I – O direito à remuneração, no âmbito de um contrato de mediação imobiliária, está depende da outorga, a título definitivo, do negócio jurídico cuja realização a mediadora promoveu (art. 19º, nº1, da Lei nº15/2013, de 8-2).
II – Tendo o contrato de mediação sido celebrado em regime de exclusividade, é devida a remuneração acordada se o negócio não se concretizar por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel (art. 19º, nº2, da Lei nº15/2013, de 8-2).
III – Provando-se que o negócio definitivo (compra e venda) não foi realizado por facto imputável aos promitentes compradores (impossibilidade de pagar o remanescente do preço), não estão os promitentes vendedores, clientes da empresa imobiliária, obrigados a pagar a respectiva remuneração.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
I – RELATÓRIO.
AA e mulher BB
instauraram no Juízo de Competência Genérica da Nazaré acção comum contra
A..., LDA,
pedindo que a ré seja condenada a devolver o valor da remuneração paga pelos autores, no montante de 12.300,00 € (doze mil e trezentos euros), titulada pela factura ...53 de 03.04.2021, acrescida de juros vencidos e vincendos devidos desde a sua constituição em mora (29.06.2022), até efectivo e integral pagamento.
Para sustentar a pretensão supra identificada, alegaram, em resumo, o seguinte:
- No âmbito da respectiva actividade, a ré e os autores celebraram, em 5/3/2021, um contrato de mediação imobiliária referente à fracção autónoma designada pela letra “E”, composta por primeiro andar, destinado a habitação, com entrada pela Rua ..., do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito em Rua ..., ..., ...;
- No referido contrato ficou convencionado que a remuneração da autora, pelos serviços prestados, se fixaria em 5% do valor do preço, acrescida do IVA à taxa legal em vigor, sendo esse valor pago, na totalidade, após a celebração do contrato-promessa de compra e venda;
- No dia 2/4/2021, os autores celebraram um contrato-promessa de compra e venda no qual foi fixado o prazo de 365 dias para a outorga do título definitivo de compra e venda, prazo esse que foi prorrogado, após insistência da ré, uma vez que os promitentes compradores iriam recorrer a um financiamento com vista a efectivar a compra;
- No dia 29/6/2022, o contrato-promessa foi resolvido em virtude dos promitentes compradores se recusarem a fazer a escritura por não terem forma de pagar o remanescente do preço;
- Aquando da celebração do contrato-promessa, os autores pagaram à ré o montante de 12,300,00 € a título de comissão da venda do imóvel, valor esse que deve ser devolvido uma vez que não houve conclusão do negócio, por motivo imputável aos promitentes compradores.
A ré contestou, impugnando parcialmente a factualidade alegada na petição inicial e sustentando que a escritura de compra e venda referida nos autos (contrato definitivo) não se realizou por culpa exclusiva dos autores.
“Pelo exposto, o Tribunal julga a presente acção totalmente procedente e, em conformidade:
a) Condena a Ré A..., LDA. a pagar aos Autores AA e BB a quantia de 12.300,00 € (doze mil e trezentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa de legal de 4% em vigor, desde o dia 21.11.2022 e até efectivo e integral pagamento.
b) Absolve a Ré A..., LDA. do demais peticionado.”.
“1ª) Os AA. apresentaram acção judicial contra a R., com vista a que esta fosse condenada à devolução da quantia paga a título de remuneração pela mediação imobiliária efectuada, no valor de 12.300,00 €.
2ª) A matéria de facto provada, uma vez que não houve julgamento, cingiu-se à matéria alegada na petição inicial e não impugnada em sede de contestação. Foi, assim, extraída a factualidade decorrente das cláusulas insertas nos cinco contratos em causa nos presentes autos, contrato de mediação imobiliária celebrado entre as partes; contrato promessa outorgado entre os AA. e terceiros angariados pela R., adenda ao contrato promessa de compra e venda celebrado entre os AA. e os terceiros angariados pela R., contrato de arrendamento outorgado entre os AA. e os terceiros angariados pela Ré e resolução de contrato promessa de compra e venda celebrado.
3ª) As cláusulas insertas nos contratos consistem em declarações feitas e aceites pelos outorgantes à data da celebração dos respectivos contratos. Não foi feita, uma vez que não houve produção de prova além da documental junta aos autos, qualquer demonstração das
declarações efectuadas;
4ª) No entanto, mesmo cingindo-nos à factualidade vertida nos contratos, foi incorretamente julgada a matéria de facto, por terem sido omitidas cláusulas/factos que nos parecem essenciais à apreciação jurídica a assacar do caso em sub judice, e que têm total correspondência com as cláusulas dos contratos.
5ª) Devem, pelo exposto, ser insertos os seguintes pontos que devem ser considerados provados:
• No contrato processa celebrado entre os AA. e CC e DD, os outorgantes consignam expressamente, que a existência de sinal passado, não afasta a possibilidade de o outorgante não faltoso requerer, em alternativa, a execução específica do contrato, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 830º do Código Civil - número 3 da Cláusula Oitava do Contrato Promessa celebrado entre os AA. e os clientes angariados pela R.
• Os AA. renunciaram expressamente à execução específica do contrato – ponto 4 da cláusula única da Resolução do contrato promessa.
6ª) Face à matéria de facto considerada provada, e tendo em conta a impugnação supra mencionada, tem-se de concluir que o Tribunal também erroneamente decidiu sobre a matéria de direito.
7ª) No caso em apreço, está demonstrado que no contrato de mediação celebrado, a R. se obrigou perante os AA, em regime de exclusividade, a angariar um interessado na compra de um imóvel pertencente a estes, e que os AA. se obrigaram a pagar à Ré, a título de remuneração, a quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio fosse concretizado, acrescida de IVA à taxa legal de 23%, assim que o contrato promessa fosse celebrado.
8ª) No contrato de mediação celebrado, foi, no âmbito da liberdade contratual, determinado que a remuneração fosse paga totalmente aquando da celebração do contrato promessa.
9ª) Em respeito pelo previsto no artigo 19º, n.º 2 da Lei n.º 15/2013 do referido normativo legal, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.
É, por isso, devida a remuneração paga pela AA. à R.
10ª) Contudo, caso se considere legítima a exigência do nexo causal entre a actividade do mediador e a conclusão do negócio, para que se considere que o mediador tem direito à sua remuneração, sempre se deve concluir que a não celebração do negócio prometido não pode ser imputável à R.
11º) No contrato promessa, foram previstas as consequências para o incumprimento, nomeadamente, o direito à parte cumpridora de poder recorrer ao instituto da execução específica do contrato, através do qual os promitentes vendedores (que se alegam cumpridores) poderiam exigir que o contrato fosse cumprido nos seus exactos termos.
12ª) Posteriormente, os AA. acordaram em outorgar um contrato a que denominaram “contrato de resolução do contrato promessa e adenda”, através do qual contratualizar a cessação do contrato de promessa celebrado, renunciando expressamente à hipótese do recurso à execução específica.
13ª) In casu, todos os requisitos do recurso àquele instituto se encontravam preenchidos, pelo que legalmente, os AA. poderiam ter optado pelo recurso a tal normativo legal e contratual estabelecido – voluntariamente decidiram não fazê-lo.
14ª) No contrato de mediação com a cláusula de exclusividade a remuneração é devida não só com a conclusão e perfeição do contrato visado (art.19 nº1), nos termos gerais, mas também quando o negócio visado não se realize, desde que seja por causa imputável ao cliente proprietário do bem imóvel.
15ª) Ora, considera-se provado que o contrato de mediação imobiliária foi celebrado com cláusula de exclusividade e que a R. angariou interessados; importa apreciar o motivo pelo qual o negócio visado não foi concretizado e a sua relevância jurídica (o que se prevê à cautela, caso não se entenda que o valor é totalmente devido aquando da celebração do contrato promessa, por ter sido essa a vontade das partes).
16ª) Os AA., por sua iniciativa e vontade, acordaram revogar o contrato celebrado. Fizeram-no renunciando expressamente ao regime de execução específica, pelo que a não concretização do negócio prometido só a eles pode ser imputável.
17ª) No âmbito do ónus da prova, compete aos AA. demonstrar o que alegam, neste caso, que a R. não teria cumprido a prestação a que se obrigou – o que é falso, e facilmente demonstrado através da prova junta aos autos. Para que a R. não tivesse direito à remuneração acordada, teria de lhe ser imputável a falta de cumprimento da sua prestação ou incumprimento defeituoso da mesma – o que não se verificou.
18ª) Parece que o Tribunal a quo presume que compete à R., independentemente da actuação dos AA., conseguir o resultado celebração do negócio prometido. Quando, erroneamente, não pondera juridicamente os efeitos da posição expressa dos AA. em pôr fim ao contrato de promessa e renunciar à possibilidade da execução específica.
19ª) Competia aos AA. provar que a não realização do negócio não lhes era imputável. Importa saber em que consiste a “causa imputável”. A lei não o define, mas trata-se de uma expressão utilizada no âmbito do direito civil das obrigações (cf., por ex., arts.432º nº2, 505º, 520º, 790º nº1, 801º nº1 CC).
20ª) A interpretação remete-nos para a teoria da imputação no âmbito do incumprimento das obrigações e mais especificamente com incidência no contrato de mediação imobiliária. Desde logo a imputação objectiva entre o comportamento do comitente e a frustração do contrato visado, angariado pela empresa mediadora, implicando um juízo de causalidade adequada entre o facto do comitente e o resultado (impossibilidade da realização da prestação do contrato visado). Mas também o nexo de imputação subjectiva, a culpa, enquanto juízo de censura ético-jurídica, aferida segundo o padrão de conduta exigível.
21ª) Tal, em conjugação com a interpretação do art.19 nº2 da Lei nº15/2013, que refere Higina Orvalho Castelo, a mediadora terá apenas de demonstrar que cumpriu a sua obrigação, ou seja, que diligenciou quanto à obtenção e um interessado “genuinamente interessado” e pronto a celebrar o contrato nos moldes em que foi acordado, pelo que “Provando a mediadora que efectuou com sucesso a sua prestação, poderá o cliente eximir-se à remuneração mediante a prova de que o contrato não se concretizou por causa que não lhe é imputável ( porque por exemplo, recebeu entretanto e inesperadamente, uma ordem de expropriação, ou porque o terceiro não obteve o crédito necessário à realização do negócio ou desistiu por qualquer outra razão “ ( O Contrato de Mediação, pág. 432) (sublinhado nosso).
22ª) Ao considerar que a resolução do contrato de promessa celebrado não é imputável aos AA., o Tribunal a quo violou expressamente os normativos relativos ao ónus da prova, o artigo 19º da Lei n.º 15/2023 e os artigos 342º, n.º 1, 432º nº2, 505º, 520º, 790º nº1, 799º, 801º nº1 CC.
23ª) Deveria tê-los interpretado no sentido de concluir que os AA. Não lograram demonstrar que a cessação do contrato promessa não lhes é censurável. Eram estes que estavam onerados com a presunção estabelecida no artº 799º, nº 1, do CC, e a quem cabia, alegar e provar a existência, no caso, do circunstancialismo fáctico idóneo a afastar tal presunção, o que não é conseguido com a mera invocação do acordo de revogação.
24ª) Não basta indicar no contrato, uma declaração em que uma causa vaga como falta de capacidade para pagar o preço, para que o tribunal considere, sem qualquer outra produção de prova, que tal é bastante para afastar a presunção que impende sobre os AA. Em demonstrar que, no seu entendimento, é exclusiva responsabilidade dos promitentes compradores a não realização do contrato prometido.
24ª) O Tribunal a quo, subsumindo os termos do contrato – meras declarações conclusivas, não demonstradas, ao direito, conclui que a não conclusão do negócio prometido não pode ser imputável aos promitentes vendedores/AA., clientes da R. Imiscuindo-se de apreciar juridicamente o facto dos AA. terem voluntariamente cessado os efeitos do contrato promessa sem mais e apreciando juridicamente os efeitos das declarações assumidas nos contratos.
25ª) O contrato referido apenas abrangentemente refere que os promitentes compradores “não estão em condições de pagar o preço”.
O recurso a tal expressão conclusiva não nos permite retirar a imputação subjectiva da não realização do contrato.
26ª) Os promitentes compradores iam recorrer ao crédito? Foi efectuado pedido de contrato de mútuo? Foi o contrato de mútuo rejeitado? Qual o limite de crédito conseguido contratualizar? Foram declarados insolventes? Foi declarada alguma incapacidade que obstaculizasse o recurso ao crédito bancário? Nenhuma destas questões foi alegada e/ou respondida. Não foi, por isso, concretizado o motivo da não concretização do negócio prometido. A aceitação de tal conceito geral como motivo justificativo desprovido de concretização fáctica, permitiria que se terminasse qualquer contrato sem um fundamento concreto e suficiente forte para determinar a culpa e o causador do terminus do mesmo.
27ª) Relevância jurídica tem de ser dada à actuação dos AA., que ao revogarem o contrato, acordaram numa expressa renúncia à concretização dos efeitos jurídicos do contrato promessa celebrado, conformando-se com a resolução do contrato-promessa e com os respectivos efeitos jurídicos (respeitados e cumpridos através desse acordo). Tal acordo, independentemente da motivação que lhe subjaz, é um acto voluntário, fruto de uma vontade e decisão dos próprios AA., sendo-lhe por isso estritamente imputável.
28ª) O que não pode ser consentido aos AA. é eles terem estabelecido esse acordo com os promitentes-compradores, terem aceite voluntariamente a extinção do contrato, terem desistido de impugnar os fundamentos dessa resolução, e pretenderem agora discutir com a mediadora imobiliária (em resultado de cuja actividade os promitentes compradores se interessaram pelo negócio para cuja concretização celebraram o contrato-promessa), os fundamentos da resolução que voluntariamente aceitaram para efeitos de demonstrar que as causas da frustração do negócio não lhe são imputáveis.
29ª) Nesse contexto, entendemos que estão preenchidos os requisitos do direito à remuneração da mediadora e por conseguinte, os AA. Não podem reclamar da R. a restituição da remuneração que lhe foi paga.
30ª) Não se pode entender, por isso, que o acordo estabelecido entre os AA. e os terceiros potenciais compradores tem os mesmos efeitos jurídicos de que a cessação do contrato por motivos exclusivamente imputáveis aos que prometeram comprar.
31ª) Ademais, in casu os AA. ainda beneficiaram do facto de, através da actuação da R., terem outorgado com os promitentes compradores um contrato de arrendamento com o valor de renda anual de 7500 €.
32ª) Na prática, os AA. beneficiaram do resultado da actuação da R. enquanto mediadora imobiliária, decidem cessar o contrato promessa, fazem seu o valor do sinal, renunciam à execução específica do contrato e ao direito a qualquer outra forma de compensação/indemnização, e não pretendem pagar a remuneração que é devida à R.. Tem, assim, o benefício derivado da celebração do contrato de mediação imobiliária celebrado, auferindo o valor do sinal e o valor das rendas, não pagando a contraprestação à R. – o que se tem de considerar um enriquecimento ilegítimo.
33ª) Assim, deverá revogar a sentença proferida, e considerar-se que a R. tem direito à remuneração paga pelos AA..”.
- Alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto;
- Existência do direito à remuneração decorrente do contrato de mediação imobiliária a que os autos se reportam.
2.1. Factos provados.
A 1ª instância considerou assentes os seguintes factos [1]:
1. No dia 5 de Março de 2021, “A..., Lda.”, sociedade por quotas no exercício da sua actividade, aí identificada como “primeira contratante” e “mediadora”, e BB, aí identificada como “segundo contratante”, subscreveram um documento escrito e assinado intitulado “Contrato de Mediação Imobiliária”;
2. No referido documento, sob a “Cláusula 1.ª” epigrafada “(Identificação do Imóvel)”, BB declarou ser proprietária e legítima possuidora da “fracção/prédio urbano destinado a habitação (…) constituído por 4 divisões assoalhadas, com a área total de 83 m2, sito na Rua ..., ... (…) ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a ficha n.º ...10 e inscrito na matriz predial urbana com o artigo n.º ...58 da freguesia ...”;
3. Por seu turno, sob a “Cláusula 2.º” epigrafada “(Identificação do Negócio”, “A..., Lda.” declarou obrigar-se a “diligenciar no sentido de conseguir interessado na (…) venda/compra, pelo preço de duzentos e vinte mil euros (220.000,00E), desenvolvendo para o efeito acções de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respectivos imóveis”;
4. Sob a “Cláusula 4.ª” epigrafada “(Regime de Contratação)”, declararam as partes que “O Segundo Contratante contrata a Mediadora em regime de exclusividade”;
5. Sob a “Cláusula 5.ª” epigrafada “(Remuneração)”, declararam ainda que:
“1 – A remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato nos termos e com as excepções previstas no artigo 19.º da lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro
2 – O Segundo Contratante obriga-se a pagar à Mediadora a título de honorários (…) A quantia de 5 % calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado acrescida, de IVA à taxa legal em vigor, para valores a partir dos 100.001 € (…)
3 – O pagamento dos honorários apenas será efectuado nas seguintes condições: (…) 100% após a celebração do contrato-promessa”.
6. Sob a cláusula 8.º epigrafada “(Prazo de Duração do Contrato)” declararam, no mais, que “O […) contrato tem uma validade de 6 (meses) contados a partir da sua celebração, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado por qualquer das partes contratantes através de carta registada com aviso de recepção ou outro meio equivalente, com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo”.
7. A 2 de Abril de 2021, AA e BB, na qualidade de “primeiros outorgantes” e CC e DD, na qualidade de “segundos outorgantes”, subscreveram um documento escrito e assinado intitulado “Contrato-Promessa de Compra e Venda”;
8. No referido documento, sob as cláusulas “primeira” e “segunda”, os primeiros declararam ser “donos e legítimos proprietários” da “fracção autónoma” referida sob o número 2., a qual declararam prometer vender aos segundos, que declararam prometer comprá-la;
9. Sob a cláusula “terceira” do referido documento, declararam ainda as partes que “o preço global de compra e venda é de € 200.000 (duzentos mil euros), que será pago pelos SEGUNDOS OUTORGANTES, de acordo com as seguintes condições:
a) Com a assinatura do presente contrato é entregue a quantia de € 20.000 (vinte mil euros) a título de sinal e princípio de pagamento. (…)
b) Com a outorga da Escritura Pública de Compra e Venda será pago o remanescente valor em dívida no montante de € 180.000 (cento e oitenta mil euros)”.
10. Sob a cláusula “quarta”, declaram ainda que “A escritura de compra e venda será realizada até ao máximo de 365 dias após a assinatura do presente contrato”.
11. Mais declararam, sob a escrita cláusula “oitava”, que:
“1. O incumprimento de qualquer das obrigações assumidas no presente contrato por parte dos PRIMEIROS OUTORGANTES, designadamente a não comparência ou a não outorga da escritura pública de compra e venda nos termos e nas condições previstas nas cláusulas QUARTA e QUINTA do presente contrato, confere aos SEGUNDOS OUTORGANTES, o direito de, imediata e automaticamente, sem dependência de qualquer prazo, resolver o presente contrato e de exigir dos PRIMEIROS OUTORGANTES a restituição em dobro de todas as importâncias entregues a título de sinal.
2. Em caso de incumprimento definitivo e culposo imputável aos SEGUNDOS OUTORGANTES, confere aos PRIMEIROS OUTORGANTES o direito de resolver o presente contrato e optar por fazer suas todas as importâncias recebidas a título de sinal”.
12. Declararam ainda, sob a cláusula “décima segunda” que “No presente negócio interveio A... Lda, sociedade de mediação imobiliária, com sede na Avenida ..., ..., na ..., titular da licença IMI n.º ...29, com o número único de matrícula e pessoa colectiva n.º ...75”.
13. Na mesma data, as mesmas partes subscreveram documento escrito e assinado intitulado “Contrato de Arrendamento para fim habitacional” pela qual os primeiros declararam dar de arrendamento aos segundos a mesma referida “fracção”, com “o prazo de duração de 1 ano, com início em 02/04/2021 e termo em 01/04/2022, sem direito à renovação” e com a contrapartida de uma “renda anual (…) de € 7.500 (sete mil e quinhentos euros), paga totalmente no acto de assinatura do presente contrato”.
15. Assim, no dia 6 de Abril de 2021, os Autores transferiram para a conta bancária titulada pela Ré aquando o montante de 12.300,00 € (doze mil e trezentos euros), após recepção da factura pela mesma emitida a 03.04.2021.
16. No decurso do mês de Novembro de 2022, CC e DD remeteram aos Autores uma carta escrita e assinada pelos remetentes, e por estes recepcionada, com o seguinte teor:
“(…) Ref. – CPCV do imóvel localizado na Rua ... – ...
Escrevo-lhes na vossa qualidade de proprietários do imóvel supracitado e de intervenientes, como vendedores (primeiros outorgantes) no CPCV do mesmo imóvel, assinado em 02/04/2021, tendo minha pessoa e minha esposa como compradores (segundos outorgantes). Como é de seu conhecimento, de acordo com as previsões deste CPCV, a escritura deverá ser realizada até 01/04/2022 (365 após assinatura, que foi em 02/04/2021).
Dado a situação que estamos vivendo, tenho que os informar/propor o seguinte:
1) Motivado por força maior, notadamente a profunda incerteza dos impactos nos mercados e nas nossa vida da guerra em curso e dos resquícios da pandemia, e os efeitos disto na liquidez do nosso sistema bancário e consequente disponibilidade de contratar financiamentos, informo que não terei condições de cumprir a data de efectivação da escritura conforme previsto no contrato;
2) Proponho que o contrato seja aditado, com uma extensão de prazo de no mínimo 90 dias e máximo de 365 dias sem direito a mais nenhuma extensão.
3) Se aprovado a proposta do ponto 2, iremos pagar o aluguer mensalmente através do aditamento do contrato de arrendamento em vigor no mesmo prazo de extensão acima solicitada;
4) Durante este período, iremos procurar alternativas para financiar o imóvel, permitindo que não tenhamos que imobilizar o nosso capital em um momento de tanta incerteza. Em tendo soluções mais rápidas que a extensão solicitada, iremos imediatamente avançar para a escritura.
5) Se não lhes for possível realizar uma extensão, iremos imediatamente procurar imediatamente um cliente que queira comprar nossa posição contratual, de forma a minimizar nossas perdas.
Dado a importância e gravidade desta situação, que reconheço, envio esta missiva em carta registada com aviso de receção para vossa morada, a mesma constante do CPCV com uma cópia adicional para o intermediador imobiliário responsável pela execução do CPCV.
Ficamos no aguardo da vossa posição”.
17. Na sequência de tal comunicação, através de documento escrito e assinado a 31 de Março de 2022, intitulado “Adenda ao Contrato de Promessa de Compra e Venda Celebrado em 02/04/2021”, anuíram os Autores em alterar a data inicialmente acordada nos termos referidos em 10., declarando aí, juntamente com CC e por DD, que “Pela presente adenda, é dada sem efeito a data anteriormente convencionada para a celebração da escritura, na cláusula quarta do contrato promessa de compra e venda, celebrado a 2 de Abril de 2021” e que “Estipula-se como data limite para a outorga da Escritura de Compra e Venda, 90 dias após a outorga da presente adenda”.
18. No dia 29 de Junho de 2022 os Autores AA e BB, na qualidade de “primeiros outorgantes ou promitentes vendedores” e CC e DD, na qualidade de “segundos outorgantes ou promitentes compradores”, subscreveram um documento escrito e assinado intitulado “Resolução de Contrato Promessa de Compra e Venda e Adenda por Causa Imputável aos Promitentes Compradores”.
19. Aí declaram os segundos que não se encontravam em condições de pagar aos primeiros o remanescente do preço acordado e não pago, dando sem efeito os termos dos acordos anteriormente subscritos, nos termos seguintes:
“Cláusula Única
1. Os Promitentes Compradores não se encontram em condições de pagar o preço para a compra do imóvel prometido, declarando-se, assim, como parte faltosa ao fiel cumprimento do referido contrato.
2. Considerando o vertido no número anterior, declaram os Promitentes Compradores que não outorgarão a Escritura ou Contrato de Compra e Venda, conforme se obrigaram no Contrato Promessa, por motivo apenas e só a eles imputável.
3. Nessa esteira, os Promitentes Vendedores resolvem, pelo presente documento e para todos os devidos e legais efeitos, o Contrato Promessa de Compra e Venda e sua adenda, porquanto, não estando os Promitentes Compradores em condições de pagar o preço, não se encontram reunidas as condições para que se mantenha a promessa e subsequente venda do imóvel.
4. Considerando os motivos invocados pelos Promitentes Compradores, os Promitentes Vendedores não accionarão o direito à execução específica do contrato, fazendo, assim, seu o valor já recebido a título de sinal e princípio da pagamento.
5. Os Promitentes Compradores reconhecem e aceitam as consequências da resolução que, por este documento, se opera.
6. As partes prescindem de receber quaisquer outras componentes indemnizatórias ou compensatórias que se poderiam projectar em extrapolação ao presente documento.
7. Com a resolução operada pelo presente documento, cessam todos os direitos e deveres das partes referentes ao Contrato Promessa e sua adenda (…).
(…) 9. Os declarantes declaram estar de acordo com o clausulado neste convénio (…)”.
20. No dia 17 de Agosto de 2022, os Autores remeteram à Ré uma carta registada com aviso de recepção, solicitando a “imediata devolução do valor que foi pago a V. Exas., a título de comissão, no âmbito do contrato de imediação imobiliária celebrado referente à fracção autónoma designada pela letra «E», composta por primeiro andar, destinado a habitação, com entrada pela Rua ..., do prédio urbano constituído propriedade horizontal, sito em Rua ..., ..., ... (…) no prazo máximo de 10 dias”.
21. Os Autores incumbiram EE, Agente de Execução, de efectuar a notificação avulsa da Ré, na qual fizeram constar, além do mais, que “No dia 29 de Junho de 2022, as partes, Promitentes Compradores e Requerentes outorgaram documento sob a epígrafe «Resolução de Contrato Promessa de Compra e Adenda por Causa Imputável aos Promitentes Compradores» uma vez que os Promitentes Compradores recusaram-se a fazer escritura por, alegadamente, não terem forma de pagar o remanescente do preço”, anexando o respectivo clausulado referido em 18 e 19, e pela qual reclamaram à Ré “o crédito imediato do valor pago a título de remuneração, num total de € 12.300,00 (doze mil e trezentos euros)”, a qual foi concretizada a 21.11.2022.
Defende a apelante que o Tribunal a quo não levou em consideração a circunstância de ter sido previsto no contrato-promessa referenciado nos autos a possibilidade de o outorgante não faltoso requerer a execução específica, mais sustentando que não foi incluída nos factos provados a renúncia dos autores a esse mecanismo, conforme previsto expressamente na resolução que pôs termo ao vínculo contratual em apreço.
Salvo melhor entendimento, a tese defendida pela recorrente não merece acolhimento, pela seguinte ordem de razões.
Em primeiro lugar, é indiferente a referência à possibilidade de o contraente não faltoso requerer a execução específica do contrato-promessa em causa, uma vez que existe uma norma imperativa que impede os contraentes de afastarem esse mecanismo.
Trata-se do art. 830º, nº2, do Código Civil, o qual prescreve que “O direito à execução específica não pode ser afastado pelas partes nas promessas a que se refere o n.º 3 do artigo 410.º; [2]”.
Em segundo lugar, sem prejuízo da solução que o legislador adoptou nesta matéria, verifica-se, contrariamente ao que a apelante refere, que aquando da resolução do contrato-promessa os autores declararam expressamente que não iriam accionar o direito à execução específica, conforme resulta da cláusula única, ponto 4, que vem transcrita nos factos assentes (ponto 19).
Improcedendo a impugnação que incide sobre a matéria de facto, cumpre efectuar o necessário enquadramento jurídico.
Com base no regime previsto no art. 19º, nº1, da Lei nº15/2013, de 8-2 (diploma que regula a actividade de mediação imobiliária [3]), sustenta a recorrente ser devida a remuneração que está no cerne do presente litígio, sendo que os argumentos invocados a propósito desta matéria centram-se, por um lado, na interpretação do preceito normativo em causa e, por outro lado, na problemática que diz respeito ao incumprimento do contrato-promessa referido nos autos.
Dispõe o citado art. 19º, nº1, da Lei nº15/2013, que “A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.”.
Por sua vez, acrescenta o nº 2 do mesmo art. 19º que “É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.”.
No caso vertente, verifica-se que o contrato de mediação foi celebrado em regime de exclusividade [4], importando, por isso, fazer uma análise dos factos provados para apurar, no confronto com o regime normativo aplicável, se assiste razão à apelante.
O primeiro aspecto que deve ser ponderado, para além da exclusividade já referida, diz respeito ao modo ou à forma como as partes acordaram o pagamento da retribuição, uma vez que este ponto se afigura fundamental para determinar se a mesma era devida independentemente da conclusão do negócio visado pelo exercício da mediação.
Indo de encontro ao quadro normativo vigente, as partes estabeleceram (cf. ponto 5 dos factos assentes) que “A remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato nos termos e com as excepções previstas no artigo 19.º da lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro”, mais tendo acordado que a retribuição seria paga na totalidade após a celebração do contrato-promessa.
Julgamos, salvo melhor opinião, que do acordo firmado entre os autores e a ré resulta, de forma expressa, que a retribuição só seria devida caso viesse a ser concluído (ou concretizado) o negócio que os apelados pretendiam realizar, ou seja, caso fosse celebrado o contrato de compra e venda referente ao imóvel identificado nos autos.
O facto de ter sido acordado que o pagamento ocorreria com a outorga do contrato-promessa não obsta a este entendimento, uma vez que, salvo acordo das partes em contrário, o que está unicamente em causa é o vencimento antecipado da remuneração, a qual continua a depender da celebração do vínculo definitivo.
De forma reiterada, a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores tem-se pronunciado neste sentido, podendo referir-se, a título meramente exemplificativo, os seguintes Arestos:
- Acórdão do STJ de 13/2/2025 (disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/b0a544db6976772780258c3100559c56?OpenDocument):
“I. No contrato de Mediação Imobiliária, o direito da mediadora à remuneração só nasce com a conclusão e perfeição do negócio visado, em conformidade com a regra ínsita na primeira parte do n.º 1 do art.º 19.º da lei nº 15/2013, de 08.02 (RJAMI).
II. Daí que a conclusão do contrato visado com a mediação não só marca o momento em que a remuneração é devida, como também é o facto constitutivo do direito da empresa à retribuição acordada.
III. Em caso de celebração de contrato-promessa, podem as partes acordar na antecipação do pagamento, total ou parcial, para o momento da sua celebração, no reconhecimento de que se trata de um marco relevante no iter negocial que se reporta ao momento, à “fase”, do pagamento da remuneração e não à aquisição ou constituição do direito da mediadora à remuneração, assinalando a vinculação das partes à celebração do contrato prometido, situação a que respeita a previsão da 2.ª parte do citado n.º 1 do art.º 19.º.
IV. Ou seja, o artigo 19.º da Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro, na redação introduzida pelo DL 102/2017, de 23 de Agosto estabelece apenas o vencimento antecipado da remuneração no caso de o vendedor e o interessado celebrarem um contrato-promessa e o contrato de mediação prever o pagamento da remuneração logo nessa fase, na expectativa de que, em condições normais e com grande probabilidade, ao contrato-promessa se seguirá a celebração do contrato prometido. Daqui não resultando, portanto, que se tenha constituído o direito da mediadora à remuneração, o qual continua dependente da conclusão e perfeição do negócio definitivo.
V. Assim, se, apesar de ter sido convencionada aquela antecipação do pagamento da remuneração, o contrato definitivo não se vier a realizar, a mediadora deve restituir ao cliente as quantias a esse título recebidas.”.
- Acórdão da Relação de Coimbra de 25/3/2025 (disponível em https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/f9228605c9f40b5d80258c6500373bfb?OpenDocument):
“Encontra-se hoje consolidado o entendimento, designadamente face à redação do nº 1 do art. 19º da Lei nº 15/2013 de 8 de Fevereiro, no sentido de que no contrato de mediação imobiliária o direito à remuneração só existe se o contrato final de compra e venda vier a ser celebrado, e desde que se verifique entre a atividade da mediadora e o dito contrato um nexo de causalidade.”
- Acórdão da Relação de Guimarães de 9/2/2017 (disponível em https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/-/1597CC19ABA58036802580E20058DE63):
“A remuneração da mediadora imobiliária só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação pelo que, em princípio, se se não concretizar o negócio também não haverá qualquer remuneração a pagar.” (Acórdão da Relação de Guimarães de 9/2/2017, disponível em https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/-/1597CC19ABA58036802580E20058DE63).
- Acórdão da Relação de Lisboa de 5/12/2024 (disponível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/8e2b8f6ff7844c4b80258c0700511ef0?OpenDocument):
“Decorre do art.º 19º da Lei 15/2013, que a obrigação de pagamento da comissão é única e só se constitui em caso de concretização da venda, não obstante poder estipular-se que o cumprimento dela pode ocorrer por fases, sendo a primeira parcela devida aquando da celebração do passo inicial na contratação pretendida, isto é, do contrato-promessa;
- A segunda parte do nº1 do artigo 19º da Lei 15/2013 não pode ser destacada da sua primeira parte, como se ali se estabelecesse um direito autónomo de remuneração, antes constituindo uma estatuição balizada pela clara e inequívoca disposição inicial;
- Se não é imputável aos Recorridos a não celebração do contrato definitivo e não resultando provados nos autos que foi estipulada uma remuneração específica aquando da celebração do contrato promessa, sem prejuízo da celebração ou não do negócio prometido, deve ser restituída aos mediados a remuneração já recebida aquando da celebração daquele contrato promessa.”.
- Acórdão da Relação de Évora de 12/9/2024, (disponível em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/39d219f57709ec4580258b9e004516a0?OpenDocument)
“No caso das partes convencionarem a antecipação do pagamento da remuneração, parcial ou total, fazendo-o coincidir com a celebração do contrato promessa e o contrato definitivo não se vier a realizar, a mediadora deve restituir ao cliente as quantias a este título recebidas.”
Atento o exposto, uma vez que não foi celebrado o negócio jurídico visado pelo exercício da mediação (compra e venda), os honorários em apreço não são devidos com fundamento na disposição normativa prevista no art. 19º, nº1, da Lei nº15/2013.
Mas sê-lo-ão por força do nº2 do mesmo art. 19º ?
Como vimos, a norma em apreço prevê que nas situações de exclusividade – o que é o caso dos autos – a retribuição seja devida quando o negócio visado não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário, cabendo, por isso, perguntar, se a compra e venda não se realizou por culpa dos autores.
Relativamente a este aspecto, a apelante tece um conjunto de considerações acerca da execução específica do contrato-promessa e dos motivos que conduziram à sua resolução, imputando aos apelados o facto de não se ter realizado o contrato definitivo.
Neste domínio, importa, de igual forma, colher os ensinamentos da nossa jurisprudência, designadamente os que constam dos seguintes Arestos, que também referimos a título de exemplo:
- Acórdão da Relação de Coimbra de 10/9/2019 (disponível em https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/63ca229244ad6ee78025848500511a3f?OpenDocument):
“Na previsão do nº2 do artº 19º da Lei nº15/2013 de 08.02, o direito da mediadora à remuneração da comissão apenas emerge se provados factos alicerçantes de imputação de um juízo ético jurídico de censura ao comitente e, bem assim, se provado que, não fora a atuação deste, a venda a cliente por si apresentado seria realizada no período daquela vigência.”
- Acórdão da Relação de Lisboa de 21/10/2020, (disponível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/a0ec7585dde7d3e1802586100053e480?OpenDocument):
“- Sendo estipulada uma cláusula de exclusividade num contrato de mediação celebrado com o proprietário, a remuneração da mediadora não depende do evento futuro e incerto constituído pela celebração do contrato visado, quando este evento não se concretize por causa imputável ao cliente.
- Nos casos referidos em 5.1. a remuneração da mediadora depende quase unicamente do cumprimento da sua obrigação em diligenciar no sentido de encontrar interessado a celebrar o contrato nos moldes em que foi concebido no âmbito do contrato de mediação.
- Provando a mediadora que efectuou com sucesso a sua prestação em encontrar interessado em celebrar o contrato, o cliente poderá eximir-se à remuneração mediante a prova de que o contrato apenas não se concretizou por causa que não lhe é imputável.”.
- Acórdão da Relação de Lisboa de 25/10/2022, (disponível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/f5eb2400e918c6f6802588f70044d1d7?OpenDocument):
“No caso do contrato de mediação imobiliária com aposição de cláusula de exclusividade, a remuneração devida ao mediador, depende apenas do cumprimento bem-sucedido da sua prestação, não dependendo da celebração do contrato visado, quando este evento não se concretize por causa imputável à outra parte;”
- Acórdão da Relação do Porto de 21/3/2024, (disponível em https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/96ecab89755069e980258b15004bd9fe?OpenDocument):
“Num contrato de mediação imobiliária sob o regime de exclusividade recai sobre o comitente a obrigação de pagar a remuneração acordada, independentemente de o negócio visado não se ter concretizado, se a não realização de tal negócio a ele for imputável.”
- Acórdão da Relação do Porto de 11/12/2024 (disponível em https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/ff3ff69e101a602380258c0d0051f552?OpenDocument):
“I - A atribuição da remuneração prevista no art. 19º nº 2 da Lei nº 15/2013, de 8.02 exige que o contrato de mediação imobiliária tenha sido celebrado em regime de exclusividade, e que a mediadora prove a efectiva obtenção de um interessado pronto a celebrar o contrato visado pelo contrato de mediação.
II - Para que ocorra a situação excepcional prevista no art. 19º nº2 do referido diploma legal, será necessária a verificação cumulativa de duas condições, cujo ónus de prova compete à mediadora:
i - que o contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade;
ii - que o negócio visado de venda só não se concretize por causa imputável à cliente proprietária do imóvel objecto do contrato de mediação.”
Revertendo para o caso dos autos, não se afigura que seja imputável aos autores a não celebração do contrato de compra e venda, o que significa que a apelante, conforme decidiu a 1ª instância, está obrigada a devolver a importância que recebeu a título de remuneração.
Vejamos, sumariamente, as razões que sustentam o nosso entendimento.
Em primeiro lugar, é preciso não esquecer que a recorrente não colocou em causa a factualidade que o Tribunal a quo considerou provada (pontos 1 a 21), limitando-se a requerer o aditamento de matéria que, como vimos, já resultava do acervo que foi considerado relevante para a decisão da causa.
Ora, dos factos assentes resulta, antes de mais, que os promitentes compradores, em Novembro de 2022, deram conhecimento aos promitentes vendedores que não se encontram em condições de celebrar a escritura na data inicialmente prevista, pelos seguintes fundamentos:
“Motivado por força maior, notadamente a profunda incerteza dos impactos nos mercados e nas nossa vida da guerra em curso e dos resquícios da pandemia, e os efeitos disto na liquidez do nosso sistema bancário e consequente disponibilidade de contratar financiamentos, informo que não terei condições de cumprir a data de efectivação da escritura conforme previsto no contrato; ” – cf. ponto 16 dos factos provados.
E acrescentaram os promitentes compradores que “Durante este período, iremos procurar alternativas para financiar o imóvel, permitindo que não tenhamos que imobilizar o nosso capital em um momento de tanta incerteza. Em tendo soluções mais rápidas que a extensão solicitada, iremos imediatamente avançar para a escritura. “ – ponto 16 dos factos provados.
Tendo sido prorrogado o prazo em questão, com sustentáculo nos motivos invocados, veio a constatar-se que não foi possível reunir os pressupostos para a celebração da escritura, conforme nos dá conta o documento referido nos pontos 18 e 19 dos factos provados [5], cujo teor, no que a esta matéria diz respeito, é o seguinte:
“1. Os Promitentes Compradores não se encontram em condições de pagar o preço para a compra do imóvel prometido, declarando-se, assim, como parte faltosa ao fiel cumprimento do referido contrato.
2. Considerando o vertido no número anterior, declaram os Promitentes Compradores que não outorgarão a Escritura ou Contrato de Compra e Venda, conforme se obrigaram no Contrato Promessa, por motivo apenas e só a eles imputável.
3. Nessa esteira, os Promitentes Vendedores resolvem, pelo presente documento e para todos os devidos e legais efeitos, o Contrato Promessa de Compra e Venda e sua adenda, porquanto, não estando os Promitentes Compradores em condições de pagar o preço, não se encontram reunidas as condições para que se mantenha a promessa e subsequente venda do imóvel.(…) “ – cf. ponto 19 dos factos provados.
Deste acervo factual, não contestado pela apelante, resulta inequivocamente que os promitentes compradores não tinham disponibilidade financeira para cumprir a promessa celebrada em 2/4/2021, circunstância que, obviamente, não é imputável aos promitentes vendedores.
Em segundo lugar, não se vislumbra, em face das dificuldades manifestadas pelos interessados na aquisição do imóvel, qual a utilidade do recurso à execução específica [6], dado que os autores, sem o pagamento integral do preço, não teriam interesse em transmitir, de forma coerciva, a propriedade do referido bem [7].
Por todas as razões apontadas, improcede o recurso em análise, devendo decidir-se em conformidade, com as consequências legais.
*****
Nestes termos, decide-se julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
(assinado digitalmente)
Luís Manuel de Carvalho Ricardo
(relator)
Francisco Costeira da Rocha
(1º adjunto)
Cristina Neves
(2ª adjunta)
[1] A decisão recorrida não inclui factualidade não provada.
[2] O imóvel dos autos enquadra-se nas situações previstas no art. 410º, nº3, do Código Civil.
A norma em apreço estabelece o seguinte: “No caso de promessa respeitante à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele, já construído, em construção ou a construir, o documento referido no número anterior deve conter o reconhecimento presencial das assinaturas do promitente ou promitentes e a certificação, pela entidade que realiza aquele reconhecimento, da existência da respectiva licença de utilização ou de construção; contudo, o contraente que promete transmitir ou constituir o direito só pode invocar a omissão destes requisitos quando a mesma tenha sido culposamente causada pela outra parte.”.
[3] A actividade de mediação imobiliária encontra-se definida no art. 2º, nºs 1 e 2, da Lei nº15/2013, nos seguintes moldes: “1 - A atividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis.
2 - A atividade de mediação imobiliária consubstancia-se também no desenvolvimento das seguintes ações:
a) Prospeção e recolha de informações que visem encontrar os bens imóveis pretendidos pelos clientes;
b) Promoção dos bens imóveis sobre os quais os clientes pretendam realizar negócios jurídicos, designadamente através da sua divulgação ou publicitação, ou da realização de leilões.”.
[4] Cf. ponto 4 dos factos provados.
[5] “Resolução de Contrato Promessa de Compra e Venda e Adenda por Causa Imputável aos Promitentes Compradores”.
[6] O art. 830º do Código Civil regula a execução específica nos seguintes moldes:
“1 - Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida.
2 - Entende-se haver convenção em contrário, se existir sinal ou tiver sido fixada uma pena para o caso de não cumprimento da promessa.
3 - O direito à execução específica não pode ser afastado pelas partes nas promessas a que se refere o n.º 3 do artigo 410.º; a requerimento do faltoso, porém, a sentença que produza os efeitos da sua declaração negocial pode ordenar a modificação do contrato nos termos do artigo 437.º, ainda que a alteração das circunstâncias seja posterior à mora.
4 - Tratando-se de promessa relativa à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele, em que caiba ao adquirente, nos termos do artigo 721.º, a faculdade de expurgar hipoteca a que o mesmo se encontre sujeito, pode aquele, caso a extinção de tal garantia não preceda a mencionada transmissão ou constituição, ou não coincida com esta, requerer, para efeito da expurgação, que a sentença referida no n.º 1 condene também o promitente faltoso a entregar-lhe o montante do débito garantido, ou o valor nele correspondente à fracção do edifício ou do direito objecto do contrato, e dos juros respectivos, vencidos e vincendos, até pagamento integral.
5 - No caso de contrato em que ao obrigado seja lícito invocar a excepção de não cumprimento, a acção improcede, se o requerente não consignar em depósito a sua prestação no prazo que lhe for fixado pelo tribunal.”.
[7] Refira-se que a execução específica está especialmente vocacionada para os casos em que existe incumprimento do promitente vendedor, embora a doutrina e a jurisprudência admitam que o instituto possa ser aplicado, de forma indistinta, a ambos os contraentes – cf., a este propósito, o Acórdão da Relação de Coimbra de 11/12/2012, disponível em https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/-/361835446143108B80257AFB003A4D49.