I. A revisão da sentença condenatória com base em provas proibidas, com fundamento na al. e) do n.º 1 do artigo 499.º do CPP, pressupõe a convergência dos seguintes requisitos cumulativos: a utilização de prova proibida nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º, que a prova proibida tenha servido de fundamento à decisão que se quer rever e que a natureza e a utilização da prova proibida seja descoberta após o julgamento.
II. É no âmbito do recurso ordinário – isto é, de decisões não transitadas em julgado (artigos 399.º e segs. do CPP) – que podem obter-se resultados como os pretendidos pelo recorrente nestes autos: a declaração de nulidade do acórdão recorrido ou o conhecimento de nulidade não sanada (art.º 379.º, n.º 2, e 410.º, n.º 3, do CPP) ou uma decisão de substituição de uma pena de prisão por uma pena de suspensão de execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º do CP (decisão sobre o objeto do processo – art.º 369.º do CPP).
III. As invocadas nulidades processuais, mesmo que não supridas – art.ºs 119.º e 120.º do CPP – não constituem fundamento da revisão. A expressão constante do proémio do artigo 119.º do CPP – «devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento» – significa que as nulidades podem ser declaradas em qualquer fase até ao trânsito em julgado da decisão, não após o trânsito, que é pressuposto do recurso extraordinário de revisão.
IV. A consideração de condenações criminais cujo registo, na alegação do recorrente, deveria estar cancelado releva apenas como circunstância a ter em conta na determinação da pena, sendo que a revisão não visa esta finalidade (art.º 449.º, n.º 3, do CPP).
V. Não se verificando aqueles requisitos cumulativos é negada a revisão, sendo o recurso julgado manifestamente infundado.
1. AA, arguido, com a identificação dos autos, interpõe recurso extraordinário de revisão do acórdão de 06.07.2023, proferido no Proc. n.º 1365/17.0T9VFR, do Juízo Central Criminal de ..., Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, transitado em julgado em 25.09.2024, pelo qual foi condenado numa pena única de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 1, com referência ao art.º 202.º, al. a), do Código Penal, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.º 256.º, n.º 1, als. c) e d), do Código Penal, de um crime de falsidade informática, p. e p. pelo art.º 3º, n.º 1, da Lei n.º 109/2009, de 15.09, e de um crime de uso de documento de identificação alheio, p. e p. pelo art.º 261.º, n.º 1, do Código Penal.
2. Apresenta motivação em que «vem arguir a nulidade do acórdão que fundamenta a não suspensão da pena na consideração de antecedentes criminais que, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, já deveriam ter sido expurgadas do CRC», concluindo(transcrição):
«1. Da Nulidade Insanável - O aliás douto acórdão incorreu em nulidade insanável ao considerar, para efeito de agravação de pena, os antecedentes criminais do CRC do arguido que, por força dos artigos 15.º e 24.º da Lei n.º 57/98, já deviam ter sido cancelados.
2. Valoração de Prova Proibida - Esta valoração proibida compromete o direito à defesa e a justiça da decisão e gera uma errada apreciação da medida da culpa, em violação dos artigos 125.º e 126.º do CPP e dos artigos 50.º, 58.º e 43.º do CP, ao não conceder ao arguido uma pena suspensa condizente com a sua actual situação criminal, expurgada de antecedentes caducados.
3. Da revogação da pena aplicada e da sua substituição - A decisão está assim ferida de nulidade insanável e absoluta, nos termos dos arts.ºs 120.º e 122.º do CPP, cuja única consequência é a da anulação do acórdão recorrido e a substituição da pena de prisão efectiva de 2 anos e 8 meses por uma pena suspensa, em conformidade com a lei e com um prognóstico de reintegração adequado, considerando a exclusão dos antecedentes caducados.
(…)
Declarando a nulidade insanável do acórdão recorrido e, em consequência, revogando a condenação em pena efectiva de 2 anos e 8 meses de prisão e substituindo-a pela pena de prisão de 2 anos e 8 meses, suspensa na sua execução por 2 anos, farão V. Exas. inteira justiça, a que de resto nos habituaram!»
3. Por requerimento posterior, veio esclarecer e confirmar que:
«O recurso interposto em 30/10/2024 foi, de facto, incorretamente dirigido ao Tribunal da Relação, quando o que se pretende interpor é de revisão, nos termos do artigo 449.º do Código de Processo Penal (CPP), e não um recurso ordinário.
Na verdade, pretende-se com o presente recurso a correção de uma nulidade insanável decorrente da consideração de antecedentes criminais caducados no Certificado de Registo Criminal (CRC) do arguido, uma situação que afeta a justiça da decisão e que pode ser arguida a qualquer tempo, mesmo após o trânsito em julgado, conforme o disposto no artigo 120.º, n.º 3, alínea d), do CPP., não a reanálise de questões já decididas.»
Acrescentando: «Conforme disposto nos artigos 119.º e 120.º, n.º 3, alínea d), do Código de Processo Penal (CPP), a nulidade absoluta, ou insanável, é uma exceção à regra da irrecorribilidade das decisões transitadas, dado o seu impacto nos princípios basilares do processo e nos direitos fundamentais do arguido. Assim deve ser admitido para apreciação, independentemente do trânsito em julgado, conforme previsto no artigo 449.º, n.º 1 al. e) do CPP.»
Pelo que requer que o recurso seja admitido para o Supremo Tribunal de Justiça, «para que este aprecie o pedido de revisão com fundamento na nulidade insanável, em conformidade com o artigo 449.º do CPP.».
4. Prestando informação sobre o mérito do pedido, de acordo com o disposto no artigo 454.º do CPP, consigna o Senhor Juiz do processo, concluindo pela denegação da revisão (transcrição):
«(…) Veio o arguido AA interpor recurso extraordinário de revisão da decisão penal proferida no processo relativamente ao qual o presente constitui um apenso.
A certidão da condenação foi junta a este apenso em 25/11/2024.
O arguido foi condenado numa pena de 2 anos e 8 meses de prisão efetiva.
Entende o arguido que não poderiam ser valoradas determinadas condenações existentes no registo criminal.
Estribou a sua pretensão, por via do disposto no artº 449.º, n.º 1, al. e), do Cód. Proc. Penal (“Assim deve ser admitido para apreciação, independentemente do trânsito em julgado, conforme previsto no artigo 449.º, n.º 1 al. e) do CPP”), que dispõe: “
Artigo 449.º
Fundamentos e admissibilidade da revisão
1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:
(…)
e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos nºs 1 a 3 do artigo 126.º.
Entendemos que os fundamentos do recurso não abrangem esta alínea.
No mesmo sentido, o Acórdão do STJ de 14/07/2022 indicou que “7. Não sendo este o local para o aprofundamento das várias vertentes da questão, admitindo, por eficácia de argumentação, que a consideração de antecedentes que constam do CRC, mas que deviam estar cancelados configura valoração de prova proibida, vejamos o caso concreto em que, importa reconhecer, os seus antecedentes foram efetivamente considerados na medida da pena, situação em que não vale a restrição do art. 449.º/3: «com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada», pois o fundamento agora em apreciação não é da al. d), mas da al. e). 8. A conclusão imediata é a de que a prova proibida dos antecedentes criminais que deviam estar cancelados não consta das «provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do art. 126», art. 449.º/1/e, CPP. O art. 449.º é uma norma excecional que deve ser interpretada e aplicada nos seus precisos termos, pelo que o alegado pelo recorrente é inviável como fundamento de revisão. (…). 9. Assim sendo, falha de fundamento jurídico a pretensão do requerente”1.
Por conseguinte, logo à partida entendemos que não estão reunidos os pressupostos para que a pretensão do recorrente possa ser procedente, já que a situação não está prevista no artº 449.º, n.º 1, al. e), do CPP.
Mas ainda que assim não se entendesse - e se defendesse a posição jurídica de que, em abstrato, a valoração indevida de condenações presentes no CRC estaria abrangida pelo aludido art.º 449.º, n.º 1, al. e), do CPP – nem assim, neste caso concreto, no nosso entender, o Recorrente teria razão.
Vejamos.
Com interesse indica-se a seguinte matéria de facto:
A) O arguido AA foi, neste processo, condenado em pena de 2 anos e 8 meses de prisão efetiva (cfr. CRC junto a este apenso em 03/12/2024), tudo nos seguintes termos:
“20. Condenam o arguido AA pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nº 1, com referência ao artº 202º, al. a), todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão (“G...”);
21. Condenam o arguido AA pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, als. c) e d), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;
22. Condenam o arguido AA pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p. pelo artº 3º, nº 1, da Lei nº 109/2009, de 15.09, na pena de 9 (nove) meses de prisão;
23. Condenam o arguido BB pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de uso de documento de identificação alheio, p. e p. pelo artº 261º, nº 1, do Código Penal, na pena de 3 (três) meses de prisão;
24. Em cúmulo jurídico das penas parcelares impostas nos pontos 20º a 23º deste dispositivo, condenam o arguido AA na pena única de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão efetiva” (cfr. acórdão de 1ª instância).
B) A propósito do arguido AA, no acórdão de primeira instância (de 06/07/2023), foram considerados como provados os seguintes antecedentes criminais:
“104. Tem os seguintes antecedentes criminais:
- No Reino Unido, por sentença de 03.12.2012, transitada em julgado, pela prática na mesma data de um crime de ameaça e posse sem legal autorização de arma branca (apontada em local público), foi condenado em pena de admoestação, multas, afastamento da vítima e destruição do objeto usado;
- No âmbito do PCS nº 382/09.9.3..., do Juízo de Competência Genérica de ... – Juiz ..., do T.J. da Comarca de Aveiro, por sentença datada de 19.01.2012, transitada em julgado a 20.02.2012, pela prática em julho de 2009 de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelos artgs 107º e 105º, nº 5, do RGIT, foi condenado na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de €6, num total de €1.080,00. Pelo seu pagamento, tal pena viria a ser declarada extinta;
- No âmbito do PCS nº 535/04.6....., do então 1º Jz do T.J. da Comarca de Espinho, por sentença datada de 23.05.2012, transitada em julgado a 20.06.2012, pela prática a 10.09.2004 de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nºs 1, al. a), e 3, do Código Penal, foi condenado na pena de 15 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo, subordinada à obrigação de pagar ao assistente a quantia de €5.000,00 em duas prestações iguais de €2.500,00 cada uma, sendo a primeira no prazo de 3 meses após o trânsito em julgado da sentença e a segunda no prazo de 6 meses, também contados desde o trânsito em julgado da sentença. O período da suspensão da execução da pena de prisão viria a ser prorrogado por 1 ano, com a condição de o arguido, no prazo de 6 meses proceder ao pagamento ao assistente do montante em falta (€4.000,00). Tal pena viria depois a ser declarada extinta ao abrigo do disposto no artº 57º, nº 1, do Código Penal;
- No âmbito do PCC nº 890/14.0....., do J.C. Criminal – Juiz ..., do T.J. da Comarca do Porto Este, por acórdão datado de 05.05.2017, transitado em julgado a 19.06.2017, pela prática em outubro de 2013 de dois crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nºs 1, als. b), d) e e), e 3, do Código Penal, foi condenado na pena de 25 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo, subordinada ao dever de pagar ao assistente/demandante a quantia de €66.409,17. O período da suspensão da execução da pena de prisão viria a ser prorrogado pelo período de 1 ano;
- No âmbito do PCS nº 250/15.5....., do Juízo Local Criminal de ... – Juiz ..., do T.J. da Comarca de Aveiro, por sentença datada de 18.10.2019, transitada em julgado a 06.10.2020, pela prática em outubro de 2014 de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artº 105º, nº 1, do RGIT, foi condenado em pena de prisão suspensa na sua execução.1
- No âmbito do PCS nº 84/17.2....., do Juízo Local Criminal da ... – Juiz ..., do T.J. da Comarca do Porto, por sentença datada de 15.07.2020, transitada em julgado a 30.09.2020, pela prática a 12.09.2016 de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artº 105º do RGIT, foi condenado na pena de 240 dias de multa, à taxa diária de €7, num total de €1.680,00;
- No âmbito do PCC nº 260/17.8.9..., do Juízo Central Criminal de ... – Juiz ..., do T.J. da Comarca do Porto Este, por acórdão datado de 11.03.2020, transitado em julgado a 06.01.2022, pela prática a 03.02.2017 de um crime de falsas declarações, p. e p. pelo artº 348º, nºs 1 e 2, do Código Penal, foi condenado na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano;
- No âmbito do PCS nº 4189/14.3....., do Juízo Local Criminal ... – Juiz ..., do T.J. da Comarca do Porto, por sentença datada de 17.12.2021, transitada em julgado a 05.09.2022, pela prática a 26.03.2014 de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º do Código Penal, foi condenado na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, com regime de prova e subordinada à condição de proceder ao pagamento do valor em que foi condenado no PIC”.
C) na fundamentação do acórdão de 1ª instância, a propósito do arguido AA, consta o seguinte:
Assim,
- Com referência aos crimes de burla: (…)
c) No que respeita ao arguido AA:
A respeito do crime de burla pelo qual irá ser condenado AA (…)
Além disso, não obstante o arguido estar socialmente inserido, tem já antecedentes criminais relevantes, por factos praticados antes e depois dos factos em causa nestes autos, mormente por crimes de natureza fiscal e por falsificação de documento. Por conseguinte, entendemos que as necessidades de prevenção especial têm relevância (…) – pag. 64. (…)
Com referência aos crimes de falsificação de documento: (…)
c) No que respeita ao arguido AA:
Ponderando o facto de o arguido AA (…)
Quanto às necessidades de prevenção especial de reintegração, valem aqui as considerações já acima efetuadas a este propósito a respeito deste arguido (cfr. pag. 67). (…)
- Com referência ao crime de falsidade informática: (…)
“c) No que respeita ao arguido AA:
Ponderando o facto de o arguido AA ter agido animado de dolo direto (cfr. artº 14º, nº 1, do Código Penal), o modus operandi, com particular relevo para o desvalor (…)
Quanto às necessidades de prevenção especial de reintegração, valem aqui as considerações já acima efetuadas a este propósito a respeito deste arguido” (cfr. pag. 70) (…)
Com referência aos crimes de uso de documento de identificação alheio (…)
c) No que respeita ao arguido AA:
Ponderando o facto de o arguido AA ter agido animado de dolo direto (cfr. artº 14º, nº 1, do Código Penal), o modus operandi (…)
Quanto às necessidades de prevenção especial de reintegração, valem aqui as considerações já acima efetuadas a este propósito a respeito deste arguido (cfr. pag. 73) (…)
2.2. Do cúmulo jurídico – determinação da pena única resultante do concurso de crimes:
Com referência ao arguido AA:
“Ponderando o facto de AA: i) ter sempre agido com dolo direto, revelador de uma vontade criminosa intensa; ii) o modus operandi, num encadeado de atos no respetivo iter criminis em que uns crimes são instrumentais do crime de burla; iii) o número de ofendidos (três – CC, “R...” e “G...”); iv) o valor global do prejuízo provocado (11.562,00); v) a existência de antecedentes criminais relevantes, mormente por crimes fiscais e de falsificação de documento; vi) a sua integração social e familiar; vii) e as relevantes necessidades de prevenção geral, variando a moldura penal abstrata do concurso entre 2 e 4 anos de prisão, parece-nos adequada a imposição da pena única de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão” (cfr. fls. 75);.(…)
2.3. Da pena de substituição:
Quanto ao arguido AA, entendemos que a pena a impor deverá ser efetiva tendo em atenção que já não é possível efetuar-se qualquer juízo de prognose favorável em relação ao seu futuro comportamento, em face dos seus antecedentes criminais, designadamente pela prática de crimes de falsificação de documento (numa situação provocou aliás um prejuízo patrimonial superior a €66.000,00, tendo-lhe sido prorrogado o período da suspensão da pena de prisão então imposta), impressionando negativamente o facto deste arguido ter perpetrado os crimes em causa nos autos quando estava a ser julgado por crimes de falsificação de documento qualificado no âmbito do proc. nº 890/14.0....., cujo acórdão foi lido a 05.05.2017, tendo transitado em julgado a 19.06.2017, bem revelador de que a sua sujeição a julgamento e subsequente condenação, bem como as anteriores, não surtiram qualquer efeito, gorando-se o juízo de prognose favorável então efetuado. Ademais, entretanto, em 2021 foi condenado por burla qualificada (sentença transitada em julgado a 05.09.2022), pese embora por factos perpetrados a 26.03.2014, o que também concorre em seu desfavor, em esquecer a sua condenação em 11.03.2020 (por acórdão transitado em julgado a 06.01.2022) por crime de falsas declarações praticado a 03.02.2017.
Salvo melhor opinião, não é assim merecedor de nova imposição da pena de substituição da suspensão da execução da pena de prisão, cujo efetivo cumprimento se impõe” (cfr. fls. 79).
D) O arguido interpôs recurso e, por acórdão do TRP de 03/04/2024, foi deliberado:
“3- DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em:
- Conceder parcial provimento ao recurso do arguido AA e, em consequência, eliminar do ponto 104 da matéria de facto dada como provada a aí referida condenação no Reino Unido.
- No mais, julgar os três recursos não providos e confirmar a decisão recorrida.
Sem custas para o recorrente AA.
Custas para os demais recorrentes com 4 UC de taxa de justiça para cada um deles”.
E) No acórdão do TRP foi expresso, na fundamentação:
“Entende o recorrente AA que deve ser suspensa a execução da pena de prisão, argumentando em resumo que está absolutamente inserido e, atenta a data dos factos dos autos, a sua vida está conforme ao direito há cerca de 6 anos, não lhe sendo conhecida qualquer outra conduta putativamente criminosa, acrescendo que nenhuma das penas suspensas na execução aplicadas ao recorrente foi revogada, o que permite concluir pelo seu cumprimento que a suspensão da pena cumpriu a sua função no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizaram de forma adequada as finalidades da punição, não havendo razões objetivas para concluir de forma diferente nos presentes autos. Assim, entende o recorrente que é possível a formulação de um juízo de prognose favorável no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição.
Afigura-se não assistir razão ao recorrente e não merecer censura a decisão do Tribunal recorrido ao concluir pela impossibilidade de fazer um juízo de prognose favorável à ressocialização do arguido em liberdade e ao não suspender a pena de prisão.
É que face à natureza e número dos crimes cometidos, através de um meio engenhoso e com implicação de outros agentes no crime já com um nível de organização e conjugação de esforços relevante, a que se somam as várias condenações anteriores sofridas, bem como as condenações posteriores aos factos dos presentes autos e, como bem se nota na decisão recorrida, o facto do arguido ter perpetrado os crimes em causa nos autos quando estava a ser julgado por crimes de falsificação de documento qualificado no âmbito de outro processo, tudo considerado, não obstante a integração familiar e laboral, não é possível concluir pela formulação de um juízo de prognose favorável à ressocialização do arguido em liberdade. Com efeito, se nem o facto de se encontrar a ser julgado por crimes de falsificação o impede de estar em atividade criminosa por crimes de natureza igual ou próxima daqueles, como é possível formular um juízo de prognose favorável à ressocialização do arguido em liberdade?
São as exigências de prevenção especial e, também, as de prevenção geral positiva, atenta a gravidade do conjunto dos crimes cometidos, o modo de atuação não individual, os vários antecedentes criminais pro crimes de natureza próxima, incluindo o cometimento dos crimes dos presentes autos quando estava a ser julgados por outros que exigem que a pena de prisão aplicada ao recorrente não seja substituída pela suspensão da execução da pena, sob consequência de frustração das finalidades da punição, não só em relação ao comportamento do arguido – que se quer leve uma vida no futuro sem cometer crimes – como também em relação à manutenção e reforço da confiança da comunidade na normas colocadas em crise pelo comportamento criminoso do arguido.
Assim, nenhuma censura merece a decisão do Tribunal recorrido ao não suspender a pena aplicada.
Concluindo, são improcedentes os recursos, com exceção da matéria referente ao antecedente criminal no Reino Unido, devendo ser eliminada do ponto 104 da matéria de facto dada como provada a aí referida condenação no Reino Unido”.
F) Do acórdão do TRP o arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, que, por acórdão de 05/06/2024, se recusou a conhecer do objeto do recurso.
Pois bem.
O arguido, nas alegações, faz referência à Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto.
Cumpre desde já afirmar que essa Lei já foi revogada em 2015, pela Lei n.º 37/2015, de 05 de Maio.
Na Lei n.º 37/2015, de 05 de Maio, estabelece-se o regime jurídico da identificação criminal (cfr. artº 1º da Lei nº 37/2015).
A identificação criminal tem por objeto a recolha, o tratamento e a conservação de extratos de decisões judiciais e dos demais elementos a elas respeitantes sujeitos a inscrição no registo criminal e no registo de contumazes – cfr. artº 2º, nº 1, da Lei nº 37/2015.
Essas informações serão vertidas no certificado do registo criminal – cfr. artº 10º da aludida Lei.
Nos termos dos artºs 11º e 12º da Lei n.º 37/2015, de 05 de Maio, algumas condenações no registo criminal são canceladas, respetivamente, definitivamente, ou provisoriamente, em determinadas circunstâncias.
Decorre do artº 11º da aludida lei que:
“1 - As decisões inscritas cessam a sua vigência no registo criminal nos seguintes prazos:
a) Decisões que tenham aplicado pena de prisão ou medida de segurança, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal2, decorridos 5, 7 ou 10 anos sobre a extinção da pena ou medida de segurança, se a sua duração tiver sido inferior a 5 anos, entre 5 e 8 anos ou superior a 8 anos, respetivamente, e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;
b) Decisões que tenham aplicado pena de multa principal a pessoa singular, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;
c) Decisões que tenham aplicado pena de multa a pessoa coletiva ou entidade equiparada, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5, 7 ou 10 anos sobre a extinção da pena, consoante a multa tenha sido fixada em menos de 600 dias, entre 600 e 900 dias ou em mais de 900 dias, respetivamente, e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;
d) Decisões que tenham aplicado pena de dissolução a pessoa coletiva ou entidade equiparada, decorridos 10 anos sobre o trânsito em julgado;
e) Decisões que tenham aplicado pena substitutiva da pena principal, com ressalva daquelas que respeitem aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;
f) Decisões de dispensa de pena ou que apliquem pena de admoestação, decorridos 5 anos sobre o trânsito em julgado ou sobre a execução, respetivamente;
g) Decisões que tenham aplicado pena acessória, após o decurso do prazo para esta fixado na respetiva sentença condenatória ou, tratando-se de pena acessória sem prazo, após a decisão de reabilitação.
2 - Quando a decisão tenha aplicado pena principal e pena acessória, os prazos previstos no número anterior contam-se a partir da extinção da pena de maior duração.
3 - Tratando-se de decisões que tenham aplicado pena de prisão suspensa na sua execução os prazos previstos na alínea e) do n.º 1 contam-se, uma vez ocorrida a respetiva extinção, do termo do período da suspensão.
4 - Cessam também a sua vigência no registo criminal:
a) As decisões que sejam consequência, complemento ou execução de decisões cuja vigência haja cessado nos termos do n.º 1;
b) As decisões respeitantes a pessoa singular, após o seu falecimento;
c) As decisões respeitantes a pessoa coletiva ou entidade equiparada, após a sua extinção, exceto quando esta tenha resultado de fusão ou cisão, caso em que as decisões passam a integrar o registo criminal das pessoas coletivas ou equiparadas que tiverem resultado da cisão ou em que a fusão se tiver efetivado;
d) As decisões consideradas sem efeito por disposição legal.
5 - A cessação da vigência das decisões não aproveita ao condenado quanto às perdas definitivas que lhe resultarem da condenação, não prejudica os direitos que desta advierem para o ofendido ou para terceiros nem sana, por si só, a nulidade dos atos praticados pelo condenado durante a incapacidade.
6 - As decisões cuja vigência haja cessado são mantidas em ficheiro informático próprio durante um período máximo de 3 anos, o qual apenas pode ser acedido pelos serviços de identificação criminal para efeito de reposição de registo indevidamente cancelado ou retirado, e findo aquele prazo máximo são canceladas de forma irrevogável”.
Vejamos então.
1) A condenação do processo nº 382/09.9.3..., que transitou em julgado em 20/02/2012, não podia ser cancelada do CRC porque o arguido, no PCS nº 535/04.6....., em 20/06/2012, sofreu nova condenação (cfr. artº 11º, nº 1, al. b), da Lei n.º 37/2015, de 05 de Maio);
2) A condenação do processo nº 535/04.6....., que transitou em julgado em 20/06/2012, não podia ser cancelada do CRC porque o arguido, no âmbito do processo PCC nº 890/14.0....., foi condenado por sentença transitada em julgado em 19/06/2017 (cfr. artº 11º, nº 1, al. b), da Lei n.º 37/2015, de 05 de Maio);
3) A condenação do processo nº 890/14.0....., que transitou em julgado em 19/06/2017, não podia ser cancelada porque, porque o arguido, no âmbito do processo PCC nº 250/15.5....., foi condenado por sentença transitada em julgado em 06/09/2020 (cfr. artº 11º, nº 1, al. e), e nº 3, da Lei n.º 37/2015, de 05 de Maio);
4) Quando foi proferida a sentença neste processo (e bem assim o acórdão do Venerando TRP), não tinham decorrido 5 anos após as condenações dos processos nºs 250/15.5....., 84/17.2....., 260/17.8.9... e 4189/14.3..... (cfr. artº 11º, nº 1, al.s b) e e), e nº 3, da Lei n.º 37/2015, de 05 de Maio).
Desta forma, também não existe qualquer violação do artº 11º da Lei n.º 37/2015, de 05 de Maio.
Por conseguinte, s.m.o., parece-nos que o recurso de revisão não deverá obter provimento.».
5. Na resposta ao recurso, o Ministério Público no tribunal recorrido conclui pela improcedência do recurso nos seguintes termos:
«(…) da análise do certificado de registo criminal em causa, resulta que o arguido sofreu sucessivas condenações (transitadas em julgado) com início em fevereiro e junho de 2012, seguindo-se em junho de 2017, em outubro e setembro de 2020, em janeiro e setembro de 2022.
Assim, tendo presente que o cancelamento só ocorre, decorrido o prazo de 5 anos, após o cumprimento das penas de multa, e nas penas suspensas após a sua extinção decorrido o prazo da suspensão e como é bom de ver antes do decurso do prazo a que alude o artigo 11º da supra citada Lei já o recorrente sofria nova condenação, pelo que por esta via tais penas de multa e penas de prisão com execução suspensa não poderiam ter o seu registo cancelado, pois que pressuposto material é que após a extinção da pena “entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza”.
Improcede assim o alegado pelo recorrente, pois inexiste a nulidade ora invocada, por nunca ter decorrido o prazo legal exigido para o cancelamento dos antecedentes criminais averbados no seu certificado de registo criminal, como decorre do estatuído pelo artigo 11º da Lei n.º 37/2015 de 05/05.»
5.- Face ao exposto, s.mo., entendemos que não há lugar à revisão do douto acórdão posto em crise, não se verificando a apreciação de qualquer prova proibida, tal como alega o recorrente, e como decorre no disposto no artigo 449º, n.º 1, e), do Cód. de Processo Penal.»
6. Recebido, foi o processo com vista ao Ministério Público, nos termos do disposto no artigo 455.º do CPP, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitido parecer, igualmente no sentido da denegação da revisão (transcrição):
«(…) Face ao disposto no art.º 457º, nº 2, do CPP, e uma vez que, adiantando desde já o sentido do parecer que segue – a revisão pretendida pelo recorrente não tem qualquer fundamento, deve, a nosso ver, ser indeferida a requerida fixação, ao recurso, de efeito suspensivo. (…)
A revisão de sentença é um recurso extraordinário e de utilização excecional, com pressupostos de admissibilidade limitados e taxativos, que não pode servir para obter efeitos que não se conseguiram alcançar por via do recurso ordinário.
“Assinalava o Professor José Alberto dos Reis, em concordância com os processualistas italianos Chiovenda e Mortara, que «bem consideradas as coisas, estamos perante uma das revelações do conflito entre as exigências da justiça e a necessidade de segurança ou da certeza. Em princípio, a segurança jurídica exige que, formado o caso julgado, se feche a porta a qualquer pretensão tendente a inutilizar o benefício que a decisão atribuiu à parte vencedora. Mas pode haver circunstâncias que induzam a quebrar a rigidez do princípio. A sentença pode ter sido consequência de vícios de tal modo corrosivos, que se imponha a revisão como recurso extraordinário para um mal que demanda consideração e remédio. Quer dizer, pode a sentença ter sido obtida em condições tão estranhas e anómalas, que seja de aconselhar fazer prevalecer o princípio da justiça sobre o princípio da segurança. Por outras palavras, pode dar-se o caso de os inconvenientes e as perturbações resultantes da quebra do caso julgado serem muito inferiores aos que derivariam da intangibilidade da sentença»”2.
Densificando o conteúdo destas considerações, decidiu o STJ no seu acórdão de 09.02.20223:
“I - O direito à revisão de sentença, consagrado como direito fundamental (art. 29.º, n.º 6, da CRP), que se efectiva por via de recurso extraordinário que a autorize (art. 449.º e ss. do CPP), com realização de novo julgamento, possibilita a quebra do caso julgado de sentenças condenatórias que devam considerar-se injustas, por ocorrer qualquer dos motivos taxativamente previstos na lei (art. 449.º do CPP). A injustiça da condenação sobrepõe-se à eficácia do caso julgado, em homenagem às finalidades do processo, assim se operando o desejável equilíbrio entre a segurança jurídica da definitividade da sentença e a justiça material do caso.
II - Constitui jurisprudência constante deste tribunal a de que, para efeitos de admissibilidade da revisão (…) são factos novos ou novos meios de prova os que não tenham sido apreciados no processo que levou à condenação e que, sendo desconhecidos da jurisdição no acto de julgamento, permitam suscitar graves dúvidas acerca da culpabilidade do condenado; “novos” são também os factos e os meios de prova que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal.
III - Novos meios de prova são aqueles que são processualmente novos, que não foram apresentados no processo da condenação; a novidade, neste sentido, refere-se ao meio de prova, seja pessoal, documental ou outro, e não ao resultado da produção da prova.”
Em acórdão mais recente4, este Supremo Tribunal veio reafirmar que “Os factos, com relevo para a revisão de sentença com o fundamento previsto na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, são os que, compondo o crime, devem constituir o tema da prova («factos probandos») e os meios de prova são constituídos pelas provas que se destinam a demostrar a verdade de quaisquer factos, ou que constituem o crime, ou que indiciam a existência ou inexistência do crime («as provas relativas a factos probandos»)”.
O recorrente interpõe aqui recurso de revisão de uma decisão condenatória, arguindo a nulidade de prova utilizada em julgamento, mas nem invoca factos processualmente novos que suportem tal arguição, nem a situação que invoca era desconhecida do Tribunal à data do julgamento.
Ora, como saberá, nem a revisão é um grau de recurso ordinário encapotado, nem a invocação de «prova proibida» pode ir além dos estreitos limites fixados pelo art.º 449.º, n.º 1, al. e) do CPP.
“Densificando o comando constitucional referido [art. 32.º, n.º 8], o art. 126.º, n.º 1, do CPP, qualifica como «nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas», exemplificando o n.º 2 situações ofensivas da integridade física e moral das pessoas. Por sua vez, o n.º 3 acrescenta que «ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular»”5.
São estes, e apenas estes, os meios que, se forem utilizados na obtenção de prova, as tornam absolutamente nulas.
Entendeu o legislador que só as provas assim obtidas se mostram de tal forma violadoras dos princípios fundamentais do nosso ordenamento jurídico que, servindo de fundamento à decisão, a contaminam definitivamente, impedindo-a de fazer justiça.
Nestas circunstâncias, o legislador fez prevalecer as exigências da justiça sobre a necessidade de segurança ou da certeza que traz o caso julgado.
Nada disto acontece no caso aqui em apreço.
Como muito bem explica o Senhor Procurador da República na sua resposta ao recurso, o acórdão recorrido não incorreu em qualquer falta, desde logo a que lhe imputa o recorrente, porque inexiste a nulidade por este invocada, uma vez que nunca decorreu o prazo legal exigido para o cancelamento dos antecedentes criminais averbados no seu certificado de registo criminal, como resulta do disposto no artigo 11º da Lei n.º 37/2015 de 05/05.
Para além disso, em momento algum o recorrente invoca a verificação de qualquer circunstância que, voltando a Alberto dos Reis, induza a quebrar a rigidez do caso julgado ou que indique que a decisão, cuja revisão requer, tenha sido ditada em consequência de vícios de tal modo corrosivos, que se imponha a revisão como recurso extraordinário para um mal que demanda consideração e remédio.
Em suma, nada invoca, o recorrente, que lhe permita afirmar a violação de proibições absolutas de prova geradoras de nulidades insanáveis para, fundamentadamente, lançar mão do disposto no art.º 449.º, n.º 1, al. e) do CPP.
IV.
Face ao exposto e examinados os fundamentos do recurso, emite-se parecer no sentido de que não se verificam os fundamentos de admissibilidade da revisão, pelo que deve o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.»
6. O recorrente tem legitimidade para requerer a revisão (artigo 450.º, n.º 1, al. c), do CPP).
7. Nada obstando ao conhecimento do recurso, colhidos os vistos foi o processo remetido à conferência (artigo 455.º, n.ºs 2 e 3, do CPP).
II. Fundamentação
8 A sentença recorrida, cuja revisão agora se pretende, condenou o arguido, como se viu, nos seguintes termos:
«20. Condenam o arguido AA pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nº 1, com referência ao artº 202º, al. a), todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão (“G...”);
21. Condenam o arguido AA pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, als. c) e d), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;
22. Condenam o arguido AA pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p. pelo artº 3º, nº 1, da Lei nº 109/2009, de 15.09, na pena de 9 (nove) meses de prisão;
23. Condenam o arguido BB pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de uso de documento de identificação alheio, p. e p. pelo artº 261º, nº 1, do Código Penal, na pena de 3 (três) meses de prisão;
24. Em cúmulo jurídico das penas parcelares impostas nos pontos 20º a 23º deste dispositivo, condenam o arguido AA na pena única de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão efetiva;
9. Na sentença recorrida considerou-se provado, quanto aos antecedentes criminais, que:
«104. Tem os seguintes antecedentes criminais:
- No Reino Unido, por sentença de 03.12.2012, transitada em julgado, pela prática na mesma data de um crime de ameaça e posse sem legal autorização de arma branca (apontada em local público), foi condenado em pena de admoestação, multas, afastamento da vítima e destruição do objeto usado;
- No âmbito do PCS nº 382/09.9.3..., do Juízo de Competência Genérica de ... – Juiz ..., do T.J. da Comarca de Aveiro, por sentença datada de 19.01.2012, transitada em julgado a 20.02.2012, pela prática em julho de 2009 de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelos artgs 107º e 105º, nº 5, do RGIT, foi condenado na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de €6, num total de €1.080,00. Pelo seu pagamento, tal pena viria a ser declarada extinta;
- No âmbito do PCS nº 535/04.6....., do então 1º Jz do T.J. da Comarca de Espinho, por sentença datada de 23.05.2012, transitada em julgado a 20.06.2012, pela prática a 10.09.2004 de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nºs 1, al. a), e 3, do Código Penal, foi condenado na pena de 15 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo, subordinada à obrigação de pagar ao assistente a quantia de €5.000,00 em duas prestações iguais de €2.500,00 cada uma, sendo a primeira no prazo de 3 meses após o trânsito em julgado da sentença e a segunda no prazo de 6 meses, também contados desde o trânsito em julgado da sentença. O período da suspensão da execução da pena de prisão viria a ser prorrogado por 1 ano, com a condição de o arguido, no prazo de 6 meses proceder ao pagamento ao assistente do montante em falta (€4.000,00). Tal pena viria depois a ser declarada extinta ao abrigo do disposto no artº 57º, nº 1, do Código Penal;
- No âmbito do PCC nº 890/14.0....., do J.C. Criminal – Juiz ..., do T.J. da Comarca do Porto Este, por acórdão datado de 05.05.2017, transitado em julgado a 19.06.2017, pela prática em outubro de 2013 de dois crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nºs 1, als. b), d) e e), e 3, do Código Penal, foi condenado na pena de 25 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo, subordinada ao dever de pagar ao assistente/demandante a quantia de €66.409,17. O período da suspensão da execução da pena de prisão viria a ser prorrogado pelo período de 1 ano;
- No âmbito do PCS nº 250/15.5....., do Juízo Local Criminal de ... – Juiz ..., do T.J. da Comarca de Aveiro, por sentença datada de 18.10.2019, transitada em julgado a 06.10.2020, pela prática em outubro de 2014 de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artº 105º, nº 1, do RGIT, foi condenado em pena de prisão suspensa na sua execução.6
- No âmbito do PCS nº 84/17.2....., do Juízo Local Criminal da ... – Juiz ..., do T.J. da Comarca do Porto, por sentença datada de 15.07.2020, transitada em julgado a 30.09.2020, pela prática a 12.09.2016 de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artº 105º do RGIT, foi condenado na pena de 240 dias de multa, à taxa diária de €7, num total de €1.680,00;
- No âmbito do PCC nº 260/17.8.9..., do Juízo Central Criminal de ...– Juiz ..., do T.J. da Comarca do Porto Este, por acórdão datado de 11.03.2020, transitado em julgado a 06.01.2022, pela prática a 03.02.2017 de um crime de falsas declarações, p. e p. pelo artº 348º, nºs 1 e 2, do Código Penal, foi condenado na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano;
- No âmbito do PCS nº 4189/14.3....., do Juízo Local Criminal ... – Juiz ..., do T.J. da Comarca do Porto, por sentença datada de 17.12.2021, transitada em julgado a 05.09.2022, pela prática a 26.03.2014 de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º do Código Penal, foi condenado na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, com regime de prova e subordinada à condição de proceder ao pagamento do valor em que foi condenado no PIC. (…)
(…) no que respeita aos antecedentes criminais dos arguidos, valoramos os respetivos CRC.»
10. Na determinação da medida da pena, o tribunal recorrido considerou os antecedentes criminais:
«No que respeita ao arguido AA:
A respeito do crime de burla pelo qual irá ser condenado AA e quanto ao grau de censurabilidade da conduta em causa (…) não obstante o arguido estar socialmente inserido, tem já antecedentes criminais relevantes, por factos praticados antes e depois dos factos em causa nestes autos, mormente por crimes de natureza fiscal e por falsificação de documento. Por conseguinte, entendemos que as necessidades de prevenção especial têm relevância.
(…)
Nesta conformidade, variando a moldura penal entre 1 mês e 5 anos, parece-nos adequada a imposição de uma pena de 2 (dois) anos de prisão (a pena é um pouco mais severa em relação à que foi imposta ao arguido BB em face das maiores necessidades de prevenção especial de reintegração que neste caso se fazem sentir).
(…)
- Com referência aos crimes de falsificação de documento:
(…)
c) No que respeita ao arguido AA:
Quanto às necessidades de prevenção especial de reintegração, valem aqui as considerações já acima efetuadas a este propósito a respeito deste arguido.
(…)
Nesta conformidade, parece-nos adequada a imposição de uma pena de 1 (um) ano de prisão (a diferença em relação à pena imposta ao arguido BB justifica-se na medida em que o arguido AA tem antecedentes criminais relevantes por idêntica tipologia de crime).
(…)
- Com referência ao crime de falsidade informática:
(…)
c) No que respeita ao arguido AA:
Quanto às necessidades de prevenção especial de reintegração, valem aqui as
considerações já acima efetuadas a este propósito a respeito deste arguido.
(…)
Por conseguinte, parece-nos curial a imposição de uma pena de 9 (nove) meses de prisão (justifica-se uma pena inferior à que foi imposta ao arguido BB na medida em que o desvalor da sua ação é menor, sendo certo que não tem antecedentes criminais pela mesma tipologia de crime).
(…)
- Com referência aos crimes de uso de documento de identificação alheio:
(…)
c) No que respeita ao arguido AA:
(…)
Quanto às necessidades de prevenção especial de reintegração, valem aqui as
considerações já acima efetuadas a este propósito a respeito deste arguido.
(…)
Por conseguinte, parece-nos curial a imposição de uma pena de 3 (três) meses de prisão.
(…)
Do cúmulo jurídico – determinação da pena única resultante do concurso de crimes:
(…)
- Com referência ao arguido AA:
Ponderando o facto de AA: i) ter sempre agido com dolo direto, revelador de uma vontade criminosa intensa; ii) o modus operandi, num encadeado de atos no respetivo iter criminis em que uns crimes são instrumentais do crime de burla; iii) o número de ofendidos (três – CC, “R...” e “G...”); iv) o valor global do prejuízo provocado (11.562,00); v) a existência de antecedentes criminais relevantes, mormente por crimes fiscais e de falsificação de documento; vi) a sua integração social e familiar; vii) e as relevantes necessidades de prevenção geral, variando a moldura penal abstrata do concurso entre 2 e 4 anos de prisão, parece-nos adequada a imposição da pena única de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão.
(…).»
11. O direito à revisão de sentença condenatória tem consagração, como direito fundamental, no artigo 29.º, n.º 6, da Constituição. Dispõe este preceito que «[o]s cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos».
A revisão, que se efetiva por via de recurso extraordinário que a autorize, nos termos dos artigos 449.º e seguintes do Código de Processo Penal («CPP»), com a realização de novo julgamento, possibilita a quebra do caso julgado de sentenças condenatórias que devam considerar-se injustas, por ocorrer qualquer dos motivos previstos no artigo 449.º.
Como se tem afirmado7, a linha de fronteira da segurança jurídica resultante da definitividade da sentença transitada em julgado, enquanto componente das garantias de defesa no processo (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição), estabelece-se, como garantia relativa à aplicação da lei penal (artigo 29.º da Constituição), no limite resultante da inaceitabilidade da subsistência de condenações que se revelem «injustas».
Para que possa justificar a revisão, o juízo sobre a injustiça da condenação, na formulação restritiva do artigo 449.º do CPP – tem-se insistido em jurisprudência reiterada e uniforme –, só pode revelar-se por demonstração de fundamento contido no numerus clausus definido na lei (artigo 449.º, n.º 1, do CPP). Só a demonstração de um dos fundamentos enumerados neste preceito pode permitir a quebra do caso julgado, mediante a realização de novo julgamento, em homenagem às finalidades do processo – a realização da justiça do caso concreto, no respeito pelos direitos fundamentais –, desta forma se operando o desejável equilíbrio entre a segurança jurídica da definitividade da sentença e a justiça material do caso.
12. Num processo penal de tipo acusatório completado por um princípio de investigação, a que corresponde o modelo do Código de Processo Penal, as garantias e procedimentos de formação de uma decisão judicial definitiva de aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança (artigo 340.º e segs. do CPP), incluindo as possibilidades de impugnação, de facto e de direito, por via de recurso ordinário (artigo 412.º do CPP) admissível, por regra, relativamente a todas as decisões in procedendo e in judicando (artigo 399.º do CPP), previnem e reduzem substancialmente as possibilidades de erro judiciário que deva ser corrigido por via de recurso extraordinário de revisão contra as «injustiças da condenação», o que eleva especialmente o nível de exigência na apreciação dos fundamentos para autorização da revisão.
A garantia do direito a um processo equitativo («processo justo»), nas suas múltiplas dimensões, tal como se consagra no artigo 32.º da Constituição, no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos («CEDH») e no artigo 14.º do Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos («PIDCP»), impõe que ao arguido, que tem o direito e o dever de estar presente em audiência, assistido por defensor (artigos 61.º e 332.º do CPP), seja dado o tempo e os meios necessários para preparar da sua defesa e apresentar os meios de prova a produzir e seja assegurada a faculdade de contrariar a prova contra si produzida em audiência pública e contraditória onde devem ser apresentadas e produzidas todas as provas que devem fundamentar a decisão sobre a sua culpabilidade (como se estabelece nos artigos 315.º, 327.º, 339.º, n.º 4, 340.º e 355.º do CPP).
13. A lei enumera os fundamentos e dispõe sobre admissibilidade da revisão no artigo 449.º do CPP.
Estabelece o n.º 1, alínea e), deste preceito, que o recorrente invoca para fundamentar o pedido:
«1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:
(…)
e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º;
(…)»
O artigo 32.º, n.º 8, da Constituição, sob a epígrafe «Garantias do processo criminal», dispõe que:
«São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.»
Por sua vez, desenvolvendo e densificando esta garantia constitucional, o artigo 126.º do CPP, sob a epígrafe «Métodos proibidos de prova», estabelece que:
«1. São nulas e não podem ser utilizadas as provas obtidas mediante tortura, coação ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.
2. Consideram-se ofensivas da integridade física ou moral, ainda que obtidas com o consentimento da pessoa, as provas conseguidas através de:
a) Maus-tratos, ofensas corporais, administração de substâncias, hipnose ou meios cruéis/enganosos;
b) Perturbação da memória ou da avaliação;
c) Uso da força fora dos casos permitidos por lei;
d) Ameaça com medida ilegal ou com recusa de benefício legal;
e) Promessa de vantagem inadmissível por lei.
3. São também nulas, salvo disposição legal em contrário, as provas obtidas por intromissão na vida privada, domicílio, correspondência ou telecomunicações sem consentimento do titular.»
14. Os artigos 119.º e 120.º, n.º 3, al. d), do CPP – convocados pelo arguido para esclarecer que pretende a «correção de uma nulidade insanável» – dispõem sobre nulidades.
Na alegação do recorrente, a nulidade invocada pode ser arguida a todo o tempo, mesmo depois do trânsito da condenação, constituindo prova proibida que se inclui na previsão da al. e) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP.
Dispõe o artigo 119.º que as «nulidades insanáveis» – que são as aí indicadas ou expressamente cominadas noutros preceitos – «devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento».
Por sua vez o artigo 120.º, que respeita às «nulidades dependentes de arguição», n.º 3, al. d), estabelece que estas nulidades devem ser arguidas «logo no início da audiência nas formas de processo especiais».
15. Recordando a motivação do recurso (supra, 2), o recorrente alega, em síntese, que o acórdão recorrido «incorreu em nulidade insanável ao considerar, para efeito de agravação de pena, os antecedentes criminais do CRC do arguido que, por força dos artigos 15.º e 24.º da Lei n.º 57/98, já deviam ter sido cancelados», que ao considerar esta prova procedeu a «valoração de prova proibida», em violação «dos artigos 125.º e 126.º do CPP e dos artigos 50.º, 58.º e 43.º do CP, ao não conceder ao arguido uma pena suspensa condizente com a sua actual situação criminal, expurgada de antecedentes caducados», que a decisão está, assim, «ferida de nulidade insanável e absoluta, nos termos dos arts.º 120º e 122º do CPP», «cuja única consequência é a da anulação do acórdão recorrido e a substituição da pena de prisão efectiva de 2 anos e 8 meses por uma pena suspensa».
Pelo que pede que seja declarada «a nulidade insanável» do acórdão, que o condenou em prisão efetiva, e que, em consequência, a pena de prisão seja suspensa na sua execução.
16. Como claramente resulta da letra da al. e) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP, a condenação com base em provas proibidas só pode constituir fundamento da revisão quando, após o trânsito em julgado da decisão – que constitui pressuposto formal do recurso extraordinário de revisão (artigo 449.º, n.º 1, proémio: «a revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando…») – «se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas, nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º » (al. e)).
É o facto superveniente, posterior ao trânsito em julgado da sentença condenatória, da «descoberta» da violação dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º do CPP na obtenção da prova que justifica a revisão. Só a prova obtida em violação destes preceitos constitui prova proibida para efeitos da revisão com fundamento na al. e) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP.
Como se tem reiteradamente sublinhado, a revisão com base em provas proibidas, nos termos deste precito, pressupõe a convergência dos seguintes requisitos cumulativos: a utilização de prova proibida nos termos dos n,ºs 1 a 3 do artigo 126.º (obtida mediante tortura, coação ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas); que ela tenha servido de fundamento à decisão que se quer rever; que a natureza e a utilização da prova proibida seja descoberta após o julgamento8. Apenas a sua verificação permite a quebra do caso julgado; não no caso de ter sido apreciada, ou suscetível de apreciação antes da decisão, o que se inscreve no objeto do processo, podendo constituir fundamento de recurso ordinário.
17. É no âmbito do recurso ordinário – isto é, de decisões não transitadas em julgado (artigos 399.º e segs. do CPP) – que, por via da impugnação ou da arguição de nulidade das provas (artigo 412.º do CPP), se podem obter resultados como os pretendidos pelo recorrente nestes autos: a declaração de nulidade do acórdão recorrido (artigo 379.º, n.º 3, e 410.º, n.º 3, do CPP) ou uma decisão de substituição de uma pena de prisão por uma pena de suspensão de execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º do CP (decisão sobre o objeto do processo, nos termos do artigo 369.º do CPP) – artigo 400.º, n.º 1. als. c) a f), do CPP). Sendo de notar que a revisão não é admissível para alterar a medida da pena concreta fixada na decisão de condenação (n.º 3 do artigo 449.º do CPP). requerida a revisão com fundamento em provas não apreciadas no processo (al. d) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP).
Diferente é a finalidade visada pelo recurso extraordinário de revisão: a autorização da revisão pelo Supremo Tribunal de Justiça e a realização de novo julgamento (art.ºs 457.º e segs. do CPP). A utilização da revisão como sucedâneo de um recurso ordinário, com o propósito de reabrir o mérito da causa com base em elementos já conhecidos ou que podiam ter sido invocados oportunamente no processo, implicaria uma subversão inadmissível do sistema de garantias processuais e uma afronta direta ao princípio da segurança jurídica consagrado constitucionalmente, dimensão essencial de um Estado de Direito democrático (artigo 2.º da Constituição).
18. A argumentação do recorrente, para além de dirigida a um objetivo que não pode ser prosseguido por via processual do recurso extraordinário de revisão, reconduz-se à convocação de elementos que constavam do processo e que foram considerados na decisão, com plena garantia do contraditório sobre a utilização e validade das provas em que se fundou a condenação (artigos 340.º e segs. do CPP) e do direito ao recurso ordinário para apreciação das razões da discordância quanto ao decidido, componente essencial do direito de defesa constitucionalmente garantido (artigos 32.º, n.º 1, da Constituição e 399.º e segs. do CPP).
19. Acresce que, como já se adiantou, as ditas provas resultantes do registo criminal não foram obtidas mediante tortura, coação ou ofensa da integridade física ou moral das pessoas, para que possam ser consideradas proibidas para efeitos do disposto noa artigo 449.º, n.º 1, al. e), do CPP.
Como se considerou no acórdão de 14.07.2022, Proc. 490/17.2GAPTL-A.S1 (em www.dgsi.pt), citado na informação a que se refere o artigo 454.º do CPP (supra, 4), “a prova proibida dos antecedentes criminais que deviam estar cancelados não consta das «provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do art. 126.º», art. 449.º/1/e, CPP»; «o art. 449.º é uma norma excecional que deve ser interpretada e aplicada nos seus precisos termos, pelo que o alegado pelo recorrente é inviável como fundamento de revisão».
Pelo que não interessa à decisão saber se os registos das condenações deveriam ou não estar cancelados.
20. Para além disso, a pretendida nulidade, mesmo que insanável, não pode ser conhecida neste recurso.
A expressão constante do proémio do artigo 119.º do CPP – «devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento» – significa que podem ser declaradas em qualquer fase até ao trânsito em julgado da decisão, não após o trânsito9, que é pressuposto do recurso extraordinário de revisão.
21. Em síntese, não ocorre qualquer facto novo ou superveniente que constitua «descoberta» de meios de prova, alegadamente proibida, após o trânsito da condenação.
Falecendo o pressuposto essencial da admissibilidade, não pode o pedido de revisão deixar de ser qualificado como manifestamente infundado.
Pelo que, em conformidade com o que vem de se expor, não havendo fundamento, e sendo manifesta a falta de fundamento, é negada a revisão, havendo lugar à aplicação da sanção a que se refere a parte final do artigo 456.º do CPP, segundo o qual o tribunal, além de condenar o requerente em custas, o condena ainda, se considerar o pedido manifestamente infundado, no pagamento de uma quantia entre 6 UC a 30 UC.
III. Decisão
22. Pelo exposto, nos termos do que dispõe o artigo 455.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, acorda-se na secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça em denegar a revisão da sentença condenatória requerida pelo condenado AA.
Condena-se o recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (artigos 456.º, 1.ª parte, do CPP e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, em anexo).
Nos termos do artigo 456.º do Código de Processo Penal, condena-se o recorrente no pagamento da quantia de 7 UC.
Supremo Tribunal de Justiça, 9 de julho de 2025.
José Luís Lopes da Mota (relator)
Carlos Campos Lobo
Antero Luís
Nuno A. Gonçalves
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1. Acórdão do STJ de 14/07/2022, processo nº 490/17.2GAPTL-A.S1, integralmente disponível no sítio www.dgsi.pt.
2. Paulo Renato de Freitas Belo, O Recurso de Revisão e a Reforma Pena, Revista Julgar, nº 23, 2014, disponível em: https://julgar.pt/wp-content/uploads/2014/05/05-Paulo-Freitas-Belo.pdf
3. Processo n.º 163/14.8PAALM-A.S1 - 3.ª Secção, Lopes da Mota (Relator).
4. Ac. STJ 23.03.2023, Processo nº 428/19.2JDLSB-B.S1 da 5.ª Secção, Orlando Gonçalves (relator). Disponível em: http://www.gde.mj.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c13b463f561386278025897c002cc321?Ope nDocument
5. Paulo Renato de Freitas Belo, op. cit. pp. 90. V. nota 1.
6. Existe evidente lapso no CRC, pois não se pode tratar da imposição de uma pena de 1 ano de prisão suspensa por 5 meses.
7. Nomeadamente, de entre os mais recentes, no acórdão de 25.06.2025, Proc. 1411/18.0PBBRR-A.S1, em www.dgsi.pt, que se segue.
8. Assim, o acórdão de 22.06.2025, Proc. 1411/18.0PBBRR-A.S1, convocando, entre outros, o acórdão de 14.03.2013 (Raul Borges), Proc. 158/09.3GBAVV-B.S1, com exaustiva indicação e análise da jurisprudência, e, na jurisprudência posterior e mais recente, os acórdãos de 11.7.2023 (Pedro Branquinho Dias), Proc. 22/08.3JALRA-K.S1, e de 13.02.2025 (Jorge Reis Bravo), Proc. 261/22.4T9CLD-A.S, em www.dgsi.pt.
9. Cfr. comentário ao artigo 119.º do Código de Processo Penal Comentado, Henriques Gaspar et alii, Almedina, 4.ª ed., 2022, p. 337.