I - Se forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
II - Estando em causa a prática de 1 (um) crime de detenção de arma proibida, e o uso desta na prática de mais 2 (dois) crimes, sendo 1 (um) de homicídio na forma tentada e 1 (um) de roubo, por que acabou condenado em penas de prisão, uma pena de multa não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
III - Considerando as finalidades das penas e a necessidade de proteção dos bens jurídicos que com a incriminação se pretendem acautelar, mostram-se justas, adequadas e fixadas de harmonia com os princípios da necessidade e da proporcionalidade das penas, sem que ultrapassem a medida da sua culpa, as pena em que o arguido foi condenado de 6 anos e 6 meses de prisão quanto ao crime de homicídio tentado; 5 anos quanto ao crime de roubo e 2 anos quanto ao crime de detenção de arma proibida, sendo, por isso, de confirmar.
IV - Dentro da moldura penal de 6 anos e 6 meses e 13 anos e 6 meses, a pena única de 9 anos e 6 meses, é justa, adequada e fixada de harmonia com os princípios da necessidade e da proporcionalidade das penas, sem ultrapassar a medida da sua culpa.
1.1. Por acórdão de 26 de Novembro de 2024, o tribunal coletivo do Juízo Central Criminal de ...–J..., do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, condenou o arguido AA, com a identificação dos autos,
“1. Pela prática de um crime de homicídio na forma tentada, p. e p. pelo artigo 131.º do CP, agravado pelo artigo 86.º n.º 3 da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão;
2. Pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º n.º 1 al. c) da Lei n.º 5/2006, e 23 de Fevereiro, na pena de 2 (dois) anos de prisão;
3. Pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º n.ºs 1, 2, al. b) do CP, conjugado com o artigo 204.º n.º 2 al. f), na pena de 5 (cinco) anos de prisão;
4. Em cúmulo jurídico de penas, por força do concurso de crimes, condena-se o arguido da pena única de 9 (nove) anos e 6 (seis) anos de prisão.
ii. Absolver o arguido da prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º n.ºs 1, 2, al. b) do CP, conjugado com o artigo 204.º n.º 2 al. f) e n.º 4.
1.2. Inconformado com o decidido, vem o arguido AA interpor recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, juntando motivação onde, a final, formula as seguintes conclusões:(transcrição)
“1. O recorrente considera que atento o enquadramento jurídico-penal decorrente da conduta do arguido que resultou provada, a decisão do douto tribunal recorrente deveria ter sido diversa.
2. As penas parcelares relativas a cada um dos crimes por que o recorrente foi condenado pecam por exageradas e desproporcionais
3. A pena de 6 anos e 6 meses pela prática de um crime de homicídio na forma tentada p.p. pelo artigo 131 do CP, agravado pelo artigo 86º n.3 da lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, peca por exagerada e desproporcional.
4. A pena de 2 anos de prisão pela prática de um crime de detenção de arma proibida p.p. pelo artigo 86º n.º 1 al. c) da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro peca por exagerada e desproporcional, o tribunal deveria ter optado pela condenação do recorrente em pena de multa.
5. A pena de 5 anos de prisão pela prática de um crime de roubo p.p. pelo artigo 210º n.ºs 1 e 2, al. b) do CP, conjugado com o artigo 204º n.º 2 al. f) peca por exagerada de desproporcional.
6. Dos factos que resultaram provados inexistem dúvidas que o arguido desenvolveu uma atuação que preenche os tipos legais previstos.
7. Por outro lado, o recorrente não tem antecedentes criminais pelos crimes em que foi condenado.
8. No caso vertente resulta provado que o recorrente se encontra perfeitamente inserido social e familiarmente.
9. A pena sofrida para o comportamento global do recorrente, é eventualmente desproporcionada e desconforme com a jurisprudência e peca por excessiva.
10. Deveria ter sido optada pela aplicação ao recorrente em cúmulo jurídico a pena de prisão próxima dos 7 anos.
11. Com a escolha e determinação da pena no sentido referido, estariam alcançadas as finalidades da pena ao caso em apreço, bem como a prevenção geral e especial aqui exigida.
12. A fixar-se um juízo de censura jurídico-legal haverá que ser ponderado o futuro do agente numa perspetiva de contribuição para a sua recuperação como individuo dentro dos cânones da sociedade.
13. O recorrente sempre cumpriu de forma exemplar as suas obrigações em meio prisional, o que demonstra um respeito pela imposição de regras, e capacidade de as cumprir.
14. Assim, a ser considerada a matéria de facto apurada na sua globalidade, esta aponta para a presença de um cidadão com uma positiva inserção social e um percurso de vida com hábitos de trabalho e manifesto suporte familiar, sendo que a ilicitude da autoria do recorrente verificada nos eventualmente, poderá indicar para uma situação de alguma moderada diminuição da ilicitude.
15. No entanto, e no caso vertente resulta provado que o recorrente se encontra perfeitamente inserido social e familiarmente, e que a pena aplicada terá um efeito inverso ao desejado pelas penas sancionatórias, uma vez que irá prejudicar a inserção social do recorrente.
16. É uma pena justa aquela que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa.
Normas Violadas: • Artigo 131º e 210º n.ºs 1 e 2 al. b) ambos do CP, 86º nº. 1, al. c) e n. 3 da Lei nº. 5/ 2006 de 23 .2
• Artigo 127º do CPP.
• Artigo 40º, 50º, 51º, 70º, 71º todos do CP, visto a pena pecar por exagerada e desproporcional.
Nestes termos deve ser dado provimento ao presente recurso: - O arguido dever ser condenado em pena de prisão próxima dos 7 anos de prisão.”
1.3. Respondeu ao recurso o Senhor Procurador da República naquele Juízo Central Criminal, concluindo, pela improcedência do recurso (transcrição parcial):
(…)
“Analisado acórdão recorrido, não se vislumbra a existência de qualquer violação das normas que regem a determinação da medida concreta da pena, nomeadamente os artigos 40.º, 70.º, 71.º, 77.º, 78.º, todos do Código Penal, os quais foram, devida e criteriosamente aplicados, não merecendo o acórdão qualquer censura.
Nestes termos, não deverá ser concedido provimento ao recurso, mantendo-se o douto acórdão recorrido.”
1.4. Por decisão sumária de 06.03.2025, antecedida de parecer do Ministério Público, decidiu “o Tribunal da Relação de Lisboa, por intermédio do relator e em decisão sumária - artigo 417.°, n.º 6, alínea a), do Código de Processo Penal - declarar a sua incompetência para o conhecimento do recurso interposto pelo arguido AA por ser competente o Supremo Tribunal de Justiça.”
1.5. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Exmo. Procurador Geral Adjunto emitiu parecer onde conclui que, e em síntese:
“A prisão era a pena que se impunha, na alternativa, para a justa e criteriosa punição do crime de “detenção de arma proibida”, desde logo pela aplicação simultânea de outras duas penas de prisão;
A pena de multa, pela sua específica dimensão ético-social, significaria, na situação, um inapropriado sinal de desculpabilização da actuação do arguido, com reflexos negativos nos esforços de prevenção especial e geral;
Supridos os lapsos manifestos cometidos em sede de determinação das molduras penais abstractas, o Colectivo aplicou penas parcelares e única justas e criteriosas, de acordo com princípios de necessidade, adequação, proporcionalidade e legalidade
Em conclusão:
Motivo por que o Ministério Público dá Parecer que:
Deverá o presente recurso ser julgado não provido e improcedente, sendo de manter os termos da decisão recorrida.”
1.6. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não sendo junta resposta.
1.7. Colhidos os vistos e não tendo sido requerida audiência, o recurso foi à conferência – art.ºs. 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, al. c), do CPP.
2. Fundamentação
2.1. Factos.
2.1.1. Foram dados como provados os seguintes factos:
“1. No dia ... de ... de 2023, pelas 9h50m, o ofendido BB deslocava-se a pé na Rua ... na, ..., ...;
2. Nessa ocasião, deparou-se com o arguido que lhe disse: “não és tu que és daqui”;
3. E, imediatamente, o arguido agarrou o ofendido pelo pescoço e apontou-lhe uma arma, tipo revolver de calibre 32, que retirou da zona da cintura;
4. O ofendido rodou o corpo na tentativa de se defender;
5. Nesse momento, o arguido disparou a arma contra o corpo do ofendido, atingindo-o na coxa direita, na zona inguinal;
6. O ofendido colocou a mão direita à frente da arma;
7. Reborando esforços, o arguido efetuou um segundo disparo que o atingiu na mão.
8. Como consequência direta e necessária do primeiro disparo, o ofendido sofreu ferida perfurante na face posterior da coxa direita, com vários fragmentos em localização oblíqua anterior e lateral, enfisema subcutâneo e em localização intermuscular ao longo dos músculos da raiz da coxa, que apresentam extensão superior dissecando o espaço intermuscular e atingindo o músculo psoas ilíaco direito e ligeira densificação do tecido celular subcutâneo, observando-se ferida perfurante de entrada e saída de bala na região inguinal e nádega direita, com porta de entrada na face antero-interna proximal da coxa direita (região inguinal) e saída na face lateral do 1/3 médio da coxa (nádega direita), com edema e tensão ligeiros e hemorragia;
9. Como consequência direta e necessária do segundo disparo, o ofendido sofreu ferida na região interdigital D2-D4 da mão direita, com hemorragia ativa;
10. Após os factos, o arguido pôs-se em fuga;
11. O ofendido foi transportado ao Hospital de 1, onde deu entrada pelas 10h54, submetido a intervenção cirúrgica e depois transferido para o Hospital 2, na ...;
12. No decurso da agressão, o ofendido deixou cair uma pulseira, com dois pendentes, e um fio, de valor não apurado de ouro;
13. O arguido, quer pelo instrumento utilizado (arma de fogo), quer pela zona do corpo atingida, que sempre visou, onde sabia existirem veias de grande calibre e que lhe poderiam causar hemorragia fatal, quer pela forma como atuou, quer pela ideia que o animava, representou e quis causar a morte do ofendido, a qual só não se produziu por razões alheias à sua vontade;
14.O arguido usou arma de fogo, de calibre de defesa, mas não é titular de licença de uso e porte de arma.
15.O arguido sabia que não podia deter nem trazer consigo a referida arma, não obstante, quis realizar a conduta.
16.O ofendido foi assistido no Centro Hospitalar, tendo os serviços e assistência médica prestados tido um custo de 278,24€.
18. À data, a ofendida era massoterapeuta, recebendo clientes no seu quarto, que tomou de arrendamento para exercer essa atividade.
19. No dia ... de ... de 2023, cerca das 10h40, o arguido ligou do n.º ... ... .11 para o número profissional da ofendida (número ... ... .42), e, mostrando-se interessado em receber uma massagem profissional, perguntou o valor da mesma e a morada, onde exercia a sua profissão.
20. A ofendida disse que a massagem era 50,00€ (cinquenta euros) e solicitou-lhe que lhe enviasse mensagem pela aplicação WhatsApp para que, por sua vez, respondesse com a sua localização, o que sucedeu.
21. Decorridos cerca de quinze minutos, o arguido chegou à residência da ofendida.
22. E, rapidamente, indagou sobre se estavam mais pessoas na habitação, ao que a ofendida respondeu não.
23. A ofendida encaminhou o arguido até ao seu quarto, como era procedimento normal.
24. Aí o arguido despiu a sua roupa, ficando só de cuecas, deitou-se na cama da ofendida, e aquela procedeu à massagem que durou cerca de 30 minutos.
25. No decurso da massagem, o arguido não adiantou quaisquer pormenores sobre a sua vida ou identidade, confirmando apenas, após pergunta da ofendida, que era natural de ....
26. Finda a massagem, o arguido vestiu-se e pagou o correspondente preço com duas notas de 20,00€ (vinte euros) e uma nota de 10,00€ (dez euros) que retirou de um rolo de notas.
27. Depois a ofendida conduziu o arguido até à saída do apartamento.
28. Decorridos cerca de 10 (dez) minutos, o arguido ligou de novo à ofendida e diz-lhe que queria mais 30 (trinta) minutos de massagem e que estava à porta da ofendida.
29. A ofendida aceitou e disse-lhe que subisse.
30. Contudo, o arguido demorou 15 (quinze) minutos até chegar à habitação da ofendida, cerca das 11h00.
31. A ofendida conduziu-o, novamente, até ao seu quarto e o arguido pediu um desconto na massagem, por ser a segunda vez consecutiva que iria pagar por uma.
32. A ofendida recusou o desconto, dizendo-lhe que faria a massagem, mas pelo mesmo preço.
33. Nesta sequência, o arguido retirou com a mão direita, do casaco ou da cintura, uma arma de fogo, do tipo revólver, de calibre .32, com cano 4, de cor cinzenta, agarrou a ofendida pelo pescoço, apontou-lhe a arma à cabeça e ordenou-lhe que lhe entregasse o dinheiro todo, usando a expressão “dá-me todo o teu dinheiro”.
34. A ofendida respondeu-lhe que não tinha dinheiro porque ele era o seu primeiro cliente.
35. Nesse momento, o arguido agarrou no telemóvel da ofendida e exigiu-lhe que o desbloqueasse.
36. A ofendida, com medo de que o arguido lhe fizesse algum mal grave (a ferisse ou matasse), caso se recusasse, desbloqueou o telemóvel e entregou-lho.
37. De seguida, o arguido disse “então vou roubar toda a gente cá em casa” e perguntou à ofendida “onde guardaste o dinheiro que te dei”.
38. A ofendida respondeu-lhe que guardou o dinheiro na cozinha e dirigiu- se a esta divisão da casa.
39. No que foi seguida pelo arguido até à referida dependência.
40. Aí, encontrava-se outra pessoa, a quem a ofendida deu sinal de que estava a ser?????
41. O arguido ficou então a olhar fixamente para aquele indivíduo com a arma na mão e depois começou a recuar até sair de casa.
42. O arguido levou consigo e apoderou-se do telemóvel da ofendida, da marca Apple, modelo Iphone 14 Plus Blue, de 128GB, com o IMEI .............39, com o valor de 1.300,00€.
43. No mesmo dia, o arguido colocou o referido telemóvel para realização de um serviço na loja “...”, sita no n.º ..., no Centro Comercial ....
44. O arguido agiu com consciência e vontade de usar de força física e de ameaça com recurso a arma de fogo, para subtrair e constranger a ofendida à entrega de bens que tivesse consigo, bem sabendo que não lhe pertenciam, e agiu com a intenção ou finalidade de, agindo contra a vontade da sua legítima proprietária, haver os bens para si, como se lhe pertencessem, como se fosse coisa sua, o que conseguiu relativamente ao telemóvel da ofendida, mas não ao dinheiro em poder desta, mas por razões alheais à sua vontade.
45.Em todas as condutas antes descritas, o arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo da sua reprovação penal.
Provou-se ainda o seguinte:
46. Por sentença transitada em julgado em 25.11.2021, o arguido foi condenado pela prática em Maço de 2018, de um crime de violência doméstica na pena de 2 anos e 5 meses de prisão suspensa na sua execução, com imposições de condições (processo 487/20.5.....);
47. Por sentença transitada em julgado em 12.05.2023, o arguido foi condenado pela prática em 11.04.2023, de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 65 dias de multa (processo 584/23.5.....;
48. Por sentença transitada em julgado em 11.06.2024, o arguido foi condenado pela prática em 30.10.2022, de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 120 dias de multa (processo 928/22.7.....);
49. Do relatório social do arguido consta o seguinte:
“À data dos alegados factos constantes na acusação, AA vivia com a companheira, DD, numa habitação arrendada, por esta, na morada identificada nos autos. A vivência conjugal foi descrita, pelo próprio como positiva e sem problemas relacionais ou de outra natureza.
Em termos profissionais, estava integrado em mercado de trabalho há quatro meses, num armazém “...” e auferia um rendimento capaz de fazer face às despesas gerais e familiares em conjunto com a companheira, também ela integrada em mercado de trabalho, na empresa “...” não registando, assim, dificuldades neste domínio.
AA é natural de ... e filho único de um casal, tendo ainda irmãos provenientes de outros relacionamentos dos pais, um irmão uterino e sete irmãos consanguíneos. Os pais encontram-se separados desde os seus quatro anos de idade, tendo o arguido ficado entregue a familiares, em concreto tios e avós maternos, em virtude de os progenitores terem efetuado movimentos migratórios para outros países (o pai para Portugal e a mãe para os Estados Unidos, onde se encontram atualmente).
Neste sentido desenvolveu-se junto dos avós maternos e o seu processo de socialização decorreu de acordo com os padrões culturais da sua família, referindo uma infância adequada bem como a possibilidade de frequentar a escola. Revela ainda boa relação familiar, entre os vários elementos da família, sobretudo alargada, bem como com os pais, apesar da ausência dos mesmos ao longo do seu processo de desenvolvimento.
Aos 18 anos veio para Portugal para continuar os estudos, mas por necessidade integrou mercado de trabalho e foi residir com o seu pai na zona de .... Permaneceu junto do pai pelo período de dois anos, altura em que se juntou com uma companheira (EE) e de quem tem um filho, atualmente com seis anos de idade. O casal viveu na zona da ..., numa habitação arrendada durante sensivelmente cinco/seis anos. Em 2020 a relação terminou sendo que o arguido manteve sempre contactos frequentes com o filho.
Entretanto estabeleceu uma nova relação com DD, há cerca de três anos, e foi pai há quatro meses do seu segundo filho.
AA regista duas retenções ao longo do seu percurso escolar, tendo completado o 11º ano de escolaridade no seu país de origem. Detém experiência profissional na área da restauração e da construção civil, sendo que há data dos factos trabalhava como armazenista na “...”, auferindo o ordenado mínimo nacional ao que acrescia o subsídio de alimentação e horas extra.
Do contacto estabelecido com a companheira do arguido, apurou-se que o casal mantém uma relação desde há dois anos, têm um filho comum de quatro meses e partilhavam a mesma habitação à data dos factos constantes na acusação.
DD corroborou a informação prestada pelo arguido tendo reforçado que o mesmo é um bom companheiro, um rapaz calmo, respeitador e adequado, não referindo qualquer situação anómala entre o casal, pelo contrário, destaca a relação com o companheiro de forma positiva, considerando o arguido bem integrado socialmente e profissionalmente, respeitador e cumpridor dos seus compromissos pessoais e profissionais.
A companheira perspetiva que o arguido possa sair em liberdade, para voltar para junto da família, e retomar o seu emprego, voltando o casal a ter uma vida organizada, alegando ainda que a ausência de
AA poderá ter implicações negativas no desenvolvimento do filho de ambos.
Questionado relativamente às suas perspetivas futuras, AA pretende quando em liberdade, voltar para junto da companheira, retomar o seu emprego ou outra atividade na qual possa trabalhar, por forma a organizar a sua vida de forma normativa e auferir um rendimento capaz de suportar as despesas gerais e familiares. Pretende ainda alterar o seu local de residência, tendo informado que a companheira já se encontra em processo de procura de uma nova habitação num outro local, dentro da grande ....
No E.P.... vai mantendo um comportamento de acordo com as regras institucionais.
O arguido recebe visitas da companheira, DD, e da mãe do seu primeiro filho com quem diz ter uma relação de amizade.
Relativamente aos seus anteriores contactos com o Sistema de Justiça Penal, o arguido revela dificuldade de falar dos mesmos, alegando que foi noutra fase da sua vida, situação que segundo o mesmo está ultrapassada.
O arguido demonstra preocupação pela sua situação jurídico-penal, essencialmente pela situação de privação de liberdade em que se encontra, bem como das consequências que a mesma possa vir a ter em termos futuros, particularmente em termos pessoais, em concreto na relação com os filhos menores.
Identificam-se como principais necessidades de reinserção social a aquisição de consciência do valor do bem jurídico em causa e do juízo crítico face às práticas criminais, essenciais à concretização de um projeto de vida condigno com as normas sociais.
2.1.2.Factos Não provados:
a.Que o arguido tenha levado consigo os bens de ouro do ofendido descritos no ponto 12;
b.O arguido agiu com consciência e vontade de se apoderar dos objetos em ouro que o ofendido deixou cair, bem sabendo que não lhe pertenciam, e agiu com intenção ou finalidade de, agindo contra a vontade do seu legítimo proprietário, haver os bens para si, como se lhe pertencessem, como se fosse coisa sua, o que conseguiu.
c.A agressão foi motivada por um conflito grupal que havia ocorrido anteriormente, do qual resultou danos para o veículo automóvel da marca VW, com matrícula AF-..-PP, de DD, namorada do arguido.
2.1.3. Justificação da Convicção do Tribunal:
Para a prova dos factos que antecedem o tribunal valorou toda a prova produzida, de forma conjugada e crítica, seguindo juízos lógicos e de experiência comum.
Vejamos.
Em primeiro lugar, impõe-se referir que o arguido, no momento em que pretendeu prestar declarações apresentou uma versão dos factos completamente desculpabilizante e sem suporte na prova produzida, colocando-se, antes, numa posição de vitimização, que não nos mereceu qualquer credibilidade.
Com efeito, segundo o arguido (quanto ao primeiro episódio) a arma encontrava-se na posse do ofendido, que o abordou na rua e tentou disparar sobre si, tendo sacado da arma e efectuado um disparo que lhe teria acertado no braço, na sequência do que tentou agarrar a arma ao ofendido em cuja confusão surgiram os disparos que atingiram o ofendido.
Quanto à arma, diz que ficou com ela (tendo, por isso, fugido do local com a arma) e que a vendeu.
Do mesmo modo, quanto ao segundo episódio referente à ofendida CC, admitindo ter estado na sua residência para uma massagem, refere que foi ela quem o roubou o dinheiro que trazia na bolsa e que só exibiu a arma na cozinha porque procurava o seu dinheiro e deparou-se com um homem na cozinha, tendo saído do prédio a correr. Nega que tivesse intenção de subtrair o telemóvel à ofendida, uma vez que pretendia apenas convencê-la a devolver-lhe o seu dinheiro, acrescentando que o levou para fora e foi até ao Centro Comercial ... para entregar o telemóvel.
Ora, esta versão não só resulta totalmente inverosímil, sendo contrariada em face de um juízo lógico e de experiência comum, tendo, para além do mais, sido é infirmada por toda a prova produzida.
Vejamos.
O ofendido BB prestou o seu depoimento de forma honesta, escorreita e muito objectiva, tendo relatado que na ocasião de tempo e lugar acima descrita foi agarrado por detrás pelo arguido, enquanto caminhava, tendo-se virado para se defender enquanto o arguido retirou a arma que trazia à cintura e disparou contra si.
Refere que ainda tentou pôr a mão à frente da arma, para se defender, que um tiro lhe acertou na perna e na virilha e que, outro dos tiros disparados de seguida, o atingiu na mão, após o que correu para pedir ajuda, tendo caído na rua principal.
As testemunhas FF, GG e HH referem ter ouvido os tiros, não resultando, porém, certa a versão das testemunhas quanto a terem sido disparados 2 ou 3 tiros, referindo a testemunha FF que viu dois “cartuxos” no chão.
Ora, da dinâmica dos factos tal como descrita pelo ofendido, resulta inequívoco que houve uma abordagem surpresa e premeditada contra si pois nada podia prever que, naquela ocasião, o arguido o abordaria com uma arma com intenção de disparar contra si.
Refira-se ainda que o ofendido é o único atingido, não resultando minimamente verosímil a versão do arguido de que a arma estivesse na posse do ofendido e que fosse este a empunha-la contra si e a atingi-lo. Em primeiro lugar porque, segundo um juízo lógico e de experiência comum, quem é atingido por um tiro carece de assistência hospitalar e não desparece do local fugindo com a arma contra a qual foi atacado, ficando com ela na sua posse. Em segundo lugar, porque a dinâmica dos factos, tal como descrita pelo ofendido é a única coerente com a próprias lesões sofridas e com o modo de abordagem, significando as lesões na mão que o ofendido se tentou defender da arma, afastando-a (como refere o ofendido, ainda conseguiu pôr a mão à frente e tocar na arma), razão pela qual um dos tiros o atinge nessa zona.
Parece-nos evidente que quem aborda outrem por trás, empunhando uma arma de fogo, a sua intenção não é disparar contra a mão, sendo o disparo na mão a consequência normal de uma expectável reacção de defesa do ofendido, resultando da experiência comum do Tribunal que lesões de disparados na mão dos ofendidos são provocadas na sequência de manobras de defesa, sendo que, instintivamente, qualquer ser humano se tenta defender através do acionamento dos membros superiores, tentando afastar o agressor.
Não existe qualquer dúvida, da conjugação do depoimento do ofendido, com o reconhecimento pessoal de fls. 357 e seguintes, a par das declarações do arguido (que assumiu ter-se cruzado com o ofendido na ocasião dos factos), que foi este o indivíduo que abordou o ofendido e que praticou os factos descritos.
Os disparados e lesões físicas do ofendido são ainda confirmados pelos documentos clínicos e relatório pericial constantes de fls. 29 a 32, 35, 94, 100 a 103, 1089 e seguintes e 126 e seguintes, sendo certo que dos documentos clínicos e da factura junta pelo demandante Cível, Centro Hospitalar, resulta a assistência clínica prestada ao ofendido e o seu custo.
O elemento subjectivo descrito, transposto para o ponto 13, decorre da análise dos factos à luz de juízos lógicos e de experiência comum.
Ora, importa referir que da dinâmica dos factos decorre que o arguido abordou o ofendido por trás, sem que, naquela ocasião, nada o fizesse prever e, sem qualquer discussão prévia ou atitude do ofendido, lançou de imediato mão à arma de fogo que transportava na cintura, logo disparando contra o ofendido.
Como se sabe, e o arguido não podia deixar de ser conhecedor disso, o disparo de uma arma de fogo contra o corpo de outra pessoa é idóneo a provocar lesões sérias capazes de provocar a morte, sendo que, nesta ocasião, a proximidade física do disparo, a automaticidade da abordagem e a ausência de qualquer justificação que, naquele momento, que pudesse ter espoletado uma briga ou zanga, fazem crer ao Tribunal, sem margem para dúvidas, que o arguido queria atentar contra a vida do ofendido, atingindo-o e matando-o, tanto mais que, segundo referido pelo ofendido, este apenas teve tempo de “ainda conseguir tocar na arma”, o que implica que terá conseguido desviar (ainda que um pouco) a trajectória do disparo, razão pela qual o mesmo veio a atingir a zona inguinal, vulgarmente conhecida como região da virilha, bem como a coxa e nádega.
Além disso, a existência de mais de um disparo demonstra claramente que o arguido não se contentava em assustar o ofendido ou a magoá-lo em qualquer zona do corpo, sendo o seu desígnio causar uma lesão tal que pudesse provocar-lhe a morte.
Por outro lado, resulta de um juízo lógico que quem apenas quer provocar lesões físicas e molestar a integridade física de outrem não precisa de socorrer-se de uma arma de fogo, pois qualquer outro objecto susceptível de arremesso, golpe ou mesmo incisão poderia lesar e ferir o corpo do ofendido, caso tivesse sido essa a sua pretensão.
Porém, o arguido usou o objecto mais perigoso e idóneo a provocar a morte, ou seja, uma arma de fogo, cuja utilização não lhe era consentida por não ser titular de licença para o efeito, disparando-a pelo menos duas vezes contra o corpo do ofendido.
Por último, saliente-se que a morte apenas não sucedeu por razões alheias à sua vontade, designadamente pelo facto de o ofendido ter sido auxiliado no local pelas testemunhas HH e FF, que, através de um garrote artesanal, estancaram a ferida evitando que o mesmo se esvaísse em sangue, no momento em que o arguido já tinha abandonado o local, não chegando sequer a ser visto, deixando o ofendido no chão quando era visível e notória a quantidade sangue que saía do seu corpo (cr. Fotografias de fls. 130 e seguintes.)
Quanto ao segundo episódio, contribui de forma clara e assertiva, para a descoberta da verdade, tal como dada por provada, os depoimentos de CC e II.
Em primeiro lugar é de referir que a testemunha/ ofendida CC relatou os factos de modo muito espontâneo e objectiva, fazendo um relato relembrado e muito magoado pela lembrança negativa dos factos que vivenciou, mas sem qualquer intuito incriminatório contra o arguido, tendo relatado de forma pormenorizada os factos descritos na acusação, não suscitando dúvidas ao Tribunal a ocorrência dos mesmos, tal como relatado pela testemunha.
Além disso, a versão da testemunha corroborada também pela testemunha AA, que presenciou a entrada do arguido na cozinha e o medo sentido pela ofendida CC quando entrou nessa divisória da habitação e fugiu para um quarto daí acessível.
Saliente-se que foi avistada a arma que o arguido trazia, não havendo dúvida de que a posse da arma pelo arguido faz denotar, uma vez mais, a sua real intenção, não colhendo qualquer credibilidade a sua versão dos factos, tanto mais que saiu do imóvel na posse do telemóvel da ofendida, tendo sido detectada a sua presença no Centro Comercial ..., sendo do conhecimento geral que aí se transacionam telemóveis em segunda mão, resultado do cometimento de crimes contra o património.
Saliente-se que a ofendida explicou a forma como conseguiu proceder à localização do seu telemóvel (cfr. fls. 18 e 19), o que foi ainda confirmado através do auto de visionamento de imagens de fls. 84 a 88 e 113 a 112, sendo certo que a versão apresentada pelo arguido é contrariada pelo auto de transcrição de conversações telefónicas, nunca sequer tendo sido negado pelo próprio arguido ter estado naquela ocasião em casa da ofendida CC.
Como fundamento dos demais factos provados, o Tribunal valorou o certificado de registo criminal do arguido e o relatório social elaborado.
Já no que respeita aos factos não provados, entendeu o Tribunal inexistir prova cabal sobre os mesmos, uma vez que nem o próprio ofendido conseguiu confirmar com inegável certeza que o arguido se tenha apropriado dos pertences que transportava, sendo certo que existe a dúvida razoável de que os mesmos tenham caído no chão, desconhecendo-se se o arguido os terá levado consigo.
Por último, desconhece-se igualmente, por falta de prova que a pudesse sustentar, a razão da animosidade do arguido contra o ofendido, bem como da abordagem efectuada, tanto mais que o ofendido negou qualquer problema ou incidente com o arguido.”
2.2. De Direito.
2.2.1. É pelas conclusões que se afere o objecto e âmbito do recurso (402º, 403º, 410º e 412º do CPP), sem prejuízo, dos poderes de conhecimento oficioso (artigo 410.º, n.º 2, do CPP, AFJ n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995, 410º, n.º 3 e artigo 379.º, n.º 2, do CPP).
O recurso, circunscrito a matéria de direito (artigo 434.º do CPP), tem por objeto um acórdão do Juízo Central Criminal de ...-J..., da comarca de Lisboa, que condenou a recorrente na pena parcelar, pela prática de um crime de homicídio p. e p. pelo art.º 131º do C.P., de 13 anos de prisão, assim, recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça, atento o disposto nos artigos 399.º, 400.º, n.º 1, al. f), e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP.
E, levando em conta as conclusões do arguido recorrente, as questões a decidir são:
1- determinação da pena parcelar pela prática do crime de detenção de arma proibida (multa/prisão);
2- Medida concreta das penas parcelares;
3- A pena única.
2.2.2. crime de detenção de arma proibida; determinação da pena; pena de prisão, pena de multa.
a. Defende o recorrente que “o tribunal andou mal na escolha e determinação da pena que efectuou”, (…), que “as penas parcelares relativas a cada um dos crimes por que o recorrente foi condenado pecam por exageradas e desproporcionais”, … “a pena de 2 anos pela prática de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art.º 86º n.º 1, al. c) da Lei 5/2006, de 23.02, peca por exagerada e desproporcional, o tribunal deveria ter optado por pela condenação do recorrente em pena de multa”.
Não concretiza, porém, as razões ou motivos para chegar a tal conclusão como não determina em concreto a pena de multa em que deveria ser condenado, fazendo a relação entre o atinente critério legal e a concreta e relevante realidade factual.
Dispõe o artigo 70.º do Código Penal refere que “se forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
As finalidades da punição são a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, como determina o n.º 1 do art.º 40ºdo CP.
Ora, pune-se a detenção de arma proibida, por uma questão de segurança. Pretende-se proteger a tranquilidade e a ordem públicas face aos riscos que a livre circulação e detenção de armas proibidas podem causar.
O bem jurídico protegido é, assim, a segurança da comunidade em geral, bem jurídico que se mostra essencial para a construção e manutenção de uma sociedade pacífica e segura.
A proteção deste bem jurídico justifica a incriminação da mera detenção de armas proibidas, mesmo que a arma não tenha sido utilizada para cometer qualquer crime. Mas com ela pretende-se, ainda, prevenir a ocorrência de crimes mais graves, o que a livre circulação e detenção de armas proibidas pode provocar.
Por outro lado, pretende-se reintegrar o agente nesta mesma sociedade e na comunidade de que é membro. Recuperando este uma atitude comportamental de acordo com o Direito e as regras por ele instituídas.
As finalidades são, pois, sobretudo, de prevenção, geral e especial, não podendo a pena ultrapassar a medida da culpa.
Assim, Toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa1.
No caso o arguido recorrente não só detinha uma arma proibida, como a usou na prática de dois crimes, de gravidade extrema, como o crime de homicídio, que atenta contra a vida, o primeiro valor jurídico-penal protegido, que só não consumou por razões alheias à sua vontade, e o crime de roubo, que atenta contra bens pessoais e patrimoniais, e que concretizou.
É pois muito elevado o grau de ilicitude dos factos praticados, o arguido/recorrente actuou com dolo foi muito intenso, as lesões causadas ao ofendido BB, foram consideráveis, havendo elevadas necessidades de prevenção geral e especial, já que a conduta do arguido se mostrou em ambas as ocasiões fortemente impulsiva, fortemente perigosa e desrespeitadora dos bens jurídicos alheios, como consta do acórdão recorrido.
E, ainda, o arguido recorrente havia já sido julgado e condenado pela prática de dois crimes, sendo manifesta a falta de preparação para manter uma conduta lícita.
Nunca indicou as razões ou motivos por que praticou estes factos sendo os motivos apontados em ambos os casos completamente inverosímeis, não foram acreditados, foram contrariados pela prova produzida, não tendo qualquer respaldo nos factos provados.
Nunca esclarecendo, o arguido/recorrente, a verdadeira causa ou causas da tentativa de homicídio e do roubo cometidos, nunca mostrando arrependimento, revelando falta de uma verdadeira auto censura, e invocando factos para explicar o sucedido, que não têm o mínimo respaldo na matéria de facto dada como provada, limita esta atitude as conclusões a tirar acerca das necessidades de prevenção especial.
O que, aliás, é também, sentido e referido no relatório social onde se concluiu que se identificam “como principais necessidades de reinserção social a aquisição de consciência do valor do bem jurídico em causa e do juízo crítico face às práticas criminais, essenciais à concretização de um projeto de vida condigno com as normas sociais.”
Necessita, pois, o arguido, recorrente de interiorizar o mal feito e a necessidade de conduzir a sua vida de acordo com as regras instituídas pelo direito.
Uma pena de multa jamais poderia realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, que vêm sendo referidas, e as necessidades de ressocialização do arguido/recorrente.
Não tem, pois, razão o recorrente improcedendo o recurso neste particular.
2.2.3. Determinação da medida concreta das penas parcelares.
a.Antes de mais, o Exmo. PGA neste STJ vem dizer que “[h]á, contudo, que dizer que, por manifesto lapso, o Colectivo faz referência a molduras penais abstractas que não são as legalmente previstas:
-De 08 a 10 anos e 07 meses de prisão, quando a moldura penal do crime de “homicídio”, na forma tentada, agravado, p. e p. nas disposições dos arts. 22°/1, 23°/1 e 2, 131º do Código Penal e 86º/3 da L-5/2006, de 23/02, é de 02 anos, 01 mês e 18 dias a 14 anos, 02 meses e 20 dias de prisão;
-De 02 a 08 anos de prisão, quando a moldura penal do crime de “roubo”, p. e p. nas disposições dos arts. 204º/2-f) e 210º/1 e 2-b) do Código Penal, é de 03 a 15 anos de prisão.
(…)
Donde:
Se o lapso relativo à moldura penal do crime de “homicídio”, na forma tentada, agravado, conduziria a uma impossibilidade lógico-jurídica – pela aplicação de uma pena concreta abaixo do seu limite mínimo legal;
O relativo à moldura do crime de “roubo” poderia ter conduzido à aplicação de uma pena descriteriosa porque eventualmente abaixo da moldura da culpa e da prevenção encontradas.
(…)
Ora, reparando o lapso manifesto, pela consideração das correctas molduras penais abstractas, cremos ainda que as concretas circunstâncias da prática dos crimes em questão, com relevância ao nível da formulação dos juízos de ilicitude e de culpa – valoradas, pois, à luz dos critérios tipológicos previstos na disposição do art. 71º do Código Penal para a determinação da pena –, permitem a conclusão de que as penas parcelares concretamente aplicadas se mostram, adentro daquelas molduras, justas e criteriosas (de acordo com ditames de necessidade, adequação e proporcionalidade), dando expressão acertada às exigências da prevenção geral e especial, integrada aquela pela ideia da culpa.
(…)
Na página 18 do acórdão recorrido, pode ler-se, com efeito, que “[e]m face do disposto no artigo 131.º, 22.º, 23.º e 73.º do CP, o crime de homicídio tentado é punível com pena de prisão de 8 a 10 anos e 7 meses. Porém, tendo o arguido feito uso de arma de fogo, importa aplicar a agravação prevista no artigo 86.º n.º 3 da Lei n.º 5/2006, ou seja, a pena é agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo, pelo que a pena passará a ser de 10 anos e 6 meses a 14 anos e 2 meses” (e não de 8 a 10 anos e 7 meses de prisão, como se refere no parecer).
“Por seu turno, neste caso” (roubo), “de acordo com o disposto no artigo 210.º n.ºs 1 e 2 e 204.º n.º 2 al. f), a moldura penal é de 2 a 8 anos de prisão.”
Na verdade, verifica-se lapso na determinação das molduras penais abstratas quanto aos crimes de homicídio agravado tentado e de roubo, sendo que naquele a pena aplicada seria inferior ao seu limite mínimo.
Porém, como refere o parecer do Ministério Público, este lapso manifesto não interfere com a justeza das penas encontradas para cada um dos crimes, nem importa modificação essencial do acórdão.
Assim, reparando este lapso (nos termos dos disposto no art.º 380º, n.º 1, al. b) do CPP), a moldura penal abstrata no crime de homicídio agravado na forma tentada tem como limite mínimo 02 anos, 01 mês e 18 dias e como limite máximo, 14 anos, 02 meses e 20 dias de prisão, e a do crime de roubo tem como limite mínimo 03 anos e como limite máximo 15 anos de prisão, (art.º 204º, n.º 2, al. f) e art.º 210º, n.º 1, e 2, al. b) do Código Penal).
b.Sem que indique penas alternativas, defende, depois, o arguido/recorrente que “as penas parcelares relativas a cada um dos crimes por que o recorrente foi condenado pecam por exageradas e desproporcionais – conclusão 2 – que a pena de 6 anos e 6 meses pela prática de um crime de homicídio na forma tentada p.p. pelo artigo 131 do CP, agravado pelo artigo 86º n.3 da lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, peca por exagerada e desproporcional- cls. 3 -, A pena de 2 anos de prisão pela prática de um crime de detenção de arma proibida p.p. pelo artigo 86º n.º 1 al. c) da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro peca por exagerada e desproporcional, o tribunal deveria ter optado pela condenação do recorrente em pena de multa – cls. 4 -, e a pena de 5 anos de prisão pela prática de um crime de roubo p.p. pelo artigo 210º n.ºs 1 e 2, al. b) do CP, conjugado com o artigo 204º n.º 2 al. f) peca por exagerada de desproporcional – cls. 5.
Dos factos que resultaram provados inexistem dúvidas que o arguido desenvolveu uma atuação que preenche os tipos legais previstos, como o próprio recorrente conclui e reconhece - conclusão 6.
Cometeu, assim, o arguido/recorrente um crime de homicídio na forma tentada, previsto nas disposições dos art.ºs. 22°, n.º 1, 23°, n.º 1 e 2, 131º do Código Penal e 86º, n.º 3 da L-5/2006, de 23/02, punível com na pena de 02 anos, 01 mês e 18 dias a 14 anos, 02 meses e 20 dias de prisão, um crime de detenção de arma proibida, previsto pelo artigo 86.º n.º 1 al. c) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, com pena de prisão de 1 a 5 anos, ou com pena de multa até 600 dias e um crime de roubo, previsto pelo artigo 210.º n.ºs 1, 2, al. b) do CP, conjugado com o artigo 204.º, n.º 2, al. f), punível com pena de 3 a 15 anos de prisão.
c. Obtida a moldura penal, há, então, a considerar no processo de determinação da medida concreta da pena as finalidades da punição, constantes do art.º 40.º do Código Penal, e o disposto, para determinação da medida concreta da pena dentro dos limites da lei, no art.º 71º do CPP.
Tudo decorrendo do art.º 18º n.º 2 da CRP que estipula que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
Dispondo, ainda, o art.º 27º, n.º 1 da CRP, que todos têm direito à liberdade e à segurança. E determina o n.º 2, que ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança.
As finalidades e limite das penas criminais podem resumir-se como ensina o Prof. Figueiredo Dias2, a que (i)toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção geral e especial, que (ii)a pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa que (iii)dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, que (iv)dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais.”
Assim, “Toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa.”
A aplicação de penas … visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – n.º 1 do art.º 40º do CP. E, estatui, em termos “absolutos” o n.º 2 do mesmo preceito que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Culpa e prevenção são, pois, os factores a considerar para encontrar a medida concreta da pena. Sendo a culpa, o juízo de censura ético-jurídica dirigida ao agente por ter atuado de determinada forma, quando podia e devia ter agido de modo diverso3.
Nos termos do art.º 71º n.º 1 e 2 do Código Penal, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o Tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele.
As circunstâncias gerais enunciadas exemplificativamente no n.º 2 do art.º 71.º do Código Penal, são, no ensinamento de Figueiredo Dias, elementos relevantes para a culpa e para a prevenção e, “por isso, devem ser consideradas uno actu, … são numa palavra, fatores relevantes para a medida da pena por força do critério geral aplicável”4.
d. Mantendo os recursos, também, em matéria de pena o modelo de “recurso-remédio”, a sindicabilidade da medida da pena abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores demedida da pena, mas “não abrange a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, excepto se tiverem sido violadas regras de experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.”5
Tal como a fundamentação não é tão exigente pois que existe já uma decisão de 1ª instância que só deverá ser alterada quando não decorra de uma correcta aplicação das normas legais e constitucionais.
Deverá, pois, respeitar-se a margem de livre apreciação ao tribunal de 1ª instância (que teve contacto directo e imediato com a prova), enquanto tribunal de julgamento.
No caso, refere o acórdão recorrido que “Ponderada a factualidade provada à luz do disposto das normas legais “supra” citadas, importa considerar que, neste caso, o dolo foi muito intenso e que, para além disso, foram consideráveis as lesões causadas ao ofendido BB, havendo elevadas necessidades de prevenção geral e especial, já que a conduta do arguido se mostrou em ambas as ocasiões fortemente impulsiva, fortemente perigosa e desrespeitadora dos bens jurídicos alheios, sendo certo que já havia sido julgado e condenado pela prática de dois crimes.
(…)
No relatório social concluiu-se que se identificam “como principais necessidades de reinserção social a aquisição de consciência do valor do bem jurídico em causa e do juízo crítico face às práticas criminais, essenciais à concretização de um projeto de vida condigno com as normas sociais.”
“Deste modo, em face das considerações expostas, entende o Tribuna colectivo que as penas parcelares a aplicar, por força da necessidade e adequação subjacentes às finalidades da punição, são de 6 anos e 6 meses de prisão quanto ao crime de homicídio tentado; 5 anos quanto ao crime de roubo e 2 anos quanto ao crime de detenção de arma proibida.”
e. Donde se vê que o acórdão recorrido, considerou os factores a que alude o art.º 71.º do Código Penal, como o modo de execução dos factos, concluindo que a conduta do arguido se mostrou em ambas as ocasiões fortemente impulsiva, fortemente perigosa e desrespeitadora dos bens jurídicos alheios, a gravidade das suas consequências, pois,“foram consideráveis as lesões causadas ao ofendido BB”, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente que teve conduta “desrespeitadora dos bens jurídicos alheios”, a intensidade do dolo “o dolo foi muito intenso”, os sentimentos manifestados na prática dos crimes, de completo desrespeito pelas vítimas e movido pela vontade de matar e de se apropriar de bens alheios, as condições pessoais e situação económica, constantes do Relatório Social, a conduta anterior, pois o arguido havia já sido condenado e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada nos factos praticados.
No caso, os crimes cometidos, atentam contra a vida humana, primeiro e principal valor jurídico, constitucional e penalmente, protegido, no crime de homicídio, contra bens patrimoniais e pessoais, como o direito de propriedade e a detenção de bens móveis bem como a liberdade individual e a integridade física da vítima, o crime de roubo e contra a segurança no crime de detenção de arma proibida.
Alega, agora, sobretudo, o recorrente, quanto ao crime de homicídio que a arma se encontrava na posse do ofendido, que o abordou na rua e tentou disparar sobre si, tendo sacado da arma e efectuado um disparo que lhe teria acertado no braço, na sequência do que tentou agarrar a arma ao ofendido em cuja confusão surgiram os disparos que atingiram o ofendido.
Quanto à arma, diz que ficou com ela (tendo, por isso, fugido do local com a arma) e que a vendeu, o que não tem qualquer respaldo na matéria de facto provada onde concluiu o contrário.
E quanto ao crime de roubo “admitindo ter estado na sua residência para uma massagem, refere que foi ela quem o roubou o dinheiro que trazia na bolsa e que só exibiu a arma na cozinha porque procurava o seu dinheiro e deparou-se com um homem na cozinha, tendo saído do prédio a correr. Nega que tivesse intenção de subtrair o telemóvel à ofendida, uma vez que pretendia apenas convencê-la a devolver-lhe o seu dinheiro, acrescentando que o levou para fora e foi até ao Centro Comercial ... para entregar o telemóvel.”
Versão que não só resulta totalmente inverosímil, foi contrariada em face de um juízo lógico e de experiência comum, tendo, para além do mais, sido é infirmada por toda a prova produzida.
O que demonstra a gravidade e censurabilidade da conduta do arguido que sem qualquer troca de palavras com o ofendido, não se apurando o motivo ou motivos ou razões da prática do crime, munido de uma arma de fogo, o atingiu com dois disparos.
Tal como com à ofendida CC, actuando de forma violenta com o objectivo de se apropriar do dinheiro que tinha.
Vê-se ainda que o arguido actuou com dolo directo e muito intenso e uma vontade firme de concretizar os seus intentos, deixando os ofendidos sem qualquer hipótese de defesa.
As necessidades de prevenção geral são elevadas, sendo os crimes cometidos, dos que geram maior sensação de insegurança na comunidade, exigindo firme resposta do Estado.
Prevenção geral que se traduz na proteção dos bens jurídicos ofendidos mediante a aplicação de penas proporcionais à gravidade dos factos e que satisfaçam as necessidades preventivas da comunidade e expectativas desta na validade das normas.
No tocante às exigências de prevenção especial destaca-se, como se concluiu no Relatório Social, que identifica “como principais necessidades de reinserção social a aquisição de consciência do valor do bem jurídico em causa e do juízo crítico face às práticas criminais, essenciais à concretização de um projeto de vida condigno com as normas sociais.”
Como vem sendo dito, a pena deve servir finalidades exclusivamente de prevenção geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena, não podendo ultrapassá-la.
Em tudo deve ainda considerar-se o princípio da proporcionalidade e a proibição do excesso.
Assim, tendo a pena por finalidade a protecção dos bens jurídicos e, na medida do possível, a ressocialização do agente, e que não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa, a sua medida concreta resultará da medida da necessidade de tutela do bem jurídico (prevenção geral), sem ultrapassar a medida da culpa, intervindo a prevenção especial de socialização entre o ponto mais elevado da necessidade de tutela do bem e o ponto mais baixo, onde ainda é comunitariamente suportável essa tutela.
Por razões de equidade e proporcionalidade haverão de considerar-se, ainda, outras referências jurisprudenciais deste Tribunal mantendo-se o equilíbrio e constância nas decisões e igualdade ou proximidade das penas cominadas para casos semelhantes6.
Considerando as finalidades das penas, em particular das exigências de prevenção geral e especial prementes neste caso, a necessidade de proteção dos bens jurídicos que com a incriminação se pretendem acautelar, mostram-se justas, adequadas e fixadas de harmonia com os princípios da necessidade e da proporcionalidade das penas, sem que ultrapassem a medida da sua culpa, as pena em que o arguido foi condenado de 6 anos e 6 meses de prisão quanto ao crime de homicídio tentado; 5 anos quanto ao crime de roubo e 2 anos quanto ao crime de detenção de arma proibida, não se mostrando necessária nem se justificando qualquer intervenção correctiva por parte deste Tribunal, nem foi violada qualquer norma legal, nomeadamente o art.º 71º do CP.
2.2.4. Pena única.
a. Por fim defende o arguido/recorrente que a pena sofrida para o comportamento global do recorrente, é eventualmente desproporcionada e desconforme com a jurisprudência e peca por excessiva.
Deveria ter sido optada pela aplicação ao recorrente em cúmulo jurídico a pena de prisão próxima dos 7 anos.
Com a escolha e determinação da pena no sentido referido, estariam alcançadas as finalidades da pena ao caso em apreço, bem como a prevenção geral e especial aqui exigida, já que, alega, no caso vertente resulta provado que o recorrente se encontra perfeitamente inserido social e familiarmente.
Encontradas as penas parcelares em que foi condenado o arguido haverá de ser condenado numa pena única conjunta, sendo a moldura penal do concurso obtida a partir das penas parcelares, que, por sua vez, são obtidas seguindo o procedimento normal de determinação e escolha das penas.
A moldura da pena abstracta aplicável aos crimes em concurso, tem como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, e, como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, sem ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão, e 900 dias, tratando-se de pena de multa - artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal.
No âmbito das molduras legais predeterminadas pelo legislador, cabe ao juiz encontrar a medida da pena de acordo com os critérios legais.
Assim, em termos gerais, obtida a moldura penal, há a considerar no processo de determinação da medida concreta da pena as finalidades da punição, constantes do art.º 40.ºdo Código Penal, e os comandos para determinação da medida concreta da pena dentro dos limites da lei, a que se refere o art.º 71º do Código Penal.
E, “como critério especial, rege o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, sobre as regras da punição do concurso de crimes (artigo 30.º, n.º 1), dispondo que, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, formada a partir da moldura do concurso, para cuja determinação, seguindo-se os critérios da culpa e da prevenção atrás mencionados (artigo 71.º), são considerados, em conjunto, e como critério especial, os factos e a personalidade do agente (n.º 1 do artigo 77.º, in fine), com respeito pelo princípio da proibição da dupla valoração.
Aqui se incluem, designadamente, as condições económicas, familiares e sociais, como a sua inserção na sociedade na comunidade em que reside e a situação laboral, reveladoras das necessidades de socialização, a receptividade das penas, a capacidade de mudança em consequência, a suscetibilidade de por elas ser influenciado e as qualidades da personalidade manifestadas no facto, nomeadamente a falta de preparação para manter uma conduta licita”7.
Vem sendo jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça que, com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, em termos gerais, mas também, especialmente, pelo seu conjunto, enquanto revelador da dimensão e gravidade global do seu comportamento.
“Na determinação da pena única a aplicar, há que fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, pois só dessa forma se abandonará um caminho puramente aritmético da medida da pena para se procurar antes, adequá-la à personalidade unitária que nos factos se revelou”8.
“A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção – dentro da moldura legal – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes”9.
Em tudo devem ainda considerar-se “os princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso”10, que deve presidir à fixação da pena conjunta11.
“Tudo se deve passar como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só, uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta.
De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”, como ensina o Prof. Figueiredo Dias12.
As conexões ou ligações fundamentais, na avaliação da gravidade do ilícito global, são as que emergem do tipo e número de crimes; da maior ou menor autonomia e frequência da comissão dos delitos; da igualdade ou diversidade de bens jurídicos protegidos violados; da motivação subjacente; do modo de execução, homogéneo ou diferenciado; das suas consequências e da distância temporal entre os factos – tudo analisado na perspetiva da interconexão entre todos os factos praticados e a personalidade global de quem os cometeu, de modo a destrinçar se o mesmo tem propensão para o crime, ou se, na realidade, estamos perante um conjunto de eventos criminosos episódicos, devendo a pena conjunta refletir essas singularidades da personalidade do agente13.
E, para além dos factos praticados, importa, ainda, ponderar as condições pessoais e económicas do agente, a sua recetividade à pena e a suscetibilidade de ser por ela influenciado, elementos particularmente relevantes para apuramento das exigências de prevenção14.
Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
c. No acórdão recorrido pode ler-se que “[i]mporta agora proceder ao cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77.º n.º 1 do Código Penal” …
(…)
Assim, a determinação da pena única será efectuada considerando a globalidade dos factos, bem como a personalidade do arguido, sendo ainda de ponderar os limites consignados no n.º 2 do artigo 77.º do Código Penal, dos quais resulta que a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
(…)
Assim, atendendo aos critérios já expostos, o Tribunal entende adequado fixar em cúmulo jurídico, tendo presente as razões de prevenção especial descritas e a gravidade dos factos apreciada na sua globalidade, a pena única de 9 anos e seis meses de prisão.”
No caso, concorrem para o cúmulo jurídico:
1-a pena de 6 (seis) anos e 6 seis meses de prisão, no que respeita ao crime de homicídio agravado, na forma tentada;
2-a pena de 5 (cinco) anos de prisão, no que respeita ao crime de roubo;
3-a pena de 2 (dois) anos de prisão, no que respeita ao crime de detenção de arma proibida.
A moldura penal tem, assim, como limite mínimo, 6 anos e 6 seis meses de prisão (pena parcelar mais alta das penas concretamente aplicadas aos três crimes), e como limite máximo, 13 anos e 6 meses.
As necessidades de prevenção geral são elevadas dada a frequência deste tipo de criminalidade e o sentimento de insegurança que gera nos membros da comunidade, conduzindo à perda de confiança dos cidadãos nas instâncias judiciais e na validade das normas.
Na avaliação da imagem global dos factos importa sopesar a natureza dos diversos crimes, o respetivo grau de dolo e a ilicitude e respetivo modo de execução, o desvalor do resultado e dos efeitos reais ou potenciais para os bens jurídicos tutelados pelos tipos criminais violados, tudo concorrendo para elevadas necessidades de prevenção geral.
Como supra se diz, sobre as condições pessoais, o arguido recorrente tem antecedentes criminais, está inserido familiar e socialmente, mas necessita de adquirir consciência dos valores dos bens jurídicos em causa e do juízo crítico face às práticas criminais, essenciais à concretização de um projeto de vida condigno com as normas sociais, como se refere no relatório social.
De facto, a falta de uma verdadeira auto censura, nunca indicando o arguido a verdadeira causa ou causas dos crimes cometidos, nunca mostrando arrependimento e invocando factos, para explicar o sucedido, que além de inverosímeis, não têm o mínimo respaldo na matéria de facto dada como provada, limita as conclusões a tirar acerca das necessidades de prevenção especial.
O modo de execução e gravidade dos factos pelos quais foi condenado o arguido, requerem exigências preventivas de socialização.
Neste contexto, valorando o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto todos os factos em presença, a sua relacionação com a personalidade do recorrente e os fins das penas, entendemos adequada a pena única conjunta de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão em que foi condenado pelo acórdão recorrido que está dentro daqueles parâmetros que vimos referindo e em consonância com a jurisprudência deste Tribunal.
É, pois, equilibrada, proporcional e ajusta-se aos critérios emergentes dos art.ºs. 40º, 71.º e 77.º, n.º 1, parte final, todos do Código Penal, normas que não foram violadas, não se justificando a intervenção corretiva deste Tribunal.
Improcede, por conseguinte, o recurso.
3. Decisão.
Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção criminal, acorda em:
-corrigir o lapso quanto à determinação das molduras penais abstratas correspondentes aos crimes de roubo e de homicídio agravado na forma tentada, nos termos sobreditos;
-negar provimento ao recurso do arguido AA, confirmando, antes, o acórdão recorrido.
-Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida em 5 UC`s, (artigo 513.º, n.ºs 1 e 3, do CPP, e artigo 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).
António Augusto Manso (Relator)
José A. Vaz Carreto (Adjunto)
Maria Margarida Almeida (Adjunta)
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1-Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 3ª edição, Gestelegal, Coimbra, p. 96.
2-Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 3ª edição, Gestelegal, Coimbra, p. 96.
3-Eduardo Correia, in “Direito Criminal”, Coimbra, Reimpressão, 1993, Vol. I, pág. 316, citado no Ac. proferido no proc. n.º 580/16.9T9OER.L1.S1, in www.dgsi.pt.
4-Jorge Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, vol. I, Coimbra Editora, p. 96.
5-Ac. do STJ de 08.11.2023, proc. 808/21.3PCOER.L1.S1, e FD, Consequências jurídicas do crime, 1993, §254, p. 197, aí citado.
6-v. acórdãos do STJ de 14.11.2024, proferido no processo n.º 526/22.5PFSXL.s1 e de 28.11.2024, proferido no processo n.º 135/23,1GBLLE.S1., in www.dgsi.pt.
7-Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 3.ª reimp., 2011, p. 248 e segs, e os acs. de 8.6.2022, Proc. 430/21.4PBPDL.L1.S, e de 16.2.2022, Proc.160/20.4GAMGL.S1, www.dgsi.pt, citados no ac. do STJ de 21.02.2024, proc. 1553/22.8PBPDL.L1.S1.
8-v. Ac. do STJ de 19.05.2021, proc. n.º 36/20.5GCTND.C1.S1, www.dgsi.pt
9-10-v. Ac. do STJ de 31.03.2011, proc. n.º 169/09.9SYLSB.S1, www.dgsi.pt.
11-Neste sentido, podem ver-se aplicações concretas nos acórdãos de 21-11-2006, processo n.º 3126/06-3.ª, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 228, de 14-05-2009, no processo n.º 170/04.9PBVCT.S1-3.ª; de 10-09-2009, no processo n.º 26/05. 8SOLSB-A.S1, como se lê no ac. do STJ de 14.12.2023, proferido no processo n.º 130/18.2JAPTM.2.S1, in www.dgsi.pt, citando o ac. do STJ de 31.03.2011, proc. n.º 169/09.9SYLSB.S1.
12-Citado no Ac. do STJ de 25.09.2024, proferido no proc. 3109/24.1T8PRT, 3ª secção, e v. ainda, o acórdão de 25.10.2023, Proc. 3761/20.7T9LSB.S1, em www.dgsi.pt, e jurisprudência nele mencionada.
13-v. Ac. do STJ de 14.12.2023, proferido no processo n.º 130/18.2JAPTM.2.S1, in www.dgsi.pt
14-v. Ac. do STJ de 14.12.2023, proferido no processo n.º 130/18.2JAPTM.2.S1, in www.dgsi.pt.