PROVIDÊNCIA CAUTELAR
RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
MEDIDA DE COAÇÃO DE PROIBIÇÃO DE PERMANÊNCIA
DE AUSÊNCIA E DE CONTACTOS
Sumário


I. Encontrando-se o possuidor/requerente de uma cave – sita num prédio de habitação - impedido, por medida de coação aplicada no âmbito de um processo crime em curso, de permanecer na habitação que constitui a residência comum do casal e de contactar, por qualquer forma (p. ex. presencial ou por meio de comunicação) com a vítima/requerida, onde a mesma se encontre, mostra-se aquela posse de inferior natureza face aos direitos à vida e integridade pessoal da requerida, motivo porque, à luz do nº 2 do artº 335º do Código Civil, se deve dar prevalência ao mesmo.
II. Dando-se prevalência ao direito à vida e à integridade pessoal, impedido se encontra o Tribunal de restituir ao requerente a posse da cave do imóvel e à mesma permitir o livre acesso.
III. Pretendendo-se, com a providência em causa o acesso a todos os documentos, arquivos eletrónicos físicos, a fim de se prosseguir com a atividade profissional exercida pelo requerente, tal encontra-se acautelado com a sua restituição à posse daquele.
IV. Uma vez que o requerente se encontra ligado a sociedade comercial com sede noutro local e em cujo nome foram faturados vários bens e serviços, acautelada fica a realização de reuniões com os clientes e obter novos clientes.

Texto Integral


Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

AA, melhor identificado nos autos, veio, ao abrigo do disposto no artº 377º e ss do Código de Processo Civil, propor providência cautelar comum de restituição provisória da posse contra BB, melhor identificada nos autos, pedindo que fosse ordenada a restituição imediata ao requerente da cave do imóvel aí identificado e a permitir o acesso ilimitado da cave, bem como o acesso imediato do requerente aos bens que lhe pertencem e se encontram no interior da cave do referido imóvel.
Alega para o efeito que, em fevereiro de 2025, a requerida rebentou o canhão e mudou as fechaduras da casa morada de família, impedindo-lhe o acesso ao prédio com cave, rés-do-chão e andar sito em ..., construído por ambos durante a união de facto em 2017, ainda que só registado em nome da requerida.
Acrescenta que na cave, autonomizada do resto da habitação, o requerente exerce a sua atividade de técnico oficial de contas, através de uma empresa que tem aí sede e onde tem o seu escritório, tendo ficado impedido de ter reuniões com clientes, e consultar os arquivos documentais, que o impedem de exercer a atividade profissional.

Depois de notificado, veio o requerente esclarecer que a cave se encontra autonomizada como fração, embora não registada; desde o fim das obras em 2017 é utilizada pela sociedade e pelo requerente; não é contabilista certificado, exercendo a atividade pela empresa “EMP01..., Lda.” que tem um diretor técnico que o é, e a partir de março de 2024 pela firma “EMP02... – Unipessoal Lda”, que presta apoio à outra sociedade; que na cave estão os móveis de escritório, cortinas, armários, estantes, impressoras, computadores, televisão, mesas, secretárias, mesa de reunião e cadeiras, processos, arquivos, pastas e demais elementos que compõem o escritório; que os alarmes e ar condicionado são propriedade da EMP01...; devido à urgência em recuperar documentos e acesso aos computadores, impressoras e outros materiais de escritório, não se opõe à audição da requerida.

Uma vez que a posse de um escritório, que se localiza numa cave na casa morada de família do casal, levantava questões da posse exclusiva pelo Requerente (ou por empresas terceiras), seguiram os autos os termos do procedimento cautelar comum.

Foi determinada a citação da requerida, que veio deduzir oposição concluindo pela recusa da providência de restituição nos termos formulados, admitindo que o requerente tem escritório na cave e que tem aí documentos da atividade exercida, não reconhece a propriedade e posse da referida cave e acrescenta que o requerente está impedido pelo Tribunal de aceder à casa, podendo aceder – através de mandatários – aos documentos e equipamentos.

Foram notificadas as partes para se pronunciarem sobre a desnecessidade de audição das testemunhas, nada tendo sido requerido em contrário.

Foi então proferida decisão que julgou o procedimento cautelar parcialmente procedente e, em consequência, determinou que a requerida BB restituísse a posse ao requerente AA dos documentos, arquivos eletrónicos e físicos, computadores e impressoras existentes no escritório na cave do imóvel sito na Travessa ..., freguesia ..., concelho ..., acordando-se a entrega no prazo de 8 dias, através dos I. Mandatários.
Fixou-se ainda que, caso não fossem entregues no prazo fixado, deveria ser indicado agente de execução para tal, obstando-se à presença pessoal do requerente na diligência, podendo recorrer-se, se necessário, ao auxílio da força pública, nos termos previstos no nº 2 do artº 757º do Código de Processo Civil.
Custas pelas partes, sem prejuízo do apoio judiciário – artigo 527.º do Código de Processo Civil.

Notificado da decisão e inconformado com a mesma veio o requerente recorrer formulando as seguintes conclusões:

I. O presente recurso versa sobre a decisão que julgou parcialmente procedente a providência cautelar requerida, apenas determinando a restituição dos documentos, arquivos, computadores e impressoras, mas indeferindo a restituição da posse da cave do imóvel sito na Travessa ..., ..., ....
II. O Requerente sempre exerceu na cave do imóvel a sua atividade profissional de contabilidade, tendo ali sede a empresa “EMP02... – Unipessoal, Lda.”, sendo essa cave autonomizada do resto da habitação, com entrada independente da via pública.
III. A medida de coação aplicada ao Requerente no âmbito do processo crime n.º 709/24.3PAVNF impõe a proibição de permanecer na habitação que constituiu a residência comum do casal, mas não abrange a cave autonomizada, que não integra a área habitacional do imóvel.
IV. A decisão recorrida incorre em erro de julgamento ao interpretar e aplicar extensivamente a medida de coação imposta ao Requerente no âmbito do processo crime n.º 709/24.3PAVNF, violando o princípio da legalidade, com consagração constitucional e legal.
V. Conforme resulta dos autos, mormente dos Documentos 5, 6, 7 e 8 juntos com a petição inicial, a cave do imóvel encontra-se autonomizada funcional e fisicamente do resto da casa, possuindo acesso independente pela via pública, servindo de escritório profissional.
VI. Tais Documentos não foram especificadamente impugnados pela Requerida, nem foram dados como não provados pelo tribunal a quo.
VII. Na sua oposição, a aqui Requerida nunca contrariou que a cave, onde se situa o escritório profissional do Requerente, estivesse autonomizada do restante imóvel.
VIII. A decisão recorrida violou o princípio da legalidade das medidas de coação ao interpretar extensivamente uma proibição que está circunscrita à "habitação" comum, sem fundamento legal para impedir o acesso a espaço autónomo, com afetação exclusiva à atividade profissional.
IX. A mudança das fechaduras pela Requerida, em janeiro de 2025, constitui esbulho violento, nos termos do artigo 1261.º, n.º 2 do Código Civil, violando o direito de posse exercido pelo Requerente sobre a cave.
X. Está reunido o requisito do periculum in mora, pois a privação do acesso à cave compromete a atividade económica do Requerente, impedindo-o de trabalhar, reunir com clientes e cumprir obrigações fiscais e legais.
XI. O artigo 1279.º do Código Civil permite a restituição provisória da posse em caso de esbulho violento, mesmo sem audiência do esbulhador, reforçando a necessidade de imediata reintegração na posse da cave.
XII. A decisão recorrida fez errónea aplicação dos artigos 1251.º, 1261.º, 1277.º, 1278.º e 1279.º do Código Civil, ao negar a restituição da posse da cave com fundamento numa medida de coação que não abrange tal fração autonomizada.
XIII. A sentença recorrida deverá, assim, ser revogada, com a consequente determinação de restituição da posse da cave do imóvel ao Requerente.
Termos em que deve o presente recurso ser considerado procedente por provado, devendo este Tribunal para que se recorre revogar a sentença recorrida, devendo alterar a decisão considerando a providência cautelar procedente por provada, determinando-se a sua entrega.
Assim se fazendo a costumada Justiça!

Não foram produzidas contra alegações.

Colhidos os vistos cumpre apreciar.

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II. Objeto do recurso:

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, impondo-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes, bem como as que sejam de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas, cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, sendo certo que o tribunal não se encontra vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e que visam sustentar os seus pontos de vista, isto atendendo à liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.
Assim sendo, tendo em atenção as alegações/conclusões apresentadas pelo recorrente, importa aos autos aferir se, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, deveria ter sido decretada a providência requerida uma vez que estão verificados todos os requisitos de que depende e ao assim não se proceder compromete-se a atividade económica do requerente, impedindo-o de trabalhar, reunir com clientes e cumprir obrigações fiscais e legais.
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III. Fundamentação de facto:

Da prova produzida resultou indiciariamente provada, com interesse para a decisão a proferir, a seguinte matéria de facto:
1. O Requerente e a Requerida viveram em união de facto desde abril de 2014 a dezembro de 2024, tendo um filho menor em comum.
2. Corre termos no Ministério Público de ..., sob o n.º 709/24.3PAVNF, processo crime contra o Requerente em que lhe foram aplicadas as seguintes medidas de coação, além do TIR (notificadas à Requerida a 26/11/2024):
i. Proibição de adquirir ou possuir armas de fogo, bem como armas brancas;
ii. Proibição de permanecer na habitação que constitui a residência comum do casal;
iii. Proibição de contactar, por qualquer forma (p. ex. presencial ou por meio de comunicação) com a vítima BB, onde a mesma se encontre.
3. A Requerida mudou as fechaduras da casa em janeiro de 2025.
4. Em 31 de março de 2017 foi celebrada pela Requerida compra e venda de um prédio urbano, casa de habitação de cave, rés-do-chão e andar sita na Travessa ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...95 e descrito na conservatória do registo predial sob o n.º ...73, ....
5. Desde essa data, o Requerente vem pagando as prestações do contrato de mútuo que foi outorgado entre a Requerida e o Banco 1....
6. O agregado familiar estabeleceu aí residência e na cave, com um acesso autónomo da rua, montaram um escritório, onde o Requerente trabalhava e receberia clientes.
7. O Requerente tem atividade profissional ligada à contabilidade e tem no referido escritório pastas e equipamentos afetos à atividade e essenciais para a mesma, necessitando de apresentar declarações de impostos.
8. O Requerente constituiu a sociedade EMP02... – Unipessoal, Lda., em março de 2024, constando como sede da mesma a travessa ....
9. O Requerente encontra-se ligado ainda à sociedade “EMP01..., Lda.”, que tem sede noutro local e em cujo nome foram faturados vários bens e serviços.

A restante matéria relevante é conclusiva ou de direito, ou não releva para a presente providência, nomeadamente a propriedade e atos de posse em relação ao imóvel e à cave.
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IV. Do direito:

Vejamos.

Nas suas conclusões vem o recorrente arguir que a decisão recorrida incorre em erro de julgamento ao interpretar e aplicar extensivamente a medida de coação imposta ao Requerente no âmbito do processo crime n.º 709/24.3PAVNF, e isto porque dos documentos 5, 6, 7 e 8 juntos com a petição inicial, a cave do imóvel encontra-se autonomizada funcional e fisicamente do resto da casa, possuindo acesso independente pela via pública, servindo de escritório profissional, documentos que não foram especificadamente impugnados pela requerida, nem foram dados como não provados pelo tribunal a quo, não tendo sido impugnado que a cave, onde se situa o escritório profissional do Requerente, estivesse autonomizada do restante imóvel.
Ou seja, pretendendo o requerente ora recorrente que se desse como provado o facto por si alegado, vem o mesmo impugnar a matéria de facto.
Efetivamente, resulta alegado do requerimento inicial que “Sendo que a cave do referido imóvel se encontra autonomizada do resto do prédio, constituído uma fração independente, tendo entrada e saída própria para a via pública. Cfr. Doc nº 5, 6, 7 e 8”.
Ora, salvo o devido respeito por contrária opinião, analisados todos os documentos juntos com a petição inicial resulta, a saber, da caderneta predial e da certidão permanente que o prédio urbano, sito na Travessa ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...95 e descrito na conservatória do registo predial sob o n.º ...73, é uma casa de habitação de cave, rés-do-chão e andar.
Resulta ainda da análise de tais documentos que a EMP02..., Unipessoal, Lda tem a sua sede da Rua ... freguesia ..., concelho ....
E, se efetivamente, não veio a requerida impugnar o facto de a cave ter entrada autónoma para o exterior, a verdade é que das fotografias juntas sob os nºs 5 a 7, designadamente, da segunda foto com o nº 7 resulta existirem escadas interiores que ligam aquele espaço na cave ao r/c.
Assim sendo, entende-se que bem andou o Tribunal a quo ao não dar como provado que aquele espaço se encontra autonomizado do resto da habitação.
Acresce que, conforme resulta do facto dado como provado sob o nº 6consta já que “O agregado familiar estabeleceu aí residência e na cave, com um acesso autónomo da rua, montaram um escritório, onde o Requerente trabalhava e receberia clientes”.
Assim sendo, entende-se que nada mais há, em termos de factos, a acrescer e isto porque, consta já a existência de um acesso autónomo à cave mas dos autos resulta não estar a cave autonomizada.

Adiante.
Conforme resulta dos autos veio o ora recorrente, nos termos do disposto no artº 377º e ss do Código de Processo Civil, requerer a providência cautelar comum de restituição provisória da posse contra BB, pedindo que fosse ordenada a restituição imediata ao requerente da cave do imóvel aí identificado e a permitir o acesso ilimitado da cave, bem como o acesso imediato do requerente aos bens que lhe pertencem e se encontram no interior da cave do referido imóvel, alegando para o efeito, a requerida rebentou o canhão e mudou as fechaduras da casa morada de família, impedindo-lhe o acesso ao prédio com cave, rés-do-chão e andar sito em ..., construído por ambos durante a união de facto em 2017, ainda que só registado em nome da requerida, cave, autonomizada do resto da habitação, onde o requerente exerce a sua atividade de técnico oficial de contas, através de uma empresa que tem aí sede e onde tem o seu escritório, tendo ficado impedido de ter reuniões com clientes, e consultar os arquivos documentais, que o impedem de exercer a atividade profissional.
Invoca o mesmo a urgência em recuperar documentos e acesso aos computadores, impressoras e outros materiais de escritório.
Ou seja, vem o ora recorrente requerer a restituição provisória da posse da cave do prédio onde reside a sua família, cave essa que tem um acesso autónomo para o exterior e onde o mesmo exerce a sua atividade profissional.
Por razões que aqui não se encontram em discussão, entendeu o Tribunal a quo, estarmos perante uma providência cautelar inominada, sendo certo que é nesses termos que iremos apreciar a mesma.

Estabelece o artº 362º do Código de Processo Civil que:
“1.Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado.
2.O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em ação constitutiva, já proposta ou a propor.
3.Não são aplicáveis as providências referidas no n.º 1 quando se pretenda acautelar o risco de lesão especialmente prevenido por alguma das providências tipificadas no capítulo seguinte.
4.Não é admissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado.
Da leitura do preceito atrás citado resulta que o decretamento de uma providência cautelar não especificada depende da verificação dos seguintes requisitos:
a)probabilidade séria da existência do direito invocado;
b)fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável;
c)adequação da providência à situação de lesão iminente;
d)não ser o prejuízo resultante da providência superior ao dano que com ela se pretende evitar;
e)não existir providência específica que acautele aquele direito.
Assim sendo, importa então apurar se, face à factualidade apurada, se verificam tais pressupostos.
 
Resulta da matéria indiciariamente apurada que o requerente e a requerida viveram em união de facto desde abril de 2014 a dezembro de 2024, tendo um filho menor em comum.
A 31 de março de 2017 foi celebrada pela requerida compra e venda de um prédio urbano, casa de habitação de cave, rés-do-chão e andar sita na Travessa ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...95 e descrito na conservatória do registo predial sob o n.º ...73, ..., sendo que, desde essa data, o requerente vem pagando as prestações do contrato de mútuo que foi outorgado entre a requerida e o Banco 1....
Ora, o agregado familiar estabeleceu aí residência e na cave, com um acesso autónomo da rua e montaram um escritório, onde o requerente trabalhava e receberia clientes.
Demonstrado ficou que o requerente tem atividade profissional ligada à contabilidade e tem no referido escritório pastas e equipamentos afetos à atividade e essenciais para a mesma, necessitando de apresentar declarações de impostos, tendo constituído a sociedade EMP02... – Unipessoal, Lda., em março de 2024, constando como sede da mesma a travessa ....
Resultou ainda demonstrado que o requerente se encontra ligado ainda à sociedade “EMP01..., Lda.”, que tem sede noutro local e em cujo nome foram faturados vários bens e serviços.
Acontece que, em janeiro de 2025, a requerida mudou as fechaduras da casa.

Afigura-se-nos pois que, face à concreta situação apurada e como bem foi apreciado pelo Tribunal a quo, “(…)Estatui o artigo 1277.º do Código Civil que o possuidor que for perturbado ou esbulhado pode recorrer ao tribunal para que este lhe restitua a posse, sendo restituído enquanto não for convencido na questão da titularidade do direito (artigo 1278.º, n.º 1 do Código Civil).
De acordo com o artigo 1251° do Código Civil, a posse é concebida como o poder de facto que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.
Este poder de facto goza de proteção jurídica justificada pela aparência de um direito real de gozo, e que no que à tutela provisória diz respeito, assenta num juízo provisório no que concerne à sua aferição, condicionada à não sobreposição de uma situação jurídica invocada pela parte contrária correspondente à titularidade de um direito real de gozo ou a melhor posse”.
Ou seja, dos factos atrás apurados e do atrás referido, somos levados à conclusão de que o requerente é possuidor da cave, cave esta onde exerce a sua atividade profissional e que, face à mudança de fechaduras levada a cabo pela requerida, em janeiro de 2025, foi da mesma esbulhado, daqui se podendo concluir que estará impedido, em parte (uma vez que o requerente se encontra ligado ainda à sociedade “EMP01..., Lda.”, que tem sede noutro local e em cujo nome foram faturados vários bens e serviços), de exercer a sua atividade.
Acontece porém que, contra o ora recorrente foi instaurado pelo Ministério Público, processo crime que corre termos com o n.º 709/24.3PAVNF, e em que lhe foram aplicadas as seguintes medidas de coação, além do TIR (notificadas à Requerida a 26/11/2024):
i. Proibição de adquirir ou possuir armas de fogo, bem como armas brancas;
ii. Proibição de permanecer na habitação que constitui a residência comum do casal;
iii. Proibição de contactar, por qualquer forma (p. ex. presencial ou por meio de comunicação) com a vítima BB, onde a mesma se encontre.
Ou seja, ao contrário do que alega o requerente e ora recorrente está o mesmo não só impedido de permanecer na habitação que constitui a residência comum do casal como de contactar, por qualquer forma (p. ex. presencial ou por meio de comunicação) com a vítima BB, onde a mesma se encontre.
Da leitura desta decisão resulta que se encontra o ora recorrente impedido de contactar pessoalmente a requerida, daqui se concluindo que se encontra impedido de da mesma se aproximar, se cruzar ou se encontrar.
Ora, salvo o devido respeito por diferente entendimento, permitir ao requerente que se desloque diariamente e aceda (mesmo que por entrada distinta) ao prédio onde reside a requerida, permanecendo na cave do mesmo (que, como atrás se referiu, dispõe de escada interna de acesso ao rés do chão) seria afastar o que é determinado em sede da decisão judicial atrás referida, sendo que, tal decisão é constitucionalmente imposta a todas as entidades públicas e privadas e prevalece sobre as de quaisquer outras entidades, conforme resulta do artº 205º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP), a saber, este Tribunal.
Acrescente-se que, com a decisão proferida e atrás referida, pretende o Tribunal salvaguardar direitos da ora requerida e que se encontram constitucionalmente previstos, a saber, o direito à vida (artº 24º da CRP) e direito à integridade pessoal (artº 25º da CRP).
Temos pois que, apesar de, como atrás se referiu, ter o requerente ora recorrente um direito de posse o mesmo mostra-se de inferior natureza face aos direitos à vida e integridade pessoal da requerida, motivo porque, à luz do nº 2 do artº 335º do Código Civil, se deve dar prevalência ao mesmo.
Assim sendo e tal como bem decidiu o Tribunal a quo, encontra-se este Tribunal impedido de restituir à posse da cave do imóvel e permitir-lhe o acesso, o requerente, ora recorrente uma vez que desde logo por que tal cabe na medida de coação imposta em sede de processo penal e atrás referida.
Acresce que, com a decisão tomada pelo Tribunal a quo, a saber, “(…) determino que a Requerida BB restitua a posse ao Requerente AA dos documentos, arquivos eletrónicos e físicos, computadores e impressoras existentes no escritório na cave do imóvel sito na Travessa ..., freguesia ..., concelho ..., acordando-se a entrega no prazo de 8 dias, através dos I. Mandatários.
Caso não sejam entregues neste prazo, deverá ser indicado agente de execução para tal, obstando-se à presença pessoal do Requerente na diligência, podendo recorrer-se, se necessário, ao auxílio da força pública, nos termos previstos no artigo 757.º, n.º 2, do Código de Processo Civil”, se encontram acautelados os interesses do ora recorrente, a saber, consultar os seus arquivos de documentos permitindo ao mesmo realizar as declarações de IVA, IRS e IRC dos seus clientes.
Acrescente-se que, uma vez que o requerente se encontra ligado ainda à sociedade “EMP01..., Lda.”, que tem sede noutro local e em cujo nome foram faturados vários bens e serviços, nada o impedirá de realizar reuniões com os clientes e obter novos clientes.

Nestes termos, entendemos julgar improcedente o recurso.
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V. Decisão:

Nestes termos, julga-se totalmente improcedente o recurso e consequentemente, mantém-se a decisão proferida.

Custas a cargo do recorrente.
Guimarães, 18 de junho de 2025

Relatora: Margarida Pinto Gomes
Adjuntas: José Manuel Flores
Maria Amália Santos