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REMISSÃO ABDICATIVA
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
Sumário
Resulta da leitura do artº 863º do Código Civil que estaremos perante uma remissão abdicativa quando a vontade do credor visar unicamente a remoção do crédito da sua esfera jurídica e perante uma remissão atributiva ou donativa, se é feita com animus donandi, ou seja, se com tal renúncia pretende o remitente realizar uma atribuição patrimonial ao devedor, traduzida numa vantagem decorrente da correspondente exoneração.
Texto Integral
Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães
I. Relatório AA, executado nos autos supra referenciados e neles identificado veio, nos termos do disposto nos artigos 728º, 729º e 731º do Código do Processo Civil deduzir oposição mediante embargos de executado, na execução que lhe move a exequente BB, alegando a inexistência de título executivo.
Alegou, em síntese, que a exequente e o executado são sobrinhos de CC, sendo familiares desavindos na herança desta, sendo que a mesma solicitou ao executado a devolução de uma quantia que lhes havia doado anos antes.
Nesse sentido, em maio de 2017, concedeu ao sobrinho/executado prazo e condições para devolução dos valores em causa, solicitando (por imposição da exequente) a assinatura de uma confissão de dívida.
Contudo, em dezembro de 2017, então já doente, CC, disse verbalmente ao executado que após a sua morte o exonerava do pagamento dos valores então em dívida, assinando e entregando, nesse sentido, ao executado um documento escrito pedindo-lhe que dele não desse conhecimento à exequente, por eventualmente temer o descontentamento desta (estando o original junto aos autos), ficando assim exonerado do pagamento, razão pela qual nada deve à aqui exequente, facto que lhe comunicou após o decesso da credora CC e a quem forneceu cópia do documento a pedido desta.
Conclui o embargante pela procedência dos embargos e decretamento da extinção da execução.
Notificada veio a embargada contestar, dizendo, em suma, que age na qualidade de única e universal herdeira da herança da falecida CC, impugnando a factualidade alegada pelo embargante, nomeadamente a assinatura aposta no doc. n.º 1 junto com os embargos, reputando-a de falsa.
Alegou que tal documento foi fabricado e forjado à revelia de CC.
Peticionou ainda a condenação do embargante como litigante de má-fé.
O embargante respondeu, por escrito, à matéria constante do pedido de condenação como litigante de má-fé, articulado que foi admitido nos termos do art. 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
Saneado o processo, procedeu-se à realização da audiência de julgamento tendo sido proferida sentença quejulgou totalmente improcedentes, por não provados, os embargos, determinando-se o prosseguimento dos autos principais.
No mais, julgou-se improcedente o pedido de condenação do embargante em litigância de má-fé, conforme formulado pela embargada.
Notificado da decisão e inconformado com a mesma veio dela recorrer o embargante formulando as seguintes conclusões:
1.O presente recurso de Apelação tem como objecto a apreciação por este Tribunal da Relação de Guimarães do direito aplicado pelo Meritíssimo Juiz aos factos apurados na Sentença proferida no Processo nº Processo nº 79/23.7T8MNC – A, decisão na qual o Tribunal à quo incorreu em manifesto equívoco, porquanto, apurando os factos provados e não provados de forma assertiva fez uma aplicação do direito que o Recorrente entende errada e determinou a improcedência dos embargos numa decisão judicial injusta.
2.Na verdade, quanto aos factos dados como provados e não provados, com os quais se concorda em absoluto, bem decidiu o Tribunal na avaliação da prova produzida em julgamento, o que deveria ter levado o Meritíssimo Juiz a proferir decisão diversa de clara procedência dos embargos e consequente extinção da execução
3.Na fundamentação expendida na Sentença o Tribunal fixou as seguintes questões a decidir:
“Questões a decidir
1. Se CC Disse ao executado que após a sua morte o exonerava da sua divida;
2. Se CC emitiu a declaração junta sob doc. n.º1, assinando-a pelo seu punho.
3. Qual o valor jurídico da declaração constante do doc. n.º 1, no confronto com o título executivo.
4.Realizado o julgamento foi apurada a seguinte matéria de facto que a seguir se transcreve na íntegra:
Factos provados:
1)A Exequente e o Executado são ambos sobrinhos de CC e familiares desavindos.
2)CC solicitou ao Executado, seu sobrinho, a devolução de uma quantia que lhes havia fiado anos antes.
3)Em Maio de 2017 concedeu ao sobrinho/Executado prazo e condições para devolução dos valores em causa, solicitando (por imposição da Exequente) a assinatura de uma confissão de dívida.
4)Em Dezembro de 2017, CC disse verbalmente ao Executado que, após a sua morte, o exonerava do pagamento dos valores então remanescentes da referida dívida.
5)Nesse sentido, assinou o documento escrito preparado pelo executado (doc. n.º 1 dos embargos) e por DD, pedindo-lhes que dele não desse conhecimento à Exequente, por temer o descontentamento desta.
6)CC efetuou testamento público, lavrado em 9.3.2010, no Cartório Notarial ..., no qual instituiu como única e universal herdeira da sua herança, sua sobrinha, BB, a exequente.
7)A embargada encetou Procedimento Simplificado de Habilitação de Herdeiros na Conservatória do Registo Civil ..., conforme doc. nº 7 da contestação, que se apresenta e dá por integralmente reproduzido, de onde consta: “A autora da herança, CC, faleceu no dia doze de junho de dois mil e vinte e dois…no estado de solteira, maior” e “A autora da herança não deixou descendentes ou ascendentes vivos”;
8)Resulta da declaração que o próprio embargante, voluntariamente e juntamente com DD, assinaram em 20 de Fevereiro de 2009:
9)A tia CC outorgou em 18 de Novembro de 2016, procuração à exequente, onde até consta, veja-se, “…para fazer cobranças judiciais ou extrajudiciais, reclamar e cobrar créditos, nomeadamente os de AA e DD…”;
10) A assinatura que consta do doc. n.º 1 dos embargos é verdadeira, pertencendo a CC.
Factos não provados:
A. Foi exclusivamente por pressão da embargada que CC exigiu ao executado a quantia que lhe havia fiado anos antes.
B. O executado, após o decesso da credora CC, forneceu à exequente cópia do documento n.º 1 junto com os embargos, a pedido desta.
C. À data da assinatura do doc. n.º 1 junto com os embargos, a tia da exequente, CC, não estava em condições de tomar conta da sua pessoa e, já nessa altura, estava à guarda da embargada.
D. O doc. n.º 1 foi fabricado e forjado à revelia da CC, tendo sido falsificada a assinatura daquela.
5.Com relevância para o que se discute nos autos, apurar e saber “Se CC Disse ao executado que após a sua morte o exonerava da sua divida”, bem como apurar “Se CC emitiu a declaração junta sob doc. n.º1, assinando-a pelo seu punho”, as interrogações ficaram provadas a favor do Recorrente, como de resto consta dos pontos 4 e 5 da matéria de facto dada como provada.
6.Ficou assim demonstrado que a versão da Embargada não prevaleceu, ficando provado no ponto C dos factos não provados, por interpretação à contrário, que quando assinou o documento de quitação da dívida a outorgante estava na posse das suas capacidades físicas e mentais, conhecendo e entendendo o sentido da declaração que assinava, pois estava consciente e com noção de tempo e de espaço que lhe permitiu decidir e acordar com o Recorrente/Devedor.
7.Assim, constata-se desde logo que o documento de quitação de dívida assinado pela credora CC (que desobrigava o Recorrente do cumprimento da obrigação pecuniária no momento do seu decesso e não em momento posterior) não foi falsificado, forjado ou fabricado como invocara a Embargada, mas sim era genuíno e legal.
8.Quanto à Sentença, tendo por fundamento a matéria de facto apurada e não apurada, entende o Recorrente que o Meritíssimo Juiz enveredou por uma solução jurídica que se afasta do instituto do cumprimento e não cumprimento das obrigações, para equivocadamente, pensamos, enquadrar os factos apurados no instituto do direito das sucessões, numa construção jurídica que privilegia o formalismo teórico sobre a efectiva realização da justiça.
9.Em verdade, como estabelece o Meritíssimo Juiz no ponto 3 das questões a decidir – “Qual o valor jurídico da declaração constante do doc. n.º 1, no confronto com o título executivo” não existe qualquer confronto de valor jurídico entre a declaração de dispensar o credor de pagar à então credora, (pois é disso que se trata) e o título executivo apresentado pela Embargada, composto pela confissão de dívida à credora CC e pelo testamento a favor da Embargada/Exequente.
10.Com o documento de quitação que entregara ao Recorrente, a credora CC não pretendeu transmitir a terceiros, nomeadamente à Embargada, o crédito que deu como liquidado no dia do seu decesso, não existindo em qualquer parte do titulo executivo outra vontade da credora em manter e transmitir o crédito após a sua morte.
11.Ou seja, a vontade da credora, expressa de forma inequívoca, tem efeitos imediatos quando ocorre o seu decesso, efeitos que não perduram para além desse momento, nem interferem no eventual inventário subsequente.
12.Por outro lado, importa reter que a Embargada só se torna herdeira da credora CC com todos os efeitos legais após a morte desta, ao passo que o Recorrente vê a sua dívida paga no imediato momento do decesso da credora, justamente, pelas 11:30h do dia 12 de Junho de 2022.
13.De facto, foi a credora quem estabeleceu, formal e legalmente o die ad quem o credor estava obrigado ao cumprimento da obrigação de pagamento e, depois desse dia 12 de Junho de 2022 nada mais tinha que pagar ficando assim cumprida a obrigação pecuniária, o que a credora fez por escrito estabelecendo que nesse dia 12 de Junho de 2022 pelas 11:30h terminava a obrigação do Recorrente que desse dia em diante não ficava com qualquer valore em dívida.
14.Ou seja, a declaração de quitação da dívida assinada pela credora CC, cujos efeitos jurídicos foram fixados para certo evento, não perduram para além do decesso da credora e, por essa razão não configuram um ato unilateral dispositivo de bens para depois da morte, pois, por vontade expressa da credora, no dia 12 de Junho de 2022, pelas 11:30h a dívida do Recorrente ficava totalmente paga.
15.O Recorrente/Credor não beneficiou com um testamento ou outra disposição futura da credora CC, mas sim a sua dívida, qualquer que ela fosse, (podia até não ser nenhuma), extinguiu-se no momento do decesso da credora – conforme vontade desta própria manifestada na declaração de desobrigação que dela consta.
16.Resulta assim claro para o Recorrente que a obrigação de pagamento à credora CC se extinguiu no dia 12 de Junho de 2022, pelas 11:30h data e hora do falecimento e, nessa consequência, a Embargada ficou sem qualquer crédito exequendo a reclamar do Devedor/Recorrente que de resto nem consta do testamento que possui, pois herda a universalidade dos bens da defunta credora.
17.Na construção jurídica plasmada na Sentença, o Tribunal equivocou-se pois fundou a solução jurídica da decisão nos embargos no instituto do direito das sucessões quando na realidade o deveria ter feito por via do instituto do cumprimento e não cumprimento das obrigações.
18.Na verdade, não se trata de uma declaração unilateral da própria apenas destinada a produzir efeitos «mortis causa» – 2179.º do Código Civil, como refere a Sentença, nem o referido normativo refere taxativamente isso, pois nos termos do disposto no nº 1 do artigo 2179º do Código Civil, os efeitos do testamento são para depois da morte do testador.
19.O que foi acordado entre as partes, Devedor/Recorrente e a credora CC, foi a desobrigação do Devedor de pagar a dívida existente ou inexistente no dia e hora desse evento, momento que não perdura para depois da morte mas que se esgota nela.
20.O Tribunal enquadra assim de forma errada o documento “Declaração” assinado pela credora como sendo um documento enquadrável no artigo 863ºdo Código Civil e por conseguinte com remissão para o artigo 940º do código Civil.
21.Ora, trata-se de uma declaração de vontade da credora, cuja incerteza quanto ao valor e prazo não constitui uma liberalidade passível até de quantificar e de determinar à data da sua morte, mas sim a declaração de vontade de libertar o devedor do pagamento da obrigação pecuniária – desconhecendo até quando assinava a declaração de desobrigação de pagamento se efectivamente iria beneficiar o credor e aqui Recorrente ou se no dia do seu decesso este teria já tudo pago.
22.Na verdade, a credora CC não doou antecipadamente nada ao Recorrente, apenas o libertou do pagamento de uma eventual dívida, se esta existisse ou não no dia e hora em que ocorresse a sua morte, pelo que no âmbito do instituto do cumprimento e não cumprimento das obrigações, o Devedor/Recorrente cumpriu a sua obrigação pecuniária assinada na confissão de dívida, no dia 12 de Junho de 2022, data do decesso da credora, conforme declaração emitida por esta, pelo que quando a Embargada intenta a execução cerca de um ano depois bem sabia que o Executado/Embargante nada lhe devia.
23.Importa referir ainda, nos termos do disposto no artigo 771º do Código Civil e do conteúdo da declaração da credora, que o Recorrente não é obrigado a satisfazer a prestação à Embargada pelo que deve ser a execução extinta com as consequências legais, por não existir convenção entre as partes no sentido de autorizar a Embargada a cobrar a prestação assumindo a posição da credora, intentando uma execução que a credora CC não queria e não intentou antes.
24.Ou seja, assumindo a posição da defunta CC, a Embargada pretende herdar por testamento uma dívida que não existe desde 12 de Junho de 2022 pelas 11:30h, porquanto o devedor aqui Recorrente foi dela exonerado.
25.Na verdade, nos termos do disposto nos artigos 762º nº 1 e 763º nº 1, ambos do Código Civil, o Recorrente cumpriu integralmente a obrigação pecuniária a que se tinha comprometido perante a credora CC, o que fez desde a assinatura do documento “Declaração” em 11/12/2017 até ao dia 12 de Junho de 2022 pelas 11:30h, como lho foi permitido e acordado .
26.Na presença de prova irrefutável, documental e testemunhal, que de resto invoca para fundamentar a matéria de facto apurada, o Tribunal optou erradamente pela via teórica e formalista, em detrimento realização objectiva da justiça material.
27.A decisão proferida deve assim ser revogada e substituída por outra que julgue totalmente procedente o presente recurso e ordene a extinção da execução apensa com as legais consequências.
Foram violados entre outros, os artigos 762º nº 1 ; 763º nº 1 e 771º do Código Civil.
Nestes termos, no mais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta Sentença recorrida, substituindo-a por decisão em conformidade com as conclusões acima articuladas.
Assim se Fazendo Justiça.
Contra alegou a embargada formulando as seguintes conclusões: 1ª – O recorrente, nas conclusões do seu recurso, não põe em causa a exequibilidade intrínseca e extrínseca do título executivo; 2ª – Ignora, isso sim, e muito menos faz sequer estremecer a maior força probatória de dois títulos que estribam a recorrida – o título executivo e o testamento; 3ª – A sentença recorrida também não violou os artigos 762º, nº 1 e 763º, nº 1, do C. Civil, sendo que o artigo 771º, do mesmo diploma legal, não tem aplicação in casu; 4ª – E se o documento nº 1 apresentado com a petição dos embargos, foi “…preparado com ajuda de I. Advogado…”, é estranho que a assinatura da falecida CC não tenha sido reconhecida como o foi a constante no título executivo; 5ª – Para além destas razões deverá ainda o recurso improceder, por a sentença ter violado as regras da experiência e o princípio ínsito no artigo 414º, do Código de Processo Civil; 6ª – Pois, levando os mesmos corretamente em conta, coimo deverá suceder, deverão os factos dados por provados nos pontos 5) e 10), dos dados como provados, serem dados como não provados. 7ª – De um modo ou de outro, ou com ambos, deverá sempre improceder o recurso. Termos em que, no seio das conclusões supra, mantendo-se a sentença recorrida, mas corrigida com a ampliação também aí patente, V. Exªs, Venerandos Juízes Desembargadores, farão JUSTIÇA!
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.
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II. Objeto do recurso:
O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, impondo-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes, bem como as que sejam de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas, cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, sendo certo que o tribunal não se encontra vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e que visam sustentar os seus pontos de vista, isto atendendo à liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.
Assim sendo, tendo em atenção as alegações/conclusões apresentadas pelo recorrente, importa aos autos aferir se, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, a declaração de quitação emitida pela credora (de cujus) não se destinava a produzir efeitos mortis causa mas tão só desobrigar o devedor (embargante) de pagar a dívida que existisse no momento da morte.
Importa ainda, caso proceda o recurso apreciar, em sede de ampliação do mesmo, da impugnação da matéria de facto, a saber, dos factos provados sob os nºs 5 e 10, e se os mesmos, face à prova produzida deveriam ter sido dados como não provados.
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III. Fundamentação de facto. Factos provados:
1) A Exequente e o Executado são ambos sobrinhos de CC e familiares desavindos.
2) CC solicitou ao Executado, seu sobrinho, a devolução de uma quantia que lhes havia fiado anos antes.
3) Em Maio de 2017 concedeu ao sobrinho/Executado prazo e condições para devolução dos valores em causa, solicitando (por imposição da Exequente) a assinatura de uma confissão de dívida.
4) Em Dezembro de 2017, CC disse verbalmente ao Executado que, após a sua morte, o exonerava do pagamento dos valores então remanescentes da referida dívida.
5) Nesse sentido, assinou o documento escrito preparado pelo executado (doc. n.º 1 dos embargos) e por DD, pedindo-lhes que dele não desse conhecimento à Exequente, por temer o descontentamento desta.
DECLARAÇÃO
Eu, abaixo assinada […], declaro para os devidos efeitos legais que os devedores […] só estão obrigados a pagar a dívida em prestações constante da confissão de dívida que me assinaram até ao meu decesso, ficando a partir dessa data desonerados do pagamento de qualquer quantia, nada mais me ficando a dever a que título for tendo em conta as relações familiares e de amizade.
[…], 11 de Dezembro de 2017
A declarante, […]
6) CC efetuou testamento público, lavrado em 9.3.2010, no Cartório Notarial ..., no qual instituiu como única e universal herdeira da sua herança, sua sobrinha, BB, a exequente.
7) A embargada encetou Procedimento Simplificado de Habilitação de Herdeiros na Conservatória do Registo Civil ..., conforme doc. nº 7 da contestação, que se apresenta e dá por integralmente reproduzido, de onde consta: “A autora da herança, CC, faleceu no dia doze de junho de dois mil e vinte e dois…no estado de solteira, maior” e “A autora da herança não deixou descendentes ou ascendentes vivos”;
8) Resulta da declaração que o próprio embargante, voluntariamente e juntamente com DD, assinaram em 20 de fevereiro de 2009:
Para cumprimento das obrigações decorrentes do financiamento que existe no Banco […], em nosso nome ao qual foi solicitado pelo Banco a sua liquidação, com a aplicação que a D. […] aceitou dar como penhor, responsabilizamo-nos pelo pagamento mensal da importância de 400€, que depositaremos na conta […] do Banco […] por si titulada, até estar restituída a importância na sua totalidade.
9) A tia CC outorgou em 18 de Novembro de 2016, procuração à exequente, onde até consta, veja-se, “…para fazer cobranças judiciais ou extrajudiciais, reclamar e cobrar créditos, nomeadamente os de AA e DD…”;
10) A assinatura que consta do doc. n.º 1 dos embargos é verdadeira, pertencendo a CC.
Factos não provados:
A. Foi exclusivamente por pressão da embargada que CC exigiu ao executado a quantia que lhe havia fiado anos antes.
B. O executado, após o decesso da credora CC, forneceu à exequente cópia do documento n.º 1 junto com os embargos, a pedido desta.
C. À data da assinatura do doc. n.º 1 junto com os embargos, a tia da exequente, CC, não estava em condições de tomar conta da sua pessoa e, já nessa altura, estava à guarda da embargada.
D. O doc. n.º 1 foi fabricado e forjado à revelia da CC, tendo sido falsificada a assinatura daquela.
[…]
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IV. Do direito:
Conforme resulta dos autos, veio BBdar à execução documentoautenticado designado por “Confissão de Dívida e Modo de Pagamento”,no qual o executado/embargante e recorrente, AA, se confessava devedor de CC, da quantia de € 10.100,00, comprometendo-se no seu pagamento, em prestações mensais de € 110,00, com início a 5 de junho de 2017.
Opôs a esta execução o ali executado, embargos nos termos do disposto nos artºs 728º, 729º e 731º do Código do Processo Civil, alegando que a 11 de dezembro de 2017 a então credora declarou que aquele só estaria obrigado a pagar a dívida até ao seu decesso, ficando da mesma desobrigado a partir dessa data e nada mais ficando a dever.
É esta a declaração emitida e em causa:
[…]
Da leitura desta declaração, resulta ser a mesma uma declaração emitida por CC e na qual a mesma pretende desonerar o ora recorrente (e outro) do pagamento da quantia (que lhe havia emprestado com a obrigação de pagar em prestações mensais de € 100,00) que se mostre em dívida aquando da sua morte.
Ou seja, é causa da exoneração do pagamento a morte, sendo a partir e com a verificação desta causa que o mesmo deixará de estar obrigado ao seu pagamento.
Ora, aqui chegados importa aferir, como fez a sentença em crise, do valor daquela declaração e se a mesma torna inexigível o pagamento da quantia exequenda.
Como refere a sentença em crise, parte com a qual se concorda: “Tendo em conta que a exequibilidade intrínseca e extrínseca do titulo executivo não foi colocada em crise, o Tribunal apenas irá apreciar – art. 609.º do Código de Processo Civil – da invocada causa de inexigibilidade da obrigação exequenda e/ou sua extinção parcial, por efeito da declaração ínsita no doc. n.º 1 junto com os embargos, cuja veracidade se apurou. De notar, prima facie, que o título executivo – confissão de dívida – é documento particular autenticado – art. 376.º e 377.º do Código Civil, não se colocando em crise o seu valor probatório. Já no que concerne ao documento n.º 1 junto com os embargos, conquanto o mesmo seja assinado pela falecida CC e transmita, efetivamente, a sua vontade, estamos perante um mero documento particular – art. 374.º e 376.º do Código Civil, tendo-se por assente (prova plena) o respetivo teor, pelas razões já expostas supra”.
Uma vez que se deu como provado que a assinatura constante do documento particular foi aposta pela declarante (conforme decorre do facto dado como provado sob o nº 10 acima reproduzido), consideram-se provados, nos termos do nº 2 do artº 376º do Código Civil, os factos compreendidos nessa mesma declaração, na medida em que forem contrários aos interesses da declarante.
Contudo e como fez a sentença em crise, “(…)importa atentar no teor da vontade expressa pela falecida CC, uma vez que a referida declaração apenas se destinava a produzir efeitos mortis causa. “Interpretando a vontade expressa nos termos do art. 236.º do Código Civil, trata-se, em rigor, de uma remissão parcial de obrigação pecuniária vencida e confessa pelo executado a produzir efeitos aquando da morte da declarante, realizada por declaração unilateral, dotada de espirito de liberalidade”.
Efetivamente e como já atrás fizemos referência, a causa de extinção da obrigação do embargante, ora recorrente, é a morte da credora e assim sendo, só verificada esta e após esta, se extinguiria aquela obrigação.
Resulta do artº 863º do Código Civil, sob a epígrafe “Natureza contratual da remissão” que: “1. O credor pode remitir a dívida por contrato com o devedor. 2. Quando tiver o carácter de liberalidade, a remissão por negócio entre vivos é havida como doação, na conformidade dos artigos 940.º e seguintes”.
Deste preceito resulta que a remissão, como causa de extinçãodas obrigações se caracteriza, conforme resulta do Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Obrigações em Geral, UCP Editora, pág. 1297, “(…) por não satisfazer o interesse do credor visado pela prestação devida, já que consiste na abdicação por este, com o acordo do devedor, do direito de exigir a respetiva realização. Consistindo, no “seu cerne, uma renúncia ao direito de crédito (…), a remissão analisa-se numa “declaração dispositiva extintiva” (…), i.e., numa manifestação da faculdade de disposição do seu titular que, pretendendo dele não beneficiar, o elimina, “afastando definitivamente da sua esfera jurídica os instrumentos de tutela do seu interesse que a lei lhe conferia (…)”.
Ou seja, consiste a remissão, como refere o Dr Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, 3ª edição, Vol II, pág 209, na “(…) renúncia do credor ao direito de exigir a prestação e que é feita com a aquiescência da outra parte”.
Resulta pois daqui e como se refere no Acordão da Relação do Porto de 12 de setembro de 2019, relatado pelo Sr Desembargador Amaral Ferreira, in www.dgsi.pt que: “Necessita de revestir a forma de contrato bilateral, na medida em que a renúncia do credor ao direito de exigir a prestação é feita com a aquiescência da outra parte, tendo como efeito imediato a perda definitiva do crédito, de um lado, e a liberação do débito, pelo outro, por isso se trata de uma causa de extinção das obrigações em que não chega a haver prestação, mas não consubstancia necessariamente um contrato oneroso, identificado pelo carácter sinalagmático e correspectivo das concessões recíprocas, antes podendo traduzir uma verdadeira liberalidade ao devedor, a que é aplicável o regime legal da doação (artºs 940º e segs., do CC), ou assumir um intuito meramente abdicatório. Isso mesmo sublinha o primeiro dos autores e obra citados, pág. 236, “a remissão constitui a renúncia do credor ao direito de exigir a prestação, feita com a aquiescência da contraparte, necessitando de revestir a forma de contrato, quer se trate de remissão donativa, quer de remissão puramente abdicativa”. Assim sendo, para ocorrer a remissão é fundamental que a declaração negocial tenha precisamente carácter remissivo, ou seja, que com ela a parte credora declare, sem margem para dúvidas, que renuncia à prestação em dívida pelo devedor, e que o devedor preste o seu consentimento, pois pode ter interesse em afirmar a inexistência da dívida e em obter a declaração judicial desse facto. A lei não exige que o consentimento do devedor seja prestado de forma escrita, estando, por isso, sujeito às regras gerais sobre as declarações negociais (cfr. os artºs 217º, 218º e 234º do CC). Por seu turno, a vontade de remitir por parte do credor pode resultar também de uma manifestação tácita de vontade, embora deva ter uma significação inequívoca e, por último, para prova do contrato que serve de base à remissão, não se exige documento escrito - cfr., neste sentido, o acórdão da RL de 22/9/2009, Proc. 138/06.0TCFUN.L1-7, www.dgsi.pt”.
Resulta pois da leitura do artº 863º do Código Civil e do Comentário ao Código Civil, já atrás referido que a remissão será abdicativa “quando a vontade do credor se dirige unicamente a remover o crédito da sua esfera jurídica e atributiva ou donativa, se feita com animus donandi, i.e, se com a sua renúncia o remitente pretende realizar uma atribuição patrimonial ao devedor, traduzida numa vantagem decorrente da correspondente exoneração (…).
Ora, no caso sub judice, não só não foram alegados pelas partes, designadamente, pelo recorrente, factos que permitam concluir que a declaração emitida por CC o foi com animus donandi, no sentido de que com a renúncia esta pretendia realizar uma atribuição patrimonial ao devedor, ora recorrente, como da sua leitura não pode, sem mais extrair-se tal vontade ou animus.
Da leitura da declaração resulta sim que a mesma pretende ser paga da quantia em dívida até à sua morte, sendo-lhe indiferente o pagamento da quantia que ainda esteja em dívida após aquela ocorrência.
Diga-se ainda que, não só, poderia em nenhum momento ficar o ora recorrente exonerado do pagamento da quantia em dívida – bastaria que a morte da remitente viesse a ocorrer após o pagamento integral da dívida – assim como, dependendo do momento em que a morte ocorresse, variaria o montante em dívida e com ele a exoneração.
Ou seja, a declaração emitida tem como único fim, ao contrário do concluído na sentença em crise, remover o crédito ou parte deste da esfera jurídica da remitente, ocorrida que seja a sua morte, traduzindo-se pois numa remissão abdicativa, não sujeita a forma e, assim sendo, formal e substancialmente válida.
Nestes termos, ao contrário do decidido em sede de sentença, não merece acolhimento a aplicação do disposto no nº 2 do artº 863º e nº 2 do artº 946º do Código Civil, entendendo-se, como atrás se disse que estando perante uma declaração que configura uma remissão abdicativa, a mesma não está sujeita a forma legal e como tal mostra-se validamente prestada, extinguindo após a morte da remitente, morte que veio a ocorrer a 12 de junho de 2022, a dívida do recorrente e, consequentemente, se julgam procedentes os embargos deduzidos.
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Ora, perante tal decisão necessário se torna, como pretende a recorrida – em sede de ampliação do recurso – aferir se precede ou não a impugnação da matéria de facto, a saber, se deverão os factos dados por provados nos pontos 5) e 10), serem dados como não provados.
Impugnada que foi a matéria de facto, competirá a este Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, atendendo ao conteúdo das alegações dos recorrentes, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre o ponto da matéria de facto impugnado.
Em suma, a este tribunal da Relação caberá apurar da razoabilidade da convicção probatória do tribunal de primeira instância, face aos elementos de prova considerados, sem prejuízo de, como supra referido, com base neles, formar a sua própria convicção.
Importa ainda, aferir se o recorrente, que veio impugnar a decisão da matéria de facto, cumpriu os requisitos de ordem formal que permitem a este Tribunal apreciar aquela impugnação, a saber, seespecifica, como impõe o artº 640º do Código de Processo Civil, os concretos pontos da matéria de facto que pretende ver apreciada e os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa para cada um dos pontos da matéria de facto impugnada, indicando com exatidão os concretos meios de prova em que se funda o recurso bem como a sua apreciação critica.
Ora, da leitura das alegações e das conclusões dadas supra por reproduzidas, somos levados a concluir que, efetivamente a recorrida (impugnante) cumpriu o ónus da impugnação, a saber, indicando quais os factos que pretende impugnar, a saber, os factos provados sob os nºs 5 e 10, indicando pretender ver os mesmos dados como não provados.
Resulta ainda que, embora das conclusões apresentadas pela recorrida (impugnante) nada resulte quanto ao segundo dos ónus da impugnação atrás referidos, a saber, fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa, a verdade é que o mesmo resulta do corpo das alegações quando refere:
“Desde logo, em ter dado como provado o facto em 5), pois à evidência, e orecorrente sabia-o, por conhecer o título executivo, o documento que o exonerava de taldívida não tinha a força probatória daquele; o que é de todo estranho se tivermos emconta que o recorrente foi assessorado por advogado. E mais estranho, ainda, sendo aCC já falecida. Se a isto associarmos que a prova pericial,relativamente à assinatura imputada a CC na Declaração esgrimida pelorecorrente, foi inconclusiva, tal apenas pode beneficiar a recorrida, não o recorrente, deacordo com o princípio plasmado no artigo 414º, do C.P.C. – Princípio a observar emcaso de dúvida: “A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónusda prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita”. Norma que a sentençarecorrida violou, devendo ainda tal facto considerar-se como não provado, bem, assimcomo o facto dado como provado em 10. Na motivação, a sentença recorrida, com o devido respeito, na modesta opiniãoda recorrida, não adotou a bitola das regras da experiência quanto ao seguinte: a) Que a falecida CC tenha assinado o documento sem emsimultâneo ser a sua assinatura reconhecida, tanto mais que o recorrente estavaassessorado por um profissional do direito. b) Que a testemunha, DD, tenha estado à porta doprédio de CC no verão de 2017, explicando as dificuldadesfinanceiras por que passava e sugerindo a desoneração pós-morte da dívidaconfessada. Mas, se estava com dificuldades financeiras, por que não pediu aexoneração com efeitos imediatos? Ou previa-se vida curta para a CC? c) E que sentido tem ter a testemunha, DD ter levado odocumento para ... e não o tenha logo deixado ao recorrente? d) Não há qualquer prova nos autos – e o Tribunal não cuidou de a apurar, comoocorreu o envio do documento por parte do DD para o recorrente. Pois se o foipelo correio, só pela prova documental tal poderia ser comprovado. É evidente, sendo assim, a questão sob o nº 2, a pgs. 2, da sentença “Se CC emitiu a declaração junta sob o doc. nº 1, assinando-a pelo seu punho”, sópode merecer resposta negativa. Quer pelo princípio evidenciado no artigo 414º, doCódigo de Processo Civil, quer pelas regras da experiência. Pelo que, nesta parte, deverá a sentença recorrida ser alterada, pois encontra-sedesconforme com as regras da experiência e violou o citado preceito do C.P.C.”.
Assim sendo, entendendo-se cumprido o ónus da indicação concreta dos factos impugnados, a indicação da resposta pretendida quanto a estes factos, já relativamente ao ónus da indicação, para cada facto impugnado, dos concretos meios de prova a apreciar, será concretamente apreciado para cada um dos factos sobre os quais nos pronunciaremos.
Recordemos quanto a estes factos a motivação do Tribunal a quo: “O Tribunal estribou a sua convicção nos documentos carreados nos autos pelas partes, aos quais se fará oportuna referência, bem como com base nos depoimentos prestados, quer em audiência, quer por escrito, sendo todos os esses elementos probatórios harmonizados à luz das regras da experiência e normalidade do acontecer – art. 607.º do Código de Processo Civil. Destaca-se a seguinte prova documental: a declaração constante de doc. n.º 1, objeto da perícia, e também certidão do procedimento simplificado de habilitação de herdeiros, n.º 199/2023, o Doc. nº 9, de 18 de Novembro, de 2016 – Procuração autenticada, onde constam duas assinaturas de CC; a declaração que constitui o doc. nº 2, junto com o requerimento executivo, de 12 de junho, de 2017; a comunicação de CC ao Banco 1..., com data de 22 de maio, de 2009 e também junta com o requerimento executivo; o Testamento outorgado pela CC e constituindo o doc. nº 6, junto com o requerimento executivo, bem como toda a demais prova carreada nos autos principais e apenso. Em declarações, a embargada/exequente, insistiu sempre, de modo mecânico e pouco explicativo, na tese da impossibilidade factual de a assinatura constante do doc. n.1 dos embargos ter sido aposta pelo punho da falecida CC, desde logo, porque, em dezembro de 2016 a falecida mudou de residência, passando a residir consigo, até seu falecimento. Alegou até que a residência fiscal se manteve consigo até ao falecimento. Em maio de 2017, à data da assinatura das confissões de dívida dadas à execução, já a sua tia CC residia consigo, pelo que a morada que consta do título executivo está errada (e quem assinou tal título foi apenas o confitente). Explicou ainda que até ao falecimento, o sobrinho da falecia e executado, continuou a fazer pagamentos prestacionais por conta da confessada dívida, tendo deixado de o fazer logo após o falecimento (último depósito data de dois dias após o óbito, não se registando outros pagamentos). Reconheceu que o executado lhe falou da declaração em causa (doc. n. 1) logo após o óbito. Acrescentou que a procuração que a própria CC lhe outorgou continha poderes para a cobrança da dívida em causa que está plasmada no título executivo. Reputou sempre como vontade da sua tia a cobrança total/integral da dívida em causa (remanescendo cerca de € 5.000,00 de um total de € 55.000,00). As duas declarações denotaram notório acinte contra o embargante e o então seu sócio, a testemunha DD, ao reputar, de forma meramente especulativa, lançando a suspeita de uma execução de um “estratagema” ou “falcatrua” junto de uma entidade bancária por parte do embargante, como causa primogénita da dívida de e 55.000,00. Percebeu-se, ulteriormente, pelo depoimento do embargante de demais testemunhas que a falecida CC se limitou a outorgar, na qualidade de fiadora/garante, um mútuo bancário concedido ao embargante e seu sócio tendo estes entrado, posteriormente, em incumprimento do mesmo. Em declarações, o embargante EE, explicou que o doc. n.º 1 dos embargos não foi assinado na sua presença, tendo sido assinado e entregue pela tia CC à testemunha DD, correspondendo integralmente à sua vontade. O documento foi assinado na residência da própria falecida tia CC, e não na residência da embargada, como esta reputou, na véspera de Natal de 2017. A vontade da sua titula era desonera-lo do pagamento da dívida confessa após a sua morte, como lhe tinha confidenciado a si (em 2009) e à testemunha FF, pedindo inclusivamente a ambos que não revelassem à embargada/exequente a sua vontade. Explicou de modo que se reputou linear e assertivo, o procedimento bancário que deu origem ao acionamento da garantia – fiança – titulada pela falecida tia CC, e as razões pelas quais assinou a confissão de dívida, que titula a execução nos presentes autos. Reconheceu que as relações pessoais e familiares com a tia não eram as melhores, muito em parte pela intervenção da embargada na fase final da vida daquela, razão pela qual, foi a testemunha DD quem se deslocou ao domicílio desta última para a subscrição do documento que foi preparado com ajuda de I. Advogado, correspondendo à vontade da tia. Reconheceu que depois do natal de 2017, não mais falou com a tia. Também negou, ao contrário do aventado pela embargada, que a tia o tivesse procurado em vida para a liquidação integral do montante em dívida de que era credora. O Sr. Perito GG, reiterou, em sede de esclarecimentos orais, o que já constava das conclusões do relatório pericial: sendo muito limitadora a amostra de comparação para aferir da genuinidade da assinatura de 11.12.2017. Contudo, disse que o traço lento, trémulo, pressionado, com paragens e pressionado é mais consentâneo com o traço de uma assinatura de pessoa de idade avançada, com cerca de 87/89 anos, mas daí não retirando qualquer ilação sobre a autoria da assinatura. DD, não é familiar da falecida CC, confirmou integralmente o depoimento do embargante. Presenciou a assinatura do documento e explicou que em data anterior à assinatura, no verão do 2017, esteve à porta do seu prédio, por mais de uma hora com a falecida, explicando, da sua parte, as dificuldades financeiras pelas quais passava e sugerindo a desoneração pós-morte da dívida confessada. A falecida disse-lhe que iria pensar nessa hipótese. Voltou no inverno, em Dezembro, e indagou novamente junto da falecida sobre a sua vontade que aquiesceu em tal desoneração/remissão, solicitando-lhe que preparasse o respetivo suporte documental, o que este fez em articulação com o embargante. No mesmo dia, foi a casa da falecida, e na sua presença, assinou o documento n.º 1 junto com os embargos. Levou o documento consigo para ..., dando de imediato conhecimento o embargante. Mais tarde enviou-o, a propósito da propositura da execução, ao embargante. Após a assinatura do doc. n.º 1, continuaram a pagar a dívida confessa até ao falecimento de CC, que nunca os interpelou para exigir a totalidade da dívida até à sua morte. A assinatura do doc. 1 não foi reconhecida nem se autenticou o documento pois entendeu, juntamente com o embargante, que tal não seria necessário e porque era a vontade da tia CC que a embargada/exequente não tivesse conhecimento de tal desoneração/remissão parcial da dívida confessa pós-morte. Determinou-se a acareação (art. 523.º do Código de Processo Civil) da testemunha DD, do embargante e da embargada, para esclarecimento dos seguintes três pontos, por se entender que remanesciam contradições diretas, insanáveis, que cumpriam ser supridas, designadamente: a) qual a residência da Sr.ª CC no momento da assinatura do documento que está em causa nestes autos; b) da razão do não reconhecimento da assinatura no documento em causa; c) uma vez que era essa a alegada vontade da tia CC por que razão não foi exarado na confissão de dívida tal condição, ou seja, que à sua morte exonerava do pagamento dos valores em dívida o sobrinho e o referido DD. Em sede de acareação, todos os intervenientes mantiveram as respetivas posições anteriormente ventiladas, destacando-se, contudo, que a testemunha DD, com isenção e mais distanciamento em relação às quezílias familiares entre embargante e embargada (que trouxe à baila inúmeros episódios familiares irrelevantes relativos a quezílias entre a tia CC e demais familiares – designadamente o pai do executado), manteve-se sereno e até surpreendido (de modo genuíno – o que se percecionou na sua linguagem corporal e expressões faciais), com as afirmações da embargada sobre a impossibilidade da assinatura ter sido realizadas nos moldes descritos.
Em suma, e concluindo: 1) Tendo em consideração que foi suscitada o incidente de falsidade do doc. n.º 1, e uma vez que a perícia foi totalmente inconclusiva sobre a autoria da assinatura nele aposta, o Tribunal sopesou o teor da demais prova produzida, com enfoque no depoimento de DD – que presenciou a assinatura do referido documento, sendo prova admissível, uma vez que se trata de mero documento particular – vide art. 374.º, n.º 2, 393.º, n.ºs 2 e 3 do Código Civil e 413.º do Código de Processo Civil. 2) E, nesse sentido, o seu depoimento foi lido como linear, muito seguro e assertivo, espontâneo e de acordo com as regras da experiência, confirmando a elaboração do documento pelo embargante e por si, em resolução conjunta, e o assentimento da falecida CC, correspondendo tal declaração à sua real vontade. 3) Também em sede de esclarecimentos, o Sr. Perito, disse que o traço lento, trémulo, pressionado, com paragens e pressionado é mais consentâneo com o traço de uma assinatura de pessoa de idade avançada, com cerca de 87/89 anos 4) As declarações da embargada, pelo seu notório acinte [que trouxe à baila inúmeros episódios familiares irrelevantes relativos a quezílias entre a tia CC e demais familiares – designadamente o pai do executado] e deriva especulativa nalguns trechos, mereceram-nos menor credibilidade no sopeso com os demais elementos probatórios, tendo em conta o contexto familiar aflorado, sendo, pois, plausível, que perante a postura da embargada, a falecida tia CC pretendesse ocultar da mesma a dita manifestação de vontade (ulterior à celebração do testamento que instituiu a sua sobrinha, a embargada, como sua única e universal herdeira, também em detrimento do executado/embargante). 5) Pelas razões expostas, consideramos que o embargante cumpriu suficientemente o ónus de prova da veracidade do documento em causa (art. 374.º, n.º 2 o Código Civil), afastando, portanto, a arguição de falsidade do mesmo. 6) Resta, pois, verificar qual o valor de tal declaração no confronto com o título executivo que funda os autos principais”.
Diga-se, antes de mais que ouvida toda a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento e conjugada a mesma com todos os elementos de prova carreados para os autos nada há a opor à decisão do Tribunal a quo.
Efetivamente, cabia ao recorrente, que veio invocar, em sede de embargos de executado, a remissão da sua obrigação de pagamento da quantia em dívida e, para o efeito juntou documento no qual a credora declarava que este só se encontrava obrigado ao seu pagamento até ao decesso daquela, demonstrar aquela remissão.
Requerida que foi a perícia ao documento particular junto, mostrou-se a mesma inconclusiva, não porque dúvidas surgissem quanto à aposição da assinatura por parte da credor mas sim porque dos autos não constavam documentos suficientes para que se pudesse comparar os escritos constantes da declaração com outros.
Ora, nada impede, no caso, a prova por outros meios que não a perícia.
Entendemos nós que o embargante e ora recorrente conseguiu demonstrar aquela remissão.
Efetivamente, e no que aos autos importa deu-se grande relevância ao depoimento da testemunha DD que foi ele também confitente de uma dívida perante CC e beneficiado com a declaração pela mesma emitida e na qual a mesma exonera este e o embargante do pagamento da quantia que ainda se encontre em dívida após a sua morte.
Ora apesar desta posição, o depoimento do mesmo foi prestado de forma clara e concisa, sem que do mesmo se pudesse retirar não ser conforme à verdade.
Diga-se que nada desabona em relação ao seu depoimento o facto de ter revelado que em data anterior à assinatura, a saber, no verão do 2017, esteve à porta do seu prédio, por mais de uma hora com a falecida, explicando, da sua parte, as dificuldades financeiras pelas quais passava e sugerindo a desoneração pós-morte da dívida confessada. Referiu o mesmo que a falecida lhe disse que iria pensar nessa hipótese.
Referiu o mesmo que voltou no inverno, em dezembro, e indagou novamente junto da falecida sobre a sua vontade que aquiesceu em tal desoneração/remissão, solicitando-lhe que preparasse o respetivo suporte documental, o que este fez em articulação com o embargante. No mesmo dia, foi a casa da falecida, e na sua presença, assinou o documento n.º 1 junto com os embargos.
O facto de se encontrar com problemas financeiros não permite por si, como pretende a impugnante, concluir que a declaração de CC o devia ter exonerado de imediato. A declaração traduz a vontade da remitente, cabendo aos devedores aceitarem a mesma ou não. Ao trazerem a mesma aos autos resulta sem mais que aceitaram aquela remissão.
Acresce que põe em causa a impugnante o facto do depoente ter levado consigo a declaração para ....
Efetivamente, resulta do seu depoimento (e que não foi desacreditado na contra instância) que o mesmo, após colher a assinatura de CC, levou o documento consigo para ..., dando de imediato conhecimento o embargante.
Ora, tal não nos parece estranho atendendo a que o documento apenas produziria efeitos após a morte da remitente, sendo certo que conforme por si foi alegado e no mesmo sentido foram as declarações da embargada, continuaram a pagar a dívida confessa até ao falecimento daquela.
Efetivamente, não se encontra junta aos autos a carta que capearia o documento, conforme pretende agora a impugnante, mas não se entende relevante (como não entendeu a impugnante durante o julgamento, ao não requerer a junção da carta que capearia o documento) uma vez que o depoimento da testemunha se mostrou suficientemente convincente.
O mesmo se diga quanto à assinatura do doc. 1 que não foi reconhecida nem se autenticou o documento.
Conforme referiu a testemunha entendeu, juntamente com o embargante, que tal não seria necessário até porque era a vontade da tia CC que a embargada/exequente não tivesse conhecimento de tal desoneração/remissão parcial da dívida confessa pós-morte.
Nestes termos julga-se improcedente a impugnação e, assim sendo, mantém-se a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo..
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Atendendo ao acima referido quanto ao recurso apresentado pelo recorrente e uma vez que se julgou improcedente a impugnação da matéria de facto (ampliação do recurso), necessariamente se revoga a sentença em crise e, consequentemente, se julgam procedentes os embargos deduzidos.
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V. Decisão:
Nestes termos, julga-se totalmente procedente o recurso deduzido pelo recorrente e improcedente a impugnação de facto vertida pela recorrida e, consequentemente, revoga-se a decisão proferida, julgando procedentes os embargos deduzidos e, consequentemente, extinta a execução.
Custas a cargo da recorrida.
Guimarães, 18 de junho de 2025
Relatora: Margarida Pinto Gomes
Adjuntas: Paula Ribas
Fernanda Proença Fernandes