados com o crime cometido, quantia a que acrescerão juros de mora a contar da data deste acórdão à taxa legal de 4%, até efectivo e integral pagamento, absolvendo o arguido do demais peticionado;
(…)».
1. A fls… destes autos foi proferido Acórdão condenatório do arguido/recorrente AA, pugnando pela aplicação de uma pena de prisão efetiva em 6 anos e 6 meses de prisão.
2. Dando -se como provado o seguinte facto: No dia .../.../2024, antes dos factos descritos em 21 e 22, o arguido ingeriu bebidas alcoólicas em quantidade não concretamente apurada.
3. Em conjugação com já elencados e descritos supra factos dados como não provados.
4. Porém, o facto dado como provado não foi tido em consideração para efeitos de aplicação da medida da pena.
5. Bem como os factos dados como não provados já elencados supra.
6. Factos esses que determinaram que o recorrente agiu imbuído de um espírito de ciúmes e revolta pelo facto de a ex companheira ter começado um novo relacionamento e motivado pela bebida, e que o tivesse motivado para a forma como actuou confessada e com arrependimento sincero e notório ate aos dias de hoje.
7. Não há nem subsistem duvidas da factualidade dada como provada e não provada que, aquando da prática dos factos, o arguido encontrava -se alcoolizado sendo que o alcoolismo que sofria, persistente na ocasião do crime, terá afectado de alguma forma a sua capacidade de autodeterminação
8. Estando perante um caso de imputabilidade diminuída, o que confirma, de certo modo, os factos dados como não provados designadamente os descritos em t) e u) do douto acórdão recorrido.
9. Tendo-se inferido que a prática dos factos pelos quais foi condenado não o foi em sede de dolo direto mas tão somente em dolo eventual, o que diminui a ilicitude e culpa no seu comportamento.
10. A aplicação da medida da pena fixada ao recorrente em 6 anos e 6 meses de prisão efetiva não atenderam ao facto de o mesmo ter ingerido bebidas alcoólicas antes da prática dos mesmos que diminuíram a sua capacidade cognitiva e juízo de autodeterminação e que motivou que agisse da forma como actuou em e sob a forma de dolo eventual.
11. O que infere, desde logo, um menor grau de culpa (uma culpa diminuída)-Cfr. Ac. STJ de 21.06.2012
12. Relevando para efeitos de medida da pena que terá de ser manifestamente mais leve daquela que foi efetivamente aplicada.
13. Além de que os montantes a que foi também condenado na parte cível são manifestamente exagerados em face da condição socio económica dada como provada.
14. Omitindo e não relevando o douto acórdão recorrido, os factos de o mesmo se encontrar social e familiarmente inserido e primário nestas e noutras lides por ausência total de condenações anteriores por crimes desta ou de outra natureza qualquer.
15. Dispõe o art. 70º do CP que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal deve dar preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição“
16. Tais finalidades são, como o determina o artigo 40º n.º 1 do CP, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
17. Tendo de atender-se a todas as circunstâncias que depuserem a favor do agente, in casu, ao recorrente,
18. E são muitas, desde logo, a confissão integral e sem reservas que permitiu que o tribunal a quo conseguisse dar como provados factos que seriam impossíveis de provar caso o recorrente optasse pelo silencio, a falta de antecedentes criminais, os excelentes relatórios sociais, o arrependimento sincero e a vontade de levar uma vida de trabalho, honesta e impoluta,
19. Perante os factos apurados, permitem um juízo de prognose favorável ao agente do crime de homicidio simples na forma tentada e crime de dano, designadamente a sua confissão integral e sem reservas com notório e sincero arrependimento e a ausência de antecedentes criminais, a aplicação da suspensão da execução das penas não superiores a cinco anos é de decretar, pois alem de constituir censura e meio de socialização daquele, não porá em causa a crença da comunidade na validade da norma e a confiança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais atingindo-se plenamente, com esta pena de substituição não privativa da liberdade as finalidades da punição.
20. Redução de pena que se requer e impõe pela manifesta falta de fundamentação factual e de direito a que se alude neste recurso,
21. A que acrescem a falta de apreciação dos factos atenuantes, a sua inimputabilidade diminuída, a sua confissão integral e sem reservas e a total ausência de antecedentes criminais
22. Tanto mais que defende o Acórdão do STJ de 16.05.2019 no Proc. N.º 765/15.5T9LAG.E1.S1 3.ª Secção que “ Sempre que tiver de convocar-se o principio da “justa medida”, impõe -se fundamentar o procedimento que conduz à obtenção do juízo de desproporcionalidade da pena e da dimensão do correspondente excesso, enunciando o juízo comparativo efetuado e demonstrar as razões convincentes e o suporte normativo que podem justificar a intervenção corretiva e respetiva amplitude – art. 205º n.º 1 da Constituição da Republica Portuguesa” – consultado em www.dgsi.pt
23. A pena aplicada pelo Tribunal ao arguido é desproporcional, excessiva e injusta violando o disposto nos artigos 40º, 50º e 71º todos do Código Penal.
24. O Tribunal a quo deu como provados os factos, contudo não atendeu aos princípios e critérios orientadores na escolha e dosimetria da pena, não valorando na justa medida todos os aspetos indispensáveis a uma justa e adequada punição.
25. E por este motivo, entende o recorrente que a condenação não poderia ter dado lugar a uma condenação tão grave como de – 6 anos e 6 meses ao ora recorrente
26. Adequado e justo seria condenar o recorrente a uma pena não superior a cinco anos determinando a suspensão da execução com regime de prova e vigilância tutelar dos serviços de reinserção social, ficando tal suspensão sujeita ao preenchimento, pelo arguido, de condições que passariam pela estrita manutenção do seu estado de saúde e mental.
27. Com estes fundamentos, afirmamos que a escolha da pena infligida ao arguido se afigura desadequada e desproporcional pelas suas consequências, as suas circunstâncias pessoais e ate mesmo perante as necessidades de prevenção geral, prevenção especial e de justiça que o caso de per si reclama, devendo, pois, ser alterada em conformidade.
28. O Tribunal violou os critérios contidos nas disposições conjugadas dos arts 40º, 70º e 71º todos do Código Penal.
Termos em que deve a presente decisão recorrida ser:
A) Declarada nula por violação do Princípio do contraditório previsto n.º 3 do art. 3º do CPC e ainda,
B) REVOGADA substituindo - se por outra que decida pela condenação do arguido/recorrente com redução da pena ao recorrente para uma pena não superior a cinco anos de prisão e que se suspenda a execução acompanhada de regime de prova com o que farão V. Exas a tão costumada JUSTIÇA!
Respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público, salientando:
Alega o Recorrente que o facto dado como provado no ponto 48 se mostra bastante para concluir pelo estado de diminuição da imputabilidade do arguido, em virtude do consumo de bebidas alcoólicas.
Salvo o devido respeito, neste conspecto cumpre referir que na ausência de perícia que comprove a invocada imputabilidade diminuída, tal alegação se mostra desgarrada de qualquer respalde fáctico constante da factualidade dada como provada.
Como decorre do disposto no artigo 20.º, n.º 2, do Código Penal, a declaração de inimputabilidadedo agente pode ocorrer (não ocorrendo sempre nem de forma necessária) quando a capacidade de o mesmo se determinar de acordo com a avaliação da ilicitude esteja sensivelmente diminuída, desde que tal suceda por forma de anomalia psíquica grave, cujos efeitos o agente não domina, sem que por isso possa ser censurado.
Revertendo aos autos, resulta que o arguido, muito embora tivesse ingerido bebidas alcoólicas, tinha capacidade para avaliar a ilicitude da conduta e de se determinar de acordo com essa avaliação. A circunstância de conhecer os efeitos que sobre si exerce o consumo de álcool, não pode deixar de lhe ser censurada, ou seja, ainda que se equacionasse tal hipótese, sempre se concluiu que tal estado não o impediu de agir livre e conscientemente – como agiu – bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei.
Assim sendo, decidiu bem o Tribunal ao concluir: «no referido dia .../.../2024, ateou fogo à porta da habitação da assistente nos termos descritos na acusação, sendo que o fez por ciúmes e porque estava revoltado por a assistente ter terminado a relação e estar com o namorado dentro de casa. Referiu que tal revolta se devia também ao facto de o namorado da assistente, EE, nos dias anteriores, lhe ter estado a enviar mensagens, onde referia ao arguido que ele não era um bom pai e que se o filho estivesse com ele passava fome. Foi então que nesse dia, revoltado, bebeu uns copos e acabou por atear o fogo naqueles termos.» (sublinhados nossos).
Com efeito, a revolta do arguido não ocorreu na data dos factos por via da ingestão de bebidas alcoólicas; outrossim, começou a adensar-se nos dias anteriores à prática dos factos, na sequência dos contactos mantidos por EE via SMS ou, dito de outro modo, o animus do arguido era já pré-existente à ingestão de álcool.
Na verdade, importa aqui dizer que o recorrente não questiona a integração dos factos nos crimes de incêndio e de homicídio tentado, não havendo quaisquer razões, face à matéria de facto, para pôr em crise a qualificação jurídica efectuada pelo Tribunal a quo.
O que o arguido vem impugnar é, sim, a medida da pena. E, ao fazê-lo, invoca o estado de embriaguez em que se encontrava aquando da prática do crime, o que teria diminuído acentuadamente a sua capacidade de querer e entender.
Da matéria de facto provada resulta, como se viu supra, que o arguido havia ingerido bebidas alcoólicas em quantidades não apuradas quando praticou os crimes acima referidos.
Certo é também que se provou que, mau grado o estado etílico, o arguido estava ciente das consequências da sua conduta e que agiu livre, deliberada e conscientemente ciente da punibilidade da sua conduta.
Ainda que se aventasse a hipótese aduzida pelo recorrente – a qual, repise-se, não resulta da factualidade apurada – e o Tribunal considerasse que o arguido teria agido no âmbito de uma imputabilidade diminuída, certo é que o legislador não determina nem sequer prevê a atenuação da pena, como se imporia caso a imputabilidade diminuída se fundasse numa presumida diminuição da culpa.
É que na determinação do grau de culpa na imputabilidade diminuída há que levar em conta as qualidades pessoais do agente, refletidas no facto; quando estas se revelarem especialmente desvaliosas do ponto de vista do direito, estaremos perante uma culpa agravada, a que corresponderá uma pena necessariamente mais grave.
Aliás, na determinação concreta da pena, intervirão necessariamente os critérios definidos no artigo 71.º do Código Penal, que manda atender à culpa e às exigências preventivas.
Relativamente à medida concreta da pena, atentos os fundamentos aduzidos no douto acórdão ora em crise, entendemos que o Tribunal a quo não violou os critérios de determinação da medida da pena, previstos nos artigos 40.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal, na medida em que aplicou ao arguido a pena única que considerou ajustada em função da culpa do mesmo e das exigências de prevenção que no caso se faziam sentir, quer ao nível da prevenção geral, quer ao nível da prevenção especial, senão vejamos.
a) Grau de ilicitude dos factos:
1. No que tange ao desvalor da acção [modo de execução dos factos], é de intensidade muito elevada, porquanto o arguido praticou tais factos em horário nocturno, em que as vítimas se encontravam a dormir e conhecendo as características da residência que queimou e a quantidade e idade das pessoas que se encontravam no seu interior.
2. Relativamente ao desvalor do resultado, [gravidade das consequências do facto e o grau de violação dos deveres impostos ao agente] é de intensidade média-baixa.
b) A intensidade do dolo, que surge recortado na modalidade de eventual.
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, os quais caracterizam a atitude interna ou a atitude moral do agente e não cabem no dolo nem nos motivos ou fins da vontade criminosa, porquanto dizem respeito àposição do agenteperante aprópria ordem jurídica, manifestam, por banda do arguido, uma atitude de indiferença pelas eventuais consequências da sua conduta, pela vida humana, bem como um sentimento de alguma impunidade perante os factos que decidiu levar a efeito – circunstância relevante para efeitos de agravação da própria culpa.
d) As condições pessoais do arguido relevam ao nível da culpa, para efeitos da determinação dos deveres especiais de cuidado cuja observância se lhe impunha, sendo certo que lhe cumpriria, de todo o modo, agir de forma normativa.
e) A conduta anterior ao facto:
1. No que tange aos antecedentes criminais, cumpre referir que o arguido nunca havia contactado antes com o sistema de justiça criminal.
2. Relativamente ao modo de vida do agente à data da prática dos factos, relevante para aquilatar das necessidades preventivas do agente e da própria comunidade (especiais e gerais), cumpre assinalar que o arguido, à data da prática dos factos, esteve algumas semanas a residir numa outra casa que arrendou, mas como não conseguiu pagar a renda e mudou-se para a residência de um amigo até ser preso preventivamente.
f) A conduta posterior ao facto, concretamente no que tange à conduta processual do arguido, há que referir que o arguido, ainda que tenha admitido parcialmente alguns dos factos, fê-lo tentando convencer o Tribunal que a situação de ciúme que experienciava era normal.
g) Da Culpa:
Quanto à culpa do arguido – enquanto limite máximo da pena concreta, em respeito e de harmonia com os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana e do livre desenvolvimento da personalidade – cumpre analisar a imagem global dos factos.
O conceito jurídico-penal de culpa aponta para a censura ético-jurídica que é dirigida ao agente por não ter agido de modo diverso quando, estando na sua disponibilidade agir de outra maneira, conformando-se com o Direito, podia e devia tê-lo feito.
Neste particular, cumpre salientar que a atitude de negação do arguido perante os factos constitui um forte condicionalismo na identificação das necessidades individuais de reinserção social, donde a prevenção especial se faça sentir de modo particularmente intenso, pese embora não ter antecedentes criminais. Na verdade, muito embora o arguido não possa ser prejudicado pela negação dos factos, também dela não pode colher benefícios.
E, no que concretamente ao caso dos autos se refere, não pode desprezar-se a valoração de todo o processo executivo adoptado pelo arguido, caracterizado por uma enorme insensibilidade perante a vida humana.
Na verdade, a existir o estado ébrio, se influiu na prática do crime, não tem qualquer efeito desagravante da culpa, pois as qualidades pessoais reveladas pelo arguido neste caso, certificadas pelos factos dados como provados, são manifestamente desvaliosas para o direito. O patamar da culpa situa-se, pois, num nível elevado.
Donde, ante a factualidade dada como provada no acórdão ora em crise e, bem assim, considerando o facto de o arguido não ter ressonância crítica perante os factos que praticou, agravando a sua culpa, a fixação da pena única em 6 (seis anos e 6 (seis) meses de prisão – logo, muito abaixo da mediana – não se nos afigura, de todo, excessiva.
Porque assim, atenta a factualidade dada como provada no acórdão em apreço e, bem assim, atentos os fundamentos supra expostos, andou bem o Tribunal a quo, quando condenou o Recorrente na pena única aplicada.
Termos em que nos louvamos no acórdão em crise, que, por tocar todos os pontos essenciais, logrou chegar a uma boa e acertada decisão, fazendo a Justiça no caso concreto, como se impunha.
Posto isto, face a tudo o quanto foi supra exposto, bem como o demais que V.ªs. Exªs. doutamente suprirão, entende-se que não deverá ser dado provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, fazendo-se INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!
Respondeu a assistente DD, concluindo:
1. O facto dado como provado no ponto 48. em nada releva para a medida da pena, pois não foi apurada a quantidade de bebidas alcoólicas que terá ingerido.
2. Para além disso, foi dado como provado no ponto 40. dos factos provados que “O arguido agiu sempre de modo livre, voluntaria e conscientemente bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e penalmente punidas”, sendo certo que o arguido não impugnou a decisão da matéria de facto.
3. Não ficou demonstrado que o facto de ter ingerido bebidas alcoólicas em quantidade não apurada “determinou que o mesmo, imbuído de um espírito de ciúmes e revolta pelo facto da ex-companheira ter começado novo relacionamento e motivado pela bebida, tivesse actuado da forma descrita”.
4. Ao contrário do que alega o recorrente, o facto constante do ponto 48 dos factos provados foi tido em conta pelo Tribunal a quo, que concluiu, fundamentadamente, que tal “não afectou, de qualquer forma, a sua capacidade de autodeterminação.”
5. Por isso, não estamos perante um caso de imputabilidade diminuída, como defende o recorrente, pois o Tribunal a quo considerou que o mesmo “estava perfeitamente capaz”, sendo certo que nenhuma prova foi produzida em sentido contrário.
6. Pela análise da prova produzida não existem dúvidas que o arguido é imputável.
7. As indemnizações fixadas pelo Tribunal a quo não são exageradas, pelo contrário, achamos que foram muito reduzidas tendo em conta os crimes em causa e os danos não patrimoniais sofridos pela ofendida e seus filhos.
8. A pena aplicada peca por defeito e não por excesso.
9. Pelo que, ao contrário do alegado pelo recorrente, a pena não é excessiva, nem injusta, nem desproporcional.
Nos termos expostos, deve o recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a sentença recorrida que condenou a recorrente nos seus precisos termos, assim resultando, a nosso ver, devidamente interpretada e aplicada a Lei e realizada a JUSTIÇA.
Contestando o recorrente, também, o montante da condenação na parte cível, o âmbito da presente vista não atenderá a essa parte do recurso.
Por outro lado, as questões que o recorrente suscita quanto aos critérios que estiveram subjacentes à determinação da medida da pena de cúmulo, na medida em que são (também) reportados a factos não provados, como se fossem factos provados não podem ser considerados para suporte das pretensões do recorrente, pois o Supremo Tribunal de Justiça só conhece de Direito.
Por fim, a invocação de nulidade por violação do princípio do contraditório previsto n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil com que remata, em parte, as suas conclusões, não tem qualquer respaldo nem nas razões da motivação do recurso, nem está suportado em qualquer nulidade prevista no Código de Processo Penal, não se percebendo o seu fundamento ou alcance, pelo que só eventual lapso a pode justificar ou então só reportada à impugnação da decisão em matéria cível se poderá eventualmente reconduzir.
Posto isto sumariamente, e não sendo contestados os factos e a qualificação jurídica, vejamos se a determinação da medida concreta da pena de cúmulo merece censura.
Atendendo ao disposto no artigo 77.º, n.º 2 do Código Penal, a moldura penal a considerar no caso tem como limite mínimo 3 anos e 6 meses e como limite máximo 13 anos e 2 meses de prisão, tendo no caso sido aplicada ao arguido uma pena única de 6 anos e 6 meses de prisão que este considera excessiva.
Na determinação da pena única no cúmulo jurídico de crimes, a legislação penal portuguesa, complementada pela jurisprudência e doutrina, estabelece critérios já consensualizados, orientados pelos princípios da proporcionalidade, adequação e proibição do excesso.
De acordo com o artigo 77.º do Código Penal, quando alguém comete vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado a uma única pena. Esta pena única é determinada considerando em conjunto, os factos e a personalidade do agente, estabelecendo-se um sistema de cúmulo jurídico ao invés de acumulação material de penas. O limite máximo da pena conjunta é a soma das penas concretamente aplicadas aos crimes, sem ultrapassar 25 anos de prisão, e o limite mínimo é a mais elevada das penas aplicadas.
A determinação da pena única envolve várias etapas. Primeiro, fixa-se a pena para cada crime individualmente, conforme o artigo 71.º do Código Penal. Depois, estabelece-se a moldura penal do concurso, com limites definidos pela soma das penas individuais e pela pena mais elevada. Em seguida, procede-se à determinação concreta da pena conjunta, dentro dessa moldura, considerando a gravidade global dos factos e a personalidade do agente. Finalmente, avalia-se a possibilidade de substituir a pena conjunta por uma pena de substituição, se aplicável.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sublinha a importância de uma fundamentação detalhada na fixação da pena única, evitando decisões intuitivas ou arbitrárias. É crucial demonstrar a relação de proporcionalidade entre a pena conjunta e a avaliação conjunta dos factos e da personalidade do agente. Este processo inclui a análise de se os crimes resultam de uma tendência criminosa ou de fatores circunstanciais, bem como os efeitos da pena no comportamento futuro do agente, visando sempre a ressocialização.
No caso da determinação concreta da pena conjunta do concurso, aos critérios enunciados no artigo 71.º, acresce o critério especial fixado no artigo 77.º, n.º1, 2.ª parte, do Código Penal, que determina que “serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
A doutrina reforça que a escolha pelo sistema de cúmulo jurídico permite uma avaliação mais justa e global dos factos, evitando que os crimes sejam vistos de forma compartimentada, o que poderia resultar numa gravidade penal exponencial e desproporcionada. A visão de conjunto permite aferir se há uma tendência criminosa ou se os crimes são resultado de circunstâncias isoladas, refletindo-se na medida da pena aplicada.
Como sustenta Figueiredo Dias (in Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Lisboa: Aequitas –Editorial Notícias, 1993, pp. 291-292):
«Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização.».
Importa, assim, fazer atuar uma visão de conjunto dos factos provados, identificar conexões objetivas e subjetivas na sua prática em conjunto com os demais critérios legais enunciados, que servem de quadro e de síntese das exigências de prevenção geral e especial.
A pena única no cúmulo jurídico de crimes é, assim, uma medida complexa e deve ser cuidadosamente fundamentada, que busca equilibrar a justiça penal com a necessidade de ressocialização, respeitando os limites impostos pela culpa e as exigências de prevenção. Este processo assegura uma resposta penal proporcional e adequada, ajustada às circunstâncias dos factos e à personalidade do agente.
Como vem sendo jurisprudência firme e reiterada do Supremo Tribunal de Justiça, o exame, em sede de recurso, da adequação ou correção da medida concreta da pena só é justificado em casos de manifesta desproporcionalidade (injustiça) ou em situações de manifesta violação da racionalidade e das regras da experiência (arbítrio) nas operações de determinação previstas por lei, como a indicação e consideração dos fatores de determinação e medida da pena. Apenas nestas situações é que se justifica uma intervenção do tribunal de recurso para alterar a escolha e a determinação da espécie e da medida concreta da pena.
Este sentido e método jurisprudencial é válido tanto para a determinação das medidas das penas parcelares quanto para a pena única ou conjunta.
O acórdão recorrido – depois de subsumida a conduta aos correspondentes tipos de ilícito e depois de justificada a escolha da pena de prisão quanto ao crime de dano – quando à determinação concreta da medida da pena, considerou o seguinte quadro de fatores ponderativos:
(…)
Não se percebe que o recorrente queira ver no consumo de bebidas alcoólicas, porventura facilitador de disfuncionalidade e conturbação das relações familiares e conjugais, um fator atenuativo da imputabilidade. Pelo contrário, o efeito de tal etiologia é, antes, o de amplificar a persistência criminógena pela indução de impulsividade e agressividade e é um fator de risco de reincidência ou de reiteração da conduta violenta, tendo o próprio recorrente reconhecido perante os técnicos da DGRSAP ser impulsivo e ter tendência para perder o autocontrolo perante situações em que é alvo de algum tipo de insultos, provocações ou atitudes contrárias às que defende, situações que o deixam emocionalmente alterado. (ver facto provado 80). É por via dessa avaliação que se deve contextualizar o impulso e personalidade do arguido na prática de alguns dos factos pelos quais foi condenado e que, como concluiu o tribunal ad quem, “«no referido dia .../.../2024, ateou fogo à porta da habitação da assistente nos termos descritos na acusação, sendo que o fez por ciúmes e porque estava revoltado por a assistente ter terminado a relação e estar com o namorado dentro de casa. Referiu que tal revolta se devia também ao facto de o namorado da assistente, EE, nos dias anteriores, lhe ter estado a enviar mensagens, onde referia ao arguido que ele não era um bom pai e que se o filho estivesse com ele passava fome. Foi então que nesse dia, revoltado, bebeu uns copos e acabou por atear o fogo naqueles termos.” (sublinhados nossos). Portanto, a invocação da ingestão de bebidas alcoólicas, no contexto dos factos, ao invés de atenuar – o que seria inverter a lógica da responsabilidade penal, bonificando a autocolocação voluntária em déficit de domínio sobre os seus atos –, antes deve reforçar a necessidade da resposta penal adequada em razão da perigosidade e do risco de reiteração criminosa que representa, ou seja, por razões de prevenção especial que, porém, no caso e no conjunto dos fatores a atender, não foram globalmente consideradas como muito relevantes.
O mesmo se diga do impulso motivador da conduta, que o recorrente procura justificar pelo ciúme, revolta e frustração provocados pelo novo relacionamento da ex–companheira. A serem fatores a destacar não o podem ser em tonalidade atenuativa, pois revelam falta de autocontrolo e impreparação para gerir sentimentos, o que significa que, como já atrás referido e reconhecido pelo próprio recorrente, potenciam perigosidade que importa conter através da pena.
Por outro lado, ao contrário do que o recorrente alega, o tribunal a quo ponderou, entre os fatores a atender como atenuantes, quer a confissão de parte dos factos (negou os factos relativos à violência doméstica e outros), quer a ausência de antecedentes criminais, quer o arrependimento (verbal) evidenciado e a capacidade de autocensura, além da regular inserção socio–familiar e laboral do recorrente e, portanto, em termos que tenderam a fixar a pena única no patamar mínimo exigido pelas razões de prevenção geral.
As conexões a atender e que importam para avaliar a gravidade dos factos e a personalidade do arguido neles manifestada e que fundamentam a pena única aplicada, podem agrupar–se do seguinte modo.
Assim:
• A ilicitude das condutas é caracterizada como intensa e os factos como de elevada gravidade, tanto quanto ao crime de dano, como designadamente quanto aos crimes de incêndio e de homicídio tentado porquanto o arguido praticou tais factos durante a noite, no período de descanso das vítimas, conhecendo as características da residência que incendiou, o risco de propagação e o número e idade das pessoas que se encontravam no seu interior.
• O dolo é o de grau mais elevado no que se refere ao dano e ao incêndio e eventual quanto às tentativas de homicídio.
• A culpa é caracterizada como mediana.
• As consequências (danos pessoais e patrimoniais) não foram muito relevantes, mas o arrependimento do arguido ficou–se pela verbalização e não pela reparação do mal causado.
• As exigências de prevenção especial de ressocialização não são muito relevantes, por o arguido ser primário e relativamente jovem, tendo revelado autocensura em relação aos seus atos e confessado parte dos factos, não se podendo, porém, esquecer os sentimentos manifestados no cometimento dos crimes e os fins e motivos que os determinaram, os quais (citando o Ministério Público em 1.ª instância) caracterizam a atitude interna ou a atitude moral do agente que, no caso, se revelaram na indiferença em relação às consequências da sua conduta, sobretudo para a vida das vítimas.
• Já as exigências de prevenção geral são assaz elevadas no que se refere aos crimes de incêndio e tentativa de homicídio e mesmo quanto ao dano, conforme salientado no acórdão e pelas razões aí constantes.
Não se deve esquecer a alta gravidade dos factos na parte em que revelam desprezo pela vida humana e que as penas concreta aplicadas o foram muito perto do mínimo abstrato possível, o que ficou também refletido na pena única aplicada, solução que permite ainda garantir o mínimo das exigências de prevenção geral positiva, fazendo coincidir os limites mínimos da pena concreta, proporcional e adequadamente, com as exigências de prevenção geral e que a doutrina e jurisprudência entendem, unanimemente, constituir o limite mínimo da pena determinada pelo critério da prevenção especial “(…) a prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena, não como prevenção negativa, de intimidação, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma, enquanto estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da regra infringida”.
Não se afigurando que mereçam correção as operações de determinação da pena única aplicada ou que se identifique omissão da indicação dos fatores relevantes e admissíveis para o efeito, julgamos que a pena única aplicada é uma pena proporcional à gravidade dos factos e às circunstâncias relativas às conexões objetivas, subjetivas, temporais, consequenciais e à projeção nos factos da personalidade do agente, pelo que deve ser pena a manter.
Concordando–se, deste modo, com o sentido das alegações do Ministério Público na 1.ª instância, não se mostram, a nosso juízo, violados quaisquer preceitos legais.
Conclusão:
Em conformidade, somos de parecer que o recurso deverá ser julgado improcedente, confirmando-se integralmente o acórdão recorrido.
Não foi apresentada resposta ao Parecer.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Recorre-se directamente para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos dos nºs 2 e 3 do art 410º do Código de Processo Penal (art. 432º nº 1 al. c) do Código de Processo Penal).
Tendo em consideração o teor do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Uniformização de Jurisprudência 5/2017, de 23 de Junho, a competência do Supremo Tribunal de Justiça é, in casu, inquestionável.
É jurisprudência constante e pacífica que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
O Recorrente não argui expressamente a existência de nulidades ou vícios nas conclusões de recurso e, analisado o acórdão recorrido, não se encontram nulidades ou vícios de conhecimento oficioso (art.s 379º e 410º do Código de Processo Penal).
As questões colocadas são:
1. Erro notório na apreciação da prova1: imputabilidade diminuída;
2. Os critérios de determinação das penas, a medida da pena única e a suspensão da sua execução; e,
3. Montantes indemnizatórios.
Com interesse para a decisão da causa, provaram-se os seguintes factos:
1. O arguido e DD (doravante DD), iniciaram uma relação de namoro em mês não apurado do ano de 2016 passando a viver juntos desde data não apurada de 2017, vivendo, como se de marido e mulher se tratassem, em comunhão de cama mesa e habitação, na residência sita na ....
2. DD já vivia anteriormente na residência supra indicada, tratando-se de uma casa arrendada.
3. Da relação por ambos mantida nasceu HH, em ........2022.
4. Do agregado familiar faziam ainda parte, FF, nascida em ........2011 e GG, nascida em ........2016, filhas da DD, fruto de uma relação anterior.
5. O início do relacionamento decorreu sem incidentes, todavia, depois de DD engravidar, o arguido passou a consumir bebidas alcoólicas em excesso e a consumir produto estupefaciente, designadamente, haxixe.
6. Por força de tais consumos excessivos, geravam-se frequentemente discussões entre o casal, ocorrendo insultos mútuos, sendo que o arguido apelidava a assistente de “puta” e esta, depois, o apelidava de “bêbado” e “drogado”.
7. A DD tentou, por diversas vezes pôr fim ao relacionamento, no entanto, o arguido não aceitava, insistindo para reatarem e, nessas ocasiões, perante a recusa da vitima, dirigia-lhe a seguinte expressão: “se não fores minha não és de mais ninguém”,
8. Em data não apurada, mas quando DD já se encontrava grávida do filho de ambos com cerca de 6 meses de gravidez, gerou-se mais uma discussão entre o arguido e assistente, tendo então a assistente colocado o arguido fora de casa, não lhe permitindo retirar da habitação qualquer objecto.
9. Nessa sequência, no dia seguinte, o arguido, aproveitando que a assistente se havia ausentado da residência comum, muniu-se de um ferro, acedeu ao interior da habitação e partiu vários electrodomésticos, designadamente, uma máquina de secar roupa, um frigorifico e um microondas, os quais eram de sua propriedade, inutilizando-os, provocando estragos de valor não apurado.
10. Em dia não apurado do mês de ... de 2023 quando se encontravam no interior da residência comum, o arguido exigiu que a DD lhe desse dinheiro, tendo esta negado.
11. Perante tal, o arguido apoderou-se da carteira da DD para lhe retirar o cartão de débito tendo esta tentado reaver o cartão de débito.
12. Acto continuo, o arguido e a assistente envolveram-se numa discussão e agrediram-se mutuamente de forma não concretamente apurada.
13. No dia seguinte, o arguido apoderou-se de um telemóvel que era usado pela DD e foi adquirido com dinheiro do primeiro, tendo ido vender o mesmo.
14. Após esse episódio, DD colocou um fim à relação tendo colocado o arguido definitivamente fora de casa no Natal de 2023.
15. Desde então, o arguido não aceitou o fim da relação e por vezes, pressionava a DD para reatar.
16. No dia .../.../2024, por volta das 20h, em conversa telefónica com DD, II disse àquela que o arguido ainda não tinha chegado a casa, sendo que nessa altura, o arguido pernoitava na casa do referido II.
17. Pelo que, DD solicitou a EE, seu namorado, que pernoitasse na sua residência naquela noite.
18. Nesse mesmo dia .../.../2024, cerca das 23h30, o arguido deslocou-se à residência de DD onde se encontrava esta, os seus três filhos e bem assim EE que tinha o veiculo automóvel, com a matricula AT-..-XN, o qual utilizava habitualmente, estacionado perto da residência.
19. Tendo verificado que ali estava o veículo usado por EE estacionado, o arguido, munido de um objecto afiado, que não se logrou identificar, fez vários riscos no veiculo automóvel com a matricula AT-..-NX e arrancou os limpa pára-brisas traseiros bem como tentou incendiar o veículo o que não logrou apenas provocando estragos na roda frontal direita e no guarda-lamas.
20. Com a conduta descrita, o arguido provocou estragos no veiculo AT-..-NX cuja reparação importará um prejuízo patrimonial no valor de €2.468,18 (dois mil, quatrocentos e sessenta e oito euros e dezoito cêntimos).
21. Posteriormente, movido pelos ciúmes, o arguido dirigiu-se à porta da habitação da assistente e munindo-se de um jerrican, contendo combustível no seu interior, regou a porta de entrada da residência com o mesmo e, após, através de chama directa, com recurso a um isqueiro, lançou o fogo que se espalhou pela porta de entrada.
22. O combustível entrou pelo interior da residência, espalhando-se pelo chão da sala.
23. EE, que descansava no sofá, junto à entrada da residência, despertou com o fumo e cheiro a combustível pelo que, de imediato, chamou pela DD e juntos tentaram apagar o incêndio que propagava, logrando tal desiderato, recorrendo a água e panos, tendo apenas a porta ficado parcialmente queimada assim como o tapete da entrada e uma mangueira que ali se encontrava.
24. Quando já haviam contido o incêndio, DD avistou o arguido que abandonava o local apeado.
25. Posteriormente, quando os militares da GNR JJ e KK, já se encontravam na residência de DD, o arguido regressou ao local, arremessando várias pedras na direcção dos militares e de DD, não os tendo logrado atingir.
26. Os militares da GNR seguiram no encalço do arguido todavia este acabou por lhes escapar.
27. O interior da residência onde DD habita com os seus três filhos é constituído por “pladur”, quer nas paredes quer no tecto, sendo que na sala existem diversos moveis em madeira bem como um sofá.
28. As janelas da residência estão vedadas com gradeamento em ferro não sendo possível entrar ou sair pelas mesmas.
29. Junto à porta da residência encontrava-se um aquecedor a gás contendo a respectiva botija que continha gás no seu interior.
30. O arguido residiu naquela residência até ... de 2023 e após essa data frequentava a casa pelo que bem conhecia o seu interior e configuração da mesma.
31. Com a conduta descrita em 6, o arguido pretendia agredir verbalmente a assistente, na sua honra e dignidade pessoal, o que conseguiu.
32. O arguido agiu ainda de forma livre, deliberada e consciente, tendo perfeita consciência que com a sua conduta descrita em 21 e 22 punha em perigo aquela habitação, que sabia não lhe pertencer, bem sabendo que tinha valor bem superior a € 5.100,00, e com intenção de atear o referido incêndio e de deixar o mesmo propagar-se a toda a habitação, o que teria ocorrido não fosse a pronta intervenção de EE que dormia junto à porta da residência.
33. Não ignorava o arguido que o único acesso à residência se fazia pela porta onde ateou o incêndio e que assim impedia que DD, FF, GG, HH e EE pudessem fugir, encurralando-os.
34. O arguido representou como possível tirar a vida à DD, sua companheira, às menores FF e GG, ao seu filho HH, com apenas 2 anos e 6 meses e EE resultado esse que representou e com o qual se conformou, sendo que tal não sucedeu devido à intervenção de terceiros, designadamente, o próprio EE e a DD que lograram apagar o incêndio com rapidez.
35. Não podia o arguido ignorar que, colocando fogo, com recurso a um acelerante (combustível), durante a noite, enquanto todos dormiam, na única porta de entrada e saída da residência, numa residência de dimensões pequenas cuja configuração era do conhecimento do arguido, colocava em perigo a vida de DD, FF e GG, HH e EE e, ainda assim, conformou-se com tal resultado.
36. Não ignorava que o seu filho ali pernoitava e ainda assim agiu do modo supra descrito sem qualquer preocupação com a vida e a integridade física daquele.
37. Sabia igualmente que FF e GG, com 12 e 7 anos de idade, respectivamente, e cuja idade conhecia ali pernoitavam, no entanto não se absteve do modo descrito, sem qualquer preocupação com a vida e a integridade física das menores.
38. O arguido não ignorava que a utilização do fogo, com recurso a um acelerante, era um meio particularmente perigoso, designadamente pelas consequências que poderiam resultar da sua utilização.
39. O arguido sabia que ao riscar a pintura do veiculo automóvel, arrancar os limpa pára-brisas e tentando atear fogo ao veiculo identificado AT-37-NX, o desfigurava e estragava, não obstante, quis fazê-lo com intenção de causar prejuízo ao queixoso, bem sabendo que o veiculo não lhe pertencia e que estava a agir contra a vontade do seu proprietário, resultado aquele que representou.
40. O arguido agiu sempre de modo livre, voluntaria e conscientemente bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e penalmente punidas.
Do Pedido de Indemnização Civil
41. Ao ver a sua vida e a dos seus filhos em perigo, a assistente ficou aterrorizada e angustiada assim como revoltada.
42. Também a menor FF ficou muito assustada com a situação, temendo pela sua vida e pelas vidas da sua mãe e irmãos.
43. A menor GG soube dos factos pela assistente e sente igualmente medo do arguido.
44. Ainda hoje as duas menores vivem em constante sobressalto temendo que o arguido volte a tentar fazer-lhes mal, ou à ofendida.
45. O seu medo é tal que pediram à ofendida que, para além de fechar a porta de casa, coloque todas as noites um ferro a travar a porta, de forma a impedir o arguido de entrar.
46. A ofendida DD continua a sentir receio do arguido.
Mais se provou que:
47. No período temporal anterior aos factos, EE, à data namorado da assistente, enviou mensagens ao arguido nas quais lhe dizia além do mais, para tratar do filho; que se o filho estivesse com ele passava fome.
48. No dia .../.../2024, antes dos factos descritos em 21 e 22, o arguido ingeriu bebidas alcoólicas em quantidade não concretamente apurada.
49. Actuou movido pelos ciúmes e revolta que sentia face ao relacionamento amoroso existente entre a assistente e EE, pelo facto de aquele estar a pernoitar na casa da assistente e pelo facto da assistente não pretender retomar o relacionamento amoroso consigo.
50. O arguido tinha bom relacionamento com o filho HH, assim como com as menores FF e GG.
Das condições socioeconómicas do arguido resultantes do relatório da DGRSP:
51. O arguido nasceu em .../.../1992.
52. AA é natural do Brasil e cresceu num ambiente familiar marcado pela conflitualidade entre os progenitores.
53. O pai era alcoólico e maltratava a mãe e o arguido ainda menor, pelo que os pais se divorciaram quando ainda era criança.
54. A mãe optou por sair de casa e foi viver com os filhos para casa da avó materna.
55. Quando a mãe decidiu emigrar para Portugal, o arguido ficou entregue aos cuidados de uma tia e do pai, e cerca de um ano depois a mãe trouxe os filhos para Portugal.
56. O arguido apenas concluiu o 3.º ano de escolaridade no Brasil e veio para Portugal aos 13 anos de idade.
57. No nosso país, o arguido só frequentou a escola durante um ano, mas não adquiriu mais habilitações escolares.
58. Quanto atingiu a maioridade, começou a trabalhar, tendo registado desde então uma significativa mobilidade laboral.
59. Trabalhou como ..., na montagem de ..., como ... e em negócios relacionados com festas populares, na montagem de barracas, venda de farturas, montagem e desmontagem de carroceis, a maior parte das vezes sem contrato de trabalho.
60. A partir dos 18 anos de idade, o arguido começou a consumir haxixe tendo mantido esse tipo de consumos de forma esporádica ao longo do seu percurso de vida.
61. Segundo referiu aos técnicos da DGRSP, os consumos ocorriam sobretudo ao fim de semana.
62. Aos 19 anos, com o intuito de se autonomizar do agregado familiar de origem com o qual tinha alguns conflitos, optou por sair de casa da progenitora e passou a residir em vários espaços arrendados, juntamente com outros colegas que trabalhavam consigo no mesmo tipo de actividades.
63. Há cerca de cinco anos, depois de ter ido ao ... montar carroceis em festas populares, teve conhecimento e uma oportunidade de trabalho na área da agricultura nessa região, pelo que optou por ficar aí a residir, inicialmente numa tenda de campismo e depois arrendou uma casa.
64. Algum tempo depois conheceu DD e mudou-se para a habitação onde a mesma residia.
65. No período em que estiveram a viver juntos, AA trabalhava na área da agricultura, nomeadamente em quintas dedicadas à viticultura, e também aproveitava alguns fins de semana para trabalhar em serviços de catering para eventos numa quinta nas imediações da residência.
66. Segundo assinala o arguido, auferia cerca de 45,00 euros por dia de trabalho.
67. DD já era beneficiária do RSI e, quando engravidou de HH, como o arguido não declarava os seus rendimentos, também passou a ser beneficiário do RSI, de cerca de 400,00 euros para o agregado familiar.
68. Para além disso, DD recebia o abono e a pensão de alimentos das filhas mais velhas e o casal chegou a beneficiar de ajuda alimentar da Segurança Social.
69. Era com esses rendimentos que asseguravam as principais despesas domésticas, nomeadamente a renda da habitação de 240,00 euros.
70. A separação ocorreu em ... de 2023 e partiu da iniciativa de DD, algo que o arguido não aceitou, pelo que os conflitos entre ambos se agudizaram.
71. O arguido encontrava-se então referenciado por consumos abusivos de bebidas alcoólicas e outras substâncias estupefacientes.
72. Nessa altura esteve algumas semanas a residir numa outra casa que arrendou, mas como não conseguiu pagar a renda e mudou-se para a residência de um amigo até ser preso preventivamente.
73. A ... de ... de 2024 passou a cumprir a medida de coacção de prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de ..., período em que recebeu visitas da progenitora, de um tio, da irmã e do filho.
74. Em Abril integrou uma formação no âmbito do programa vida dirigida a agressores de violência doméstica.
75. Em Maio, esse estatuto coactivo foi alterado e, desde então, tem estado sujeito à obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, que tem cumprido em casa da progenitora, em ..., onde tem coabitado com a mãe e a irmã.
76. A progenitora exerce actividade laboral como ... em hotéis em ... e a irmã perspectiva emigrar em breve para ... para exercer o mesmo tipo de actividade laboral.
77. A habitação tem dois pisos, oito quartos, e foi adquirida pela progenitora do arguido com recurso a empréstimo bancário que ainda se encontra a amortizar com uma prestação mensal de 450,00 euros.
78. As principais despesas fixas com os consumos de electricidade, água e um pacote de telecomunicações, de cerca de 160,00 euros são divididas entre a progenitora e a irmã.
79. Desde que voltou para casa da progenitora, o arguido tem ocupado o seu tempo a realizar trabalhos manuais na construção de barcos, a fazer lives e a interagir através das redes sociais, a jogar playstation, ver televisão e a realizar tarefas domésticas.
80. Aos técnicos da DGRSAP, o arguido admitiu ser impulsivo e ter tendência para perder o autocontrolo perante situações em que é alvo de algum tipo de insultos, provocações ou atitudes contrárias às que defende, situações que o deixam emocionalmente alterado.
81. Desde que foi preso preventivamente tem vindo a ser medicado com Diazepam para a ansiedade e para conseguir dormir, admitindo continuar a sentir-se deprimido.
82. As suas perspectivas de futuro passam por retomar trabalho para readquirir autonomia financeira e habitacional, equacionando a possibilidade de emigrar para ... para trabalhar no sector da construção civil, de modo a conseguir auferir um melhor salário.
83. O arguido não tem antecedentes criminais registados.
2.2. FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram outros factos interesse para a decisão da causa, designadamente que:
a. Já antes de DD engravidar, o arguido passou a consumir bebidas alcoólicas em excesso e a consumir produto estupefaciente, designadamente, haxixe.
b. As discussões referidas em 6 ocorriam diariamente.
c. Nessas ocasiões o arguido negava consumir produto estupefaciente e apelidava a DD de “vai para a puta que te pariu” “só gostas de piça na boca”.
d. Nas circunstâncias descritas em 7, o arguido dirigia à assistente a seguinte expressão: “um dia hei de te matar”.
e. No dia referido em 9, o arguido disse a DD, quando esta regressou a casa “que ia deitar gasolina na casa e a matava”.
f. Nas circunstâncias descritas em 12, o arguido agarrou a DD pelos braços e empurrou-a contra a porta do roupeiro, causando-lhe dores e hematomas nos braços.
g. O telemóvel referido em 13 era propriedade da assistente e foi vendido pelo arguido no Bairro ..., bairro conotado com a venda e consumo de produto estupefaciente.
h. Após os factos descritos em 14, com a desculpa de que pretendia ver o filho, o arguido dirigia-se à casa da DD quase todos os dias.
i. Nas circunstâncias descritas em 15, o arguido dizia à DD “se não te atingir a ti, vou atingir o nosso filho, vou-te fazer a vida negra, toma nota”.
j. O arguido passou, a partir dessa data, a rondar a casa da DD a várias horas durante o dia e a noite, para assim controlar os seus passos e ver quem a visitava.
k. No dia .../.../2024 o arguido disse ao II, que “queria fazer sofrer a DD”.
l. Perante tal, II ligou para a DD advertindo-a que tivesse cuidado com o arguido.
m. O veiculo referido em 18 era propriedade de EE.
n. Os factos descritos em 19 e 20 ocorreram depois dos factos descritos em 21 a 26, tendo o arguido se ausentado do local e depois regressado para esse efeito.
o. O arguido sabia que com as condutas descritas, afectaria a saúde física e psíquica da DD, obrigando-a a viver em constante sobressalto e temor.
p. O arguido agiu, em todo o período acima descrito, com o intuito de intimidar e atingir a dignidade pessoal da DD, humilhando-a e diminuindo-a enquanto pessoa.
q. O arguido agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, com o intuito de agredir física e psicologicamente DD, o que conseguiu, fazendo-a recear pela sua integridade física e até pela própria vida, provocando-lhe mau estar e assim a afectando na capacidade de livremente se decidir, vivendo aquela em constante sobressalto e aterrorizada.
r. Mais sabia que, ao actuar dentro da residência comum do casal, ampliava o sentimento de receio da vítima, visto que violava o espaço reservado da vida privada do casal e o seu carácter securitário.
s. Não se coibiu de praticar os factos na presença do filho menor, bem como, das filhas da DD, também menores de idade.
t. O arguido actuou com o propósito de tirar a vida à DD, às menores FF e GG, ao seu filho HH, e EE.
u. Sabia ainda que o motivo pelo qual pretendeu lançar o fogo à residência e tirar a vida a DD, seu objectivo primordial e bem assim de FF e GG, HH e EE, era despropositada e incompreensível face ao senso comum, relacionando-se com a circunstância de a DD ter colocado fim ao relacionamento e não ceder às suas constantes pressões, motivo totalmente irrelevante e fútil perante o valor da vida de outro ser humano, o que quis e representou.
Do Pedido de Indemnização Civil
v. Também o menor HH ficou muito assustado com a situação.
w. Por causa do sucedido, quer a ofendida, quer as suas filhas têm muita dificuldade em adormecer.
x. O que leva a que durante o dia se sintam exaustas por não descansarem devidamente.
y. As menores ficaram traumatizadas com a conduta do arguido.
z. O medo por elas sentido agravou-se ainda mais com a alteração da medida de coacção aplicada ao arguido.
aa. A ofendida DD é acometida diariamente por um sofrimento atroz por ver a tristeza, medo e angústia que a conduta do arguido provocou nos seus filhos.
bb. O sofrimento dos ofendidos já se verificava ainda antes dos acontecimentos do dia .../.../2024 e foi causado pelos maus tratos infligidos a DD pelo arguido, o que afectou a saúde física e psíquica desta, obrigando-a a viver em constante sobressalto e pavor, humilhando-a e diminuindo-a enquanto pessoa.
cc. Devido às constantes ameaças que lhe dirigia fez com que a assistente receasse pela sua integridade física e até pela própria vida, afectando assim a capacidade de livremente se decidir.
dd. Ao agir dentro da residência comum do casal o arguido ampliava o sentimento de receio da ofendida, pois era o local que devia ser mais seguro.
ee. O arguido maltratava a assistente em frente do seu filho de tenra idade e das filhas desta, ainda menores de idade, o que deixava a assistente ainda mais angustiada e amedrontada, pois tinha a noção dos traumas que os menores sofriam com a violência física e psicológica que o arguido lhe infligia.
ff. A ofendida DD sentiu um enorme desgosto e tristeza ao ver-se ameaçada e enganada pelo homem de quem gostava, sentimentos que se agravaram quando percebeu que o arguido foi capaz de concretizar as ameaças que fazia.
gg. Sentiu-se assim enganada e todas as suas expectativas de uma relação feliz ficaram defraudadas.
hh. Todos estes sentimentos continuam a persegui-la, acrescidos de um enorme arrependimento e revolta por ter confiado no arguido e acreditado que seria um bom companheiro e pai.
ii. E isso reflecte-se sobremaneira no seu estado de espírito, de tal forma que afectou negativamente a sua vivência normal, nomeadamente com família e amigos.
1. Erro notório na apreciação da prova: imputabilidade diminuída
No ponto 11 da motivação o Recorrente refere-se à existência de um erro notório na apreciação da prova, a propósito da questão da imputabilidade diminuída que suscita. Só assim se compreende a questão colocada porquanto a imputabilidade, como tem entendido o Supremo Tribunal de Justiça, releva, em primeiro lugar, da questão de facto. “Com efeito, a imputabilidade constitui o primeiro elemento sobre que repousa o juízo de culpa. Só quem tem determinada idade e não sofre de graves perturbações psíquicas possui aquele mínimo de capacidade de autodeterminação que o ordenamento jurídico requer para a responsabilidade jurídico-penal”. “A existência ou inexistência de dúvidas sobre a integridade mental do agente, constitui matéria de facto excluída dos poderes de cognição do STJ. Constando da decisão recorrida que o arguido agiu sempre livre e deliberadamente, consciente do carácter proibido da sua conduta, não pode o STJ criticar a conclusão de que o arguido é imputável”2.
Face ao exposto e à matéria de facto considerada provada, só a invocação de um dos vícios do art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal permite que se aprecie a questão em apreço, nos termos permitidos pela al. c) in fine do nº 1 do art. 432º do Código de Processo Penal.
Apesar das evidentes deficiências de sistematização, consegue-se extrair do conjunto da motivação e conclusões que o Recorrente entende que da análise conjugada do facto provado 48, com os factos não provados a), e), o), t) e u) se deve concluir que “o recorrente agiu imbuído de um espírito de ciúmes e revolta pelo facto de a ex companheira ter começado um novo relacionamento e motivado pela bebida, e que o tivesse motivado para a forma como actuou confessada e com arrependimento sincero e notório ate aos dias de hoje. Não há nem subsistem dúvidas da factualidade dada como provada e não provada que, aquando da prática dos factos, o arguido encontrava-se alcoolizado sendo que o alcoolismo que sofria, persistente na ocasião do crime, terá afectado de alguma forma a sua capacidade de autodeterminação. Estando perante um caso de imputabilidade diminuída…”
Vejamos então.
Decorre da própria letra da lei que o vício deve resultar “do texto de decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum” (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal). Assim, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento3.
Ocorre o vício previsto na alínea c), do nº 2 do art. 410º quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que são supostas existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente4. Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido5.
O que se observa é que, invocando o vício do erro notório, o Recorrente procura substituir a convicção do julgador pela sua própria percepção e posição sobre o que se deveria ter sido considerado assente.
Da conjugação do facto provado 32 - de que resulta que o arguido ingeriu bebidas alcoólicas em quantidade não concretamente apurada antes de incendiar a casa onde viviam e estavam a ex-companheira, o filho de ambos, os filhos e o namorado daquela – com os referidos factos não provados - a), e), o), t) e u)6 – nada se encontra que ponha em causa a imputabilidade do arguido que o acórdão recorrido deu como assente.
Aliás, da leitura desse acórdão resulta que a questão foi ponderada devidamente:
Tendo em atenção as declarações do próprio arguido:
Relativamente aos factos descritos em 22º e ss. da acusação, assumiu que no referido dia .../.../2024, ateou fogo à porta da habitação da assistente nos termos descritos na acusação, sendo que o fez por ciúmes e porque estava revoltado por a assistente ter terminado a relação e estar com o namorado dentro de casa. Referiu que tal revolta se devia também ao facto de o namorado da assistente, EE, nos dias anteriores, lhe ter estado a enviar mensagens, onde referia ao arguido que ele não era um bom pai e que se o filho estivesse com ele passava fome. Foi então que nesse dia, revoltado, bebeu uns copos e acabou por atear o fogo naqueles termos.
Ao valorar a prova do dolo e da consciência da ilicitude:
Paralelamente, atingiu-se a convicção de que o arguido conhecia as proibições e actuou de forma dolosa em relação a todos os ilícitos, nos termos melhor descritos em 31 a 40.
(…)
A prova do dolo e da consciência da ilicitude dificilmente se alcança de forma directa, a não ser por confissão, havendo que proceder à conjugação da demais factualidade julgada provada com as regras da experiência comum e do conhecimento da vida para se poder concluir pela prova daqueles, valendo em matéria de presunções naturais que interferem na valoração da prova indiciária os ensinamentos, que aqui acompanhamos, plasmados no Acórdão do STJ 06-10-2010 (Henriques Gaspar) www.dgsi.pt.
O dolo, o conhecimento e vontade de praticar o facto com consciência da sua censurabilidade, em qualquer das modalidades previstas no art. 14º do C. Penal, é sempre um facto da vida interior do agente, um facto subjectivo, não directamente apreensível por terceiro. Por isso, a sua demonstração probatória, sobretudo, quando não existe confissão, não pode ser feita directamente, designadamente, através de prova testemunhal. Nestes casos, a prova do dolo tem que ser feita por inferência isto é, terá que resultar da conjugação da prova de factos objectivos – em particular, dos que integram o tipo objectivo de ilícito – com as regras de normalidade e da experiência comum – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06-07-2016 (Vasques Osório) www.dgsi.pt.
Como bem se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10/11/2021, Proc. nº 229/19.8GCVFR.P1, disponível em www.dgsi.pt:
“(…)
IV - Dentro das regras da experiência podem identificar-se dois grupos: as leis científicas (obtidos pelas investigações das ciências, a que se atribui o carácter de empíricas) e as regras de experiência quotidiana (obtidas através da observação, ainda que não exclusivamente cientifica, de determinados fenómenos ou práticas e a respeito das quais se podem estabelecer consenso).
(…)
Como indícios relevantes na prova do dolo encontramos apontados na doutrina , a titulo meramente exemplificativo, os seguintes indicadores:
1- Indícios relativos à oportunidade física e real do arguido: indícios relativos à presença do arguido no lugar dos factos, a posse de certos instrumentos do delito, o conhecimento do lugar ou de certas circunstâncias, etc.
2- Indícios relativos à idoneidade do meio ou importância do local do corpo atingido: por exemplo, não parece credível que um determinado sujeito dispare para o coração da vítima alegando que apenas pretendia lesionar ou assustá-la.
3- Indícios relativos à conduta anterior e posterior do arguido: A intenção do agente é, normalmente, uma conclusão que o tribunal pode e deve fazer a partir da avaliação da conduta do réu, na medida em que seja uma consequência ou prolongamento dos factos a este imputáveis. Imagine-se uma discussão anterior à prática do crime entre o arguido e a vítima.
4- Indícios referentes às características pessoais do sujeito: por exemplo a profissão, os estudos, o nível cultural e as competências adquiridas pelo arguido podem ser relevantes para atribuir certos conhecimentos. É necessário o juiz proceder a uma correta contextualização das características pessoais do agente com a situação concreta do crime. Relevantes são também eventuais condenações anteriores do arguido, quando estas revelem um "modus operandi" semelhante com a prática do crime em análise.
5- Indícios de Participação no Crime: dizem respeito às circunstâncias que se relacionem com o delito, exemplo: sinais de fractura, sangue, golpes, o próprio instrumento do delito. O arguido que esconde o instrumento ou corpo delito evidencia de acordo com as regras da experiência comum, dado o modo de execução, a intenção e consciência de praticar o crime.
6- Indícios relativos às razões do arguido: indícios ligados aos motivos, como a vingança, ódio, raiva, necessidade do arguido (…)”.
Analisando todos os indícios recolhidos e provas produzidas nos autos, estamos em crer que, de acordo com as máximas da lógica e da experiência comum, baseadas no consenso social sobre a normalidade da vida, o arguido ao actuar da forma descrita em 21 e 22, usando gasolina como acelerante e bem conhecendo as características da habitação, que lá poderia ter um aquecedor com uma botija por perto, bem sabia que punha em perigo a referida casa cujo valor e recheio conhecia e bem sabia não lhe pertencer. Sabia que lá estavam dentro a assistente, a testemunha EE e as três crianças e que só existia aquela saída, sendo que as janelas tinham grades.
Não colheram as declarações do arguido de que com a sua conduta, não queria fazer mal ninguém, só queria assustar e confrontar o EE. É evidente que tal não ocorreu. Pela forma como actuou antes e depois dos factos, o local onde ateou o fogo, as características da habitação e o seu recheio, que bem conhecia, os instrumentos utilizados, a sua motivação, o arguido tinha necessariamente de ter representado como possível tirar a vida à DD, ao EE e aos três menores, ainda que gostasse destes e tivesse com eles bom relacionamento, resultado esse que representou e com o qual se conformou e só não ocorreu, por razões alheias à sua vontade. De facto, se a testemunha EE não estivesse a dormir no sofá e não tivesse acordado com o cheiro a gasolina, a chama poderia muito rapidamente passar para o referido aquecedor e explodir a botija, provocando a destruição total da habitação e a morte de todos os seus residentes. Tal só não ocorreu devido à intervenção de terceiros, designadamente, o próprio EE e a DD que lograram apagar o incêndio com rapidez. O arguido não podia deixar de representar estes factos, como efectivamente cremos que representou e com os quais se conformou, caso vissem a ocorrer. Felizmente tal não ocorreu, tendo apenas a porta ficado parcialmente queimada assim como o tapete da entrada e uma mangueira, que ali se encontrava.
O arguido sabia as idades dos menores, sendo que um deles era o seu filho e os outros dois residiram consigo. Obviamente que o arguido não ignorava que a utilização do fogo, com recurso a um acelerante, era um meio particularmente perigoso, designadamente pelas consequências que poderiam resultar da sua utilização. Não é necessário ter-se estudos com grandes conhecimentos para se conhecer tal facto que, aliás, decorre das regras da experiência comum.
É assim de concluir, face a todo o circunstancialismo que ficou apurado, concatenado com as regras de experiência de vida, que a modalidade do dolo presente no caso em apreço em relação aos crimes de homicídio tentado é tão só a modalidade do dolo eventual, no qual, como ensina Manuel Cavaleiro Ferreira7, “há um enfraquecimento que se verifica tem lugar tanto na consciência ou elemento cognoscitivo como na vontade ou elemento volitivo”, acrescentando que quanto ao elemento cognoscitivo não é necessário que o agente preveja a realização do facto ilícito como consequência necessária e antes bastará que a preveja como consequência possível do seu comportamento e quanto ao elemento volitivo não será preciso que o crime seja o fim objectivo do próprio agente, bastando que “se conforme com essa realização”.
E, conforme bem se salienta no acórdão do S.T.J. de 14 de Janeiro de 2020, Relator: Paulo Ferreira da Cunha, procº 1654.17.4JAPRT.C1.S, in ECLI:PT:STJ: “A verificação da existência de elementos integradores do dolo pressupõe uma valoração que decorre de indícios, designadamente o perfil de atuação do agente, e deve ancorar-se em regras da experiência, ou mesmo em leis científicas, quando for o caso. Contudo, sendo em ultima ratio insondáveis os desígnios mais íntimos ou recônditos, há que separar, com rigor, v.g. o aparato de uma factualidade de profunda ilicitude, com culpa evidente e chocante, de uma certeza do julgador sobre a intencionalidade de produzir determinados efeitos, nomeadamente o querer a morte da vítima”.
Diga-se por último que conforme se salienta no acórdão da Relação do Porto de 28 de Outubro de 20208, “a “decisão” de cometer o crime, a que se reporta o artigo 22.º, n.º 1, do Código Penal quando define a tentativa, é compatível com qualquer das modalidades de dolo e, portanto, também com a decisão de se conformar com o resultado própria do dolo eventual; este também implica, como as outras modalidades de dolo, representação e vontade, mesmo que esbatidas ou enfraquecidas”.
Conclui-se assim que a conduta do arguido quanto aos crimes de homicídio tentado se reconduz à modalidade do dolo eventual.
E, adiante, a propósito dos crimes de homicídio qualificado (sublinhado do relator):
Ora analisando as circunstâncias em que foram cometidos os crimes, temos que, apesar de o arguido ter usado da prática de crime comum, recorrendo a incêndio, o que é efectivamente um meio perigoso, o certo é que se tratou de um incêndio de reduzidas dimensões, sem qualquer premeditação ou preparação dos meios. É certo que usou um acelerante – gasolina – mas não terá sido em grandes quantidades porquanto se assim fosse o incêndio teria atingido logo outras proporções. Note-se que, apenas a porta e o tapete da entrada ficaram parcialmente queimados. Bem diferente seria por exemplo se o arguido tivesse de imediato regado a casa toda com gasolina e ateado o fogo. Tratou-se de um acto algo irreflectido, provocado pelos ciúmes e pela revolta provocada pelo facto de ter visto a viatura de EE á porta da residência e percebendo que aquele ali estava a pernoitar com a assistente. Revolta essa exacerbada pelo facto de EE lhe ter enviado pouco tempo antes mensagens nas quais lhe dizia além do mais, para tratar do filho; que se o filho estivesse com ele passava fome. Ademais o arguido, embora estando plenamente consciente, havia ingerido nos momentos anteriores, bebidas alcoólicas em quantidade não concretamente apurada. Em relação ao filho HH e às vítimas FF e GG, provou-se que o arguido tinha bom relacionamento com estes, tendo sido classificado pela própria assistente e pela mãe desta como um bom pai e um bom padrasto. Estas vítimas não eram o alvo do arguido e foram “apanhadas na situação”, sendo que o arguido não se dirigiu a elas directamente com qualquer motivação censurável.
Note-se que o arguido actuou com dolo eventual, onde o conteúdo da culpa é menor que nas demais modalidades do dolo.
Cremos que dos excertos transcritos resulta evidente que o tribunal a quo ponderou devidamente a questão da imputabilidade, concluindo fundamentadamente que o arguido estava plenamente consciente apesar de ter ingerido bebidas alcoólicas.
Assim, in casu o consumo de álcool foi procurado propositadamente pelo Recorrente o que afasta a existência de natureza atenuante em tal intoxicação. Como bem salienta o PGA “Não se percebe que o recorrente queira ver no consumo de bebidas alcoólicas, porventura facilitador de disfuncionalidade e conturbação das relações familiares e conjugais, um fator atenuativo da imputabilidade. Pelo contrário, o efeito de tal etiologia é, antes, o de amplificar a persistência criminógena pela indução de impulsividade e agressividade e é um fator de risco de reincidência ou de reiteração da conduta violenta, tendo o próprio recorrente reconhecido perante os técnicos da DGRSAP ser impulsivo e ter tendência para perder o autocontrolo perante situações em que é alvo de algum tipo de insultos, provocações ou atitudes contrárias às que defende, situações que o deixam emocionalmente alterado. (ver facto provado 80). É por via dessa avaliação que se deve contextualizar o impulso e personalidade do arguido na prática de alguns dos factos pelos quais foi condenado e que, como concluiu o tribunal ad quem, “«no referido dia .../.../2024, ateou fogo à porta da habitação da assistente nos termos descritos na acusação, sendo que o fez por ciúmes e porque estava revoltado por a assistente ter terminado a relação e estar com o namorado dentro de casa. Referiu que tal revolta se devia também ao facto de o namorado da assistente, EE, nos dias anteriores, lhe ter estado a enviar mensagens, onde referia ao arguido que ele não era um bom pai e que se o filho estivesse com ele passava fome. Foi então que nesse dia, revoltado, bebeu uns copos e acabou por atear o fogo naqueles termos.” (sublinhados nossos). Portanto, a invocação da ingestão de bebidas alcoólicas, no contexto dos factos, ao invés de atenuar – o que seria inverter a lógica da responsabilidade penal, bonificando a autocolocação voluntária em déficit de domínio sobre os seus atos –, antes deve reforçar a necessidade da resposta penal adequada em razão da perigosidade e do risco de reiteração criminosa que representa, ou seja, por razões de prevenção especial que, porém, no caso e no conjunto dos fatores a atender, não foram globalmente consideradas como muito relevantes” .
Conclui-se, assim, que a opção do tribunal recorrido está devidamente fundamentada e a análise conjunta dos factos provados e não provados não impõe, nem sequer permite, a interpretação pretendida pelo Recorrente, porquanto muito embora tivesse ingerido bebidas alcoólicas, tinha capacidade para avaliar a ilicitude da conduta e de se determinar de acordo com essa avaliação.
Aliás, a circunstância de conhecer os efeitos que sobre si exerce o consumo de álcool, não pode deixar de lhe ser censurada, ou seja, ainda que se equacionasse a hipótese da imputabilidade diminuída no momento da prática dos crimes, sempre se concluiria que esse estado não o impediu de agir livre e conscientemente – como agiu – bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei. Consequentemente, sendo certo que nem a lei, nem a doutrina nem a jurisprudência9 impõem uma atenuação da pena em casos de imputabilidade diminuída, face às qualidades pessoais do agente que fundamentam o facto, a putativa imputabilidade diminuída não determinaria a atenuação da pena.
Assim, lido e relido o acórdão constata-se que do mesmo, por si só ou conjugada com o senso comum, não resulta nenhum erro notório na apreciação da prova para o homem médio. Bem pelo contrário, são expostas de forma clara, lógica e racional, as razões da opção tomada, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova. Também não existe fundamento para cogitar a imputabilidade diminuída do arguido.
2. Critérios de determinação das penas, a medida da pena única e a suspensão da sua execução
O Recorrente sustenta que a ingestão de bebidas alcoólicas antes da prática dos crimes de dano, incêndio e homicídios tentados, a consequente culpa diminuída e o dolo eventual não foram tidos em consideração, com efeito atenuante, na aplicação da medida da pena. Salienta ainda a ausência de valoração da inserção social e familiar e da ausência de antecedentes criminais, referindo ainda a confissão integral e sem reservas relevante, o arrependimento e o propósito de ser socialmente útil. Parece ainda questionar, quanto ao crime de dano a opção pela pena privativa de liberdade.
Considera a pena aplicada desproporcional, excessiva, injusta e violadora do disposto nos artigos 40º, 50º e 71º todos do Código Penal e pugna pela redução da pena para não mais de cinco anos de prisão e pela sua suspensão sujeita a regime de prova e vigilância tutelar dos serviços de reinserção social.
O acórdão recorrido fundamentou a escolha e medida concreta das penas e o cúmulo jurídico da seguinte forma (transcrição):
4. AS PENAS
4.1. Da Escolha e da medida concreta das penas
O crime de incêndio é punido pelo artigo 272º nº 1 do CP, com pena de prisão de 3 a 10 anos.
O crime de homicídio é punido pelo artigo 131º do C. Penal com pena de prisão de 8 a 16 anos.
No que se refere a este crime, verifica-se, em concreto, a existência de uma circunstância modificativa atenuante de forma a atenuar os limites máximo e mínimo das molduras penais abstractamente aplicáveis.
Efectivamente, o crime foi praticado na sua forma tentada, pelo que de acordo com o disposto no art. 23º nº 2 do C.P. “A tentativa é punível com a pena aplicável ao crime consumado, especialmente atenuada”. Tal consubstancia, portanto, uma remissão obrigatória para o artigo 73º do C.P., o qual determina os termos da atenuação especial.
Ora, de acordo com o referido nas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 73º do C.P, o referido crime será punível com uma moldura penal abstracta cujo limite mínimo é de 1 ano, 7 meses e 6 dias e o limite máximo é de 10 anos e 8 meses.
O crime de dano é punido pelo artigo 212º nº 1 do C. Penal, com pena de prisão de 1 mês a 3 anos ou com pena de multa de 10 a 360 dias.
A escolha da espécie da pena deve ser orientada pelo critério previsto no art. 70º do Código Penal o qual estipula que “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Este critério geral ancora-se num princípio de necessidade, de proporcionalidade e de subsidiariedade da pena de prisão, tendo em vista, as finalidades das penas. O referido artigo 70º deve ser conjugado com o artigo 40º nº 1 do Código Penal o qual estipula que “A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. De acordo com FIGUEIREDO DIAS, o legislador tomou posição sobre a problemática dos fins das penas: “são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa (…)10. A prevenção geral positiva pressupõe a protecção dos bens jurídicos, sendo que a prevenção especial positiva supõe a reintegração do agente na sociedade. De facto, a prevenção geral positiva pressupõe a pena como um factor de reforço da confiança da população no funcionamento do sistema penal repressivo e em última instância como instrumento de política social ao serviço da população. Visa-se com a pena, como refere Gunther Jakobs, a “estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida”. De acordo com a prevenção especial positiva a pena tem um objectivo de reinserção social ou ressocialização do condenado, o qual aliás decorre do art. 43º nº 1 do CP.
Segundo Figueiredo Dias, o ponto de partida há-de ser a prevenção especial, funcionando a prevenção geral apenas como um veto. Esclarece ainda o Ilustre Autor na ob. cit. que “o Tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas (…)” e “a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias”.
No presente caso, as exigências de prevenção geral são muito elevadas. Nos crimes de dano, o bem jurídico tutelado é de natureza patrimonial, a propriedade, consubstanciando este tipo de crime um ilícito gerador de grande alarme social
Por sua vez as exigências de prevenção especial não são elevadas uma vez que o arguido não tem antecedentes criminais registados por crime desta natureza ou qualquer outro.
Ainda assim, atendendo às elevadas exigências de prevenção geral e à gravidade dos factos assim como ao contexto em que os mesmos foram praticados e às suas consequências, tem de entender-se que a opção pela pena de multa é manifestamente insuficiente para a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência das normas violadas, pelo que o Tribunal opta pela aplicação da pena de prisão em relação a este crime.
E aqui regem uma vez mais os critérios contidos nos artigos 47º e 71º, ambos do Código Penal.
Nos termos do artigo 71º, n.º1, do Código Penal, “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.”
Assim, na determinação da medida concreta da pena, é preciso atender às finalidades próprias das penas, previstas no artigo 40º do Código Penal.
Assim, o julgador deve atender às finalidades de prevenção geral (sobretudo positiva), mas deve também orientar-se por finalidades de prevenção especial, já que a pena visa também a reintegração ou ressocialização do agente do crime, de forma a que ele adopte, no futuro, condutas conformes com os valores e bens tutelados pelo direito.
O n.º 2 do artigo 40º do Código Penal dispõe ainda que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.” O nosso sistema penal assenta no princípio unilateral da culpa, nos termos do qual, não pode haver pena sem culpa, ainda que possa haver culpa sem pena. Além disso, a culpa enquanto juízo de censura inevitavelmente decorrente da dignidade da pessoa humana (artigo 1º da Constituição da República Portuguesa) funciona, não como pressuposto mas como fundamento e limite inultrapassável da medida da pena.
Assim, a culpa funciona como moldura de topo da pena, funcionando dentro dela as sub - molduras da prevenção, prevalecendo a geral sobre a especial. Para tanto, atender-se-á, nos termos do artigo 71º, n.º 2, do Código Penal, a “todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”.
A prevenção geral atinge as suas exigências mais prementes ou mais elevadas, o seu expoente máximo de maior intensidade dissuasora na punição do crime de homicídio, em que a reposição contrafáctica da norma violada pressupõe o restabelecimento da confiança da comunidade na norma violada, pois que ninguém se sentirá seguro, nem haverá sociedade que subsista se a punição das actuações homicidas ficar aquém da necessidade, forem inadequadas ou desproporcionais ao âmbito de protecção da norma na defesa e salvaguarda da vida humana.
Relativamente ao crime de incêndio, também as exigências de prevenção geral que se fazem sentir neste tipo de crime são bastante elevadas, havendo que ter em consideração a natureza e a relevância dos bens jurídicos protegidos pelo tipo legal de crime em análise, concretamente o ecossistema florestal, a vida, a integridade física e os bens patrimoniais alheios de valor elevado, bem como e ainda o facto de se tratarem crimes cuja prática tem sido cada vez mais frequente, tendo ocorrido no nosso país num passado muitíssimo recente grandes tragédias, com a morte de inúmeras pessoas, decorrentes de incêndios, muitos dos quais com origem humana. É, portanto, um crime que cria muito alarme social, razão pela qual é mais do que notória e premente a exigência por parte da comunidade da reposição da confiança dos cidadãos na validade e vigência das normas em apreço.
Quanto ao grau de culpa, de salientar que o arguido actuou com dolo eventual sendo este menor do que o das outras classes de dolo porque aqui o resultado não foi nem pressuposto nem tido como seguro, mas sim que se abandona o curso das coisas. Aumenta a culpa do arguido a relação de parentesco que o liga à vítima HH, seu filho e bem assim o facto de ter sido companheiro da assistente, também mãe do seu filho, a quem devia em função disso, um especial dever de respeito.
O grau de ilicitude é elevado, atento o meio utilizado pelo arguido através da prática de perigo comum (fogo com uso de acelerante) e das consequências que daí poderiam ter advindo. Apesar disso, as consequências foram menores, porquanto o incêndio foi de curta duração e dimensão, sendo que apenas a porta de entrada ficou parcialmente queimada assim como o tapete da entrada e uma mangueira que ali se encontrava.
De realçar que as vítimas, apesar de tudo, não sofreram qualquer lesão física.
Quanto às condições pessoais e à situação económica do arguido, provou-se que o arguido tem actualmente 31 anos de idade. Fará 32 no próximo dia .../.../2025.
Tendo atravessado uma infância conturbada, marcada pelos hábitos alcoólicos do progenitor e os maus tratos que o mesmo dava à mãe, o arguido apenas concluiu o 3.º ano de escolaridade no Brasil e veio para Portugal aos 13 anos de idade. No nosso país, o arguido só frequentou a escola durante um ano, mas não adquiriu mais habilitações escolares.
Quanto atingiu a maioridade, começou a trabalhar, tendo registado hábitos de trabalho apesar de uma significativa mobilidade laboral, certamente relacionada com o facto de ser imigrante. Trabalhou como ..., na montagem de ..., como ... e em negócios relacionados com festas populares, na montagem de barracas, venda de farturas, montagem e desmontagem de carroceis, a maior parte das vezes sem contrato de trabalho.
A partir dos 18 anos de idade, o arguido começou a consumir haxixe, tendo mantido esse tipo de consumos de forma esporádica, ao longo do seu percurso de vida.
Há cerca de cinco anos, foi residir para ... onde conheceu DD e mudou-se para a habitação onde a mesma residia.
No período em que estiveram a viver juntos AA trabalhava na área da agricultura, nomeadamente em quintas dedicadas à viticultura, e também aproveitava alguns fins de semana para trabalhar em serviços de catering para eventos numa quinta nas imediações da residência, auferindo cerca de 45,00 euros por dia de trabalho.
DD já era beneficiária do RSI e, quando engravidou de HH, como o arguido não declarava os seus rendimentos, também passou a ser beneficiário do RSI, de cerca de 400,00 euros para o agregado familiar. O agregado recebia também o abono e a pensão de alimentos das filhas mais velhas e o casal chegou a beneficiar de ajuda alimentar da Segurança Social. Era com esses rendimentos que asseguravam as principais despesas domésticas, nomeadamente a renda da habitação de 240,00 euros.
A ... de ... de 2024 passou a cumprir a medida de coacção de prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de ..., período em que recebeu visitas da progenitora, de um tio, da irmã e do filho.
Actualmente e desde Maio, tem estado sujeito à obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, que tem cumprido em casa da progenitora, em ..., onde tem coabitado com a mãe e a irmã. A progenitora exerce actividade laboral como ... em hotéis em ... e a irmã perspectiva emigrar em breve para ... para exercer o mesmo tipo de actividade laboral.
Desde que voltou para casa da progenitora, o arguido tem ocupado o seu tempo a realizar trabalhos manuais na construção de barcos, a fazer lives e a interagir através das redes sociais, a jogar playstation, ver televisão e a realizar tarefas domésticas.
Aos técnicos da DGRSAP, o arguido admitiu ser impulsivo e ter tendência para perder o autocontrolo perante situações em que é alvo de algum tipo de insultos, provocações ou atitudes contrárias às que defende, situações que o deixam emocionalmente alterado.
As suas perspectivas de futuro passam por retomar trabalho para readquirir autonomia financeira e habitacional, equacionando a possibilidade de emigrar para ... para trabalhar no sector da construção civil, de modo a conseguir auferir um melhor salário.
Não regista antecedentes criminais, sendo este o seu primeiro contacto com o sistema de justiça penal.
Em audiência de julgamento, o arguido apesar de não ter assumido integralmente os factos, confessou grande parte dos mesmos e evidenciou arrependimento e capacidade de autocensura pelo mal cometido.
Tudo ponderado, entendem-se justas e adequadas as seguintes penas:
• 3 anos e 6 meses de prisão para o crime de incêndio;
• 2 anos de prisão para o crime de homicídio tentado em relação á assistente DD;
• 1 ano e 10 meses de prisão para o crime de homicídio tentado em relação ao ofendido EE;
• 1 ano e 9 meses de prisão para cada um dos dois crimes de homicídio tentado em relação às ofendidas FF e GG;
• 1 ano e 11 meses de prisão para o crime de homicídio tentado em relação ao ofendido HH;
• 5 meses de prisão para o crime de dano;
Tais penas são as que melhor correspondem à necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto, às exigências de prevenção especial e às expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada.
4.2. Do cúmulo jurídico das penas de prisão
Estabelece o artigo 77º nº 1 do Código Penal “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”. E o nº 2 estabelece que “A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.
Como refere Figueiredo Dias11, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 72º-1 (actual 71º-1), um critério especial: o do artigo 77º, nº 1, 2ª parte.
Explicita o Autor que, na busca da pena do concurso, “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”.
E acrescenta que “de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.
A moldura abstracta do concurso tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas, e como máximo a soma de todas elas, mas sem ultrapassar 25 anos de prisão.
De forma que o limite mínimo da moldura penal da pena aplicável em cúmulo é de 3 anos e 6 meses e o limite máximo é de 13 anos e 2 meses.
Vimos já culpa é mediana e a ilicitude é intensa. Apesar disso, as consequências foram menores, atendendo à quase inexistência de danos patrimoniais. De realçar que as vítimas, apesar de tudo, não sofreram qualquer lesão física.
Os factos praticados assumem elevada gravidade. Na avaliação da personalidade do arguido e da sua situação económica e social, importa reter o que consta dos factos provados.
Por outro lado, analisando o certificado de registo criminal, o arguido não carece de forte socialização, sendo primário e relativamente jovem.
Em audiência de julgamento confessou parte dos factos constantes da acusação e evidenciou arrependimento.
Neste contexto, valorando o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relação com a personalidade dos arguidos, afigura-se justo aplicar ao arguido, uma pena única de 6 anos e 6 meses de prisão.
A determinação da medida concreta das penas deve ser encontrada em função da culpa do agente nos termos do artigo 71º nº 1 do Código Penal – que constitui limite máximo inultrapassável (art. 40º nº 2 do Código Penal) - tendo ainda em conta as necessidades de prevenção geral, necessárias para tutelar o ordenamento jurídico, de modo a repor a confiança no efeito tutelar da norma violada em reacção aos valores e bens jurídicos que lhe subjazem – determinativas do limite mínimo da pena, acabando a pena concreta por ser encontrada, dentro destes limites, de acordo com as exigências de prevenção especial de ressocialização manifestadas pelo agente, que vão determinar, assim, qual o quantum da pena necessário para o reintegrar socialmente, se for caso disso, e ter sobre ele um efeito preventivo no cometimento de futuros crimes12.
Os critérios para a fixação da pena única devem reflectir uma ponderação das “características da personalidade do agente, em termos de revelar ou não tendência para a prática de crimes ou de determinado tipo de crime, devendo a pena única reflectir essa diferença em termos substanciais”, sendo essencial considerar o tipo de criminalidade em causa e efectuar uma “conveniente avaliação da totalidade dos factos como unidade de sentido, enquanto reportada a um determinado contexto social, familiar e económico e a uma determinada personalidade”.
“Na avaliação desta personalidade unitária do agente, releva, sobretudo «a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização.»
Por conseguinte, a medida da pena do concurso de crimes tem de ser determinada em função desses factores específicos, que traduzem a um outro nível a culpa do agente e as necessidades de prevenção que o caso suscita” 13.
Do seu teor resulta uma preocupação de atender a todas as circunstâncias exógenas ao tipo quer agravantes, quer atenuantes.
Encontra-se devidamente fundamentada a opção pela pena de prisão quanto ao crime de dano, atendendo à gravidade dos factos, ao contexto em que os mesmos foram praticados, na mesma ocasião de outros crimes puníveis apenas com pena de prisão e às suas consequências14. Ao contrário do invocado, a ingestão de bebidas alcoólicas antes da prática dos crimes de dano, incêndio e homicídios tentados foram determinantes da subsunção da conduta do arguido à espécie de dolo menos grave, o dolo eventual. Bem assim é evidente a preocupação de especificar e valorar todos os factores pessoais, sociais e familiares, a ausência de antecedentes criminais e a confissão de grande parte dos factos, o arrependimento e capacidade de autocensura pelo mal cometido, evidenciados em audiência.
Por outro lado, na determinação da pena única, o tribunal a quo ponderou a culpa mediana e a ilicitude intensa, as consequências menores, porquanto as vítimas não sofreram qualquer lesão física e quase não houve danos patrimoniais; os factos praticados de elevada gravidade; a ausência de antecedentes criminais, a relativa juventude e as necessidades de socialização que não são fortes; a confissão parcial e o arrependimento evidenciado.
Assim, na avaliação da personalidade unitária do agente, deixou claro que o conjunto dos factos é reconduzível a uma mera pluriocasionalidade que não radica na personalidade.
Como é consabido, o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico também em matéria de pena e a sindicabilidade da medida concreta da pena em recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas, de acordo com Figueiredo Dias15 não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se “tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”16 reconhecendo-se, assim, uma margem de actuação do juiz dificilmente sindicável se não mesmo impossível de sindicar17.
Como se disse, foram respeitados os princípios gerais que presidem à determinação da medida das penas parcelares e pelas operações de determinação impostas por lei, com a indicação e consideração dos factores de medida da pena, tendo sido sopesadas todas as circunstâncias atendíveis. Não se observa, assim, a violação do disposto nos art.s 40º, 50º e 71º do Código Penal, ao contrário do pretendido.
Resta, então apreciar se a pena única – porquanto o Recorrente apenas se insurge em relação a esta e não questiona as penas parcelares – definida pelo tribunal a quo é “desproporcional, excessiva, injusta”, ou se, ao invés, se mostra justa, adequada e proporcional, sendo certo que não sendo caso de manifesta desproporcionalidade18, não se justifica qualquer compressão.
A pena única foi fixada em 6 anos e 6 meses de prisão, ainda abaixo de 1/3 da diferença entre o mínimo de 3 anos e 6 meses (pena parcelar mais alta) e o máximo de 13 anos e 2 meses de prisão (soma de todas as penas parcelares), nos termos do art. 77º nº 2 do Código Penal.
A fórmula aplicada na determinação da pena única mostra-se adequada às circunstâncias concretas do caso e, por isso, deve ser mantida, por corresponder ao mínimo indispensável para garantir a tutela dos valores violados, satisfazer as necessidades de prevenção geral e as exigências de prevenção especial, mostrando-se justa – proporcional, adequada e necessária – e conforme aos critérios plasmados no art. 71º do Código Penal, em sintonia com a jurisprudência deste Tribunal para casos semelhantes19.
3. Montantes indemnizatórios
Regista-se a condenação no pagamento à Demandante FF, representada pela progenitora DD, da quantia global de € 4.000,00 e à Demandante GG representada pela progenitora DD, a quantia global de € 3.000,00, sendo o pedido de condenação em indemnização de € 40.000,00 para cada.
Nos termos do art. 400º nº 2 do Código de Processo Penal “o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada”. O valor da alçada da 1ª instância foi fixado em 5000€ pelo art. 44º nº 1 da Lei 62/2013, de 26.8 (Lei da Organização do Sistema Judiciário).
Trata-se de requisitos cumulativos, como decorre do uso da conjunção aditiva “e”.
Ora, nos autos o valor dos pedidos é superior à alçada do tribunal recorrido e o valor das indemnizações arbitradas é desfavorável para o recorrente em valor superior a metade dessa alçada.
Assim, o recurso é admissível em relação a todas as condenações em indemnização civil.
O acórdão recorrido fundamentou a sua decisão da seguinte forma:
Por requerimento com a refª .....91 de 29/07/2024, veio a assistente DD, por si e na qualidade de legal representante dos menores HH, FF e GG deduzir pedido de indemnização civil contra o arguido pelos danos não patrimoniais sofridos na sequência da prática dos crimes, peticionando o pagamento por aquele da quantia global de € 50.000,00 à assistente e € 40.000,00 a cada um dos seus três filhos, HH, FF e GG.
De acordo com o disposto no art.º 129.º do C. Penal “a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil”. Por outro lado, o art.º 483.º n.º 1 do C. Civil preceitua: “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Consagra-se nesta disposição legal o princípio básico da responsabilidade civil por factos ilícitos, à luz do qual a imposição ao lesante da obrigação de indemnizar depende da verificação dos seguintes pressupostos:
-o facto ou acto humano voluntário, por acção ou omissão;
- a ilicitude ou antijuridicidade do mesmo;
- a imputação do facto ao lesante ou agente, ou seja a sua culpa;
- a ocorrência de um dano ou lesão;
- o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
O facto voluntário é todo aquele controlável ou dominável pela vontade humana, quer esse facto se traduza numa acção (violação de um dever geral de abstenção), quer consista numa omissão ou abstenção (violação de um dever jurídico especial de praticar o acto que teria impedido a consumação do dano).
A ilicitude, por sua vez, não deriva do resultado danoso da actuação, mas antes da própria conduta lesiva em si mesma considerada, pelo que se considera ilícito todo o comportamento não abrangido por uma causa de justificação. Nesta base, o art.º 483.º n.º 1 do C. Civil indica duas modalidades de ilicitude: a violação de um direito de outrem e a violação de lei que protege interesses alheios.
A culpa, na versão que veio a ser acolhida no Código Civil (artigo 487.º nº 2), afere-se em abstracto, a partir do critério universal do homem médio posicionado nas precisas coordenadas de tempo, modo e lugar em que se verificou o facto. A imputação a título de culpa reclama, a um tempo, uma relação de desconformidade entre a conduta devida e o comportamento observado e a possibilidade de formulação de um juízo de censura na imputação do facto. Agir com culpa significa actuar de forma que merece a reprovação ou censura do direito. Coisa que se verifica quando se concluir que o lesante, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de outro modo. A culpa poderá configurar duas modalidades: o dolo (em que o agente actua com intenção de realizar o facto ilícito) e a negligência (a omissão da diligência exigível do agente).
No que se refere ao dano, é necessário, para a obrigação de indemnizar, que o facto ilícito e culposo tenha causado um prejuízo. Este último pode ser patrimonial ou moral, passível ou não de quantificação ou avaliação pecuniária e indemnizável ou apenas compensável.
Por último, tem ainda de existir o nexo de causalidade entre o facto e o dano que se traduz no juízo de imputação objectiva do dano ao facto que lhe deu causa, uma vez que, nos termos do artigo 563º, do Código Civil, “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. Relativamente à obrigação de indemnizar, dispõe o artigo 562º, do Código Civil, que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à indemnização. Englobam-se nesses danos quer o concreto prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão. Estabelece, ainda, o artigo 566º, do Código Civil, que a indemnização é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, tendo a indemnização em dinheiro como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos. Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o Tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (nº 3 do art. 566º do Código Civil).
Compulsados os autos, facilmente verificamos que se provaram todos os pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual supra referenciados.
A conduta do arguido lesante, consubstanciada numa acção, era, como foi, objectivamente dominável pela sua vontade, não se interpondo, pois, qualquer causa de força maior ou circunstância fortuita. Tal conduta revelou-se ilícita, tendo o arguido actuado em manifesta violação de direitos subjectivos, nomeadamente os direitos de personalidade da assistente e dos lesados, designadamente a sua vida.
Ficou também provado, como se impunha, que o arguido/lesante agiu com culpa na modalidade de dolo eventual.
Por outro lado e no que refere aos danos, analisando os factos dados como provados, temos que, como consequência da conduta do arguido, a assistente, ao ver a sua vida e a dos seus filhos em perigo, ficou aterrorizada e angustiada assim como revoltada, sendo que continua a sentir receio do arguido.
Também a menor FF ficou muito assustada com a situação temendo pela sua vida e pelas vidas da sua mãe e irmãos. A menor GG soube dos factos pela assistente e sente igualmente medo do arguido.
Provou-se também que ainda hoje as duas menores vivem em constante sobressalto temendo que o arguido volte a tentar fazer-lhes mal, ou à ofendida. O seu medo é tal que pediram à ofendida que, para além de fechar a porta de casa, coloque todas as noites um ferro a travar a porta, de forma a impedir o arguido de entrar.
No que se refere ao nexo de causalidade e tendo em conta a noção contida no artigo 563.º do C. Civil é de concluir que a conduta ilícita do arguido, era, como foi, adequada a causar os não patrimoniais tidos como provados.
Quanto ao dano não patrimonial, a indemnização é concebida em moldes diferentes dos do dano patrimonial, na medida em que nada se reintegra, nada se restitui, como sucede no dano patrimonial. O que vale por dizer que no dano não patrimonial há uma reparação, a atribuição de uma soma de dinheiro que se julga adequada para compensar e reparar dores ou sofrimentos através do proporcionar de certo número de alegrias e satisfações que as minorem ou façam esquecer.
Assim, no caso da indemnização por danos não patrimoniais, o que se visa não é a reparação integral, porquanto o dano é de difícil quantificação, em atenção ao bem violado, mas apenas a compensação do lesado pelo dano sofrido aliado à eventual sanção aplicável ao lesante.
Com efeito, o dano não patrimonial não assume uma feição reparatória, revestindo antes uma natureza compensatória ou sancionatória. Compensatória, na medida em que não se está perante uma indemnização em dinheiro, de valor equivalente aos danos, mas antes perante uma compensação, atribuindo-se uma soma pecuniária que proporcione ao lesado satisfações que de algum modo o faça esquecer a sua dor ou desgosto.
Portanto, o montante da compensação do dano deve ser calculado segundo critérios de equidade, como se refere no art. 496.º n.º 4, tendo em conta os critérios previstos no artigo 494º, ambos do C. Civil.
Ora, à luz destes critérios, ponderando o sofrimento causado à assistente DD, temos por perfeitamente justo e inteiramente adequado fixar o valor da indemnização a atribuir à mesma em € 6.000,00.
Em relação aos lesados FF e GG afigura-se-nos justas e adequadas a quantias de € 4.000,00 e € 3.000,00 respectivamente.
Em relação ao lesado HH, vai o arguido absolvido do pedido formulado porquanto não se provou a existência de qualquer dano.
(…).
Pese embora a pretensão do Recorrente de ver diminuídos os montantes indemnizatórios com base na dificuldade que invoca de cumprir a decisão, consideramos inquestionável que a possibilidade de aplicação da disciplina contida no art. 494.º do Código Civil está limitada aos casos de mera culpa. Se houve dolo a indemnização não pode deixar de corresponder aos danos efectivamente sofridos, devendo os mesmos ser fixados nos termos dos art.s 496º e 562.º e seguintes do Código Civil20. Na expressão do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.4.2019, no proc. 613/13.0TVPRT.P1.S1: “De forma expressa e genérica – artigo 494º do Código Civil –, a lei portuguesa apenas prevê no âmbito da responsabilidade extra-contratual que o julgador possa fixar uma indemnização em montante inferior aos danos causados, segundo a equidade e atendendo a certos critérios que enumera – entre os quais se encontra o grau de culpabilidade do lesante –, quando a responsabilidade se fundar em mera culpa”.
In casu, tendo em atenção que a conduta do arguido foi dolosa, não se encontra justificação para a redução do montante indemnizatório.
Aliás, à mesma conclusão se chegaria, tendo em atenção a necessidade de conferir aos montantes indemnizatórios valores proporcionais à gravidade e ao tipo de dano provocado, sendo certo que estão em causa condutas dolosas contra a vida das vítimas. Efectivamente, “na fixação equitativa do valor da indemnização deve ter-se sempre presente que os montantes não devem sertão escassos que possam ser vistos como miserabilistas, nem tão elevados que possam assumir-se como enriquecimento indevido, antes devendo ser ‘‘proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida"21.
O Tribunal a quo apreciou toda a factualidade dada como provada, a sua gravidade, modo como foram perpetrados os factos que impuseram a condenação do arguido, os danos sofridos pelos lesados e a necessidade de tutela do direito. Assim, é equitativa, adequada e proporcional não sendo merecedora de reparo algum, a fixação das indemnizações nos exactos termos em que o arguido foi condenado, não se encontrando justificação legal ou factual para uma redução do montante indemnizatório.
III – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal deste Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, mantendo na íntegra a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida em 6 UC.
Lisboa, 09-07-2025
Jorge Raposo (relator)
Carlos Campos Lobo
António Augusto Manso
______
1. No ponto 11 da motivação o Recorrente refere-se à existência de um erro notório na apreciação da prova, a propósito da questão da imputabilidade diminuída que suscita. É, como se verá na abordagem da questão, a única via de apreciação por este Tribunal.
2. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.1.2003, no proc. 02P4627.
3. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10ª ed., pg. 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., pg. 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., pg.s 77 e ss; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.2.2021, proc. 34/11.0TAAGH.L1.S1.
4. Germano Marques da Silva, ob. cit., pg. 341 e ss. e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.10.96, proc. 045267.
5. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.3.2016, proc. 81/12.4GCBNV.L1.S1.
6. Sendo certo que, como consta da motivação da decisão sobre a matéria de facto, “não se provaram os factos descritos em t) e u) antes se tendo provado os factos descritos em 34 (dolo eventual) e 49 (quanto à motivação) a qual não configura motivo fútil como haveremos de ver aquando da fundamentação de direito”.
7. in “Lições de Direito Penal”, Tomo I, Ed. VERBO, 1987, pág. 211.
8. Relator: Pedro Vaz Pato, procº 2139/19.0JAPRT, in www.dgsi.pt.
9. «Em situações de comprovada imputabilidade diminuída não diz a lei, no art. 20.º, n.º 2, do CP, se a mesma deve, por necessidade, conduzir a uma pena atenuada. Não o dizendo, escreve o Prof. Figueiredo Dias (Pressupostos da Punição, CEJ, I, pág. 77), «parece porém não obstar à doutrina – também entre nós defendida por Eduardo Correia e a que eu próprio me tenho ligado – de que pode haver casos em que a diminuição da imputabilidade conduza à não atenuação ou até mesmo à agravação da pena. Isso sucederá do meu ponto de vista, quando as qualidades pessoais do agente que fundamentam o facto se revelem, apesar da diminuição da imputabilidade, particularmente desvaliosas e censuráveis, v.g. em casos como os da brutalidade e da crueldade que acompanham muitos factos (…).» - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.10.2007, proc. 07P3395. No mesmo sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3.7.2014, proc. 354/12.6GASXL.L1.S1; cfr. ainda Lopes da Mota, Imputabilidade diminuída, imputabilidade duvidosa. Nulidade da sentença, A Revista STJ, pg.s 157 a 171.
10. DIAS, JORGE DE FIGUEIREDO, “Direito Penal Português – Parte Geral II, As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas Editorial Notícias, 1993, pp. 331 e 333
11. DIAS, FIGUEIREDO, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, §§ 420 e 421, págs. 290/2
12. Anabela Rodrigues, “A determinação da medida da pena privativa de liberdade”, Coimbra, 1995, pg.s 545-570.
13. Conselheiro António Artur Rodrigues da Costa em “O Cúmulo Jurídico na Doutrina e na Jurisprudência do STJ”, texto disponível in http://www.stj.pt/ficheiros/estudos /rodrigues_costa_cumulo_juridico. pdf, pg. 12.
14. Aliás em consonância com a jurisprudência no sentido de que face à relação de concurso efectivo com crimes a que correspondem penas de prisão, a aplicação de uma pena mista de prisão e de multa não se revelaria adequada à satisfação das exigências de prevenção que a aplicação da pena única visa realizar, na consideração, em conjunto, dos factos e da personalidade do agente (artigo 77.º do Código Penal), cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.9.2024, proc. 2327/22.1PBPDL.S1.
15. Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, 2ª reimpressão, 2009, §255, pg. 197.
16. Neste sentido também os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15.10.2008 e 11.7.2024, respectivamente nos proc.s 08P1964 e 491/21.6PDFLSB.L1.S1.
17. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.3.2004, CJ 2004, 1, pg. 220 e de 20.2.2008, proc. 07P4639.
18. “A restrição do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (artigo 27.º, n.º 2, da CRP), submete-se, assim, tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo o qual a pena privativa da liberdade se há-de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos, – adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido estrito – de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na justa medida, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3.12.2020, proc. 565/19.3PBTMR.E1.S1)
19. Referencia-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3.7.2014 no proc. 354/12.6GASXL.L1.S1, atendendo a algumas semelhanças na situação retratada.
20. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.4.1994, no proc. 046089; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição revista e actualizada (reimpressão), Coimbra Editora, 2010, pg. 497.
21. Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral”, 3ª Ed., 1980, Vol. I, pg.s 599 e 600.