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RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRA CONTRATUAL
INDEMNIZAÇÃO
DANO PATRIMONIAL FUTURO
DANO MORTE
EQUIDADE
Sumário
- A modificação da decisão da matéria de facto produzida em primeira instância pode consistir na sua ampliação, caso se considere que essa é indispensável a um enquadramento jurídico diverso do suposto pelo Tribunal a quo; - A expectativa média de vida do lesado deve preferir à sua provável idade activa na fixação de indemnização por dano futuro; - Em inviável modificar a decisão em desfavor do Recorrente; - Não são cumuláveis o recebimento de uma pensão de sobrevivência e o recebimento de indemnização pelo dano patrimonial constituído pela perda dos rendimentos que a vítima proporcionava à companheira sobreviva; - A responsabilidade do Fundo de Garantia Automóvel é subsidiária em relação à do sistema de segurança social, só garantindo a reparação dos danos na parte em que estes ultrapassem as prestações devidas por esse sistema; - O juízo de equidade das instâncias, deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida - se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade; - Nesse conspecto, tendo em conta o circunstancialismo provado, considera-se ajustada a indemnização de 80000 euros para compensar o dano vida de uma vítima com 58 anos de idade.
Texto Integral
ACORDAM OS JUÍZES NA 3ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
1. RELATÓRIO
AA e BB vieram propor contra CC, DD e Fundo de Garantia Automóvel a presente acção declarativa de condenação, peticionando que os Réus sejam condenados a pagar, solidariamente, às Autoras, a quantia global líquida de € 493085,00, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a citação até integral pagamento.
Regularmente citados, contestaram os Réus.
O Fundo de Garantia Automóvel excepcionando a ilegitimidade das Autoras por violação do litisconsórcio necessário (ausência na lide do sucessor do falecido, EE), imputando a responsabilidade do embate ao falecido e impugnando os factos alegados pelas Autoras.
O Réu CC por impugnação e imputando a responsabilidade do embate ao falecido.
O Réu DD excepcionando a sua ilegitimidade (substantiva) e por impugnação.
O Instituto da Segurança Social, IP – Centro Nacional de Pensões deduziu pedido de reembolso, peticionando a quantia global de € 7.415,92, alegando o pagamento à Autora AA de pensões de sobrevivência e de subsídio por morte.
Em resposta, o Fundo de Garantia Automóvel invocou a sua ilegitimidade relativamente ao pedido deduzido pelo Instituto de Segurança Social, IP.
Requerida a intervenção principal de FF, foi a mesma admitida, ocupando o Chamado a posição passiva da lide, como associado dos Réus.
Em sede de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no qual se julgou procedente, por verificada, a excepção de ilegitimidade passiva do Réu Fundo relativamente ao pedido de reembolso deduzido pelo Instituto de Segurança Social, IP, absolvendo-se aquele do pedido deduzido, se definiu o objecto do processo e se procedeu à selecção dos temas de prova.
O Instituto da Segurança Social, IP, ampliou o pedido de reembolso deduzido.
A final foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Em face do exposto, julgo a acção proposta por AA e BB contra CC, DD e Fundo de Garantia Automóvel, em que é Interveniente, como associado dos Réus, FF, parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente condeno os Réus CC e Fundo de Garantia Automóvel a pagarem solidariamente: • Às Autoras a quantia de € 95.166,50, acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde a citação até efectivo e integral pagamento; • À Autora AA a quantia de € 92.271,08, acrescida de juros de mora contados desde a citação até efectivo e integral pagamento. Julgo o pedido de reembolso deduzido pelo Instituto da Segurança Social, IP, parcialmente procedente, por parcialmente provado, e, consequentemente, condeno o Réu, CC, a pagar ao peticionante a quantia de € 8.742,68. Absolvo o Réu, DD, e o Interveniente, FF, de todos os pedidos contra si deduzidos.
Custas na proporção do decaimento.”
Inconformado com esta decisão, o Fundo de Garantia Automóvel (FGA) recorreu, formulando as seguintes Conclusões […]
1. Com todo o respeito pela douta sentença ora proferida, entendemos que a mesma deve ser modificada no que concerne aos valores fixados relativamente ao dano patrimonial futuro, designadamente a perda de rendimento da Autora AA, bem como, ao direito à vida. 2. No que se refere ao ponto xx dos factos provados entendemos que para melhor clarificação dos autos merece o mesmo ter uma outra redacção. 3. Pois tal como resulta da ampliação do pedido apresentada pelo instituto da segurança social e dos documentos carreados para os autos por este em 13.03.2023, a autora AA aufere uma pensão de sobrevivência no valor mensal de 343,88 €. 4. Assim, por força desta informação, o ponto xx deve ter a seguinte redacção: “O Instituto da Segurança Social, I.P., através do Centro Nacional de Pensões, entregou a AA, a título de pensões de sobrevivência, relativas ao período de Setembro de 2021 a Novembro de 2024, a quantia de € 14.579,35. Sendo que, a autora AA aufere mensalmente a pensão de sobrevivência de 343,88 €.”, o que se requer. 5. O valor fixado a título de perda de rendimento pela Autora AA de 165.765,60 € mostra-se, salvo o devido respeito, manifestamente exagerado e desconforme aos parâmetros da jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores. 6. O valor referido não tomou em linha de conta elementos determinantes e por essa razão resultou no valor referido. 7. Entendemos que, deverá ser considerado o período temporal de 8 (oito) anos e não de 22 naos, tendo por referência o período de vida activa do falecido, assim como, a sua idade de 58 anos à data do acidente. 8. Ainda, o Tribunal a quo, não levou em linha de conta, o montante que a vítima gastaria consigo própria, o que consideramos, atendendo a jurisprudência, o valor de 1/3 no mínimo. 9. Ainda, o montante de 343,88 € auferido mensalmente pela autora AA a título de pensão de sobrevivência não foi levado em linha de conta para efeitos de cálculo da privação dos alimentos. 10. O que, deveria ter-se verificado pois consubstancia um enriquecimento sem causa. Na medida em que, a pensão em causa apenas foi atribuída a autora AA por força do falecimento do seu companheiro. 11. Ademais, face a prestação social recebida e tendo presente a limitação do artigo 51.º do DL 291/2007 aplicável ao FGA, este apenas pode garantir aquilo que ultrapasse as indemnizações que são devidas pelo sistema de protecação social. Verificando-se dessa forma, uma relação de complementaridade. 12. Tal limitação vem reforçar a inevitável consideração da pensão auferida no montante a fixar a título de perda de rendimento. 13. Ademais, em razão do pagamento se verificar de uma só vez, a redução deveria traduzir-se no mínimo em ¼ pelo beneficio do pagamento antecipado e não em apenas 10 % como constante da sentença proferida. 14. Por tudo isto, entendemos que a título de dano patrimonial futuro pela perda de rendimento da Autora AA mostra-se ajustado o valor de 50.000,00 € (cinquenta mil euros), considerando a graduação de culpas, irá traduzir-se no montante de 27.500,00 €. 15. No que se refere a perda do direito à vida, e não obstante não se olvidar a manifesta incapacidade de compensar a perda deste direito, entendemos que o valor de € 100.000,00 (cem mil euros) fixado na douta sentença recorrida é manifestamente excessivo. 16. Face a jurisprudência que tem vindo a ser proferida quanto a perda do direito à vida, verifica-se que o valor de 100.000,00 € (cem mil euros) só se aplica em situações cujas circunstâncias concretas são substancialmente diferentes da do presente caso. Desde logo, a idade da vítima à data do acidente (muito inferior a idade da vítima mortal dos presentes autos de 58 anos), a inexistência de contribuição para o dano verificado por parte da vítima e a esperança média de vida da mesma. 17. Embebidos dos montantes praticados nos nossos tribunais superiores e para efeitos de maior harmonia, importa aqui referir os elementos pertinentes: (i) O autor tinha à data do acidente 58 anos de idade; (ii) O autor não tinha filhos menores, tinha dois filhos maiores;(iii)Tinha uma vida estabilizada, pessoal e profissionalmente; 18. Assim, tendo em conta tal quadro, e a função de compensação especialmente desempenhada pela indemnização pelo direito à vida, afigura-se adequado o montante nunca superior a € 80.000,00 (oitenta mil euros). Sendo que, tendo presente a competente graduação de culpas, o montante a determinar a este título jamais poderá ser superior a 44.000,00 € (quarenta e quatro mil euros). Sem conceder, 19. Somos de parecer que a sentença proferida incorre em manifesto lapso de escrita/cálculo, o qual e para o caso de improceder o recurso ora apresentado, deverá ser devidamente corrigido. 20. O tribunal a quo determinou em 55 % a graduação de culpas para o primeiro Réu. 21. Atendendo ao valor fixado a título de perda de rendimento pela Autora AA – 165.765,60 € - e considerando a graduação de culpas referida, o valor indemnizatório atribuído a esta é de 91.171,08 € e não de 92.271,08 € conforme se encontra consignado na sentença. 22. Pelo que, em caso de improceder o recurso apresentado, desde já se requer, a rectificação do montante constante na sentença a atribuir a Autora AA para o valor de 91.171,08 €. 23. E de igual modo, a rectificação em causa deverá ocorrer no dispositivo da sentença proferida. Passando a ler-se na mesma: “À Autora AA a quantia de € 91.171,08, acrescida de juros de mora contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.” 24. O Tribunal recorrido, ao decidir como decidiu, violou o preceituado nos artigos os artigos 496.º, 562.º, 564.º, 566.º, n.3 e 495.º, n.º3, todos do Código Civil e 51.º do Dec. Lei 291/2007, de 21/8. Termos em que, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, nos termos acima peticionados e, consequentemente, ser revogada a sentença recorrida de acordo com o recurso ora apresentado.
As Recorridas responderam ao recurso, culminando as suas alegações com pedido da sua improcedência. 2. QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.1 Esta limitação objectiva da actividade do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas2 que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.3
As questões enunciadas pelo/a(s) recorrente(s) podem sintetizar-se da seguinte forma:
- Erro de julgamento da matéria facto do ponto XX.;
- Valor da indemnização por perda de rendimentos da Autora AA;
- Valor da indemnização pelo direito à vida perdido;
- Subsidiariamente, lapso de escrita do valor fixado para a indemnização da Autora AA a título de perda de rendimentos.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO JULGADA
Nos termos do Artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, «Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
Descendo ao caso. A Apelante sindica a decisão do item XX. dos factos provados. Entende que deve ter a redacção proposta no item 4. das suas conclusões, tendo em conta os documentos juntos pelo I.S.S. em 13.3.2023. As Recorridas alegam que essa modificação, embora substancialmente sustentada na prova documental que indica, é inútil, tendo conta que consideram irrelevante esse dado para a fixação da indemnização questionada pela Recorrente. Nesse sentido, começa a Recorrente por afirmar que devia ter sido considerada provado o afirmado na al. f), das suas conclusões, supratranscritas. Ora, de acordo com o disposto no art. 662º, do C.P.C., e para o que aqui releva, está estipulado que: 1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. 2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: (…) c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; (…). Assim, o tribunal da Relação nas situações previstas no art. 662.º, n.º 2, al. c), do CPC, pode e deve substituir-se ao tribunal de 1.ª instância, desde que disponha de todos os elementos probatórios necessários ao suprimento dos vícios, alterando a decisão de facto, mesmo sem ter havido impugnação da mesma – ou seja, o art. 662.º do CPC confere à Relação o poder – rectius o poder-dever – de reapreciar e, por conseguinte, de alterar o teor, eliminar ou aditar pontos à decisão sobre a matéria de facto, independentemente da iniciativa das partes.4 Neste ponto estabelece-se que a modificação da decisão da matéria de facto produzida em primeira instância pode consistir na sua ampliação, caso se considere que essa é indispensável. Essa essencialidade, conforme explica Abrantes Geraldes5, importa que os pretensos factos fundamentais à boa decisão da causa que se pretendam aditar têm necessariamente que assegurar um enquadramento jurídico diverso do suposto pelo Tribunal a quo. Estes factos essenciais correspondem ao “núcleo fáctico essencial tipicamente previsto por uma ou mais normas como causa do efeito material de direito pretendido pelo autor, na petição inicial, ou pelo réu, através da invocação da excepção”6. Dito isto, tendo sido dado cumprimento do disposto no art. 640º, nº 1, do C.P.C., esta pretensão do Recorrente é, julgamos, pertinente, para se aquilatar do correcto julgamento da causa, de acordo com as várias soluções para a mesma e independe mente de as Recorridas, em tese e/ou na sua opinião, considerarem que não é útil. Neste conspecto, determina-se que, tendo em conta o teor da certidão junta pelo ISS com o seu requerimento de 18.11.2024, o item XX. passe a ter a seguinte redacção: xx) O Instituto da Segurança Social, I.P., através do Centro Nacional de Pensões, entregou a AA, a título de pensões de sobrevivência, relativas ao período de Setembro de 2021 a Novembro de 2024, a quantia de € 14.579,35, sendo que nesse mesmo de Novembro o valor mensal da referida pensão era de 343,88 euros. Procede, nesta medida, a impugnação do Recorrente.
3.2. FACTOS A CONSIDERAR
I) Factos provados.
a) No dia 8 de Agosto de 2021, pelas 15H55, DD conduzia o motociclo, sua propriedade, de marca ..., modelo ..., de matrícula ..-HQ-.. pela Estrada ..., na freguesia ..., concelho ..., no sentido ...;
b) O indicado DD circulava a uma velocidade aproximada de pelo menos 87 km por hora;
c) À frente do HQ, pela mesma via de trânsito, no mesmo sentido, ou seja, ... e nas mesmas circunstâncias de tempo, circulava, junto à berma do lado direito, o ciclomotor, sem matrícula, marca ..., modelo ..., conduzido pelo 1º Réu, CC;
d) Sem título que o habilitasse a conduzir;
e) Quando se encontrava a aproximar-se do ciclomotor e a cerca de 50 metros do entroncamento com a Rua ... e ..., o condutor do motociclo HQ, DD, pretendendo ultrapassar aquele veículo accionou o sinal indicativo de ultrapassagem, pisca – pisca do lado esquerdo;
f) E, a partir daí, passou a circular próximo do eixo da via mas ainda dentro da metade direita da faixa de rodagem, tomando como referência o seu sentido de marcha;
g) Quando o condutor do motociclo de matrícula ..-HQ-.., se encontrava em plena manobra de ultrapassagem ao ciclomotor conduzido pelo 1º Réu, o condutor deste veículo, CC, guinou, de forma repentina, para a esquerda, atento o seu sentido de marcha, rumo à Rua ... e ..., por onde pretendia seguir e passar a circular;
h) Antes de efectuar aquela manobra, o condutor do ciclomotor não accionou o sinal de mudança de direcção à esquerda (pisca – pisca do lado esquerdo), nem fez qualquer sinal com o braço;
i) Em consequência da manobra efectuada pelo 1º Réu, o ciclomotor por si conduzido embateu com a sua parte lateral esquerda na parte lateral dianteira direita do motociclo HQ;
j) Embate que provocou, num primeiro momento, que o ciclomotor tombasse para o seu lado direito e o motociclo tombasse para o seu lado esquerdo;
k) E, num segundo momento, que este tivesse sido projectado, em arrastamento, sobre o pavimento da via, passando a deslizar, dessa forma, sobre o pavimento e de forma oblíqua em direcção à berma situada do lado esquerdo daquela estrada, tomando como referência o sentido de marcha de ambos os veículos, até colidir com um sinal vertical em cimento, partindo-o;
l) Tendo o condutor do HQ sido, também em consequência daquele embate, deslizado sobre a via até embater com o seu corpo contra um muro situado à esquerda da via por onde seguia, atento o seu referido sentido de marcha e, de seguida, projectado para a faixa de rodagem, onde ficou prostrado na metade esquerda, atento o referido sentido de marcha;
m) Em consequência de tais embates, DD sofreu lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas, vertebro-medulares e tóracico-abdominais que lhe provocaram a morte;
n) No mencionado local, o traçado é rectilíneo, configurando uma recta com 1.300 metros de comprimento, marginada por edificações, o trânsito processa-se em ambos os sentidos de marcha, separados pela marca longitudinal M2 - linha descontínua -, a faixa de rodagem tem uma largura de 5,780m e é composta por duas vias, com 2,90m cada uma, ladeadas por bermas;
o) No local onde ocorreu o embate, a velocidade máxima permitida é de 40km/h para ciclomotores e de 50km/h para os motociclos;
p) O pavimento é do tipo betuminoso, encontrava-se em bom estado de conservação, sendo que àquela hora havia boa visibilidade, o estado do tempo estava bom, não chovia, nem havia condições climatéricas adversas para a circulação de veículos;
q) Imediatamente antes da área do entroncamento referido em e), atento o sentido de marcha ..., existem barras longitudinais paralelas ao eixo da via, alternadas por intervalos regulares, indicando o local por onde os peões devem efectuar o atravessamento da faixa de rodagem;
r) Antes da indicada passagem para peões, atento o referido sentido de marcha, existem pares de bandas cromáticas em linhas transversais contínuas pintadas no pavimento, com espaçamentos degressivos;
s) O ciclomotor, sem matrícula, marca ..., modelo ..., referido em c) tinha sido adquirido pelo Réu, DD, no ano de 2000, tendo o mesmo sido oferecido ao seu filho, o Interveniente FF;
t) Que o utilizou até cerca do ano de 2012, altura em que o mesmo foi arrumado na garagem do pai e deixou de ser utilizado;
u) O referido ciclomotor teve registo anterior de matrícula camarária (“...”) em nome do Réu, DD, cancelada antes da data referida em a);
v) O 1º Réu, no dia 8 de Agosto de 2021, foi convidado, porque se encontrava com o seu irmão, companheiro da filha do 2º Réu, para um convívio, com cerca de 15 pessoas, com almoço, que se realizou na casa deste último;
w) O convite partiu do 2º Réu, porque este não queria que a sua filha não deixasse de comparecer por o 1º Réu se encontrar na companhia desta e do seu irmão;
x) O 2º Réu não conhecia pessoalmente o 1º Réu, nunca tinha estado no interior da casa do segundo Réu e o Interveniente, FF, não se encontrava presente no convívio;
y) No fim do almoço, o 1º Réu seguiu o seu irmão para o logradouro da casa do 2º Réu para fumar e, após o seu irmão ter voltado para o interior da casa e antes do embate descrito supra, tendo visto a porta da garagem não trancada, onde se encontravam vários ciclomotores e motociclos, apoderouse do ciclomotor referido em c), sem comunicar ou pedir permissão a quem quer que seja, e nele passou a circular;
z) Logo após o embate descrito em i), o 1º Réu levantou o ciclomotor que conduzia e que tombara com o embate e, conduzindo-o, ausentou-se do local através da Rua ... e ...;
aa) O falecido e a Autora AA casaram em ../../1988, casamento que foi dissolvido por divórcio por decisão de 7 de Maio de 2015, conforme se retira da cópia do assento de nascimento do falecido junta aos autos a fls. 22v e 23 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido;
bb) Desde 2015, após o divórcio, o falecido e a Autora viveram sob o mesmo tecto, partilhando mesa e cama, como se casados fossem, até à data do falecimento do primeiro;
cc) A Autora BB é filha do falecido, DD, e de AA, conforme se retira da cópia do assento de nascimento de fl. 24v e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
dd) A Autora, AA, desde Agosto de 2013, até ao decesso do companheiro, em 8 de Agosto de 2021, dedicou-se em exclusivo, às tarefas domésticas, tratando da limpeza das roupas e da casa onde ambos viviam, confeccionando refeições para o casal e sua filha e providenciando pelas compras dos bens necessários para a casa;
ee) As despesas com a manutenção da casa e as despesas pessoais da Autora AA eram suportadas com a quantia recebida pelo falecido como contrapartida pelo exercício da sua actividade profissional;
ff) O falecido era motorista de serviço público, como trabalhador da EMP01..., Lda. e auferia mensalmente a quantia de € 1.195,00;
gg) O falecido, DD, nasceu no dia ../../1964, conforme se retira da cópia do seu assento de nascimento junta aos autos de fls. 22 a 23 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
hh) A Autora AA despendeu € 2.850,00 no pagamento das despesas relativas ao funeral do falecido;
ii) A Autora BB despendeu € 410,00 na ornamentação da capela mortuária;
jj) O capacete de protecção que o falecido usava ficou inutilizado, sendo o seu valor de € 700,00;
kk) Em consequência do descrito acidente, o motociclo que o falecido tripulava, de marca ..., modelo ...00, de matrícula nº ..-HQ-.., ficou totalmente danificado, sem qualquer possibilidade de reparação, não tendo os salvados qualquer valor;
ll) À data do acidente aquele motociclo tinha o valor venal de € 9.000,00, (tendo sido adquirido por € 12.000,00);
mm) A roupa e calçado que o falecido DD usava no momento do acidente, concretamente camisa, calças e sapatilhas, tudo no valor de €70,00 ficaram inutilizados;
nn) O falecido era uma pessoa divertida e atenciosa na sua relação com a companheira e com a filha;
oo) O falecido tinha uma vida intensa com a sua companheira AA, iam às compras ao fim-de-semana, passeavam juntos e o falecido, ao fim do dia, quando chegava a casa, trazia à mulher, com frequência, um pequeno mimo, um doce ou um chocolate;
pp) A Autora BB tinha uma relação próxima, carinhosa e intensa com o pai, convivendo amiúde e consultando-se sobre as decisões a tomar na vida;
qq) O falecimento do companheiro provocou na Autora AA um grande desgosto, sofrimento e uma descompensação psicológica;
rr) O falecimento do pai provocou na Autora BB um grande desgosto, um sofrimento e uma descompensação psicológica, tendo, durante um período de tempo, deixado de cuidar de si, negligenciando hábitos de higiene;
ss) Até à data, ambas as Autoras estão medicadas para suportarem os efeitos da perda do DD, concretamente, com antidepressivos e calmantes;
tt) A Autora BB é licenciada em Ciências Farmacêuticas e trabalha desde 2018, sendo que, actualmente, trabalha numa farmácia, auferindo a remuneração base mensal de € 1.580,00 e auferia, no ano de 2021, a remuneração base mensal de € 1.120,00;
uu) À data do acidente vivia com os pais, sendo que, neste momento, vive com o namorado;
vv) No âmbito do processo crime nº 149/21.6GAMNC, o 1º Réu foi condenado pela prática de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo artigo 137º, nº 1, do Código Penal, e pela prática de um crime de omissão de auxílio, previsto e punido pelo artigo 200º, nºs. 1 e 2, do Código Penal, na pena única de 2 anos de prisão, por sentença proferida em 18.10.2023, transitada em julgado, conforme certidão junta aos autos em 23.05.2024 (código de acesso: ...), constante de fls. 284 a 327 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
ww) O Instituto da Segurança Social, I.P., através do Centro Nacional de Pensões, entregou a AA, a título de subsídio por morte, em consequência do falecimento de DD, a quantia de € 1.316,43;
xx) O Instituto da Segurança Social, I.P., através do Centro Nacional de Pensões, entregou a AA, a título de pensões de sobrevivência, relativas ao período de Setembro de 2021 a Novembro de 2024, a quantia de € 14.579,35, sendo que nesse mesmo de Novembro o valor mensal da referida pensão era já de 343,88 euros.
II) Factos não provados.
Da petição inicial: artigos 4º, 5º, quanto às exactas e concretas distâncias, 7º, quanto ao posicionamento espacial “lado a lado”, 9º a 16º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas g) a l), 25º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea bb), 35º e 36º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea dd), 37º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea ee), 39º a 43º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea nn), 75º a 99º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas nn) a uu), 112º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea u), 113º, 116º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea u).
Da contestação do Réu Fundo de Garantia Automóvel: artigos 25º, quanto à matrícula, 29º a 33º, 38º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea b).
Da contestação do Réu CC: artigos 3º a 8º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas v) a z), 9º a 13º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas a) a l), 14º a 16º, 21º a 26º, 27º a 29º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas k) e l), 39º a 43º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea z).
Da Contestação do Réu DD: artigos 2º a 10º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas s) a u), 26º a 27º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas v) a y), 43º a 45º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas tt) e uu), 47º a 49º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas dd) e ee).
Da resposta das Autoras às contestações: inexistem enunciados de factos a que cumpra responder neste âmbito.
Do pedido de reembolso do Instituto da Segurança Social, I.P.: inexistem enunciados de factos a que cumpra responder neste âmbito.
Da resposta do Fundo de Garantia Automóvel ao pedido de reembolso: inexistem enunciados a que cumpra responder neste âmbito.
3.3. DO DIREITO APLICÁVEL
3.3.1. Valor do dano resultante da perda de rendimentos da Autora AA
O Recorrente questiona o montante atribuído pela primeira instância a título de dano por perda de rendimentos da Autora AA, alegando que não tomou em linha de conta: que o tempo a considerar seria de 8 anos e não de 22 (7.), tendo em conta a vida activa do falecido; que deveria ser deduzido o montante de 1/3, no mínimo, respeitante ao montante que a vítima gastaria consigo; bem como deveria ser descontado o valor que a Autora recebe mensalmente do ISS a título de pensão de sobrevivência, tendo em conta o disposto no art. 51º, do D.L. 291/2007, e, ainda, deveria ser subtraído um mínimo de ¼ e não 10% do valor deferido, dado ocorrer um pagamento antecipado.
A final, considera que o valor devido deve ser reduzido para os 50000 euros, antes da aplicação da graduação de culpas.
A Recorrida, por sua vez, considera que: não é aplicável o citado art. 51º; só são relevantes os rendimentos auferidos pelo falecido e Recorrida em vida; a decisão já considerou que metade dos rendimentos do falecido seriam despendidos com a Recorrida; a Recorrente não foi visada na condenação pelo reembolso das quantias reclamadas pelo ISS, por causa da citado art. 51º; a solução querida pelo Recorrente importa enriquecimento da sua partes e a jurisprudência entende que a pensão em causa tem natureza provisória e/ou condicionada à devida indemnização pelo responsável, não deve ser considerada para além do que foi pago na pendência dos autos.
A sentença recorrida considerou, a propósito, o seguinte: “De acordo com as regras da experiência e num juízo de equidade, consideramos que é de ficcionar que metade desse rendimento seria despendido em alimentos para a sua companheira, uma vez que esta não trabalhava e que o agregado familiar – carecido de sustento económico - era composto apenas pela Autora AA e pelo falecido. Assim, feitos os cálculos puramente matemáticos, despidos de qualquer outra consideração, a perda de alimentos, ao fim de 22 anos [80 anos (esperança média de vida masculina) – 58 anos (idade à data do falecimento)], ascende a €184.184,00. No entanto e como se considera no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça citado na nota 8, também nós afirmaremos que essa importância não é necessariamente final, pois que sempre, em princípio, teria de sofrer um ajustamento, e, desde logo, porque a Autora vai receber de uma só vez aquilo que, em regra, deveria receber em fracções, ao longo de 22 anos, havendo, assim, uma antecipação de capital, que poderá de imediato aplicar e fazer render, e evitar, desse modo, uma situação de injustificado enriquecimento à custa alheia. E daí que seja prática habitual na nossa jurisprudência proceder a uma redução de tal quantia, variável perante cada caso concreto, mas que a maior parte das vezes tanto poderia oscilar entre 1/3 ou 1/4 daquele montante, como fixar-se numa percentagem que oscilaria entre os 10%, 20% ou 30% desse capital antecipado, tudo dependendo das situações casuísticas/concretas.
No nosso caso, consideramos ajustado, em face da evolução do mercado quanto à rentabilidade financeira e às taxas de inflação, proceder a uma redução de 10% daquele montante, pelo que o valor indemnizatório quantificar-se-á, a este título, em € 165.765,60 (€ 184.184,00 - € 18.418,40).”
Vejamos!
De acordo com o dispositivo do art. 495º, do Código Civil, e para o que aqui releva, estipula-se que (1.) No caso de lesão de que proveio a morte, é o responsável obrigado a indemnizar as despesas feitas para salvar o lesado e todas as demais, sem exceptuar as do funeral. (...). (3) Têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.
Trata-se de danos patrimoniais, porque têm a ver com a subsistência económico-financeira dos familiares sobrevivos do falecido, dele dependentes, como o cônjuge, ou companheiro/a, e aqui, indiferentemente da existência de filhos, de uns ou outros, e necessariamente futuros, porque projectados para além da morte de quem os prestava, no âmbito de uma relação familiar, ou de união de facto, seja ao cônjuge, ou ao (à) companheiro/a, ou aos filhos.7
Essa indemnização é quantificada de acordo com a equidade, ou seja, nos termos do art. 566º, nº 3, do Código Civil, tendo em conta o disposto no seu nº 2, dentro dos limites que se tiverem por provados, tendo ainda como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.
À fixação do montante do dano preside, como estabelece o art. 566º, nº 3 do C.C., a equidade, ponderando-se juízos de verosimilhança e probabilidade, o curso normal das coisas e as especiais circunstâncias do caso – e no caso importa reparar uma efectiva perda patrimonial sofrida pelos autores, já que era o seu marido e pai quem, com o produto da sua actividade empresarial, sustentava a família.
Como se assinala no Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 22.5.20128: “A jurisprudência do S.T.J. vem assentando, a propósito do cálculo da indemnização do dano futuro (seja no que concerne à perda da capacidade aquisitiva, seja no caso do dano especificamente tutelado no art. 495º, nº 3 do C.C.) nas seguintes ideias-força (reconhecendo tratar-se de quantificação difícil de fazer – pois tem de fundar-se em dados sempre contingentes e mutáveis –, aduz que a jurisprudência nacional tem vindo a fazer um grande esforço de clarificação na matéria, visando o estabelecimento de critérios de apreciação e de cálculo dos danos que reduzam ao mínimo a margem de arbítrio e de subjectivismo dos magistrados, por forma a que as decisões, convencendo as partes devido ao seu mérito intrínseco, contribuam para uma maior certeza na aplicação do direito e para a redução da litigiosidade a proporções mais razoáveis): ‘1ª) A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida; 2ª) No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável; 3ª) As tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade; 4ª) Deve ser proporcionalmente deduzida no cômputo da indemnização a importância que o próprio lesado gastaria consigo mesmo ao longo da vida (em média, para despesas de sobrevivência, um terço dos proventos auferidos), consideração esta que somente vale no caso de morte; 5ª) Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia; 6ª) Deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida activa da vítima, a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida dos homens já é de sensivelmente 73 anos, e tem tendência para aumentar; e a das mulheres chegou aos oitenta).” No caso está assente o direito a essa indemnização por parte da lesada AA, cuja indemnização é aqui questionada, estando apenas em discussão, nos termos adiantados supra em 2., o seu montante.
Sem qualquer enquadramento normativo envolvido9, pelo menos nas conclusões formuladas em 5ª a 14ª, o Apelante argui, em primeiro lugar, que a sentença considerou como período futuro de reparação 22 anos, quando deveria ter considerado 8 (7ª).
Contudo, a sentença não fez mais do que aplicar factor que a jurisprudência (de que é exemplo a que acima citamos) há muito estabeleceu como referência que deve preferir à provável idade activa do lesado.
Na presente demanda, devia, por isso, contrariamente ao defendido pelo Recorrente, e tendo em conta a previsão do art. 566º, nºs 2 e 3, ter-se em conta que o falecido provedor de alimentos, nascido em ../../1964, teria, um tempo médio de vida que actualmente é previsível ser de cerca 81 anos10 de idade, à nascença, e de 23 anos, aos apontados 58 anos, pelo que a sentença só peca por defeito que aqui não pode ser corrigido, tendo em conta o disposto no art. 635º, nº 5, do Código de Processo Civil. É esta a solução que mais cumpre a teoria da diferença subjacente à citada regra do nº 2, do art. 566º, assim como mais reflecte a factualidade demonstrada e/ou previsível (cf. art. 564º, nº 2, do C.C.).
Improcede, por isso, essa conclusão do Apelante.
Considerando o disposto no citado art. 635º, nº 5, do C.P.C., é também inviável a conclusão 8ª do Recorrente, que defende uma limitação do valor a ponderar para calcular os alimentos devidos de 1/3 quando a sentença teve em conta um valor de 50%, ou seja, bastante superior ao agora defendido por si, de modo que, a ser procedente, redundaria num prejuízo para si!
Deste modo, não releva esta outra conclusão do Apelante.
Mais conclui o Recorrente que a sentença errou quando não descontou no cálculo da indemnização o montante de 343,88 euros auferido mensalmente pela Autora AA a título de pensão de sobrevivência (9ª), posição que mereceu a contestação da Recorrida nos termos acima enunciados.
Neste ponto julgamos que assiste razão ao Apelante.
De acordo com a previsão do citado art. 51º, nº 3, do D.L. 291/2007 (REGIME DO SISTEMA DE SEGURO OBRIGATÓRIO DE RESPONSABILIDADE CIVIL AUTOMÓVEL), quando, por virtude de acidente previsto nos artigos 48.º e 49.º, o lesado tenha direito a prestações ao abrigo do sistema de protecção da segurança social, o Fundo só garante a reparação dos danos na parte em que estes ultrapassem aquelas prestações.
Neste conspecto, o FGA responde como garante, de modo subsidiário, em relação às prestações da segurança social, que, no caso da pensão de sobrevivência em causa, visam reparar o mesmo dano.
Portanto, não são cumuláveis as duas prestações, sendo incorrecto afirmar que a segurança social responde neste caso (em que intervêm o FGA) de modo provisório, dado que este Fundo actua apenas subsidiariamente e, por isso, a segurança social não poderá deixar de continuar a pagar a pensão devida ainda depois de fixada a indemnização complementar, por alimentos, que aqui seja devida.11Do mesmo modo, improcede o argumento de que essa compensação deve ter em conta apenas os valores obtidos em vida do falecido, dado que estamos a calcular uma indemnização por dano futuro e há que ponderar esse desvalor projectando no futuro também aquilo que possa compensar o prejuízo em causa, maxime a referida pensão de sobrevivência.
Consequentemente, haverá que deduzir o valor pago e o que previsivelmente será pago, ao valor deferido pela primeira instância.
Por fim, o Apelante, com razão, defende que deve ser deduzido ao valor deferido o montante ajustado que seja considerado benefício pelo adiantamento do pagamento antecipado (13ª).
Na verdade, tem sido esse o entendimento da jurisprudência, de que é referência o Ac. do Tribunal da Relação do Porto acima mencionado.
A sentença considerou, para esse efeito, 10% da indemnização, o que nos parece ajustado. Se aplicarmos essa percentagem ao valor encontrado (184184), a quantia remanescente desce para cerca de 165766 euros, sendo que, se com os mesmos parâmetros e valores considerados pela sentença aplicássemos a conhecida fórmula matemática do Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 4.4.1995, publicada na C.J., II, p. 23, tendo em conta uma taxa de juro de 3% e uma taxa de crescimento de 2%, o valor seria aproximado do resultado obtido com esta (cerca de 164800 euros), havendo que ter em conta que a taxa de juros actual e a previsível para os próximos tempos se antecipa ser mais baixa. É de notar que essa fórmula visa calcular uma quantia que possa ressarcir, durante a sua vida útil, a perda de rendimento sofrida e mostrar-se esgotada no fim do período considerado, pelo que, ponderando as variações possíveis no futuro, aqueles 10% não equitativos.
Improcede, portanto, esta outra conclusão do Apelante.
Tudo considerado, uma vez que não foi posto em causa o valor base considerado pela primeira instância – 16744 euros anuais, iremos partir desse montante para recalcular a indemnização em apreço nos termos acima expostos.
Tendo em conta o apurado em 3.2.I., xx), a reparação encontrada (50% de 16744€), 8372 euros anuais, corresponderá, nesse período, a 23322 euros.
Deduzido o montante auferido durante os 39 meses mencionados em XX), dos factos provados, encontramos o valor de 8742,65 euros (23322 – 14579,35). Aqui não aplicamos a dedução dos 10%, dado que estamos perante um dano já verificado na pendência da acção, inexistindo qualquer antecipação a justificar equitativamente essa limitação.
Em Novembro de 2024, quando terminou esse período mencionado em XX), o falecido teria mais 3 anos e/ou restar-lhe-iam cerca de 19 anos de vida activa (dos referidos 80). Por outro lado, considerando o acima exposto, haverá que descontar, ao valor anual a considerar (8742,65 euros), aquilo que, previsivelmente, a Autora receberá a título de pensão de alimentos ((342,88 x 14) = 4814,32 euros), e assim ficaríamos com um valor anual de 3928,33 euros.
Seguindo o mesmo raciocínio da sentença (3928,33 x 19), obtemos o montante de 74638,27 de indemnização pelo dano futuro da perda dos referidos alimentos, no período posterior a Novembro de 2024, relativamente ao qual aplicamos os referidos 10% de desconto (7463,82€), por adiantamento do valor desta reparação para o futuro obtendo assim o valor de 67174,45€.
No total, essa indemnização atinge assim o valor de 75917,1 euros (67174,45 + 8742,65), pelo que, atendendo à repartição de culpas fixada (45%/55%), serão devidos à Autora AA 41754,41 euros a título de compensação pela perda de rendimento/alimentos providenciados pelo falecido e é nesta medida que procede parcialmente a Apelação do FGA no que diz respeito a esta matéria. 3.3.2. Valor do dano do direito à vida
O art. 496º, nº 3 do C.C. dispõe que em caso de morte do lesado podem ser atendidos os danos não patrimoniais sofridos pela própria vítima.
A compensação devida por este dano, prevista no art. 496º, nº 3, in fine, do Código Civil, assenta, além de mais, no factualismo acima enunciado, que caracteriza o grau de culpa, censura ou reprovação que efectivamente merece a conduta do outro condutor envolvido no evento danoso12.
Os danos não patrimoniais sofridos pelo DD abrangem, inquestionavelmente, a perda do bem da vida, desvalor que o Apelante não questiona.
É um dano sofrido pela vítima, o dano morte é o prejuízo supremo, é a lesão do bem superior a todos os outros, ocorrido na sua esfera jurídica.13
O Recorrente coloca em causa este dano, concluindo (18ª) que deve ser reduzido ao valor de 80000 euros.
Nesta matéria secundamos os argumentos aduzidos pelo Tribunal de primeira instância: atenta a factualidade dada por provada, de onde emerge uma vida estabilizada, pessoal e profissionalmente, emocionalmente recompensadora, e sem falta de saúde, com 58 anos à data da morte (cf., v.g., pontos m), gg), nn), oo), pp) a ss).
Acresce que a valoração feita está dentro dos valores que vêm sendo considerados pela jurisprudência e que se devem manter actualizados, de que é exemplo destacável o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 3.11.201614, no qual, há cerca de uma década atrás, já se afirmava que, sic: A jurisprudência portuguesa foi, durante muito tempo, extremamente avara quando se tratava de determinar a indemnização correspondente a este tipo de dano, mas verificou-se, nesse campo, um salto qualitativo, com o progressivo aumento do montante indemnizatório pela perda do direito à vida.
Mais se acrescentou aí que: “Consolidou-se, assim, na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça o entendimento de que o dano pela perda do direito à vida, direito absoluto e do qual emergem todos os outros direitos, situa-se, em regra e com algumas oscilações, entre os € 50 000,00 e € 80 000,00, indo mesmo alguns dos mais recentes arestos a € 100.000,00 (cf., entre outros, os Acs. do STJ, de 10-5-12 (451/06), de 12-9-13 (1/12), de 24-9-13 (294/07), de 19-12-14 (1229/10), de 9-9-14 (121/10), de 11-2-15 (6301/13), de 12-3-15 (185/13), de 12-3-15 (1369/13), de 30-4-15 (1380/13), de 18-6-15 (2567/09) e de 16-9-16 (492/10), todos acessíveis através de www.dgsi.pt”.
Isso mesmo foi considerado no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 11.2.202115, no qual se lembra também que já no Ac. do STJ, de 22-2-18, 33/12, Secção Criminal, se fixou a mesma indemnização no valor de € 120.000,00.
Note-se que, para quem considere que a idade é um factor determinante, em Ac. 23.5.2019, Revista n.º 1580/16.4T8AVR.S1 - 6.ª Secção, do Supremo Tribunal de Justiça16, entendeu-se que para uma vítima de 72 anos de idade, era ajustada a indemnização de 70000 euros. Ainda este ano o mesmo Supremo Tribunal de Justiça considerou ajustada esse mesmo valor para uma vítima de 80 anos de idade, no Ac. de 23.4.2025, do Proc. 1470/19.9T8BJA.E1.S117. Em 23.4.2025, considera-se que a vítima de 50 anos de idade, merece uma indemnização por dano morte no valor de 100000 euros18.
Relembra-se neste ponto que, como refere Lopes do Rego “o juízo de equidade das instâncias, essencial à determinação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais e também pelo dano biológico sofrido, em casos como o dos autos, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida - se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.19
Destarte, julga-se improcedente esta conclusão do Apelante, mantendo-se o valor fixado em primeira instância para esse dano à vida.
3.3.3. Rectificação do valor indemnizatório a atribuir à autora AA
Tendo em conta o sentido do acima decidido, fica prejudicado o pedido de rectificação da sentença, tal como ficou expresso nas conclusões 19ª e ss. (cf. arts. 554º e 608º, nº 2, do Código de Processo Civil).
3.3.4. Responsabilidade fiscal
As custas da apelação serão repartidas entre os litigantes, na proporção do respectivo vencimento (cf. art. 527º, do C.P.C.).
4. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida na parte em que condena, os Réus, no pagamento à Autora AA da quantia de €92.271,08, e, em sua substituição, condenando os mesmos Réus (CC e F.G.A.) a pagar à Autora AA a quantia de 41754,41€ (quarenta e um mil setecentos e cinquenta e quatro euros e quarenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Custa da apelação pelo Recorrente e pelo a Recorrida contra-alegante, na proporção do respectivo vencimento.
Guimarães, 18-06-2025
Rel. – Des. José Manuel Flores 1ª Adj. - Des. Sandra Melo 2ª - Adj. - Des. Margarida Alexandra de Meira Pinto
1 ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pp. 106.
2 Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
3 ABRANTES GERALDES, Op. Cit., p. 107.
4 Cf. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 16.11.2023, in https://jurisprudencia.pt/acordao/219263/
5 Ob. cit., p. 294
6 In A ESSENCIALIDADE DOS FACTOS E O PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO NO NOVO PROCESSO CIVIL, Diana Salvado Nunes, P.56 - https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/22099/1/Texto%20final%20da%20Dissertação%20-%20Diana%20Salvado%20Nunes.pdf
7 Cf. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 10.4.2019, in https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/28b3f4d2d1a0823a80257a1000518df6?OpenDocument
8 In https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/28b3f4d2d1a0823a80257a1000518df6?OpenDocument
9
10https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_destaques&DESTAQUESdest_boui=646027819&DESTAQUESmodo=2
11 Nesse sentido Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 6.12.2016, in https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/-/FCD7802C08A684DF8025808E00560548 e o acima citado Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 10.4.2019.
12 Cf. Ac. do S.T.J., de 13.7.2007 - VII. A indemnização por danos não patrimoniais prevista no artigo 496.º, n.º 1 e 4, do CC e a fixar por equidade, tendo em atenção os factores referidos no artigo 494.º do mesmo Código, visa não só compensar o dano sofrido, mas também reprovar, de algum modo, a conduta culposa do autor da lesão.
VIII. Em caso de acidente de viação imputável a culpa efectiva do condutor do veículo que lhe deu causa, deve o grau de culpa ser ponderado na fixação daquela indemnização. http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/23fd77e93a7a3b7d8025815c00464d53?OpenDocument
13 Ibidem Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 22.5.2012, acima citado…
14 In https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8bb15e0632dbc07b80258061003b31bd?OpenDocument
15 In https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/105a2fc9fff56c9b802586b000702f7b?OpenDocument
16 https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2024/06/sumarios-civel-2019.pdf
17 In https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/b93257944b7b61bb80258c75004e53ba?OpenDocument&Highlight=0,dano,vida,morte,indemniza%C3%A7%C3%A3o
18 In https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/3baee0c3ca110c6a80258c75004daa0b?OpenDocument&Highlight=0,dano,vida,morte,indemniza%C3%A7%C3%A3o
19 Cf. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 3.11.2016, citado infra