RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
VIOLÊNCIA
Sumário


I - Para que seja decretado o procedimento cautelar de restituição provisória da posse tem de verificar-se uma triplicidade de requisitos: a posse, o esbulho e a violência do desapossamento.
II – Para considera a existência de esbulho violento é suficiente que do esbulho resulte um obstáculo à continuidade do exercício da posse, que a violência exercida sobre as coisas seja meio adequado de constranger uma pessoa a suportar uma situação contra a sua vontade.

Texto Integral


Acordam na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I- Relatório

AA e mulher BB, intentaram o presente procedimento cautelar especificado de restituição provisória da posse, contra EMP01..., Lda. e CC, peticionando a restituição provisória da posse do imóvel sito na Rua ..., ..., em ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...63.º.
Invocam, em síntese, serem donos e legítimos possuidores do imóvel supra referido, também composto, por rés-do-chão destinado a comércio, sendo que uma parte deste esteve arrendado à primeira requerida para comércio.
Mais invocaram que a requerida deixou de ali exercer a sua atividade comercial e que com a posterior entrega das chaves da loja pelo segundo requerido, pôs termo ao contrato de arrendamento que até então existia entre as partes, o que foi aceite pelos requerentes.
Concluem os requerentes, que tendo os requeridos procedido à mudança da fechadura da loja em questão após a cessação do contrato de arrendamento, foram ilegitimamente desapossados da mesma, requerendo a restituição provisória da posse desse imóvel.
Foi proferido despacho a indeferir liminarmente a pretensão dos requerentes, que foi objeto de recurso, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães revogado tal decisão e determinado o prosseguimento dos autos.
Procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas pelos requerentes, sem audição dos requeridos, sendo que, após, por decisão de 9/9/2024, foi decretada a restituição provisória da posse da loja aos requerentes.
Citados, vieram os requeridos apresentar oposição, pugnando pela revogação do procedimento decretado, dizendo, em suma, que não se mostra cessado o contrato de arrendamento do imóvel em questão e como tal a posse sob o mesmo a favor dos requeridos encontra-se, consequentemente, legitimada, tendo a mudança de fechadura configurado defesa dessa posse.
 Foi realizada a audiência final, tendo-se produzido a prova arrolada pelos requeridos e subsequentemente, em 20/1/2025, foi proferido despacho final que julgou improcedente a oposição dos requeridos, e, em consequência, ao abrigo do disposto no artigo 372.º n.º 3 do Código de Processo Civil, decidiu manter o decretamento do presente procedimento especificado de restituição provisória aos requerentes da posse do imóvel constituído por um prédio urbano com três andares, com afetação para habitação e para comércio, sito na Rua ..., ..., em ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...63.º e aí inscrito a favor do Requerente marido e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...12, a fls. 146V do Livro ...09, com entrada pelo n.º ... da Rua ..., ... do Largo ....

Inconformados com esta decisão, dela vieram recorrer os requeridos formulando as seguintes conclusões:
“[…]
CCCC. Se em 29 de Janeiro de 2024 o contrato de arrendamento estava em vigor, para que se mostrasse cessado teria de ter havido algum facto ou circunstancialismo ocorridos a posteriori a essa data. Todos os 23 primeiros factos dados como provados são anteriores a tal data! Verifica-se assim, nessa parte, contradição insanável entre fundamentação e decisão da matéria de facto e de Direito/subsunção jurídica, vício esse gerador de nulidade decisória nos termos e para efeitos do art. 615º n.º 1 c) CPC.
DDDD. O princípio da boa-fé remete a Administração da Justiça para um padrão ético de comportamento na sua relação com os cidadãos, agindo de forma correcta, leal e sem reservas, o que se mostra extensível à administração da justiça!
EEEE. Tem-se por notório, o que se alega nos termos e para efeitos do art. 412º do Código de Processo Civil, que é quase intuitiva a ideia de que qualquer sujeito cria expectativas e orienta as suas opções de vida de acordo com decisões ou notificações judiciais, antecipando riscos baseados em tais situações que prevê (e ganhando acréscimo de confiança na sua materialização escrita, como in casu sucedeu com tal envio de carta pelo senhorio a comunicar aumento de renda para 2024!) manterem-se, e planificando a vivência com base em tais factos.
FFFF. O princípio da protecção da confiança reflecte a preocupação dispensada pelo ordenamento aos valores da estabilidade, da segurança e da confiabilidade, valores esses que a recorrente professa pelo que não deixa tal resultado, da validação de uma “revogação real” não ocorrida em finais de Dezembro de 2023 e impossível de ter sucedido a posteriori face a de 29 de Janeiro de 2024, de ser desajustado e violador dos mesmos.
GGGG. Existe verdadeiramente um benefício prático e efectivo para a recorrente, reclamante da proteção da confiança, uma vez que com o recurso apresentado se visa obstar um prejuízo sério, decorrente da cessação contratual e desapossamento do arrendado, para o qual tem implementado um projecto de prossecução comercial.
HHHH. De facto veja-se que tendo o contrato sido celebrado em 22 de Setembro de 2009 e pelo prazo de trinta anos (factos provados 2 e 4) ainda faltarão largos anos (cerca de 14!) até à sua caducidade, não podendo assim a recorrente ser esbulhada no seu direito arrendatício, com base em falsas verdades e estratagemas assentes em venire contra factumproprium e abuso de direito.
IIII. E dúvidas inexistem em como tal estratagema e invocação se mostram contemporâneos da alegada carta datada de 09 de Abril de 2024 pois apenas nessa data teve lugar a devolução das quantias pagas pela recorrente, conforme pontos de facto 30 e 31. De facto, entre o envio da carta em 29 de Janeiro de 2024 e o envio da outra carta em 09 de Abril de 2024 os recorridos receberam tais montantes e nunca os devolveram, apenas o tendo feito após cerca de 60 dias e após a recepção da carta a exigir obras no arrendado.
JJJJ. E apenas em 24 de Junho de 2024 lançou mão da presente providência cautelar, omitindo o envio de tal carta em 29 de Janeiro de 2024, assim comprometendo a verdade bem como a decisão de favorabilidade que teve, desde logo, na Relação de Guimarães.Se tem contado a verdade como ela é e junto o documento que enviou em 29 de Janeiro de 2024 nunca tal providência teria sido aceite ou deferida.
KKKK. Não se pode falar em violência pois basta pensar que não se sentiu o senhorio sequer violentado a ponto de ter aguardado serenamente mais de cinco meses!Da matéria de facto não ressalta qualquer arrombamento ou escalamento, pelo que a jurisprudência convocada na douta decisão recorrida não é aplicável in casu.(vg. TRG, Proc. n.º 1004/08-2 de 12 Junho 2008, TRE, Processo 2757/06-2, de 22 de Março de 2007)
LLLL. Não se desconhece que houve alguma evolução jurisprudencial mas no acórdão de 19/05/2020 [Processo n.º 1988/17.8T8PTM-A.E2.S1, (Relator: Henrique Araújo], a jurisprudência seguida em várias decisões das Relações foi expressamente referida e afastada, regressando-se, pelo menos parcialmente, à posição tradicional do STJ. Atente-se no seu sumário: “Para a decretação da restituição provisória de posse, só releva a violência sobre coisa se essa violência implicar que o possuidor fique coagido a permitir o desapossamento.”
MMMM. Não basta a privação não consentida da posse para que o esbulho seja violento, sendo necessário que “pela forma como essa constrição é efectuada, o possuidor se mostre coagido a permitir o desapossamento, ficando colocado numa situação de incapacidade de reagir perante o acto de desapossamento.”
NNNN. In casu não ocorreu qualquer esbulho que possa ser tipificado como violento, devendo a providência cautelar ser julgada improcedente!
Nestes termos,
Deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que considere improcedente a providência cautelar de restituição provisória da posse.
Princípios jurídicos violados: princípio da boa-fé, princípio da protecção da confiança.
Normas jurídicas violadas: art. 233º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro; arts. 377º CPC, 607º n.º 5 CPC e 615º n.º 1 al. c) do CPC; e, 1082º n.º 2 do CC ”.”.

*
Houve contra-alegações, nelas se pugnando pela total improcedência do recurso, formulando-se as seguintes conclusões:
[…]
HHHHH) Acrescentamos apenas, a propósito dos requisitos da providência cautelar de restituição provisória da posse,
IIIII) em particular do requisito do esbulho violento, cuja verificação muito é contestada pelos Recorrentes nos presentes autos e, em específico, nas conclusões KKKK. a NNNN., que a jurisprudência firmada no STJ oscilou ao longo dos anos entre a tese que considera violência relevante aquela que é exercida contra a pessoa do possuidor e a tese que considera bastante para integrar o requisito em causa a violência exercida sobre a coisa.
JJJJJ) O conceito de violência encontra-se plasmado no art. 1261.º, n.º 1, do CC, que define como violenta a posse adquirida através de coação física ou de coação moral nos termos do art. 255.º do mesmo Código.
KKKKK) A violência aqui retratada não implica necessariamente que a ofensa da posse ocorra na presença do possuidor. Basta que o possuidor dela seja privado contra a sua vontade em consequência de um comportamento que lhe é alheio e impede, contra a sua vontade, o exercício da posse como até então a exercia.
LLLLL) Uma interpretação mais restritiva seria redutora e deixaria sem tutela cautelar o possuidor privado da sua posse por outrem que, na sua ausência e sem o seu consentimento, atuou por forma a criar obstáculo ou obstáculos que o constrangem, nomeadamente, impedindo-lhe o acesso à coisa – vide, Ac. do STJ de 19-10-2016, proc. n.º 487/14.4T2STC.E2.S1, in www.dgsi.pt., vide também neste sentido MANUEL RODRIGUES, in A Posse, edição de 1981, pág. 363.
MMMMM) É, claramente, prevalecente o entendimento de que é suficiente que do esbulho resulte um obstáculo à continuidade do exercício da posse, que a violência (ação física) exercida sobre as coisas seja meio adequado de constranger uma pessoa a suportar uma situação contra a sua vontade. Nesta perspetiva, o arrombamento e subsequente mudança de fechadura da porta de acesso a um imóvel, mesmo na ausência do possuidor, constitui esbulho violento, logo, está justificado o acesso à tutela cautelar nominada – vide Ac. do TRP de 12-09-2022, proc. n.º 1507/22.4T8MTS.P1, in www.dgsi.pt.
NNNNN) Atentos todos estes referentes jurídicos, poucas dúvidas restam de que, efetivamente, in casu, estamos perante uma situação de esbulho violento por parte dos Recorrentes sobre os Recorridos, encontrando-se reunidos todos os pressupostos do decretamento da providência cautelar requerida, a qual deverá ser mantida nos termos decididos pelo douto tribunal a quo.
Termos em que, com o mui douto suprimento deverão V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, negar provimento ao recurso dos Requeridos/Recorrentes, mantendo na íntegra a douta decisão recorrida, com o que farão a acostumada justiça.”.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II – Objeto do recurso

A – Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes, bem como das que forem do conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, sendo de salientar que, de todo o modo, o tribunal não está vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar a sua posição, atenta a liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.
B – Deste modo, considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, cumpre apreciar, por ordem lógica de conhecimento:
-Da nulidade da decisão recorrida;
- Da pretendida alteração da matéria de facto;
- Se, em consequência do decidido quanto à alteração da matéria de facto, deve ser revogada a decisão, nos termos alegados no recurso, por se não verificarem os pressupostos para que fosse decretada a restituição provisória da posse.

III – Fundamentação de facto

A - Matéria de facto julgada sumariamente demonstrada na decisão recorrida:
“1. Os Requerentes AA e mulher BB são donos de um imóvel constituído por um prédio urbano com três andares, com afectação para habitação e para comércio, sito na Rua ..., ..., em ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...63.º e aí inscrito a favor do Requerente marido e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...12, a fls. 146V do Livro ...09.
2. Por acordo reduzido a escrito, realizado em 22 de Setembro de 2009, os Requerentes cederam, mediante uma contrapartida monetária, à Primeira Requerida EMP01..., Lda., representada pelo segundo requerido, CC, o uso e fruição da loja sita no rés-do-chão do prédio identificado no artigo anterior, com entrada pelo n.º ... da Rua ..., ... do Largo ....
3. O local objecto do acordo reduzido a escrito era destinado exclusivamente ao comércio.
4. O prazo de duração do apontado acordo era de 30 anos, com início em 01.11.2009 e termo em 31.10.2039.
5. Ficou estipulado nesse acordo reduzido a escrito que a primeira requerida ficava autorizada expressamente a “sublocar ou por qualquer forma ceder os direitos do contrato”.
6. A contrapartida mensal pelo uso e fruição da loja foi fixada inicialmente em EUR 1.200,00 (mil e duzentos euros), a pagar no mês anterior àquele que disser respeito, sendo ultimamente de EUR 1.240,00 (mil duzentos e quarenta euros).
7. Na data da assinatura do dito acordo escrito, a requerida entregou aos requerentes o valor de 2.400 euros para pagamento do gozo e fruição da loja nos meses de Novembro e Dezembro de 2009, e entregou 1.200 euros a título de “caução”.
8. Consta da décima quarta cláusula do acordo reduzido a escrito acima referido “O Senhorio, a expensas próprias, obriga-se a realizar obras no locado, nomeadamente, a colocação de placa de betão, obras interiores e exteriores necessárias à conservação do prédio”.
9. A Requerida fez as obras necessárias à adaptação do imóvel à actividade comercial pretendida.
10. Em 22.9.2009 a requerida passou a exercer no prédio referido em 2. o comércio de artigos de óptica.
11. Desde Outubro de 2022 a primeira Requerida deixou de exercer qualquer actividade na loja comercial referida em 2.
12. Desde Outubro de 2022, a primeira requerida continuou a pagar aos requerentes as contrapartidas mensais pelo uso e fruição da loja até Dezembro de 2023, não tendo procedido, contudo, ao pagamento atempado dos valores referentes aos meses de Fevereiro, Abril e Outubro de 2023.
13. Em finais de Dezembro de 2023 DD, a mando do Requerido CC, na qualidade de sócio gerente da Primeira Requerida, procedeu à entrega das chaves do imóvel referido em 2. na EMP02..., que agia na qualidade de representante dos Requerentes, com vista por fim ao acordo reduzido a escrito identificado em 2.
14. O representante da Imobiliária não efectou um termo de entrega por escrito do prédio em questão, por entender que o requerente AA deveria, por si, verificar o estado do imóvel, uma vez que estaria em Portugal em Janeiro de 2024.
15. Sem embargo disso, na sequência do mencionado no ponto 13, os requerentes, bem como o legal representante da EMP02..., iniciaram a procura de um novo interessado no eventual uso e fruição oneroso da loja comercial em questão.
16. Em data não concretamente apurada, mas em Janeiro de 2024, o segundo requerido encontrou-se nas instalações da loja comercial com o primeiro requerente e EE para verificação do estado do local identificado em 2.
17. Nessa ocasião, mediante reparo sobre o estado de sujidade em que o imóvel se encontrava, o Segundo Requerido solicitou de novo as chaves ao primeiro Requerente com a finalidade de proceder à limpeza do local, tendo-lhe sido entregue uma das cópias das chaves existentes.
18. Seguidamente, no dia 23.1.2024, o requerido retirou o mobiliário que estava na loja.
19. No dia 25.1.2024 a requerida procedeu ao pagamento dos valores referentes ao uso e fruição do imóvel relativo aos meses de Fevereiro, Abril e Outubro de 2023, cujos valores haviam sido, por engano, em 07.02.2023, 11.04.2023 e 09.10.2023 para a conta bancária titulada por FF.
20. No dia 26.1.2024, o requerente foi mostrar o local a um potencial interessado, GG, também proprietário de um estabelecimento comercial de artigos de óptica, aí comparecendo, aquando dessa visita, o segundo requerido.
21. Após, mas nesse mesmo dia (26.1.2024), o segundo Requerente quis voltar ao imóvel em questão, mas verificou que a fechadura tinha sido mudada pelo segundo requerido.
22. Tendo, desde então, os Requerentes ficado impossibilitados de ter acesso ao imóvel descrito em 1 e 2 supra.
23. No dia 26 de Janeiro de 2024, a primeira requerida procedeu à transferência do valor de 1.240 euros para a conta bancária do primeiro requerido.
24. Em 29 de Janeiro de 2024 o agente imobiliário do requerente enviou uma missiva à requerida, assinada pelo requerente AA, comunicando o aumento do valor mensal para o ano 2024, a vigorar a partir de Fevereiro de 2024.
25. Esta carta foi recebida pela requerida em 31.1.2024.
26. Em 12.2.2024, a Requerida transferiu para a conta bancária do requerente a quantia de 1.240 euros.
27. Em 14.3.2024, a Requerida transferiu para a conta bancária do requerido o valor de 1.240 euros.
28. A Requerida enviou carta datada de 22.03.2024 e registada em 25.03.2024 (...25...) ao representante dos requerentes, com o seguinte conteúdo:
“Ex.mos
Senhores:
Vimos, por este meio, e depois de por diversas vezes o termos feito pessoalmente e telefonicamente, comunicar a V.ª Ex.ª que o imóvel sito na Rua ..., ... e Largo ..., em ..., onde se encontra situada a loja de óptica, necessita de obras de conservação urgentes, conforme pode ser verificado das fotografias que junto.
Na verdade, V. as Ex.as nos termos da cláusula 14ª n.º 3 do contrato de arrendamento celebrado em 22/09/2009, ficaram obrigados a proceder à colocação de placa de betão e à realização de obras interiores e exteriores de conservação do prédio.
Como é do seu conhecimento, foi investido muito dinheiro na loja e esse investimento encontra-se em risco pela má manutenção interior e exterior do edifício.
Eis algumas das anomalias que necessitam de reparação urgente:
a) Humidade nas paredes e nos tectos, em virtude das infiltrações, estando o pladur
em estado avançado de degradação.
b) As tomadas e caixas elétricas têm humidades, também derivado das infiltrações.
c) O chão, em granito, está todo torto, a levantar e a partir-se.
d) As lâmpadas dos tectos estão reiteradamente a fundir-se em virtude das humidades
e) Os tectos apresentam sinais de humidade e correm o risco de ruir
f) Em virtude das humidades, caem com bastante frequência, resíduos dos tectos
g) As caleiras do prédio necessitam de reparação, pois a água escorre pelas paredes exteriores abaixo, manchando as paredes e o granito
h) O revestimento das paredes exteriores está a “saltar”, necessitando de ser reparado, pois dá má imagem da loja.
Nos termos da Lei, compete ao requerente assegurar o gozo do locado para os fins a que se destina.
Ora, o locado presentemente e por culpa dos requerentes não assegura o gozo pleno para o fim a que se destina, diminuindo ou inutilizando o locado, uma vez que, por falta das obras supra citadas, não é possível exercer, condignamente a actividade comercial nas instalações.
Por estes motivos, venho interpelar V. as Ex.as a proceder à reparação dos defeitos supra referidos no prazo máximo de trinta dias, para que seja possível proceder à reabertura da loja. Assim, enquanto não forem devidamente reparados os danos, e uma vez que a loja se encontra encerrada por falta dessas obras que são da competência dos requerentes, a empresa procederá apenas ao pagamento de metade da renda, uma vez que se encontra diminuído e quase eliminado o gozo do locado.
Na verdade, a loja encontra-se encerrada porque não tem condições de funcionamento.
Com os melhores cumprimentos, grato pela atenção dispensada e certo do bom acolhimento do teor da presente missiva, subscrevo-me.
Atentamente,”
29. Esta carta foi recebida em 26.03.2024, por HH, trabalhadora da EMP02....
30. Em 9.4.2024 o requerente efectuou uma transferência bancária no valor de 3.720 euros a favor da primeira requerida para entrega das quantias mencionadas nos pontos 23, 26 e 27.
31. Em 09.04.2024 o requerente enviou uma missiva aos requeridos, em resposta à carta de 22.3.2024 (ponto 28.), com o seguinte teor:
“Exmº. Senhor:
Os meus clientes supra referenciados incumbiram-me de dar resposta à carta que enviou para a EMP02..., com data de 22 de Março p.p..
Venho, assim, informar V.Exª. do seguinte:
- Em Dezembro de 2023 procedeu à entrega das chaves do local arrendado, pondo assim termo, de forma inequívoca, ao contrato de arrendamento existente.
- E tanto assim foi que a Imobiliária procedeu de imediato à angariação de novo inquilino.
- Também por esse motivo os meus clientes aceitaram as rendas em atraso pagas e singelo, em Janeiro de 2024, prescindindo da indemnização a que tinham direito pela mora no pagamento.
- Porque, entretanto, os meus constituintes chamaram a atenção para o estado de sujidade em que deixou o local arrendado, V. Exª. pediu-lhes de novo as chaves e veio depois, num acto de evidente má fé, alegar a necessidade de obras, coisa que, até à data, nunca tinha feito e arrogar-se novamente a qualidade de inquilino.
- Com esse objectivo, procedeu ao pagamento de mais três rendas, montante que os meus clientes, por entenderem que não era devido, devolveram à procedência.
- O acto de entrega das chaves e a comunicação na presença do agente imobiliário de que procedia à entrega do local arrendado é prova suficiente da vontade de pôr termo ao contrato de arrendamento.
Nesta conformidade não podemos tolerar que, sem qualquer título que o legitime, tenha mudado abusivamente a fechadura do local arrendado.
Fica, pois, notificado de que deve, no prazo máximo de cinco dias contados da data de recepção desta carta proceder à entrega da chave na EMP02..., sob pena de me ver obrigado a tomar as medidas adequadas, se necessário recorrendo à via judicial.
Melhores cumprimentos
32. Em 10.04.2024, a requerida transferiu para a conta bancária do requerente os valores de € 1.412 euros.
33. Em 3.5.2024 a requerida transferiu para a conta bancária do requerente a quantia de 666 euros.
34. Em 5.6.2024 a requerida transferiu para a conta bancária do requerente a quantia de 666 euros.
35. Em 27.6.2024 a requerida transferiu para a conta bancária do requerente a quantia de 666 euros.
36. Em 23.07.2024, o Requerente transferiu para a conta bancária da requerida o valor de 3.410 euros para entrega dos valores por esta transferidos em 32, 33, 34 e 35.
37. Em 28.08.2024 o requerente transferiu para a conta bancária da requerida a quantia de 666 euros.
38. Em 06.09.2024, a Requerida procedeu à consignação em depósito da quantia de 7.796 euros.
39. Em 19.8.2024 o requerido enviou uma comunicação electrónica dirigida ao departamento de urbanismo da Câmara Municipal ... solicitando a desocupação da entrada da loja em causa nos autos.”;.
B. Matéria de facto julgada sumariamente não demonstrada na decisão recorrida:
“a. Desde o início do arrendamento os Requerentes não realizaram qualquer obra de manutenção e/ou conservação do prédio.
b. Em Outubro de 2022 a requerida mudou o estabelecimento comercial de artigos de óptica pré-existente no prédio em causa nos autos para o prédio sito na Rua ..., ..., também em ....
c. O espaço comercial sito na Rua ..., ... ... é explorado pela empresa “EMP03... Unipessoal, Lda.” e foi aberto em 02 de Julho de 2022.
d. A entrega das chaves, referida em 14., dos factos sumariamente provados ocorreu no dia 31 de Dezembro de 2023 a EE.
e. O requerido foi informado por EE, representante do requerente, que este último estaria em Portugal no mês de Janeiro de 2024 para começar obras e que precisava de uma chave para o empreiteiro ir ver o prédio.
f. A Requerida procedeu à retirada das grades interiores de segurança, em 08/01/2024, com a colaboração da EMP04..., de ..., e à retirada dos reclamos luminosos exteriores (em 12.01.2024), pela EMP05..., de ..., convencida que o requerente iria proceder às obras, para que não fossem aqueles danificados com a realização das mesmas.
g. No dia 16.1.2024, da parte da tarde, DD deslocou-se às instalações da EMP02... e procedeu à entrega de uma chave, para que o requerente pudesse deslocar-se ao espaço juntamente com o empreiteiro.
h. A Requerida continuou a possuir chaves do imóvel.
i. No dia 18.1.2024, EE ligou a CC, a pedido do requerente, a solicitar-lhe que retirasse também os móveis que estavam dentro da loja, para que quando o empreiteiro se deslocasse ao local visse o que era para fazer.
j. No dia 26.1.2024, da parte da manhã, o requerido quando se deparou com o requerente acompanhado pela mãe e por outra pessoa pensou que esta última se tratava de um empreiteiro.
k. Só posteriormente foi o requerido informado que se trataria de um potencial interessado na loja.
l. O requerido CC ao aperceber-se da presença do interessado GG no imóvel em causa nos autos disse ao Requerente que este não devia disponibilizar a loja a um concorrente.
m. Uma vez que o acordo reduzido a escrito mencionado no ponto 2 dos factos sumariamente provados ainda estava em vigor, e face à apresentação do espaço a outrem não restou outra alternativa à requerida que não fosse mudar a fechadura, na tarde desse dia.
n. Tendo informado deste facto o representante dos requerentes, EE, para que este informasse o requerente para que quando quisesse deslocar-se à loja o avisassem para abrir a porta.
o. No dia 27.01.2024, sábado, da parte da manhã, o requerente ligou ao requerido CC para ir abrir a porta, pois estava à porta da loja com o empreiteiro que iria realizar obras no imóvel.
p. O requerido CC dirigiu-se à loja e abriu a porta ao requerente.
q. O valor referido em 23 dos factos sumariamente provados era relativo ao pagamento do uso e fruição do imóvel em questão pela requerida relativamente mês de Fevereiro de 2024.
r. O montante referido em 26 dos factos sumariamente provados era relativo ao pagamento do uso e fruição do imóvel em questão pela requerida relativamente ao mês de Março de 2024.
s. O valor referido em 27 dos factos sumariamente provados era relativo ao pagamento do uso e fruição do imóvel em questão relativamente ao mês de Abril de 2024.
t. Após a transferência recebida em 27 dos factos sumariamente provados o requerido recebeu uma chamada telefónica do requerente a informá-lo que o pagamento não incluía o aumento comunicado em 29 Janeiro de 2024.
u. O requerido informou que efectuaria a regularização da diferença no pagamento da renda relativa ao mês de Maio, a realizar em Abril.
v. A missiva inserta no ponto 28 dos factos sumariamente provados só ocorreu perante a comunicação do aumento de renda e uma vez que as obras nunca mais começavam.
ww. O valor referido em 32 dos factos sumariamente provados era referente ao pagamento do uso e fruição do imóvel em questão pela requerida relativamente ao mês de Maio e ao correspondente ao valor em falta relativo ao mês anterior (Abril de 2024), conforme acordado com o requerente.
x. A Requerida manteve o pagamento da água e da luz do espaço em discussão, incluindo no ano corrente.
y. O requerente solicitou por si e por intermédio da imobiliária que o auxiliava a entrega das novas chaves ao segundo requerido, mas este não as entregou.
z. Ao longo dos anos, o requerido CC foi alertando verbalmente o requerente para a necessidade de realização de obras no edifício, pois existiam infiltrações que estavam a danificar as paredes, o tecto e a pintura, prejudicando a imagem da própria loja e afectando o giro comercial.
aa. As paredes tinham muita humidade o que fazia apodrecer o pladur.
bb. O lixo do piso de cima caía.
cc. O tecto falso apresentava manchas.
dd. Quando chovia, a água caía e escorria dentro da loja, o que danificava também o piso.
ee. O prédio encontrava-se degradado e com infiltrações, que deterioraram o espaço comercial ocupado pela Requerida.
ff. O requerente sempre prometeu que iria realizar as obras.
gg. A insistência para a realização de obras era tanta, que em 2021, o representante do requerente propôs que a requerida mudasse para uma loja sita na Rua ..., ..., rés-do-chão, em ..., para resolução definitiva do problema.
hh. A Requerida suspendeu a actividade na loja, em Outubro de 2022, porque a loja estava deteriorada, por falta de manutenção e da realização de obras de conservação do prédio.
ii. Sempre pagou atempadamente a contrapartida pelo uso e fruição do imóvel aqui em causa.
jj. Nunca a Requerida solicitou as chaves para limpar a loja ou tirar os móveis, pois sempre teve as chaves do imóvel em seu poder.
kk. Nenhuma chave foi entregue ao requerido.
ll. O imóvel precisa de obras de conservação que implicam uma reparação do telhado, da colocação de placa de betão no piso superior à loja, para que, no seguimento das mesmas possam ser feitas obras no interior da loja.
mm. Neste momento, a loja não apresenta condições para estar aberta ao público.
nn. Chove no interior do estabelecimento.
oo. O tecto do estabelecimento apresenta manchas de humidade e caem resíduos e pó do interior do mesmo
pp. Em função das infiltrações, existem problemas elétricos, designadamente curtos-circuitos e danificação das lâmpadas.
qq. O pladur das paredes está podre.
rr. O chão levantou e devido à chuva e infiltrações ficou manchado.
ss. Das paredes do estabelecimento emana grande humidade e cheiros.
tt. O imóvel necessita de obras, parte das quais já se encontravam descritas na data da celebração do contrato.
uu. O encerramento da loja deve-se ao estado degradado das paredes, tecto, chão, como resultado das infiltrações.
vv. Não é possível terminar com as infiltrações sem que se façam obras nos pisos superiores e no telhado.
ww. A Requerida tem um projecto elaborado em conjunto com o EMP06..., SA, desde Fevereiro de 2023, e, ainda, elaborou outras sinergias com outras empresas, para colocação e venda de produtos, em exclusividade, naquela loja comercial.
xx. A Requerida não entregou a loja, porque tinha um projecto elaborado em conjunto com o EMP06..., SA, para montagem de uma óptica inovadora no distrito ....
yy. Desde a data em que a Requerida encerrou o estabelecimento, o gerente da Requerida já foi abordado diversas vezes para subarrendar a loja, para abrir um take-away, uma loja de venda de produtos regionais e até um cartório notarial, tendo sempre recusado, pois aguarda a realização das obras para reabrir a loja.
zz. A Requerida manteve sempre o pagamento da água e da luz, incluindo no ano corrente, como se comprova dos documentos juntos”.
*
IV – Das invocadas nulidades da decisão recorrida

O art. 615º, nº 1, do Código de Processo Civil, aplicável aos despachos por virtude do remissivo art. 613.º, n.º 3 do mesmo diploma legal, rege que:

“É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”.

As nulidades da sentença são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual e encontram-se taxativamente previstos no normativo legal supra transcrito.
Os referidos vícios, designados como error in procedendo, respeitam unicamente à estrutura ou aos limites da sentença.
As nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito (cfr. a este respeito os acórdãos da Relação de Guimarães de 04/10/2018, relatora Eugénia Cunha e de 28/11/2024, consultáveis em www.dgsi.pt, tal como os que a seguir se referirão).
Adiantamos desde já que analisando os fundamentos invocados pelos recorrentes se verifica que o que está em substância em causa na invocação das ditas nulidades é o inconformismo dos apelantes quanto à decisão proferida e verdadeiramente não já quanto à existência de vícios da decisão recorrida.
Entendem em primeiro os apelantes que a decisão é nula nos termos do disposto no art. 615.º n.º 1 al. c) do Código de processo Civil, por haver contradição entre os factos dados como não provados nas als. b) e c) e o facto de na decisão recorrida, na motivação, se ter convocado a factualidade de abertura de nova loja com a mesma atividade pela recorrente, a fls. 18, último parágrafo (conclusão “F”).
A invocação desta nulidade decisória é, salvo o devido respeito, destituída de qualquer sentido, sendo totalmente inepta, não se percebendo onde está a contradição entre o facto de na decisão recorrida se ter dito que “Já no concernente aos pontos b. e c ., e pese embora a testemunha II aquando do seu depoimento sobre a retirada do mobiliário do espaço em questão (ponto 18 supra) tenha espontaneamente referido uma mudança de instalações da requerida, não foi produzida prova ainda que sumariamente de que tal efectivamente sucedeu (…).” e:
“b. Em Outubro de 2022 a requerida mudou o estabelecimento comercial de artigos de óptica pré-existente no prédio em causa nos autos para o prédio sito na Rua ..., ..., também em ....
c. O espaço comercial sito na Rua ..., ... ... é explorado pela empresa “EMP03... Unipessoal, Lda.” e foi aberto em 02 de Julho de 2022.”.
Naturalmente, que não se compreende, não explicando os recorrentes onde está a contradição, o que se explica pelo simples facto de inexistir, uma vez que pura e simplesmente não foram considerados os depoimentos em causa daí a matéria em apreço não ter obtido adesão probatória.
Quanto à suposta contradição entre os factos dados por indiciariamente provados nos itens 13 e 18, também não se vislumbra a mesma.
Conforme se referiu no despacho de 14/4/2025, em que o Tribunal a quo se pronunciou sobe as arguidas nulidades:
“Invoca o recorrente que o Tribunal incorreu numa nulidade por contradição insanável entre o facto 13 o facto 18 dos factos provados.

Vejamos.

Consta do ponto 13 o seguinte:
“Em finais de Dezembro de 2023 DD, a mando do Requerido CC, na qualidade de sócio gerente da Primeira Requerida, procedeu à entrega das chaves do imóvel referido em 2. na EMP02..., que agia na qualidade de representante dos Requerentes, com vista por fim ao acordo reduzido a escrito identificado em 2.”
E consta do ponto 18:
“Seguidamente, no dia 23.1.2024, o requerido retirou o mobiliário que estava na loja.”.
E invoca, assim, o recorrente que “Na verdade, dando por provado que as chaves teriam sido entregues em finais de Dezembro de 2023 (facto 13) e simultaneamente que em 22 de Janeiro de 2023 (facto 18 a contrario!) ainda existiriam bens móveis da requerida no interior do imóvel, nunca se pode concluir que, pela entrega das chaves, tenha tido lugar uma entrega do arrendado livre e devoluto de pessoas e bens.”
Acontece que, a nosso ver e salvo melhor opinião, inexiste qualquer contradição, pois que conforme se retira da leitura atenta (e não truncada) dos factos provados foi a pedido do Senhorio que o recorrente retirou do espaço o mobiliário que ali havia deixado, mas que constituiria material sem interesse, à semelhança do demais lixo deixado no imóvel pelo recorrente. Não raras vezes, como se sabe, são deixados imóveis sem que se encontrem os mesmos completamente vazios, mas antes com pertences que o inquilino pura e simplesmente não quis levar consigo, como aqui foi o caso.”.
Inexiste, pois, também aqui qualquer contradição, havendo, isso sim uma discordância quanto à forma como foi avaliada juridicamente a matéria em causa.
Sufragamos também o despacho de 14/4/2025 quando se diz que:
“Por sua vez “No concernente ao fito da entrega das chaves, concluiu o tribunal do teor do depoimento da testemunha EE, gerente da imobiliária, que agia como representante dos requerentes, ter sido o de pôr termo ao acordo existente entre as partes sobre o uso do imóvel, primeiramente porque tal nos foi referido por esta testemunha, de forma credível e o próprio requerente asseverou que tal lhe foi transmitido por aquele a quem, por sua vez, transmitiu que, anuiria, mas queria os valores de Fevereiro, Abril e Outubro de 2023 que, nessa data, se não encontravam pagos ao requerente (o que confere com as datas de pagamentos acima explanados).” também não vemos qualquer contradição, pelo contrário, pois o acordo de revogação concretizou-se entre as partes, exigindo o recorrente os meses que se encontravam em atraso até então, o que é por demais, natural e conforme às regras da experiência comum.”.”
Não, há, assim, aqui, qualquer contradição entre a fundamentação e a decisão da matéria de direito, existindo, isso sim, mais uma vez discordância quanto à solução jurídica que foi conferida à situação em apreço.
Quanto à carta que foi enviada em 29 de janeiro de 2024, que supostamente comprova a vigência do contrato de arrendamento, os recorrentes assentam numa premissa errónea, ou seja que tal carta fosse a assunção da vigência do contrato de arrendamento em causa, o que não consta da decisão recorrida, antes pelo contrário. Basta ler a decisão proferida.
Embora, sendo repetitivo, dir-se-á que se trata de mais uma discordância quanto à forma como foi decidida a causa e mais especificamente quanto à desconsideração de tal matéria na decisão recorrida, mas sobre a qual nos pronunciaremos adiante.
 Pelo exposto não ocorre, também, por esta via, a nulidade prevista nesta al. c) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil.
 Improcedem, assim, na íntegra as arguidas nulidades.
*
V –  Da impugnação da matéria de facto

Cabe aqui apreciar desde logo se o tribunal cometeu algum erro da apreciação da prova na decisão sobre a matéria de facto, conforme lhe é imputado pelos recorrentes, ou seja e na expressão legal, indagar sobre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (art. 640.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Civil).
Note-se que a reapreciação da matéria de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação dos depoimentos prestados em sede de audiência, não pode  por em crise o princípio da livre apreciação da prova com assento no art. 607.º, n.º5 do Código de Processo Civil, sendo que na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente impercetível na gravação/transcrição (cfr. neste sentido, Abrantes Geraldes in Temas de Processo Civil, II Vol., pág. 201).
O art. 607.º, n.º4, do Código de Processo Civil prevê expressamente a exigência de objetivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.
Conforme ressalta das suas conclusões, pretendem os apelantes que os itens 13, 14, 16, 17, 18 e 22 dos factos indiciariamente provados deveriam basicamente ser dados como não provados e os factos dados como indiciariamente como não provados nos itens g, h, q, r, s, u, v, ww, x, aa, bb, cc, dd, ee, ff, gg, hh, ii, jj, kk, ll, mm, nn, oo, pp, qq, rr, ss, tt, ww, xx e zz deixem de aí figurar para passarem a constar dos factos provados.
Por facilidade expositiva, transcreve-se a motivação da matéria de facto plasmada na sentença recorrida quanto à matéria que os recorrentes impugnam atinente à factualidade que foi dada por sumariamente provada e quanto à factualidade que foi dada sumariamente por não provada.  
“No concernente aos pontos exarados em 13 a 18 e 20 a 22 importa atentar no seguinte: o requerido CC e as testemunhas, DD, JJ, funcionárias da requerida, negaram estes factos. Por sua vez, o requerente e as testemunhas EE (gerente da EMP02...), GG, KK e LL (mãe do requerente) atestaram-nos pela positiva e atento o modo fluído, equidistante e colaborativo com que relataram os factos as Tribunal, mereceram da nossa parte credibilidade em detrimento daqueloutros. Com efeito, tal como consta do nosso despacho de atribuição provisória da posse, com base no depoimento da testemunha EE, considerou-se sumariamente provado que em Dezembro de 2023 o requerido havia entregue as chaves do imóvel aqui em questão e produzida a prova dos requeridos a nossa convicção mantém-se inalterada, pois que apesar de o requerido CC ter dito que entregou apenas uma chave na imobiliária e tal ter sido certificado pela testemunha JJ, que sabe tal facto por conversas no trabalho e sobretudo pela testemunha DD que referiu em Tribunal ter entregue apenas uma chave do imóvel em início de Janeiro correlacionando este acontecimento com a entrega de inventário das empresas, a verdade é que esta última (tida pela pessoa que procedeu em mão a essa entrega) em sede de acareação com a testemunha EE acabou por dizer que entregou “um par de chaves”, o que remediou, sem sucesso, a interpelação do Tribunal no sentido de que uma seria das grades da porta. Esta testemunha revelou-se em acareação inconsistente e hesitante. Afigura-se-nos, ainda, estranho correlacionar a entrega das chaves com a necessidade de apresentação do inventario da sociedade, uma vez que o estabelecimento comercial em causa se encontrava encerrado desde Outubro de 2022 (o que é aceite por ambas as partes) e tal inventário sempre teria tido lugar, no máximo até Janeiros de 2023. Mas ainda acresce a circunstância de inexistir à data de Janeiro de 2024 qualquer produto ou mercadorias de stock daquele estabelecimento, posto que decorreu das declarações de ambas as partes e da testemunha EE que no local apenas se encontrava mobiliário de exposição, que não se mostra abarcado por aquela obrigação de inventariação (não se trata de produtos de stock). Mas mais, foi a única a estabelecer esta ligação, uma vez que o próprio requerido diz que a entrega das chaves se deu a pedido de EE por mor da data de chegada do requerente no mês de Janeiro de 2024 (o que como se verá infra esta testemunha nega).
Assim sendo, concluiu o Tribunal que as chaves, tal como referido pelo requerente AA e pelas testemunhas EE e KK ocorreu em Dezembro de 2023.
No tangente ao número de chaves entregues desde já se adianta que o requerido CC e a testemunha DD não colheram a nossa confiança. Desde logo, conforme supra referido aquela acaba por ser titubeante no seu depoimento quanto ao número de chaves entregue. Depois, não há coincidência quanto ao número de chaves existentes: CC refere a existência de três chaves, mas do depoimento das testemunhas EE, KK e LL e do próprio requerente sobressai unidireccionalmente a ideia da existência de duas chaves – as quais foram, então, entregues na imobiliária.
No concernente ao fito da entrega das chaves, concluiu o tribunal do teor do depoimento da testemunha EE, gerente da imobiliária, que agia como representante dos requerentes, ter sido o de pôr termo ao acordo existente entre as partes sobre o uso do imóvel, primeiramente porque tal nos foi referido por esta testemunha, de forma credível e o próprio requerente asseverou que tal lhe foi transmitido por aquele a quem, por sua vez, transmitiu que, anuiria, mas queria os valores de Fevereiro, Abril e Outubro de 2023 que, nessa data, se não encontravam pagos ao requerente (o que confere com as datas de pagamentos acima explanados).
Por outro lado, emergiu do depoimento da testemunha EE que apesar de a entrega das chaves ter acontecido para selar o fim do acordo existente entre as partes sobre o imóvel em questão (conforme asseverou com segurança e coerência, quer aquando do seu depoimento, quer em sede de acareação) que não procedeu à elaboração de um termo de entrega do imóvel por considerar que o proprietário, vindo em Janeiro, assumiria essa responsabilidade após vistoria do imóvel, conforme ademais sucedeu, pois note-se que o próprio requerido admite ter estado no imóvel com o requerente e EE, em Janeiro de 2024.
No sentido de que a entrega das chaves pelo requerido teve o propósito de por termo ao acordo até então vigente entre as partes e tal foi aceite pelo requerente teve-se ainda em consideração o facto de ter sido diligenciada, de imediato, a procura de um novo interessado para exploração comercial do espaço, o que é evidente com a presença de GG no imóvel com interesse na sua exploração para comércio. Mas mais, se, como defendeu o requerido, o requerente pretendia desocupar a loja para nela realizar obras estruturais e até tinha o requerido que lhe pagava pelo espaço sem o usar efectivamente, porque motivo diligenciaria o requerido por um novo interessado no espaço? Nenhum… Mas neste segmento atentou ainda o Tribunal no seguinte: a testemunha GG, que se mostrou credível ao Tribunal, manifestando sinceridade e coerência, afirmou que no dia em que (pela segunda vez) se encontrava a visitar o imóvel apareceu o requerido e que lhe foi solicitado pelo requerente para aquele (o requerido) se retirar do interior do imóvel e aguardar no exterior, pois encontrava-se a realizar um contrato, e que tal foi acatado pelo requerido. Tal situação foi igualmente referenciada pelo requerente nas suas declarações, nas quais ademais atestou que mencionou ao requerido CC que estava a tratar de “um contrato”. Assim sendo, mesmo que o requerido tenha apresentado uma versão diferente, no fundo, que por cortesia se retirou da loja e aguardou no exterior, pensando que a testemunha GG se tratava de um empreiteiro, tal versão não colheu, pois não é sufragado pelas regras da experiência comum e da normalidade do acontece, pelo contrário acontece que estando a loja sob o seu domínio de facto e ao abrigo de um acordo em vigor dela se retirasse por imposição de outrem. Ademais, ao contrário do que asseverou ao tribunal, o requerente bem conhecia a testemunha GG e sabia que este era seu comercial directo, pois (conforme referiu GG) já se conheciam pessoalmente de uma situação anterior em que o requerido foi designado para elaborar um relatório de uma óptica propriedade daquela testemunha (sendo que tal situação não decorreu com normalidade). Aqui chegados importa concluir que ao contrário do afirmado pelo requerido, este bem sabia quem era a testemunha GG quando a viu dentro da loja no dia 26.1.2024 e foi o facto de não pretender que este se fixasse no imóvel a uma distância de 100 ou 200 metros de um outro seu estabelecimento que o motivou a trocar as fechaduras (o que o requerido confirmou) para obstar à situação que viu em curso, isto é de possibilidade de.
Com efeito, concatenando a prova e tendo por base as declarações do requerente e das testemunhas EE e GG, que como se disse se tiveram por credíveis, extraiu-se que efectivamente o requerente entregou ao requerido uma das chaves do imóvel para que o mesmo o limpasse e retirasse o seu mobiliário (o que o requerido fez, como confirmou ao tribunal) com o fito de por novamente o mesmo no giro comercial.

Factos sumariamente não provados

O ponto a. deu-se como incomprovado porquanto quer o requerido, CC, quer a testemunha JJ afirmaram expressamente que o Requerente em 2019 realizou obras “em cima”, aludindo à parte superior do prédio.
Já no concernente aos pontos b. e c., e pese embora a testemunha II aquando do seu depoimento sobre a retirada do mobiliário do espaço em questão (ponto 18 supra) tenha espontaneamente referido uma mudança de instalações da requerida, não foi produzida prova ainda que sumariamente de que tal efectivamente sucedeu. Mais sucede e já no que respeita ao ponto c. igualmente se não produziu prova suficiente da verificação do mesmo pela positiva, sendo pouco relevante para este efeito saber quem é que de direito explora o estabelecimento comercial, mas antes mostrar-se estabelecida a correspondência entre o complexo organizado de bens ou serviços existente no espaço em questão e aquele que labora na apontada Rua ....
Nenhuma prova se fez quanto ao descrito em d.
Relativamente aos pontos e., f., i.a testemunha EE desmente o requerido, tendo sido evidente da acareação feita entre ambos que o primeiro se apresentou comprometido com a verdade ontológica dos acontecimentos ao contrário do segundo.
A motivação referente aos pontos g. e h. prende-se com o constante da explanação feita a propósito dos pontos 13 e 14 supra dos factos sumariamente provados, foram entregues as chaves do espaço com vista a por termo ao acordo de utilização do espaço até então vigente entre as partes.
O exarado no ponto i. teve-se como incomprovado pois não foram prometidas quaisquer obras no espaço disponibilizado à requerente, tal foi contrariado pelo requerente, pela testemunha EE e pese embora a testemunha JJ tenha mencionado existirem conversas entre o requerente e o requerido a tal respeito não foi convincente nesse sentido, conquanto rematou dizendo que essas conversas não eram directamente consigo, não sabendo pormenorizá-las.
Porque estamos convencidas que o requerido faltou à verdade quando referiu desconhecer GG pelo que supra se disse e porque é muito plausível que os operadores do comércio de determinado sector se conheçam todos num distrito pequeno como o de ... (e no caso assim se comprovou) deu-se verificado pela negativa os pontos j. e k.
Não se fez qualquer prova quanto ao indicado em l.
Quanto ao exarado em m. deflui do já sobredito que o requerido entregou as chaves do espaço com vista a fazer cessar o acordo entre as partese nem se diga que tal acordo estava vigente porquanto não se vislumbra motivo para que o requerido continuasse a pagar os valores mensais ao requerente, uma vez que decorre das regras da experiência comum que tendo o requerido aberto uma loja com a mesma actividade comercial, ainda que, eventualmente, sob a égide de outra sociedade comercial, tal manutenção de pagamentos visou, conforme decorre da vida e dos usos comerciais, desabituar os clientes do espaço aqui em discussão e direccioná-los para a loja que dista a escassos 100 metros do local, bem como garantir que o espaço não era automaticamente sorvido por um concorrente comercial interessado em capitalizar a ideia já criada no público alvo da existência naquele espaço de uma loja de venda e prestação de serviços de óptica. E é aqui que entronca, a nosso ver, o móbil que espoleta o comportamento do requerido, o facto de saber que afinal aquele espaço comercial, pese embora a sua estratégia comercial, sempre poderia ser disponibilizado a um concorrente do mesmo ramo comercial.
Só o requerido atesta os pontos n., o. e p. não sendo os mesmos confirmados nem pelo requerente, nem por EE que em acareação com aquele denotaram maior coerência e consistência.
Os pontos q., r., s., t., u., w. foram catalogados como inverificados por terem sido refutados pelo requerido que os devolveu e não existir já qualquer acordo vinculativo entre as partes, tendo antes constituído uma tentativa do requerido recuperar o espaço, impedindo um concorrente de o ocupar.
Não se mostram demonstrados os pagamentos das facturas referentes aos serviços mencionados em x.
Nenhuma prova se fez quanto ao mencionado em y. tendo os requerentes antes optando pela via judicial, conforme referido pelo requerente.
Relativamente aos pontosv., z, aa. aii., ll. a vv. importa referir que para além da falta de credibilidade que nos incutiu o requerido, a par, aliás, das testemunhas DD e JJ, que não se verificou o mínimo de sustentabilidade quanto à necessidade de obras estruturalmente necessárias para a laboração da actividade da requerida. Ademais a própria testemunha JJ que foi na sua globalidade titubeante nesta matéria, referiu nunca terem deixado de ser prestado serviços por causa da necessidade de realização das alegadas obras. De resto, nem as fotografias juntas sob os documentos 12 a 30 juntas com a oposição, cuja data das mesmas se desconhece, denotam tal necessidade de realização de obras a cargo do requerente nos termos do acordo entre as partes firmado. A reforçar esta ideia vejam-se ainda as fotografias anexas ao auto da tomada de posse do imóvel (ref.ª ...91), quem em nada corroboram o invocado pelo requerente.
Importa ainda referir que nos termos do acordo reduzido a escrito os valores devidos pelo uso do imóvel pela requerida deveriam ser efetivados até ao oitavo dia útil do mês anterior a que respeitar e pelas datas contantes dos pagamentos juntos aos autos verifica-se que nem sempre assim sucedeu.
Quanto aos pontos jj. kk. dá-se por reproduzido supra atinente à entrega das chaves do imóvel.
No tangente ao apontado em ww. e xx. pese embora a testemunha MM tenha atestado a existência de negociações com o requerido, ficou o tribunal na dúvida quanto aos timings das mesmas e ao concreto local físico onde os mesmos eventualmente pudessem ser implementados.
O mesmo juízo se formulou quanto ao apontado em yy. ainda que a testemunha NN tenha manifestado ao requerido interesse no imóvel. Todavia, sublinhe-se que por este não foi avançada qualquer explicação para que o requerido tenha declinado a sua oferta.
Finalmente, não se demonstraram os pagamentos dos serviços mencionados em zz.
Assim se formou a convicção do tribunal acerca dos factos sumariamente provados e não provados.”.
*
Ouvidas na íntegra as declarações de parte, bem como todos os depoimentos das testemunhas inquiridas nos autos (incluindo as acareações), conjugando os mesmos com os documentos constantes dos autos, julga-se não ser de alterar a matéria de facto provada nem não provada, concordando-se integralmente com a motivação supra transcrita, pois que foi realizada de forma correta, criteriosa, podendo dizer-se estar muito bem fundamentada a valoração da prova produzida.
Chegamos, assim, à mesma conclusão do tribunal a quo.
De facto, as declarações do recorrente e das testemunhas arroladas pelos recorrentes, claramente comprometidas com a tese dos recorrentes, não mereceram nem merecem credibilidade, não tendo os seus depoimentos a virtualidade que se lhe quer atribuir para dar como não provada a matéria em causa.
Efetivamente, em primeiro lugar as declarações do requerido CC são absolutamente inconsistentes, hesitantes e claramente pensadas, mas, diga-se, mal pensadas. Desde logo, mostra-se destituído de qualquer sentido a asserção que a entrega das chaves foi feita para realizar obras, não sabendo sequer quais as obras que em concreto iriam ser realizadas. Mas mais, refere que depois de ter entregado as chaves para a realização das obras, mudou a fechadura da porta da entrada da loja porque viu o requerente na loja com um concorrente seu e não gostou (revelou uma enorme hesitação em admitir que conhecia a pessoa em causa), esquecendo assim a realização das putativas obras. Ou seja, entregou as chaves para a realização das obras, mas depois mudou a fechadura impedindo a realização das obras. Nada disto faz sentido, sendo para nós óbvio que não estavam programadas quaisquer obras, sendo que a mudança da fechadura visou tão só obstaculizar que o prédio fosse arrendado a um concorrente seu, como deu nota o requerente e a testemunha EE, que teve um depoimento absolutamente imaculado e que basicamente deu nota da factualidade em causa nos termos que se deram por sumariamente adquiridos. Em suma, a entrega das chaves para a realização das obras não corresponde à verdade, antes tendo sido entregues, como referiu a testemunha EE para por fim ao contrato de arrendamento de uma loja que já se encontrava encerrada.
 Acolhe-se, como dissemos, integralmente a motivação explanada na decisão recorrida, nada havendo a alterar neste conspecto.
O único ponto que se revela incoerente com esta situação fáctica reporta-se ao envio da carta por parte da EMP02..., assinada pelo requerente, em 29/1/2025, tendente ao aumento da renda do imóvel em questão, mas é algo que apenas podemos compreender como um lapso, como deu conta a testemunha EE e o próprio requerente, o que sufragamos, pois que, como vimos, a prova produzida foi inequívoca, no sentido de que as partes quiseram por fim ao contrato de arrendamento comercial que tinham celebrado.
 Quanto à factualidade que foi sumariamente dada por não provada, repetimos, também, que nos estribamos na motivação da decisão recorrida, sendo aliás que parte substancial desta matéria é apenas a versão oposta e incompatível com a matéria que logrou adesão de prova, valendo também aqui as considerações supra tecidas.
Assim sendo, forçoso é de concluir que os factos não provados aqui impugnados devem ser mantidos como não provados.
 De qualquer modo, ainda que subsistisse alguma dúvida residual quanto à possibilidade da matéria impugnada dever transitar para os factos provados (o que não sucede) sempre deveria ser prevalente a decisão proferida pelo Tribunal recorrido em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte (cfr. Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto”, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, pág. 609).
Assim sendo, improcede na íntegra a impugnação da matéria de facto.
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VI – Fundamentação de direito

Mostrando-se improcedente a impugnação da matéria de facto, incumbe verificar se a solução alcançada na decisão recorrida é de manter.
A pretendida alteração da decisão, na parte da matéria de direito, dependia essencialmente da alteração da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, o que se não sucedeu.
 Contudo, há dois concretos pontos do recurso da matéria de direito que não soçobram totalmente pela improcedência da pretendida alteração da matéria de facto e que se consubstanciam na visão de que não existe um acordo revogatório válido do contrato de arrendamento, pelo que este estaria em vigor e ainda que o esbulho não pode ser considerado violento.
Vejamos.
A restituição provisória de posse será decretada de acordo com o art. 377.º do Código de Processo Civil, desde que o requerente logre a prova sumária da posse sobre determinado bem, que tenha sido esbulhado e que tal tenha ocorrido com violência.
Efetivamente, estabelece o referido normativo que:
“No caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência.”.
Por seu turno, o art. 378.º refere que:
 “Se o juiz reconhecer, pelo exame das provas, que o requerente tinha a posse e foi esbulhado dela violentamente, ordena a restituição, sem citação nem audiência do esbulhador.”.
Em conformidade com tais normas adjetivas, estatui o art. 1277.º do Código Civil que:
“O possuidor que for perturbado ou esbulhado pode manter-se ou restituir-se por sua própria força e autoridade, nos termos do art. 336º, ou recorrer ao tribunal para que este lhe mantenha ou restitua a posse.”.
Neste périplo normativo, dispõe ainda o n.º 1 do normativo subsequente que:
“No caso de recorrer ao tribunal, o possuidor perturbado ou esbulhado será mantido ou restituído enquanto não for convencido na questão da titularidade do direito.”.
 Por fim, no que ora releva, temos ainda que o art. 1279.º do mesmo diploma substantivo rege que:
“O possuidor que for esbulhado com violência tem o direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador.”.
Exige, pois, a lei a verificação de uma triplicidade de requisitos para que seja decretado este procedimento cautelar: a posse, o esbulho e a violência do desapossamento.
 No caso vertente temos apurada indiciariamente uma posse causal alicerçada no direito de propriedade dos requerentes sobre o imóvel em causa, sendo que no uso desses poderes deram de arrendamento o imóvel em causa à sociedade requerida. Porém, o pomo da discórdia centra-se na existência ou não de contrato de arrendamento vigente à data em que o requerido trocou a fechadura do imóvel, pois que o arrendatário tem o gozo do imóvel, conforme que ressalta dos arts. 1022.º, 1031.º, al. b) e 1037.º, n.º 1 do Código Civil. O locatário é, assim possuidor precário ou em nome alheio, mais precisamente possuidor em nome do senhorio e proprietário, conforme resulta dos arts. 1252.º, n.º 1 e 1253.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Civil.
 Deste modo, os requerentes quer enquanto senhorios, proprietários, ou no que no presente caso importa, enquanto possuidores, não poderiam obter contra a requerida arrendatária a restituição da posse do imóvel, pois a requerida seria possuidora em nome dos requerentes senhorios, sendo que tal, e última análise, configuraria pedir a restituição da posse contra eles próprios.
Sublinhe-se, ademais, que o locatário pode usar, mesmo contra o locador, dos meios de defesa da posse, de acordo com o que gizam os arts. 1037.º, n.º 2 e 1276.º e seguintes do Código Civil. A restituição provisória da posse não é, pois, um meio substituto do despejo do locado (cfr., neste sentido a decisão Tribunal desta Relação, proferido nos presentes autos, em 19/7/2024 e o Acórdão da Relação de Lisboa de 7/2/2019 (relator Pedro Martins).
Cumpre então indagar da bondade da decisão recorrida que considerou que o contrato de arrendamento cessou por acordo das partes, por revogação.

Tal hipótese de cessação do contrato de arrendamento está contemplada no art. 1082.º do Código Civil que determina que:
“1 - As partes podem, a todo o tempo, revogar o contrato, mediante acordo a tanto dirigido.
2 - O acordo referido no número anterior é celebrado por escrito, quando não seja imediatamente executado ou quando contenha cláusulas compensatórias ou outras cláusulas acessórias.”.
 De acordo com o n.º 2 do transcrito normativo a revogação do arrendamento urbano está sujeita à forma escrita, sempre que o acordo não seja executado de imediato ou contenha cláusulas compensatórias ou quaisquer outras cláusulas acessórias. Sendo o acordo imediatamente executado, que corresponde à denominada revogação real do arrendamento, nem sequer se exige qualquer forma (cfr. neste sentido Luís Menezes Leitão, Arrendamento urbano, 8.ª ed., 2018, pág. 132).
 A entrega das chaves pelo inquilino ao senhorio, com imediata desocupação do local arrendado, sem qualquer outra convenção tem sido considerado como “revogação real” do contrato, relevando nestas circunstâncias o apelo às regras de experiência comum, aos juízos correntes de probabilidade, em termos de normalidade de vida e do senso comum (cfr. neste sentido o Acórdão da Relação do Porto de 24/05/2021, relatora Ana Paula Amorim).
Ficou provado que em outubro de 2022, a primeira Requerida deixou de exercer qualquer atividade no local e em finais de dezembro de 2023 o segundo requerido, na qualidade de sócio gerente da primeira requerida, procedeu, por interposta pessoa, à entrega das chaves do imóvel, pondo fim ao contrato de arrendamento e que face a essa entrega das chaves, os requerentes, bem como o legal representante da EMP02... iniciaram a procura de um novo inquilino para o local.
Da entrega das chaves do locado pelo arrendatário ao senhorio, que foi aceite, extrai-se que existiu um acordo revogatório.
Essa aceitação da revogação do contrato por parte do senhorio na sequência da entrega das chaves infere-se também de ter quedado assente terem os requerentes por si e através da EMP02... iniciado diligências tendentes à procura de novo inquilino para o local.
A tal conclusão não obsta obviamente terem os senhorios recebido três rendas em atraso após a entrega das chaves, em janeiro de 2024, nem tal constitui qualquer compensação que obrigasse à redução do distrate a escrito, nos termos do transcrito art. 1082.º, n.º 2 do Código Civil. Como a tal não se opõe o facto de o arrendado não ter de imediato retirado o mobiliário que estava no arrendado, como devia ter sido feito, apenas o tendo feito quando  foi exigido que o imóvel fosse entregue limpo, tendo sido entregue para esse efeito a chave do imóvel ao requerido.
De todo o modo, como ficou assente a intenção da requerida e do seu sócio gerente, o requerido, foi por termo ao contrato de arrendamento com a entrega das chaves, pelo que se não existisse a apontada revogação, teria existido uma denúncia imediata do contrato de arrendamento, sem observância da antecedência da comunicação nos termos em que o prevê o art. 1098.º, n.º 3 al. a), sendo que de acordo com n.º 6 deste normativo, aqui aplicável por virtude do remissivo art. 1110.º, n.º 1, todos do Código Civil:
“A inobservância da antecedência prevista nos números anteriores não obsta à cessação do contrato, mas obriga ao pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta, exceto se resultar de desemprego involuntário, incapacidade permanente para o trabalho ou morte do arrendatário ou de pessoa que com este viva em economia comum há mais de um ano.”.
Em suma, ainda que não tivesse havido acordo das partes para a cessação do contrato de arrendamento, teríamos que a atuação da requerida, configuraria uma denúncia do contrato de arrendamento com efeitos imediatos, ou seja com efeitos a partir da entrega das chaves do arrendado.
Improcede, pois, esta primeira linha argumentativa dos recorrentes, no que à aplicação do direito concerne.
 Analisemos agora a argumentação esgrimida pelos recorrentes o sentido de que o esbulho não poderia ser qualificado como violento, por, se bem entendemos, a violência sobre o imóvel consubstanciado na troca da fechadura não ter de qualquer modo coagido os requerentes.
A questão que há muito divide a doutrina e a jurisprudência consiste em saber se a violência tem de ser exercida diretamente sobre a pessoa do possuidor (mediante um constrangimento físico ou moral), não se configurando a violência se a pessoa desapossada não estiver presente ou se, diversamente, basta a violência exercida sobre a coisa designadamente quando esta esteja ligada de algum modo à pessoa do esbulhado.
Refere Abrantes Geraldes, em Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume, 3.ª edição, 2006, pág. 47, usando argumento estribado no confronto interpretativo dos artigos 1261.º e 255.º do Código Civil, que perfilhamos, que:
“Não definindo a lei o conceito de esbulho violento quando estabelece o elenco dos pressupostos da restituição provisória, não restam dúvidas quanto à necessidade de procurar no instituto da posse a norma que permita colmatar essa falha. Neste sentido, sendo o esbulho uma das formas através das quais se pode adquirir a posse, a sua qualificação como violento deve ser o resultado da aplicação do art. 1261.º do CC, com o que somos transportados, por expressa vontade do legislador, para o disposto no art. 255.º do CC, norma que integra na actuação violenta tanto aquela que se dirige directamente à pessoa do declaratário (leia-se, do possuidor), como a que é feita através do ataque aos seus bens.”.
No mesmo sentido se orientam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, em Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 4.ª edição, págs. 93 e 94, quando dizem que:
“A coisa não deve ser vista como um obstáculo à apropriação do esbulhador até ao momento em que ele atua, mas como um obstáculo à atuação do possuidor a partir do momento da atuação do esbulhador. É, pois, violento todo o esbulho que impede o esbulhado de contactar com a coisa possuída, em consequência dos meios usados pelo esbulhador.”.
  Acompanhando o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/9/2022 (relator Joaquim Moura), pode dizer-se que até ao final do século passado, na jurisprudência prevaleceu o entendimento segundo o qual a violência exercida sobre as coisas só caracterizaria o esbulho como violento se o esbulhador pretender intimidar, direta ou indiretamente, o possuidor. Não teriam essa virtualidade os atos de destruição ou de danificação desprovidos de qualquer intuito coativo ou de condicionar, de alguma forma, o possuidor, propósito que só se revelaria estando o visado presente no momento do esbulho. A partir do início deste século, ocorre uma mudança da jurisprudência no sentido do alargamento do conceito de esbulho violento hoje é dominante o entendimento de que, para esse efeito, é suficiente que do esbulho resulte um obstáculo à continuidade do exercício da posse, que a violência exercida sobre as coisas seja meio adequado de constranger uma pessoa a suportar uma situação contra a sua vontade.
A jurisprudência tem vindo efetivamente a entender que a constituição de um obstáculo físico que impede ao possuidor o acesso ao objeto da sua posse, e, consequentemente, inviabiliza a sua fruição, se traduz no requisito da violência exigido no n.º 1 do artigo 377º do Código de Processo Civil (cfr. neste sentido v.g. o Acórdão da Relação de Guimarães, de 2/5/2024, relatora Anizabel Pereira).
Nesta perspetiva, o arrombamento e subsequente mudança de fechadura ou mesmo só a mudança de fechadura da porta de acesso a um imóvel, mesmo na ausência do possuidor, constitui esbulho violento.
Assim, em síntese, em função do que entendemos por esbulho violento há que considerar que o conceito em causa se encontra preenchido com a conduta dos requeridos, na medida em que, com a sua conduta criaram um obstáculo físico que impede os requerentes (possuidores) de aceder ao imóvel objeto da sua posse.
Assim, no circunstancialismo descrito é de concluir que os requerentes alegaram e provaram factualidade integradora de esbulho violento para efeitos dos arts. 1279.º do Código Civil e 377.º do Código de Processo Civil, assim se preenchendo o requisito da violência, o que justifica o decretamento da restituição provisória de posse, como bem se decidiu em primeira instância.
Improcede, pois, o recurso.
As custas serão suportadas pelos apelantes, uma vez que ficaram vencidos (art. 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).
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VII - Decisão

Nestes termos, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
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Guimarães, 18/6/2025

Relator: Luís Miguel Martins
Primeira Adjunta: Paula Ribas
Segunda Adjunta: Elisabete Coelho de Moura Alves