PROVIDÊNCIA CAUTELAR NÃO ESPECIFICADA
PRESSUPOSTOS
PREJUÍZO SUPERIOR AO DANO EVITÁVEL
Sumário

I – O decretamento de uma providência cautelar não especificada pressupõe que estejam reunidos os requisitos a que aludem os arts. 362º, nº1, e 368º, nº1, ambos do C.P.C. (probabilidade séria de existência do direito invocado e fundado receio de que alguém cause lesão grave e dificilmente reparável a esse direito).
II – Ainda que estejam reunidos os referidos pressupostos, a providência pode ser recusada quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar (art. 368º, nº2, do C.P.C.).
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

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Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO.

Por apenso à acção que corre termos no Juízo Central Cível de Viseu (Juiz 3) sob o nº2586/23.2T8VIS veio AA instaurar procedimento cautelar comum contra BB e CC,    

peticionando, pelos fundamentos expressos no requerimento inicial, que:

ISeja ordenada a imediata apreensão judicial das 49.980.000 (quarenta e nove milhões novecentas e oitenta mil) ações hoje nominativas, que atualmente e de acordo com o registo estão representadas por 4.998 ações no valor nominal de €100,00 cada, e de acordo com o que consta da ata 44 acima identificada, tituladas pelas ações nºs 1 a 4998 em nome de BB e de CC, e que resultam das ações ao portador referidas no mencionado contrato de partilha, no valor de um cêntimo cada, representativas de 99,96 % do capital social da sociedade A... S.A., NIPC....46, com sede no Parque Industrial ..., lote ...3, ... ... que se encontrem na disponibilidade dos requeridos, devendo, em consequência, e, a título meramente cautelar notificar-se os mesmos BB e CC de que:

a) Ficam proibidos até ao transito em julgado da ação principal de convocar, participar e deliberar em qualquer assembleia geral da sociedade A... S.A. para a tomada de deliberações de aumentos da capital através de qualquer meio, incluindo entrada de novos sócios, nomeadamente, mediante a subscrição de capital ou mediante entradas em espécie.

b) Ficam proibidos, por si e, em representação da sociedade, até ao transito em julgado da ação principal de efetuar o registo junto da matrícula da sociedade A... S.A. NIPC....46., das deliberações tomadas e transcritas na ata nº 45 de aumento de capital no montante de €.999.000,00 ou de quaisquer outras que tenham ou possam vir a ser tomadas.

c) Ficam proibidos, até trânsito em julgado da ação principal de declaração de nulidade referida, de ceder onerosa ou gratuitamente, ou onerar qualquer uma das 24.990.000 no valor nominal de 0,1€ ou das 4.998 ações no valor nominal de €.100,00 que cada um dos requeridos detém em seu nome no capital social da A..., S.A, as quais de acordo com o peticionado na ação principal da qual este procedimento é incidente fazem parte da comunhão hereditária.

d) Devem proceder de imediato à entrega dos títulos representativos das 49.980.000 (quarenta e nove milhões novecentas e oitenta mil) ações nominativas tituladas pelas ações nºs 10.0001 a 50.000.000 ou das 4.998 ações no valor nominal de €.100,00, tituladas pelas ações nºs 1 a 4998 ao ROC (Revisor Oficial de Contas) que estatutariamente no funcionamento da sociedade tem funções de fiscalização e controlo da legalidade e fiscalização da sociedade da emitente A..., S.A., na pessoa do Sr. Dr. DD, sócio da sociedade B..., SROC, Lda., como domicílio profissional na Av. ..., ... ....

II Se proceda à notificação do ROC da emitente atrás identificado, para que, no livro de registo de ações, em papel ou em suporte informático, bem como, no título das mesmas averbe, a decisão judicial que vier a decretar a apreensão ou qualquer outro ónus, ficando fiel depositário dos títulos das ações e livro de registo das mesmas, do qual, deverá assegurar a guarda/depósito dos títulos daquelas ações nominativas, em instituição bancária ou local apropriado que deverá comunicar ao tribunal.

III Sejam notificados os 1º e 2ª requeridos para se absterem por qualquer via de utilizar as referidas ações, cuja apreensão se requer e logo que seja decretada, sob que forma ou pretexto for e até trânsito em julgado da ação principal de declaração de nulidade, nomeadamente para o exercício de quaisquer direitos sociais inerentes às referidas ações.

IVSejam notificados os 1ª e 2ª requeridos, na qualidade de membros do C.A. da A... S.A., para se absterem da prática de atos de administração de relevância sem prévio parecer favorável do ROC, limitando-se à prática dos atos de mera administração ordinária.

VISeja notificado o presidente da assembleia geral (A.G.) da sociedade A..., S.A., da decisão de apreensão das ações referidas em I, ordenando-se que este no exercício das suas funções dê cumprimento ao ora decidido, nomeadamente, tenha em atenção a ordem de apreensão e suas limitações, devendo dar conhecimento imediato ao ROC da convocação de qualquer A.G..

VIIA notificação ao 1º e 2ª requeridos e ao presidente da A.G., seja efetuada com a advertência de que, em caso de incumprimento do ordenado judicialmente:

AIncorrem na prática do crime de desobediência qualificada previsto no art. 348º do Cód. Penal;

B Cada um dos 1º e 2ª requeridos, incorre no pagamento de sanção pecuniária compulsória de montante de €.15.000,00 (quinze mil euros), por cada dia de pelo não cumprimento de qualquer uma das decisões da presente providencia cautelar, quantia considerada apropriada e razoável face ao valor real dos ativos reais que se pretendem acautelar a dissuadir o comportamento de não cumprimento;

VIII Seja ordenada a notificação da decisão que vier a ser decretada no que se refere à apreensão judicial do lote das 49.980.000 (quarenta e nove milhões novecentas e oitenta mil) tituladas pelas ações nºs 10.0001 a 50.000.000 ou das 4.998 ações no valor nominal de €.100,00, tituladas pelas ações 1 a 4998, ao Instituto do Registo do Notariado para efeitos de averbamento da apreensão e/ou publicidade junto da plataforma do Registo Central do Beneficiário Efetivo (RCBE) da sociedade com a firma A... S.A., com NIPC....46.

IXSeja ordenada a requisição da força pública, para auxiliar no cumprimento da decisão por parte do ROC, agente de execução/oficial de justiça se estes o entenderem necessário.


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Os requeridos deduziram oposição, sustentando que ocorre a inutilidade superveniente da lide relativamente ao pedido I-b), e que a providência em causa é inadmissível, por se traduzir na repetição de providencia já proposta e não decretada.

Paralelamente, arguiram as excepções de ilegitimidade activa, ilegitimidade passiva e caducidade, mais tendo impugnado, de forma motivada, parte da factualidade alegada no requerimento inicial.


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Por requerimento apresentado a 9/1/2025, o requerente pronunciou-se no sentido da improcedência das invocadas excepções.


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Em 20/2/2025, foi proferido despacho que julgou admissível a requerida providência, tendo, paralelamente, sido determinada a extinção do procedimento relativamente ao pedido I-B, por inutilidade superveniente da lide, e julgadas improcedentes as invocadas excepções de ilegitimidade.


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Após, realizou-se audiência final, no âmbito da qual se procedeu à inquirição da testemunha EE [1], na sequência de requerimento formulado pelos requeridos e com o consentimento expresso do requerente, que reviu a posição inicialmente formulada [2] no sentido de a inquirição ser indeferida [3].

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Em 28/2/2025, foi proferida decisão final que julgou improcedente o procedimento cautelar, não sendo decretadas as providências requeridas.


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Não se conformando com a decisão proferida, o requerente interpôs o presente recurso, no qual formula as seguintes conclusões:

1ª A sentença é nula por admissão indevida de testemunha dos Recorridos.

2ª Face à expressa oposição do recorrente o Tribunal a quo fundamentando-se no princípio do inquisitório, aceitou prova testemunhal extemporânea.

3ª Tal decisão configura uma violação dos princípios do contraditório, da igualdade das partes e da preclusão, todos expressamente consagrados no Código de Processo Civil, designadamente nos artigos 3º nº 3 e 598º do CPC.

4ª As testemunhas devem ser arroladas dentro dos prazos fixados, salvo casos excecionais devidamente justificados (artigo 415º CPC).

5ª O facto de uma testemunha ser contabilista de uma sociedade não lhe confere nenhum direito especial de audição, que a acontecer viola como violou o princípio da preclusão consagrado no artigo 598.º do CPC.

6ª O princípio do inquisitório tem limites e o artigo 411.º do CPC estabelece que o juiz pode ordenar a produção de prova para apurar a verdade, mas sempre respeitando o contraditório e a igualdade das partes.

7ª Tal irregularidade configura uma nulidade processual nos termos do artigo 195.º do CPC, uma vez que causou efetivo prejuízo ao direito de defesa do recorrente e nesse sentido a sentença proferida incorre em nulidade nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC, por ter sido fundamentada em prova obtida de forma irregular, comprometendo a justiça da decisão. Por outro lado,

8ª O Tribunal a quo errou ao dar como provado no ponto 24 dos factos indiciados que o pedido de registo de aumento de capital da ata 45 foi requerido em 14 de novembro.

9ª Uma vez que fundamentou a sua convicção num email de uma das mandatárias dos Requeridos, junto sem quaisquer anexos e remetido ao Sr. FF, com o endereço de ..........@..... e com duas datas ali apostas, 14 de Novembro de 2024 (sem hora) e 16 de Dezembro de 2024 às 16:01:42.

10ª Ao fazê-lo o Tribunal “a quo” ignorou a disposição legal constante do artigo 28º do Código de Registo Comercial, o teor da certidão permanente (CP : ...20) da sociedade e o requerimento a ela anexo de pedido de transcrição de registo de modelo oficial, apresentado a 19 de Dezembro de 2024.

11ª O Tribunal “a quo” não podia ignorar um documento autêntico – a certidão comercial permanente ...20 – privilegiando um documento com duas datas, de uma das mandatárias dos Requeridos.

12ª O Tribunal “a quo”, não fez assim uma análise crítica da prova, compatibilizando a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei.

13ª Considerando a valoração das provas produzidas, designadamente a certidão comercial permanente ...20 e o teor do modelo de registo aprovado e apresentado na Conservatória do Registo Comercial ... em 19 de Dezembro de 2024 e a ausência de qualquer outra prova, "impõem", “forçam” decisão necessariamente diferente da proferida (art.s 640º nº 1 e 662°do CPC), no sentido de se dar como provado no ponto 24 dos factos indiciados que o registo da ata 45 foi requerido em 19 de Dezembro de 2024 e não em 14 de novembro como aí consta, o que se requer. Sem conceder,

14ª Da matéria de facto dada como provada e daquela cuja alteração acima se requereu, resulta a verificação dos pressupostos de que depende a providência, no fundo, a aparência do direito “fummus boni júris”, o justo receio “periculum em mora”, a proporcionalidade. Na verdade,

15ª O Tribunal “a quo” dá como sumariamente e indiciariamente verificada a existência do direito o “fummus boni júris” designadamente nos sub-pontos 3.31, 3.36 e 3.37 do ponto 4 dos factos suficientemente indiciados.

16ª Reforçando na parte da Fundamentação de Direito que “Ora no caso em apreço diremos que resultou indiciariamente provado que, o requerente e os requeridos procederam à elaboração de uma partilha fictícia, conforme resulta do contrato de partilha datado de 30 de março de 2006, pelo qual, pretenderam frustrar o pagamento de dividas vencidas do requerente a credores, causando a estes prejuízos.”

17ª Estando indiciariamente provado, como está, que a partilha dos ativos mobiliários da herança – ações representativas do capital social da sociedade A... – assentou num documento simulado e, como tal nulo, não podia o tribunal deixar de tomar relativamente a esses ativos uma posição cautelar, preventiva e antecipatória de salvaguarda da sua desvalorização e dissipação, cujo justo receio de desvalorização e dissipação se mostra objetivado, no caso concreto, nos factos dados como provados.

18ª Tanto mais que como já previa o Requerente quando intentou a Providência Cautelar, se os Requeridos fossem ouvidos previamente, a sua atuação furtiva antecipar-se-ia (repete-se, como se previa e aconteceu), a uma possível decisão cautelar favorável, veja-se a improcedência por inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido formulado no ponto I alínea B) (a citação ocorreu a 13.12.2024 (vide refª eletrónica 96845426) e o registo da deliberação a 19.12.2024).

19ª Tal deveria ser um indício seguro para o Tribunal de que o não decretamento da providência cautelar constituiria um sério erro e previsível risco para a desvalorização e dissipação da partilha dos ativos mobiliários da herança, nomeadamente, as ações em causa, seguindo os ensinamentos do povo de que “quem faz um cesto faz um cento”.

20ª Tanto mais que, foi forjada uma adenda à ata 46, para instruir o processo de registo de aumento de capital e com a pressa e atabalhoamento com que o fizeram nem cuidaram de verificar a existência da impossibilidade da sequência de atas nos números do livro de atas e a hora de tais atas e adendas, como resulta indiciado dos pontos 10 a 14 da douta sentença.

21ª Tais factos são indiciadores de que os requeridos – sem qualquer limitação e até reforçada por uma decisão judicial que em nada limita ou controla esses seus poderes – continuarão na senda de, através de expedientes societários retirar, gradualmente, o efeito útil da ação, assentes no exercício pleno dos direitos sociais com origem num negócio simulado e, como tal, nulo, como, confessado documentalmente.

22ª As mais básicas regras de cautela e bom senso de acordo com a normalidade das coisas impõem o decretamento da providencia de forma a acautelar o efeito útil da ação e que permita no futuro uma partilha equitativa desses ativos.

23º A forma de atuação dos Recorridos, com a adulteração e criação de “Atas” e “Adendas”, não poderia como foi ser tratada e desvalorizada pelo Tribunal “a quo”, ao considerar que se tratava de “meros lapsos de escrita”.

24ª Essa atuação deveria ter levado o Tribunal “a quo” a concluir face ao modo apressado com que foi registado o aumento de capital e à adulteração notória dos documentos que lhe serviram de suporte, que o que se teve em vista foi apenas esvaziar de efeito útil uma possível procedência da ação principal.

25ª Os recorridos na sua defesa por oposição, e na ata que o sustenta sem justificarem os motivos do anterior aumento de capital vieram agora invocar que este aumento de capital tinha por base razões de crescimento sustentável, reforço da estrutura financeira e manutenção competitiva do mercado, sendo ainda determinado por aproveitamento de benefícios fiscais e que o decretamento da providência equivaleria à “paralisação de uma sociedade” e até “na prática à morte”.

26ª O Tribunal alinhou neste dramatismo, cheio de suposições e sem nada de concreto palpável.

27ª Mal andou, por isso o Tribunal “a quo”, ao considerar que a procedência da providência seria passível de “criar um impasse ao nível da gestão da mesma, o que se traduziria em prejuízos superiores ao dano que o requerente pretendia acautelar com a providência”.

28ª Tendo sido frustrado o pedido formulado em I B), relativamente ao aumento de capital (decidido por inutilidade superveniente da lide) não se percebe como se pode entender que a limitação de transmissão ou oneração das participações sociais que se pretendia ver reconhecida com a instauração da providência possa ter algo a ver com a gestão da empresa.

29ª Não se percebe, não se concebe, nem se aceita, que a procedência da providência possa limitar os negócios da sociedade com clientes, fornecedores ou outros, pôr em causa a sua administração, alterar a vinculação dos atos, influir na mudança dos titulares das participações sociais, interferir nos seus atos correntes de gestão, ou vir a alterar a vida normal da sociedade.

30ª Por outro lado, nem os recorridos nemo Tribunal “a quo” identificam e concretizam as limitações de gestão ou os supostos prejuízos, pelo que nunca estes se poderiam considerar por existentes.

31ª A procedência da providência apenas visa que a alienação, oneração ou desvalorização – em termos de representatividade e controlo da sociedade - das participações sociais, possa vir a retirar efeito útil à eventual procedência da ação principal. Só isto,

32ª Não sendo decretada, da mesma forma que se alertou o Tribunal quando foi proposta a providência, existe a forte probabilidade de outros atos de alienação de oneração ou de esvaziamento desse ativo venham a acontecer, face à facilidade por ausência de qualquer limitação ou controlo com que os Recorridos atualmente se podem desfazer ou onerar as participações sociais.

33ª Não estando o tribunal sujeito aos concretos pedidos formulados – nº 3 do art. 376º do C.P.C. impunha-se-lhe, nesse caso, e, em última instância, adequar a providencia ao interesse e fim reconhecido, que se impõe acautelar, o que também não fez;

34ª - Foram violados, entre outros, os artigos 3º nº 3, 195º, 368º nº 1, 411º, 415º, 526º, 598º e 615º, nº 1, al.s c) e d) do CPC e bem assim os artigos 28º do Código do Registo Comercial, 342º, 363º, 369º, 371º, todos do Código Civil.


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Os requeridos contra-alegaram, concluindo nos seguintes moldes:

“1º A douta sentença recorrida não merece qualquer reparo ou censura.

2º Na verdade, não houve qualquer violação dos princípios do contraditório, igualdade das partes.

3º O artigo 411.º do CPC estabelece um “poder-dever” do juiz que não se limita à prova de iniciativa oficiosa, como se conclui do segmento “mesmo oficiosamente”, incumbindo-lhe realizar ou ordenar as diligências relativos aos meios de prova propostos pelas partes, na medida em que necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, preservando sempre o necessário equilíbrio de interesses, critérios de objetividade e uma relação de equidistância e de imparcialidade.

4º Ora, o recorrente foi notificado para os termos do artigo 526º nº 2 do CPC, tendo este prescindido do prazo concedido e requerido que a inquirição da testemunha se fizesse no imediato.

5º Termos em que, nesse mesmo dia, precludiu o seu direito de exercer o contraditório quanto à inquirição da testemunha!

6º Ora, vir agora o requerente alegar que não lhe foi dada a oportunidade de preparar a defesa relativamente a esse depoimento é adotar uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente na audiência final.

7º Os princípios do processo civil preconizam, acima de tudo, a busca da verdade material e da justa composição do litígio, e os poderes do juiz encontram-se claramente reforçados na direção e gestão do processo, pelo que bem andou o tribunal a quo ter determinado a inquirição da testemunha.

8º O depoimento do mesmo clarificou, em definitivo, a questão fulcral neste processo que era a de se saber se as deliberações da sociedade – estranha ao presente processo - tinham por finalidade esvaziar a representatividade da herança – no caso de procedência da ação principal – e diminuir o seu património ou questões estratégicas de desenvolvimento da própria sociedade.

9º Pelo que, só o contabilista para esclarecer o tribunal sobre os fundamentos das deliberações constantes da ata nº 45.

10º Ora, basta que haja elementos do processo que levem a crer/supor que dispõe a testemunha de conhecimento dos factos controvertidos nos autos (ainda não inequivocamente esclarecidos ou suscetíveis de ser postos em causa pelo depoimento da testemunha ) e relevantes para a decisão da causa, para ser ordenado o depoimento de testemunha, como o foi.

11º Pelo que a sentença recorrida não padece de qualquer nulidade e muito menos a apontada pelo recorrente.

12º Entende também o recorrente que o ponto 24 da matéria de facto dada como suficientemente indiciada, deveria ter tido resposta diferente.

13º Contudo, o requerente confunde o que é a data de envio de um e-mail, com a data de impressão do mesmo.

14º A ata n º 45 foi lavrada em 26/05/2023 e, conforme consta da certidão comercial permanente da sociedade – ...20 – o registo das deliberações já havia sido levado a registo em 21/06/2023.

15º Contudo, em virtude do princípio da prioridade do registo, ficou provisório por dúvidas (por estar em registo as deliberações constantes da ata nº 44).

16º Ou seja, antes ainda da entrada da ação principal, que ocorreu em 06/06/2023 e da providência cautelar, que ocorreu em 18/11/2024.

17º E, tendo o registo das deliberações da ata nº 44 ficado concluído em 29 de outubro de 2024, junto da Conservatória Comercial ..., pelo que em 14 de novembro de 2024 foi enviado e-mail para a mesma conservatória com a ata nº 45 para apreciação pela Sr.ª Conservadora.

18º Sendo que o registo veio a ser concluído em 19/12/2024.

19º Pelo que o tribunal a quo fez uma análise ponderada da prova carreada para o processo em conjugação com a prova produzida.

20º Sem prescindir, dir-se-á ainda que resultaram indiciariamente provados os pontos constantes dos artigos 17 a 23, sendo que sobre estes factos, o recorrente não se pronunciou no seu recurso, pelo que é matéria que não pode ser sindicada por este Venerando Tribunal, tendo por base o princípio do pedido; Pelo que

21º Salvo o devido respeito por opinião contrária, mesmo que o ponto 24 tivesse resposta diferente, em nada alteraria o sentido da douta sentença proferida.

22º Contrariamente aos fundamentos do recurso invocados pelo recorrente – que são meras conjeturas e suposições, porque não logrou produzir qualquer prova do por si alegado - não resultaram verificados os pressupostos de que depende a providência cautelar e nomeadamente o periculum in mora

23º Já em outubro de 2020, o ora recorrente havia instaurado providência cautelar não especificada contra os ora requeridos, no âmbito da qual peticionava, de igual modo, a imediata apreensão de 49.980.000 ações nominativas, a proibição de cessão e oneração de ações, a imediata entrega dos títulos representativos, a proibição da prática de atos de administração de relevância, entre outros

24º Tal providência correu sob o processo n.º 4215/20.... no juiz 1 do central cível da Comarca de Viseu, e foi instaurada como preliminar da ação de declaração de nulidade da partilha, que é a ação principal a que a presente serve de apenso.

25º Realizado o julgamento no âmbito do processo n.º 4215/20...., o Tribunal entendeu não decretar a providência requerida, por não resultar verificado o periculum in mora.

26º Mais entendeu que “para além de não salvaguardar os verdadeiros interesses do requerente e o fim que este pretende acautelar, a concreta providencia de apreensão requerida não afastaria os requeridos de manterem o exercício das suas funções, correndo-se o risco de ser criado um impasse ao nível da gestão da sociedade”.

27º Este entendimento foi novamente sufragado pela Meritíssima Juiz na sentença agora em crise.

28º É que o fundado receio, do requerente da providência, há de ser objetivo apoiando-se em factos de que decorra a seriedade da ameaça duma lesão ainda não verificada ou já iniciada, mas de continuação ou de repetição iminente.

29º O procedimento cautelar visa evitar a inutilização prática do direito que se pretende ver reconhecido na ação principal, em virtude de uma lesão ou de uma ameaça de lesão que ao mesmo é feito antes ou no decurso da ação, com prejuízo sério e dificilmente reparável ao seu titular.

30º Acontece que o recorrente apenas alegou, mas não produziu qualquer prova da qual se pudesse concluir, sem margem para dúvidas, qual o prejuízo relevante e irreparável para o mesmo.

31º E, não constando da fundamentação de factos constante da decisão recorrida, minimamente elencado, qualquer facto do qual se possa extrair o tal prejuízo excessivo e, por isso, intolerante, desproporcionado ou inexigível para o recorrente com a demora da ação, é de concluir, desde logo, pela ausência deste requisito.

32º A acrescer ao exposto, os prejuízos resultantes do decretamento da providência excederiam, em medida considerável, os danos que com esta o recorrido diz pretender evitar, já que equivaleria à paralisação de uma sociedade, o qual, mesmo, a título provisório, equivaleria na prática à sua morte.

33º O que impede irremediavelmente o decretamento da providência, conforme dispõe o artigo 368.º, n.º 2 do CPC, pelo que se deve manter integralmente a sentença recorrida.

34º De resto, já foi esse o entendimento do tribunal a quo aquando da notificação para citação dos requeridos, por despacho proferido em 19/11/2024 e nessa mesma data notificado ao ora recorrente e do qual o mesmo não recorreu.

35º Na verdade, entendeu, desde logo, o tribunal que: “Não podemos deixar de fazer notar que é o próprio Requerente quem afirma, como não podia deixar de ser, que o verificado aumento de capital social de €1000,00 teve uma influência residual na composição do actual capital da A... SA e resulta patente, por se tratar de um facto que já estava registado na certidão de registo comercial junta com a petição inicial da acção principal, que o Requerente há mais de um ano que é conhecedor da tentativa de registar o aumento de capital social de €999.000,00, registo esse entretanto caducado, sendo que, da leitura da acta n.º 45, junta com o requerimento inicial da providência, também se infere que ao proposto aumento do capital social corresponderia um aumento proporcional das acções de valor nominal existentes, que continuavam a ser tituladas pelos Requeridos e, como tal, nada obstava a que reingressassem na esfera jurídica da herança.

Em suma, em face do que acabámos de expor, julgamos que é maior o risco de decretar as medidas cautelares pretendidas sem o contributo clarificador que emergirá da audição dos Requeridos, sobretudo, tendo presente que o Requerente pretende paralisar, ainda que parcialmente, a gestão de uma sociedade que é estranha ao objecto deste litígio, circunstância que, por razões de adequação, razoabilidade e proporcionalidade, ditam que se cumpra um dos princípios basilares do processo civil.”

36º A douta sentença recorrida não violou quaisquer preceitos legais, devendo ser integralmente mantida;

37º Nestes termos, não deverá ser dado provimento ao recurso, mantendo-se a douta decisão recorrida, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!”.


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Questões objecto do recurso:

- Nulidade da decisão recorrida;

- Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto;

- Enquadramento jurídico da causa, de acordo com a factualidade que vier a ser julgada relevante.


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II – FUNDAMENTOS.

2.1. Factos provados.

A 1ª instância considerou indiciariamente provados os seguintes factos:

1 – Na ação principal, a que os presentes autos se encontram apensos, o aqui requerente, ali autor, formulou os seguintes pedidos: “I - Ser declarado nulo e de nenhum efeito jurídico, por simulação absoluta o denominado de “Contrato de Partilha Bens Móveis Nomeadamente Valores Mobiliários e Créditos, Por Óbito de GG”, datado de 30.03.2006”, mas na verdade assinado em 19.02.2009, em que interveio o A. - AA e os R.R., seus filhos BB e CC, com todas as consequências que daí advêm, nomeadamente, a nulidade e a consequente ineficácia de todos os atos de disposição e de titulação que tenham por objeto os direitos e os valores mobiliários identificados sob as verbas nºs 1 a 26 da relação anexa (Anexo II) ao denominado contrato. II - Ordenar-se que os créditos identificados na relação anexa (Anexo II) do denominado contrato de partilha, junto como (Doc.23), sob as verbas nºs 1 a 24 e 26 e dos valores mobiliários id. sob a verba nº 25, constituída por 49.980.000 (quarenta e nove milhões novecentas e oitenta mil) ações, representativas de €.490.980,00 do capital social da sociedade com a firma A... S.A., com NIPC....46, seja representado por qualquer outro título, nomeadamente, por quotas, sejam, no seu conjunto, reintegrados na esfera jurídica do ativo da herança, ilíquida e indivisa aberta por óbito de GG, com o N.I.F....99, legitimando o A., enquanto cabeça de casal a efetuar o respetivo averbamento de titularidade das ações a favor da herança junto da emitente A..., em conformidade com o disposto no art. 102º, nº 3, al. b) do CDVM. III - Declarar-se que o A., enquanto cabeça de casal da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de GG é o administrador dos bens e ativos da herança e o representante comum para o exercício de todos os direitos da herança e designadamente os direitos sociais inerentes às 49.980.000 (quarenta e nove milhões, novecentas e oitenta mil) ações, reintegradas na herança com o N.I.F....99, ou que, venham a ser representadas por qualquer outro título, ao abrigo do disposto nos arts. 303º, 223º, 224º do Código da Sociedades Comerciais e arts. 2078º e 1407º, ambos Cód. Civil.”(artigo 1º do requerimento inicial e parte do artigo 39º da oposição).

2 – A audiência de discussão e julgamento nos autos principais, foi iniciada em 25 de outubro de 2024 e teve agendada a continuação para os dias 24 de novembro de 2024 e 21 de fevereiro de 2025 (parte do artigo 2º do requerimento inicial e parte do artigo 39º da oposição).

3 - No âmbito da providência cautelar comum n º 4215/20.... que correu termos por este Juízo Central Cível, J1, o ali requerente (também aqui requerente) AA, deduziu os seguintes pedidos contra os ali requeridos (também aqui requeridos) BB e CC: “I – Que seja ordenada a imediata apreensão judicial das 49.980.000 (quarenta e nove milhões novecentas e oitenta mil) ações hoje nominativas, ou quaisquer outros títulos representativos das referidas ações em resultado da sua transformação ou de qualquer outra alteração societária em nome de BB e de CC, e que resultam das ações ao portador referidas no mencionado contrato de partilha, no valor de um cêntimo cada, representativas de 99,96 % do capital social da sociedade A... S.A., NIPC....46, com sede no Parque Industrial ..., lote ...3, ... ... que se encontrem na disponibilidade dos requeridos, devendo, em consequência, e, a título meramente cautelar notificar-se os mesmos BB e CC de que: a) Ficam proibidos, até trânsito em julgado da ação principal de declaração de nulidade referida, de ceder onerosa ou gratuitamente, ou onerar qualquer uma das 24.990.000 ações ou de qualquer outro título representativo das mesmas, em concreto, as quotas, no valor global de €.499.800,00, (no valor nominal de €.249.900,00 + €.249.900,00), que cada um dos requeridos venha a deter no capital social da A..., S.A., as quais fazem parte da comunhão hereditária, e/ou que resultem da sua eventual unificação e/ou divisão ou de qualquer outra manobra societária. b)Devem proceder de imediato à entrega dos títulos representativos das 49.980.000 (quarenta e nove milhões novecentas e oitenta mil) ações nominativas ao ROC (Revisor Oficial de Contas) da emitente A..., S.A., na pessoa do Dr. DD, sócio da sociedade B..., SROC, Lda., com o domicílio profissional na Av. ..., ... ... ou caso à data de decisão se mostrem representadas por qualquer outro título, nomeadamente, quotas, ordenando-se o registo da sua apreensão na respetiva matricula da sociedade. II – A notificação do ROC da emitente, para que, no livro de registo de ações, em papel ou em suporte informático, bem como, no título das mesmas averbe, a decisão judicial que vier a decretar a apreensão, ficando fiel depositário dos títulos das ações e livro de registo das mesmas, do qual, deverá assegurar a guarda/depósito dos títulos daquelas ações nominativas, em instituição bancária, que deverá comunicar ao tribunal ou caso estas à data da decisão revistam qualquer outra forma ou titulação, nomeadamente, quotas, requer-se o averbamento da decisão judicial que vier a decretar a sua apreensão, junto da respetiva matricula no registo comercial. III – A notificação dos 1ª e 2ª requeridos para se absterem de utilizar as referidas ações, ou quaisquer outros títulos representativos das mesmas, cuja apreensão se requer e logo que seja decretada, sob que forma ou pretexto for e até trânsito em julgado da ação principal de declaração de nulidade, nomeadamente para o exercício de quaisquer direitos sociais inerentes às referida ações. IV– A notificação dos 1ª e 2ª requeridos, na qualidade de membros do C.A. da A... S.A., ou na qualidade de gerentes para se absterem da prática de atos de administração de relevância sem prévio parecer favorável do ROC, limitando-se à prática dos atos de mera administração ou gerência ordinária. V – Reconhecer-se e até transito em julgado da ação principal de declaração de nulidade, o requerente, enquanto cabeça de casal da herança por óbito da sua esposa GG, como representante comum para o exercício de todos os direitos sociais inerentes às 49.980.000 (quarenta e nove milhões novecentas e oitenta mil) de ações nominativas ou a quaisquer outros títulos representativos das mesmas, nomeadamente quotas, objeto da ordem de apreensão ao abrigo do disposto nos arts. 303º, 223º, 224º do Código da Sociedades Comerciais, 2078º, 1407º ambos Cód. Civil. VI – Notificar-se o presidente da assembleia geral (A.G.) da sociedade A..., S.A., ou de quem venha a exercer essas funções em qualquer outra estrutura societária, da decisão de apreensão das ações referidas ou de quaisquer outros títulos em I, ordenando-se que este no exercício das suas funções dê cumprimento ao ora decidido, nomeadamente, tenha em atenção a ordem de apreensão e suas limitações, devendo dar conhecimento imediato ao ROC da convocação de qualquer A.G.. VII - Que a notificação ao 1º e 2ª requeridos e ao presidente da A.G., seja efetuada com a advertência de que, em caso de incumprimento do ordenado judicialmente: A – Incorrem na prática do crime de desobediência qualificada previsto no art. 348º do Cód. Penal; B – Cada um dos 1º e 2ª requeridos, incorre no pagamento de sanção pecuniária compulsória de montante de €.1.000,00 (mil euros), por cada dia de incumprimento, quantia considerada apropriada e razoável a dissuadir o comportamento de incumprimento; VIII - Ordenar a notificação da decisão que vier a ser decretada no que se refere à apreensão judicial do lote das 49.980.000 (quarenta e nove milhões novecentas e oitenta mil) ações ou de quaisquer outros títulos representativos das mesmas ao Instituto do Registo do Notariado para efeitos de averbamento da apreensão e/ou publicidade junto da plataforma do Registo Central do Beneficiário Efetivo (RCBE) da sociedade com a firma A... S.A., com NIPC....46. IX – Ordenada a requisição da força pública, para auxiliar no cumprimento da decisão por parte do agente de execução/oficial de justiça se estes o entenderem necessário”.

4 – No âmbito da providência cautelar aludida em 3) foi proferida decisão, transitada em julgado em 27/01/2021, a qual julgou improcedente a pretensão do ali requerente, não tendo sido decretada a providência, foi indiciariamente dado como provada a seguinte factualidade: “3.1. AA, foi cabeça de casal da herança ilíquida e indivisa por óbito da sua mulher GG. 3.2. O requerente foi sócio fundador da sociedade comercial anónima com a firma A... Materiais de Construção S.A., número de pessoa coletiva ...46., com sede no Parque Industrial ..., lote ...3, lugar e freguesia ..., concelho ..., com capital social de € 500.000,00 (quinhentos mil euros). 3.3. A referida sociedade foi constituída em 25.01.1982, sob a forma de Sociedade Comercial por quotas, com o capital social de 2.000.000$00 e com a firma A..., com sede na Quinta .... 3.4. Em 31/07/1985, AA, também sócio fundador, cedeu a sua quota a GG, esposa do requerente. 3.5. Em 16.06.1987, o capital social foi aumentado para 20.000,000$00. 3.6. A partir daquela data, ficaram sócios da requerida A..., o requerente AA e a sua mulher GG, cada um com uma quota de 10.100.000$00 e 9.900.00$00 respetivamente, (Ap. 05/971021 da certidão da matricula). 3.7. A sociedade A... tinha por objeto, ao tempo da sua constituição, a atividade de comércio de materiais de construção e mobiliário. 3.8. O capital social da A... foi alterado, tendo sido aumentado para 60.000.000$00 mediante a incorporação de reservas ficando o elenco social assim constituído: AA com uma quota de 30.300.000$00 e, GG com uma quota de 29.700.000$00. 3.9. A A... mudou também nesta data a sua sede para o lote ...3 do Parque Industrial ... sito na ..., .... Por deliberação tomada em assembleia geral de 30.06.2001, a sociedade A... foi transformada em sociedade anonima, passando a denominar-se A... Materiais de Construção, S.A. (ata nº 7), tendo por objeto o comércio de materiais de construção civil. 3.11. O capital social da A... foi alterado novamente através de incorporação de reservas e em dinheiro, tendo entrado para o elenco social os novos sócios, dois deles seus filhos BB e CC, à data solteiros, ele maior ela menor, tendo o capital passado para PTE 100.241.000$ (€ 500.000) representado por 50.000.000 de ações ao portador de 1 cêntimo cada (ap. ...24). 3.12. O capital Social da A... ficou distribuído: AA: (50.591.331$98) - € 252.348,50, correspondente a € 25.234.850 ações, GG: (49.589.523$42) - € 247.351,50, correspondente a 24.735.150 ações. BB: (20.048$00) - € 100, correspondente a 10.000 ações; CC (20.048$) € 100 correspondente a 10.000 ações; HH: (20.048$00) - € 100, correspondente a 10.000 ações e o Conselho de Administração da A... ficou constituído da seguinte forma: Presidente AA, Vice-Presidente GG, Vogal BB. 3.13. A Sociedade A... passou a obrigar- se pela vontade expressa do Presidente ou Vice-Presidente, ou dois Administradores. 3.14. Desde a constituição da requerida A... que o requerente AA esteve sempre à frente dos destinos da Sociedade, com plenos poderes para administrar, como bem o entendesse, bastando a sua assinatura para vincular a Sociedade. 3.15. Mantendo a A... desde a sua constituição e, após a sua transformação em sociedade anónima, o seu âmbito estritamente familiar e a estrutura piramidal, no topo da qual sempre esteve o requerente AA. 3.16. Os 1º e 2º requeridos, BB e CC são filhos do requerente. 3.17. Os 1º e 2º requeridos, filhos do requerente, eram menores à data da constituição da Sociedade. 3.18. Em 09.03.2006, faleceu a acionista GG, com quem o requerente foi casado no regime da comunhão de adquiridos. 3.19. Após o falecimento da sua esposa e acionista da A... o requerente constituiu, em 07 de abril de 2006, juntamente com outro sócio, a sociedade comercial por quotas com a firma C..., Lda., com sede no Parque Industrial ..., lote ...3, .... 3.20. A sociedade C... foi constituída com um capital social de € 25.000 na qual, o requerente veio a subscrever uma quota no valor nominal de 12.500, correspondente a 50% do capital social. 3.21. A outra quota foi subscrita por II, empresário da construção civil e parceiro de negócios do requerente, quer pessoalmente, quer através de uma outra sociedade comercial detida por este, com a firma D..., Lda.- entretanto declarada insolvente. 3.22. A sociedade C..., Lda. tinha por objeto social a construção civil, obras públicas, venda, revenda, e administração de imóveis, urbanização e construção de prédios para venda. 3.23. A sociedade a C... passou por graves dificuldades financeiras. 3.24. A sociedade C... foi declarada insolvente em 09.05.2012, por sentença transitada em julgado, proferida nos autos de processo de insolvência que correram termos pelo 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viseu, com processo nº 1305/12...., a qual, veio a ser qualificada como furtuita. 3.25. O ativo social da referida sociedade veio a ser apreendido no âmbito do incidente de liquidação da massa insolvente da C..., sendo avaliado pelo A.I em € 1.275.000,00, insuficiente para pagamento do capital em dívida ao principal credor hipotecário – Banco 1..., S.A., que à data ascendia a € 2.790.483,20. 3.26. O requerente respondia solidariamente por aquela quantia, por força dos avais concedidos à referida instituição bancária, quantia essa, pela qual o requerente logo após a declaração de insolvência em 24.07.2012, veio a ser pessoalmente interpelado pelo mandatário do banco credor, para no prazo de trinta dias proceder ao pagamento integral da dívida da sua representada C.... 3.27. A estratégia à data delineada e executada em 2009, antes da apresentação da referida sociedade C... à insolvência, quando se perspetivou pelos problemas financeiros que afetaram a referida sociedade o incumprimento com o credor hipotecário Banco 1..., teve em vista colocar o requerente pai, com a maior brevidade possível, numa situação formal de aparente indigência. 3.28. Visando desfazer-se o requerente das participações sociais na A... e do seu quinhão hereditário por morte da sua esposa GG, constituído por património mobiliário e imobiliário, assente numa estratégia que tinha em vista assegurar a mobiliário que representava o seu quinhão hereditário para os filhos, aqui requeridos, evitando assim que este património viesse a responder pelas suas responsabilidades sendo arrestado/penhorado pelo banco 3.29. Em 2009, o requerente era Presidente do Conselho de Administração com poderes para vincular a A..., com apenas a sua assinatura. 3.30. Por força destas circunstâncias foi reformulado o Conselho de Administração e o domínio do capital da Sociedade A..., procedendo requerente e requeridos à elaboração de uma partilha fictícia do património mobiliário do casal em conluio com os seus dois filhos, conforme contrato de partilha que foi datado de 30 de Março de 2006, assinado por todos os intervenientes no início de 2009. 3.31. Com vista a ocultar da sua titularidade formal as participações sociais/ações da A..., elaboraram e assinaram requerente e 1º e 2ª requeridos, um contrato através de documento particular denominado “Contrato de Partilha Bens Móveis Nomeadamente Valores Mobiliários e Créditos, por óbito de GG”. 3.32. Declaram o requerente e filhos 1º e 2ª requeridos, na cláusula 1º que “(…) se encontram de acordo quanto ao valor e à forma de partilha dos bens móveis, nomeadamente participações sociais, créditos, saldos bancários e aplicações financeiras, os quais se encontram descritos no documento complementar anexo que faz parte integrante do presente documento (Anexo II), que constituem parte do acervo da herança deixada por óbito de GG, mulher e mãe dos outorgantes”. 3.33. Mais declaram na cláusula 2ª “… que o valor global dos direitos de créditos – saldos bancários – depósito à ordem e aplicação financeiras – participações sociais e outros – que fazem parte da herança é de € 1.003.398,20 …a meação e quinhão hereditário do Primeiro Outorgante é de € 668.932,13 … e o quinhão hereditário de cada um do Segundo e Terceira Outorgantes é de € 164.233,03. Mais aí se consignou na cláusula 3ª que “É adjudicado ao Primeiro Outorgante as verbas n º 1 a 24, inclusive e 26, identificadas no documento complementar (Anexo II) ao presente documento, que faz parte integrante …que corresponde ao valor de € 668.932,13”. 3.34. Fizeram ainda constar da cláusula 4ª do documento que: “Ao Segundo Outorgante (filho) para preenchimento do seu quinhão é-lhe adjudicado metade da verba n º 25 do documento complementar que corresponde a 24.990.000,00 (vinte e quatro milhões e novecentos e noventa mil) ações ao portador, representativas de € 249.900,00, do capital social da sociedade aí identificada que correspondem ao valor de € 167.233,03”. 3.35. Fizeram constar na cláusula 5ª que: “para preenchimento do quinhão da terceira outorgante (filha) é-lhe adjudicada metade da verba n º 25 do documento complementar, que corresponde a 24.990.000 de ações ao portador, representativas de € 249.900,00, no capital social da sociedade aí identificada que correspondem ao valor de € 167.233,03”, ficando o capital social distribuído em 25.000.000 de ações para cada um dos 1º e 2ª requeridos. 3.36. No dia 13.02.2009 foi assinado um outro documento, pelos requerente e 1º e 2º requeridos, denominado “Declaração”, com reconhecimento presencial das assinaturas dos aí declarantes no Cartório Notarial ... de JJ, no qual requerente e 1º e 2º requeridos declararam que: “A partilha de créditos, e valores imobiliários por óbito de GG, titulada por documento particular datado de 30 de Março de 2006, não teve subjacente qualquer intenção ou vontade efetiva por parte dos aqui declarantes em efetuar a partilha dos referidos bens/valores e/ou direitos, mas apenas salvaguardar os referidos ativos, valores mobiliários ações ao portador da firma A..., S.A. - dos credores pessoais do aqui Primeiro Declarante – aqui requerente – evitando assim que estes pudessem servir de garantia aos seus créditos”. 3.37. Mais declaram que: “Trata-se assim de um ato simulado, simulação essa que os aqui declarantes expressamente reconhecem e aceitam”. 3.38. O requerente AA renunciou à administração da A... em 2010. 3.39. Foi alterado o artigo 7º do contrato de sociedade, e, em substituição do requerente foram nomeados para o Conselho de Administração da sociedade A... os dois filhos, aqui requeridos, ficando a sociedade vinculada pela assinatura conjunta de dois administradores, os requeridos. 3.40. Com a prática formal de todos os atos/negócio descritos, o requerente AA no lapso de tempo de poucos meses ficou “formalmente” sem qualquer património. 3.41. O requerente AA ao longo destes últimos 10 anos, foi de facto o “administrador” da empresa A..., nada mudando na sua atuação enquanto tal, no dia a dia da empresa, estando presente diariamente nas instalações, negociando, contratualizando, contratando e despedindo funcionários, dando ordens e orientações, a todos os colaboradores, inclusive aos requeridos seus filhos. 3.42. Efetuando compras e pagamentos através de transferências bancárias bancarias utilizando para efeito as “chaves” digitais de acesso fornecidas pelas instituições bancárias aos seus filhos, aqui requeridos enquanto administradores. 3.43. O requerente implementou uma nova área de negócio de “bricolage/brico” que atualmente se mantém nas instalações sede da empresa A... em ..., bem como de uma renovada área de showroom. 3.44. Criou e implementou um espaço autónomo de negócio de material “low cost” designado por “Outlet” que atualmente se mantém. 3.45. Foi o requerente que desde o início assumiu as rédeas do negócio da venda de materiais de construção no Retail Park em ..., onde a requerida A... não tinha qualquer estrutura e onde existe uma forte concorrência no setor. 3.46. O requerente desde há cerca de 40 anos que intervém como interlocutor comercial e financeiro com a Banca e com os principais fornecedores da A..., com quem diariamente negoceia e compra, entre os quais, estão o grupo E..., entre muitos outros. 3.47. Foi o requerente o responsável pelo crescimento estrutural e económico da A.... 3.48. O requerente foi o estratega, o impulsionador e negociador junto de outras empresas do ramo, pela constituição de um ACE Agrupamento Complementar de Empresas, formalizado no dia 02.10.2020, denominado F..., A.C.E., do qual a A... é uma das empresas associadas. 3.49. O requerente acompanhou de perto e desde sempre, todos os negócios dos seus estabelecimentos, onde se desloca assiduamente. 3.50. Os 1º e 2ª requeridos, atualmente com 40 e 35 anos de idade, após concluírem a sua licenciatura, e tendo em conta a sua ligação familiar à empresa, acabaram por aí ficar formalmente. 3.51. O requerente foi, recentemente, proibido pelos requeridos, de entrar na sede da empresa em ..., de aí dar orientações, podendo somente entrar na loja de .... 3.52. Ao casal se deve o desenvolvimento da empresa, que sempre encarou o projeto de nela envolverem os seus filhos e a intenção de lha virem a transmitir. 3.53. Foi instaurada contra a A... uma ação que correu os seus termos no Tribunal do Trabalho, sob o n º 5311/18...., no âmbito da qual, em julgamento, o requerente declarou “Fui administrador da A... (…) Até principio de 2013 (…) Agora não tenho nenhuma relação com a A... (…) Eu em 2013 saí da A... para fazer um tratamento que demorou dois anos, durante dois anos estive afastado da A... (…) a partir daí eu vivo em ..., venho cá, venho ver a minha mãe (…) Eu fui administrador até 2013” (artigos 5º, 6º e 7º todos da oposição).

5 - Da certidão permanente da sociedade A..., constata-se que, em 29/10/2024 foi efetuado o registo do aumento de capital no valor de € 1.000 de ações, bem como as alterações ao contrato de sociedade “modalidade e forma de subscrição: em numerário, mediante a emissão de 100.000 novas ações no valor nominal e 0.01 euros. Capital após o aumento: € 501.000,00; forma de obrigar: com a intervenção conjunta de dois membros do Conselho de Administração; Estrutura da administração: Conselho de Administração composto por dois ou três membros; Estrutura da fiscalização: Fiscal Único; Duração do Mandato: 4 anos (Insc. 15 – Ap. ...29)” (parte do artigo 3º do requerimento inicial).

6– O registo aludido em 5) teve por base as deliberações tomadas na reunião da assembleia geral da sociedade A..., S.A. e vertidas na ata n º 44 da qual consta como ordem de trabalhos “Primeiro: revogar as deliberações tomadas na Assembleia Geral n º 41, datada de 25 de janeiro do ano corrente. Segundo: Deliberar sobre a entrada de novos acionistas, alteração do capital social e transformação do valor das ações nominativas. (…) Relativamente ao segundo ponto da ordem de trabalhos e, tendo em conta que a razão essencial da transformação da sociedade, antes da deliberação de transformação para sociedade por quotas, foi o facto de a mesma estar reduzida apenas a dois acionistas, o que violava o disposto no artigo 273º, n º1 do CSC e a fim de dar cumprimento `sobredita disposição legal, os acionistas presentes, deliberam, por unanimidade, admitir três novos acionistas na sociedade, através dos seguintes atos: I) Doação de 10.000 ações com o valor nominal de 0,01€ cada (…) pertencentes ao acionista BB à sua filha KK (…) II) venda de 10.000 ações com o valor nominal de 0,01€ cada, correspondente às ações n º ...01 a 25.010.000, pertencentes à acionista CC à sociedade comercial G... Unipessoal, L.da (…)”.

7 – Antes da concretização do registo aludido em 5), resulta da certidão permanente da sociedade A..., que o pedido de registo das deliberações vertidas na ata n º 44 foi em 19/06/2023 recusado (Insc. 13 - Ap. 76/20230619) (parte do 4º do requerimento inicial e parte do artigo 42º da oposição).

8 - A reunião da assembleia geral da sociedade A..., S.A., vertida na ata n º 45 do Livro de Atas da sociedade teve como ponto único “aumento de capital social para o montante de 1.500.000,00€, sendo 350.000,00€ por distribuição de resultados de 2022 e 649.000,00 por incorporação de reservas estatutárias, com aumento proporcional das quotas existentes”

9 – Face ao aludido em 7) em 21/06/2023 foi lavrado provisório por dúvidas o registo das deliberações vertidas na ata n º 45, o qual veio a caducar (Insc. 14 - Ap. ...21) (parte dos artigos 4º e 5º ambos do requerimento inicial e 44º da oposição).

10 – A ata n º 44, que instruiu os atos de registo que estiveram na base da Insc. 13 AP 76/20230619 tem como data o dia 17 de dezembro de 2021 e corresponde às páginas 16 a 23 do Livro de Atas, não tendo qualquer rasura ou emenda (artigo 7º do requerimento inicial).

11 – A ata n º 45 instruiu a Insc. 14 Ap. ...21, tem como data 26 de maio de 2023, pelas 15h30m corresponde à página 24 do Livro de Atas e não tem qualquer rasura ou emenda (artigo 8º do requerimento inicial).

12 – A ata que instruiu a Insc. 15 Ap. ...29, tem por base a ata aludida em 10), contendo a menção de correções com indicação de “Traçados”, “Entrelinhados “Emendado e com fecho antes das assinaturas em forma de Z (artigo 9º do requerimento inicial).

13 – O registo aludido em 12) foi ainda instruído com uma “Adenda ATA n º 44”, com a data de 21 de dezembro de 2021, que corresponde às folhas 29 a 31 do Livro de Atas (artigo10º do requerimento inicial).

14 – Entre as folhas 25 a 28 do Livro de Atas da sociedade A... ainda existem outras atas, como a Ata 46 que consta de fls. 25 a 26 daquele Livro de Atas (parte do artigo 12º do requerimento inicial).

15 -Os autos principais tiveram inicio em 06/06/2023, tendo os ali requeridos sido citados em 12/06/2023 (fls. 365 e 366 dos autos principais).

16 - No âmbito da presente providência cautelar comum foram os requeridos notificados por notificação eletrónica efetuada em 13/12/2024 (artigo 7º do requerimento de fls. 62 e seguintes).

17 – Durante o exercício de 2022 a sociedade A... aproveitou o beneficio fiscal da Remuneração Convencional do Capital Social (RCCS) que incentivava o reforço dos capitais próprios através da utilização do resultado liquido do exercício, sendo que este beneficio terminava em 31/12/2022 (artigo 52º da oposição).

18 – A AT permitiu que o aumento de capital fosse registado até à data de entrega da declaração Modelo 22 (06/06/2023) continuando a ser considerado nas contas de 2022 (artigo 53º da oposição).

19 – Este regime permitiu uma dedução de 7% sobre os aumentos de capital social, proporcionando uma poupança efetiva de impostos ao reduzir o lucro tributável da empresa (artigo 54º da oposição).

20 – No caso da sociedade A..., o aumento de capital gerou uma dedução fiscal de € 24.500 com uma poupança efetiva de € 5.145, considerando a taxa de IRC de 21% (artigo 55º da oposição).

21 – Em complemento desta medida, a empresa beneficiou da DLRR (Dedução por Lucros Retirados e Reinvestidos) (parte do artigo 56º da oposição).

22 – O aumento do capital foi deliberado com base em objetivos concretos de crescimento e reforço financeiro (parte do artigo 58º da oposição).

23 – A sociedade A... é uma empresa que procura as melhores soluções para assegurar o seu desenvolvimento e competitividade no mercado (parte do artigo 59º da oposição).

24 – O pedido de registo de aumento de capital com base na ata n º 45, foi novamente requerido em 14 de novembro de 2024, tendo sido lavrado em 19 de dezembro de 2024 com a Insc. 16 – Ap. ...19 (parte do artigo 1º e 2º ambos da oposição e 1º e 2º ambos do requerimento de fls. 84 e segs).

25 – Foi efetuada uma Adenda Ata n º 45 contendo a data de 29 de maio de 2023, pelas 10h, constante de fls. 32 e 33 do Livro de Atas da sociedade.

26 – Foi elaborada a ata n º 46 contendo a data de 29 de maio de 2023, pelas 16h, a qual foi posteriormente “traçada” tendo sido “entrelinhado” o dia 26 de maio de 2023, constando de fls. 25 a 26 do Livro de Atas da sociedade (parte dos artigos 14º, 15º e 16º todos do requerimento de fls. 84 e segs.).

27 – Foi elaborada a Adenda Ata n º 46 mencionando a data de 26 de maio de 2023, pelas 10h, constando de fls. 34 do Livro de Atas da sociedade (parte dos artigos 14º, 15º e 16º todos do requerimento de fls. 84 e segs.).


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2.2. Factos não provados.     

Pelo Tribunal a quo foram considerados não provados os factos vertidos nos artigos:

- 26º, 27º e 28º do requerimento inicial;

- 56º (restante matéria que não foi dada como provada), 57º e 73º da oposição;

- 8º do requerimento de fls. 62 e segs.


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2.3. Da arguida nulidade da decisão recorrida.

Com fundamento no regime previsto no art. 615º, nº1, alínea c), do C.P.C., sustenta a recorrente que a decisão recorrida é nula, o que resulta, em seu entender, da circunstância de ter sido admitida extemporaneamente a inquirição da testemunha supra identificada.

Dispõe a referida norma que “É nula a sentença quando: (…) c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;”.

A questão que o apelante suscitou diz respeito a um elemento probatório, sendo evidente, atento o teor da mencionada disposição normativa, que essa problemática não se enquadra num dos motivos que podem determinar a invocada nulidade, ou seja, contradição entre os fundamentos e o dispositivo ou ambiguidade/obscuridade que tornem a decisão ininteligível [4].

De qualquer forma, o recorrente não pode colocar em causa, no presente recurso, a admissibilidade da referida prova testemunhal, uma vez que não impugnou, no local próprio, o despacho, proferido em audiência final, que se pronunciou sobre o pedido de inquirição formulado pelos requeridos [5], sendo certo, por outro lado, que carece de legitimidade para o fazer, uma vez que se conformou, igualmente na referida audiência, com a inquirição em apreço (cf. art. 197º, nº2 do C.P.C. [6]).

Improcedendo a arguida nulidade, cabe apreciar as restantes questões que foram suscitadas no recurso em análise.      

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2.4. Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

Consta no ponto 24 dos factos assentes que “O pedido de registo de aumento de capital com base na ata n º 45, foi novamente requerido em 14 de novembro de 2024, tendo sido lavrado em 19 de dezembro de 2024 com a Insc. 16 – Ap. ...19 (parte do artigo 1º e 2º ambos da oposição e 1º e 2º ambos do requerimento de fls. 84 e segs).”.      

Sustenta o apelante que o Tribunal a quo não poderia considerar provada a referida factualidade vertida no ponto 24, na parte onde se refere que o registo foi requerido em 14/11/2024, uma vez que “fundamentou a sua convicção num email de uma das mandatárias dos Requeridos, junto sem quaisquer anexos e remetido ao Sr. FF, com o endereço de ..........@..... e com duas datas ali apostas, 14 de Novembro de 2024 (sem hora) e 16 de Dezembro de 2024 às 16:01:42.”, tendo ignorado “(…) a disposição legal constante do artigo 28º do Código de Registo Comercial, o teor da certidão permanente (CP : ...20) da sociedade e o requerimento a ela anexo de pedido de transcrição de registo de modelo oficial, apresentado a 19 de Dezembro de 2024.”.

A 1ª instância fundamentou o ponto 24 – fundamentação que engloba outra factualidade – da seguinte forma:

As demais matérias dadas indiciariamente como provadas e vertidas nos pontos 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 24, 25, 26 e 27, da factualidade indiciariamente dada como provada, teve por base os documentos juntos aos autos de fls. 10 verso a 26, 35 a 59, 65 verso a 83, conjugado com a consulta eletrónica da notificação efetuada em 13/12/2024, bem como os constantes dos autos principais de fls. 365 e 366, cujo teor aqui se dá por reproduzido.”.

Constata-se, atento o teor da motivação atrás mencionada, que o Tribunal recorrido não discriminou, relativamente a cada ponto, qual o documento que demonstra a correspondente factualidade, sendo certo que também não indicou as referências que permitem localizar os suportes documentais na plataforma Citius.

Após uma pesquisa aturada, considerando os elementos que resultam das alegações e atenta a redacção do ponto 24, conclui-se que foi levado em consideração um documento junto aos autos em 3/1/2025 (Refª Citus 6972777), o qual se traduz num e-mail datado de 14/11/2024, com o seguinte teor:


 

Ora, em 27/12/2024 (peça processual com a Refª Citius 6968259), o ora apelante tinha junto aos autos uma certidão da competente conservatória do registo comercial que inclui os documentos que serviram de base ao registo do aumento de capital, nomeadamente o requerimento onde é solicitado que o mesmo (registo) seja realizado por transcrição.

Tais suportes documentais – contrariamente ao junto pelos requeridos, que não constitui, aliás, um documento oficial – demonstram, inequivocamente, que o pedido foi formulado em 19/12/2024 – data que coincide com a do próprio registo –, o que, aliás, vai de encontro ao regime previsto no art. 55º, nº4, primeira parte, do Código do Registo Predial, o qual prescreve que “A data do registo por transcrição é a da apresentação (…) [7]”.

Em face do exposto, determina-se que o ponto 24 dos factos indiciariamente provados passe a apresentar a seguinte redacção:

O pedido de registo de aumento de capital com base na ata n º 45, foi novamente requerido em 19 de Dezembro de 2024, tendo sido lavrado na mesma data com a Insc. 16 – Ap. ...19.”


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2.5. Enquadramento jurídico.

Dispõe o art. 362º, nº1, do C.P.C. que “Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado.”, acrescentando o nº 2 do mesmo artigo que “O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em ação constitutiva, já proposta ou a propor.”.      

Por sua vez, o art. 368º, nº1, do citado Código estabelece que “A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.” [8].

Os requisitos supra mencionados, ainda que se encontrem reunidos, nem sempre permitem que seja decretada a providência, dados os limites impostos pelo nº2 do art. 368º, o qual prescreve o seguinte:

A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.” [9].

No caso em apreço, o direito que o requerente procura salvaguardar encontra-se a ser discutido nos autos principais, estando em causa, como sabemos, a declaração de nulidade (resultante de simulação) de um contrato que incidiu sobre a transmissão de um conjunto de valores mobiliários, com os efeitos daí resultantes.

Ora, no procedimento cautelar em análise os pedidos que o requerente formula vão muito para além da pretensão deduzida no referido processo, uma vez que, pretende, para além do mais, que os requeridos se abstenham de exercer quaisquer direitos inerentes às participações sociais (acções) acima referenciadas.

Conforme salientou o Tribunal recorrido “(…) as deliberações tomadas e vertidas nas atas registadas, traduzem-se em decisões e orientações quanto à gestão corrente e diária da sociedade A..., as quais não põem em causa a subsistência e continuidade da sociedade, nem tais atos de aumento de capital conduzem à dissipação das participações sociais, ainda que as mesmas possam conter irregularidades, quer no tocante a dados inscritos nas mesmas, como o dia e hora a que foram realizadas as assembleias, o que se compreende até por meros lapso de escrita, bem como na numeração que não afasta a existência de outras deliberações, atos próprios da vida societária.

O aumento de capital, por si só, não é idóneo a tornar a herança minoritária no capital social, nem de causar prejuízos à herança, constituindo o mesmo um ato próprio da gestão da sociedade, o qual, no caso, resultou indiciariamente demonstrado visar utilizar um beneficio fiscal e reforçar financeiramente a sociedade.

No âmbito da ação principal o requerente visa obter a nulidade do contrato de partilha, em virtude da simulação, a qual a ser julgada procedente, acarretará uma nova partilha do acervo hereditário deixado por óbito de GG, da qual são herdeiros requerente e requeridos, e o qual será composto pelas participações sociais em causa, não se podendo concluir que os requeridos venham, só por isso, a ser afastados da administração da sociedade, que começou e continua a ser um negócio familiar.

As pretensões do requerente nesta providência cautelar têm em vista limitar (apreensão judicial das ações e a sua entrega a um fiel depositário indicado pelo requerente), a gestão e a vida da sociedade, podendo criar um impasse ao nível da gestão da mesma, o que se traduziria em prejuízos superiores ao dano que o requerente alegadamente pretendia acautelar com a presente providência.”.

Conclui-se, desta forma, que não estão reunidos os pressupostos referentes ao fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do direito invocado, pressupostos que, a existirem, no caso concreto – o que apenas se refere por uma questão de raciocínio – não permitiriam o decretamento da providência, uma vez que a actividade da empresa em questão poderia ficar paralisada, por impossibilidade de os respectivos sócios tomaram deliberações sobre matérias respeitantes à vida societária  (art. 368º, nº2, do C.P.C.).

Em face do exposto, constatando-se o acerto da decisão impugnada, deverá ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão impugnada.


*****

III – DECISÃO.

Nestes termos, sem prejuízo da alteração factual supra mencionada, decide-se julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo apelante.


Coimbra, 24 de Junho de 2025

(assinado digitalmente)

Luís Manuel de Carvalho Ricardo

(relator)

Cristina Neves

(1ª adjunta)

Hugo Meireles

(2º adjunto)



[1] Cf. despacho proferido em audiência final.
[2] Na respectiva acta consta o seguinte: “De imediato, a MM. Juiz de Direito, deu a palavra ao ilustre Mandatário do Requerente, o qual, no seu uso disse:-
As testemunhas são obrigatoriamente indicadas nos respetivos articulados. A Lei permite, no entanto, nos termos do art.º510.º do CPC, a substituição de qualquer das testemunhas que tenha sido indicada, e nesse caso, tal teria que ser feito sempre com cindo dias de antecedência.-
Assim, uma vez que, a testemunha não foi indicada nem se trata de uma substituição da testemunha impõe-se que a requerida inquirição seja indeferida, como se requer.”.
[3] Na acta em apreço, o entendimento inicialmente formulado foi revertido da seguinte forma: “Dada a palavra ao ilustre Mandatário do Requerente, pelo mesmo foi dito:-
Face à posição do Tribunal, de entender que eventualmente a testemunha poderá ter interesse para a boa decisão da causa para não protelar mais o processo o requerente entende que a inquirição se faça desde já.-“.

[4] Sobre esta matéria, cf. o Acórdão da Relação de Lisboa de 22/6/2023, disponível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/47a371ac4f8ba6e2802589e1002efb82?OpenDocument.
[5] Não foi interposto recurso do despacho que deferiu a inquirição, tendo o mesmo transitado em julgado – cf. art. 620º, nº1, do C.P.C.., cuja redacção é a seguinte: “As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.”.
[6] Art. 197º, nº2, do C.P.C.: “Não pode arguir a nulidade a parte que lhe deu causa ou que, expressa ou tacitamente, renunciou à arguição.”.
[7] O sublinhado é nosso.
[8] A propósito desta matéria, cf. o Acórdão desta Relação (Coimbra) de 15/12/2021 (Aresto disponível em https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/516765cd42523078802587b3003d2fb7?OpenDocument), no qual se refere, com toda a propriedade, que “O decretamento de uma providência cautelar não especificada está dependente da verificação dos seguintes requisitos: probabilidade séria da existência do direito invocado; fundado receio de que outrem, antes da acção ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito; não exceder o prejuízo resultante da providência o dano que com ela se quer evitar; e não existência de providência específica para acautelar o mesmo direito.”.
No mesmo sentido, observa-se no Acórdão da Relação de Lisboa de 2/3/2023 (Aresto disponível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/bbf81c7b92fc77e280258974003fcae7?OpenDocument) que “A decretação de providência cautelar não especificada pressupõe que se verifique a “probabilidade séria da existência do direito invocado” e “fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito” (periculum in mora).”.
[9] Cf. os Arestos citados na nota 8.