I- As medidas de promoção dos direitos e de protecção das crianças e dos jovens em perigo, previstas na Lei 147/99 de 1 Setembro, visam essencialmente, afastar o perigo actual ou iminente em que estes se encontram e proporcionar as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral (cfr. art. 34.° da Lei n.° 147/99).
II-Embora o nosso sistema de protecção dos menores, privilegie medidas de recuperação da família biológica, este princípio da prevalência da família deve ser entendido, não no sentido de que a família biológica tem direito absoluto sobre o menor, mas antes que o menor tem o direito a desenvolver-se no seio duma família; não deve ser separado da sua família biológica caso esta tenha possibilidades de assumir as funções parentais; não o sendo, deve ser encontrada família alternativa de acordo com os superiores interesses do menor.
III- Justifica-se a confiança da menor a instituição para futura adopção, quando, encontrando-se o menor em situação de perigo para a sua segurança, saúde, formação moral, educação e desenvolvimento, não for possível encontrar na família biológica, ainda que alargada, alternativa adequada às suas necessidades e aos cuidados que lhe terão de ser prestados (artº 1º, 2º, 3º, nºs 1, a) e c), 4º, 35º, al. g), 38º-A e 62-A do LPCJ e 1978 nº1 do C.C.).
(Sumário elaborado pela Relatora)
Recorrente: AA
Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves
Juízes Desembargadores Adjuntos: Anabela Marques Ferreira
Francisco Costeira da Rocha
Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra
Foi requerida a aplicação de medida cautelar, a medida de apoio junto de outro familiar, designadamente, da tia paterna DD, nos termos do disposto nos artigos 1°, 3° n.01 e n.02 alínea b), 5 alínea c), 11 .º n.01 alíneas c), e n.02, 34° alíneas a), b) e c), 35.0 n.0 1 alínea b) e 37º n.º1, da LPCJP, atenta a situação de perigo em que a criança se encontrava, estando em causa a sua saúde, segurança e bem-estar, desvalorizando a mãe os cuidados a prestar à criança que lhe foram indicados, permanecendo com esta na rua e em cafés, com grande instabilidade residencial e manifestando a bebé baixo peso e problemas de saúde que levaram ao seu internamento hospitalar, medida que não foi aceite pela progenitora, manifestando forte animosidade para com aquela tia paterna.
Nessa fase nada foi dito por qualquer dos intervenientes processuais.
Após, prosseguiram os autos para debate judicial, nos termos do artigo 114º da LPCJP (Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo), no termo do qual veio a ser proferida acórdão em 27/03/2025 que decidiu: “confiar a menina BB, à família de acolhimento onde já se encontra com vista a futura adoção.
Ao abrigo do disposto no artigo 62.º -A, n.0 3 da LPCJP nomeia-se como curadora provisória da criança a responsável da família de acolhimento, nos autos devidamente identificada.
Consequentemente, ao abrigo do disposto no artigo 1978°-A, do Código Civil, declaram-se os pais da criança, CC e de AA inibidos do exercício das responsabilidades parentais relativamente à criança, não havendo, nos termos do disposto no artigo 62º-A, n.0 6 da LPCJP lugar a visitas de qualquer familiar da criança.”
“A. em 27 de Março de 2025, foi notificado a progenitora, e ora Recorrente do acórdão do processo de promoção e protecção de menores, da menor BB, doravante menor, em audiência de leitura de sentença, tendo douto tribunal a quo considerado que nenhum dos progenitores ou família alargada teria condições para acolher a menor pelo que, concluiu que seria do superior interesse da menor a aplicação da medida de acolhimento com vista à adopção nos termos do art. 35.º, n.º 1 al. g), 38.º- A, n.º 2 al. b) da Lei 147/1999 de 1 de Setembro e 1978.º, n.º1 al. d) do C.C, e, consequentemente nos termos do art. 1978-A C.C., declarou os progenitores inibidos do exercício das responsabilidades parentais relativamente à menor.
B. A progenitora mãe, não pode aceitar esta decisão, pretendendo com o presente Recurso que seja determinada a manutenção da medida cautelar de acolhimento familiar por um prazo suplementar de um ano, considerando, ser este o tempo necessário para que a evolução que a mesma já demonstra ter apreendido, se fixar em competências parentais suficientes para que possa manter-se o primado da família biológica e o superior interesse da criança.
C. O Douto Tribunal a quo indicou como fundamentos da aplicação da medida já acima indicada, considerou todos os relatórios juntos ao processo pela Equipa Técnica, as perícias psicológicas e psiquiátricas, a documentação junta ao processo, bem como, as testemunhas arroladas e ouvidas em sede de debate judicial, contudo deu como provados factos com inexatidões e omissões.
D. O Tribunal a quo fundamentar a sua decisão com uma série de factos provados, elencados no acórdão com a numeração de 1. a 62. Contudo, não pode a Recorrente conformar-se com as ilações retiradas no acórdão recorrido e da forma como a prova, apesar de baseada na livre da convicção do julgador, foi considerada, tendo até por suporte as regras da experiência comum e normalidade, tanto a nível testemunhal como a nível documental/pericial sido indevidamente valoradas.
E. A Recorrente impugna o ponto 7. do acórdão em crise deu como provado que “A progenitora durante o acompanhamento pela CPCJ mostrou-se com uma atitude pouco colaborante e com dificuldade em cumprir com o acordado, não comunicou a saída da casa de morada de família, não informou para onde foi residir e não procedeu à inscrição da BB na creche”, vinculando no ponto 12. “ (…) a indisponibilidade da progenitora em colaborar com os serviços envolvidos(…)”, bem como, no ponto 50. Afirma que nos convívios com a menor “(…) há períodos de hostilidade.”, matéria que foi dada como provada com base nos relatórios técnicos, bem como, os depoimentos da Assistente social, a Dra. EE, Assistente Técnica FF e a técnica social, representante da família de acolhimento, GG, e que aqui a Recorrente impugna na extensão que lhe quer ser considerada.
F. Ora, esta pressuposta conflituosidade com os serviços técnicos, não pode ser lida, como um mero capricho da progenitora mãe, sendo que, esta aversão às técnicas sociais no caso concreto da sua qualidade de progenitora, tem um sentido real, concreto e cujo homem médio consegue entender, porquanto, já anteriormente houve situação idêntica, onde e apesar dos esforços da progenitora, foi a criança adoptada, sendo que nada desse circunstancialismo é dado como provado, contudo sobre essa criança foram prestadas declarações. Veja-se para esse efeito, a gravação do depoimento da Assistente social Dra. EE, transcrição que constam das alegações supra (transcrição min. 10:15 a 11:04 das declarações gravadas da Assistente social Dra. EE - audio Diligencia_2935-23.3T8LRA_2025-03-13_11-43-53_audio_ISS_assistente_social_3) e transcrição min. 14:24 a 16:46 das declarações gravadas da Assistente social Dra. EE - audio Diligencia_2935-23.3T8LRA_2025-03-13_11-43-53_audio_ISS_assistente_social_3 - – negrito e sublinhado nosso. e 09:56 a 11:22 das declarações gravadas da progenitora mãe AA do áudio da Diligencia_2935-23.3T8LRA_2025-03-13_14-16-59_audio_mae_AA_7)
G. O trauma de ser retirada uma criança, crespa a posição da progenitora, ainda para mais quando se vê novamente na mesma situação, isto até considerando que tal como o relatório pericial indica, estando estas conclusões explanadas nos pontos 23. a 38. Dos factos provados, sendo que, designadamente decorre da leitura dos mesmos que “30. Apesar de pensamento obsessivo, sensibilidade interpessoal e ideação persecutória que conduzem a agitação atual, não ficou provado que estes sejam indicadores estáveis de personalidade, antes sintomas atuais decorrentes do medo da perca do menor.”, bem como, no ponto “35. O exercício das competências parentais por parte da examinada surgiu marcado por fatores de risco como sejam(…)a tendência à defensividade decorrente do receio da perca da guarda da menor(..),” acrescendo o ponto “37. A examinanda revelou ainda, momentos de elevado receio que a guarda da menor lhe seja retirada, alturas em que se revelou mais inibida e instável do ponto de vista psicomotor.”
H. Pelo que, não pode a Recorrente ficar passiva quando fica assente nos factos provados que simplesmente é conflituosa, hostil, que tenha uma atitude pouco cooperante e com dificuldade em cumprir o acordado, sem ter em consideração esta situação concreta, e atenuante, que deverá ser dado como facto assente. Aliás, e quanto ao ponto 50. E à suposta hostilidade nas visitas em nenhuma declaração ou documento está plasmado essa situação.
I. Pelo que, nos pontos indicados, nomeadamente no ponto 7. Deveria constar que a atitude pouco colaborante e com dificuldade de cumprir com o acordado, advêm de uma experiência traumatizante anterior, nomeadamente quanto à adopção do filho HH. Acrescendo ainda que no ponto 12. Que insurge a indisponibilidade da progenitora em colaborar com os serviços envolvidos, que tenha na redacção tenha constante, que tal ocorreu por falta de confiança interpares essencial nesta situação.
J. Ademais, deu o douto tribunal como provado que, a progenitora não tinha família alargada que pudesse ajudar na criação da menor, porquanto, veio a progenitora indicar em sede de debate judicial, que o “padrinho” da menor estaria disponível para receber a mesma, em condição de apoio à progenitora mãe, transcrição que constam das alegações supra- 11:49 a 16:12 das declarações gravadas da progenitora mãe AA do audio da Diligencia_2935-23.3T8LRA_2025-03-13_14-16-59_audio_mae_AA_7
K. Nesse sentido, não pode ficar assente como facto provado que não há relação com a família alargada da progenitora mãe, ou que não haja soluções futuras, que permita um encaminhamento da menor para a progenitora mãe posteriormente após a sua estabilização., pelo que não se pode dar como assente o facto postulado no ponto 62. Do acórdão aqui em crise, quando afirma que quanto à progenitora mãe, não há, manifestação de interesse na família alargada.
L. Ora, o Tribunal a quo apesar de ter dado como provado no ponto 53. Que a progenitora mãe frequenta desde Janeiro de 2025 um curso de formação de Assistente Familiar e de Apoio à Comunidade, que terminará a 27 de Janeiro de 2027, no Centro de Reabilitação e Integração ..., no âmbito da qualificação das pessoas com deficiências ou incapacidades, descurou no facto de dar como provado, o desenvolvimento da mesma, num curto período espaço de tempo, não tendo valorizado o esforço da progenitora.
M. A verdade é que com o desbloqueio, que ocorreu devido à relação de confiança que cresceu com as frequências do curso e, apesar de serem pessoas referentes a autoridade, conseguiu-se o que o relatório pericial previa, o que não pode ser ignorado, ou seja, iniciar a aquisição de competências sociais e de parentalidade ( considerando o teor do curso que mesmo sendo uma formação profissional trata da parte de social e individual ), sendo que, e considerando o relatório junto pela psicóloga da instituição o mesmo demonstra que num curto espaço temporal houve uma melhoria surpreendente.
Ademais, também tanto a psicóloga como a formadora atestaram isso em debate judicial, não tendo o Tribunal a quo, na opinião da aqui Recorrente dado a devida importância, transcrição que constam das alegações supra 01:38 a 06:33 das declarações gravadas da psicóloga II no áudio Diligencia_2935-23.3T8LRA_2025-03-13_12-12- 30_audio_psicologa_II_4
N. Ora, e efectivamente e mesmo após o debate judicial, houve um encaminhamento para a psiquiatria, bem como, para o médico de família, iniciando a AA voluntariamente a toma de medicação atestada – cfr. Doc. 1 que ora se junta – por ser superveniente ao debate judicial e constituir prova essencial para a análise do presente recurso, nos termos do art.651.º, n.º1, 425.º e 423.º CPC
O. Além disso, tanto no relatório junto antes do debate judicial como perante as declarações das testemunhas II, se verificou que a progenitora pretendia e efectivou uma candidatura habitacional, transcrição que constam das alegações supra (06:34 a 08:03 das declarações gravadas da psicóloga II áudio Diligencia_2935-23.3T8LRA_2025-03-13_12-12-30_audio_psicologa_II_4)
P. Assim sendo, o ponto 53. é diminuto face ao que ficou provado nos autos, devendo preconizar o seguinte: Que a progenitora mãe frequenta desde Janeiro de 2025 um curso de formação de Assistente Familiar e de Apoio à Comunidade, que terminará a 27 de Janeiro de 2027, no Centro de Reabilitação e Integração ..., no âmbito da qualificação das pessoas com deficiências ou incapacidades, sendo que, segundo relatório tem adquirido além de competência laborais, competências pessoais, sociais, num curto espaço temporal.
Q. Ademais, tanto a testemunha II, psicóloga como a testemunha JJ., formadora, foram perentórias a indicar que a progenitora mãe, conseguiria adquirir competências parentais, transcrição que constam das alegações supra (08:09 a 09:28 das declarações gravadas da psicóloga II áudio Diligencia_2935-23.3T8LRA_2025-03-13_12-12-30_audio_psicologa_II_4 e transcrição 19:04 a 19:19 as declarações gravadas da formadora JJ do áudio Diligencia_2935-23.3T8LRA_2025-03-13_14-35-28_audio_tia_formadora_JJ._alegações_8)
R. Pelo, que, o Tribunal a quo não deveria somente reconhecer a existência desta abertura para ser ajudada por parte da progenitora materna, mas sim dar também como facto provado, que a progenitora mãe consegue apreender as competências parentais, aliás, como bem diz os seriam os relatórios periciais.
S. Mas tais factos o Tribunal a quo sequer se pronunciou, focando-se nas debilidades mentais da progenitora para justificar a não manutenção da medida.
T. Ora, não pode ser somente baseado nas debilidades cognitivas, que se promove à medida sentenciada, sendo que, neste caso era essencial conseguir-se entender que efectivamente há um esforço efectivo, que há uma evolução no sentido de adquirir as competências que lhe faltavam, algo que sequer deu como facto provado.
U. Acresce ainda que aqui Recorrente, não pode ainda aceitar que se dê com provado o ponto. 47., designadamente, quando afirma que “Os convívios (…) se demonstram pouco gratificantes para a criança, (…), despede-se de forma idêntica ao que faz com qualquer pessoa”. Ora, de indicar que há uma contradição inerente entre os depoimentos das Dra. EE e da Dra .GG, representante do acolhimento familiar, visto que, se por um lado a Assistente social indica que “(…) A interação é muito defecitária, desde o início, a AA normalmente vem com a sua mãe, a avó, e é mais a avó que é capaz de interagir, a qualidade das interações com a BB, são melhores, mais afetuosas, do que a própria mãe, a própria AA”- transcrição 12:52 a 13:17 das declarações gravadas da Assistente social Dra. EE no áudio Diligencia_2935-23.3T8LRA_2025-03-13_11-43- 53_audio_ISS_assistente_social_3 , e por outro lado “(..) a avó fica sempre connosco na mesa, portanto a interação que faz com a BB, é a BB que lhe vai mostrando os brinquedos e ela vai falando com ela, mas é uma interação mais indireta, digamos assim, é ela dar orientações muito à filha. Oh AA, não vejo a menina porque está... Oh AA... A avó vai-lhe orientando, gosta de ver a menina, mas não é assim uma interação da brincadeira, do jogo simbólico, qualquer questão a nível do desenvolvimento, nem uma nem outra nos fazem essas questões e quando nós partilhamos o que é que as necessidades da BB denota-se falta de compreensão ou depois na vez seguinte não retomamos o tema porque não é esta a noção das necessidades, nem de uma nem da outra.Portanto a avó aparece, é um facto, mas acaba por ser indiretamente estar ali com a BB(…)- - ”- transcrição 09:03 a 09:57 das declarações gravadas da técnica GG no áudio. Diligencia_2935-23.3T8LRA_2025-03-13_12-45-21_audio_sara_tecnica_iss_acolhimento_6 Acrescentando ainda que, “(…)A mãe, a Dona AA tem muita dificuldade de entrar na relação, tanto com os adultos como com a criança, não tem noção das necessidades de uma criança com a idade da filha, numa fase inicial ela queria mobilizar a filha no espaço, nós tentamos sempre dar-lhe algumas estratégias para ir ao encontro também das necessidades da filha, para não estar ali a conter no seu colo e deixá-la explorar o espaço, até porque era importante para ela adquirir o gatinhar e explorar ali alguns brinquedos. Cheguei eu e as minhas colegas várias vezes a sentar-nos no chão com a Dona AA e explicar como é que fazíamos aqui com a BB e como é que ela também podia fazer. Quando a BB chora é mais difícil, porque ela vai sempre pedindo a aprovação dos técnicos e depois sente muita dificuldade porque não sabe acalmar, não sabe, por exemplo, mudar a fralda, também é uma das questões que ela acaba sempre por ter que pedir ajuda(…) - transcrição 07:32 a 08:32 das declarações gravadas da técnica GG, no áudio Diligencia_2935-23.3T8LRA_2025-03-13_12-45- 21_audio_sara_tecnica_iss_acolhimento_6
V. Ademais, apesar da técnica GG, vir indicar que a progenitora não tem noção das necessidades de uma criança com a idade da filha, ao mesmo tempo declara que ela tem interesse pela filha, quando declara que “transcrição que constam das alegações supra transcrição 08:33 a 08:57 das declarações gravadas da técnica GG. No áudio Diligencia_2935-23.3T8LRA_2025-03-13_12-45-21_audio_sara_tecnica_iss_acolhimento_6
W. Ora, contrariamente ao que dispõe o art .47, sendo que em mais nenhum ponto fala sobre o convívio da progenitora mãe, não nos parece que haja um desinteresse pela menor, por parte da progenitora, sendo que, desde que, orientada, a mesma brinca com a menor e trata, mesmo com ajuda das necessidades da mesma. E a menor reconhece-a como mãe, o que, apesar de ser indicado que é igual para a menor, a verdade é que uma criança de 2 anos ter noção de que aquela é a sua mãe, não se pode desconsiderar.
X. Face ao exposto supra carece dizer que, não pretende a mãe, a entrega imediata da menor, a seu cargo, porque como bem está explanado, a mesma reconhece por ora, que não tem condições ou capacidades, estando a adquiri-las neste momento.
Y. O que requer a Recorrente é que aliado ao facto de estar demonstrado a aquisição célere de aptidões e competências, lhe seja dada uma oportunidade, a derradeira oportunidade, para que a menor, possa num futuro próximo conseguir cuidar da sua filha, havendo por isso a manutenção da medida de guarda e cuidado em família de acolhimento por um tempo determinado pelo douto Tribunal.
Z. Ora, é verdade que o “tempo das crianças” não é o tempo dos adultos, mas a menor tem 2 anos de idade, sendo que a manutenção da medida de acolhimento familiar e conjunto com a aplicação à progenitora de medidas de capacitação parental, a continuação da frequência no curso de formação, a alteração da condição habitacional, e a sua revisão em um ano, não iria prejudicar a menor.
AA. Isto aliado, a que estamos perante um processo cujo acolhimento familiar, somente se iniciou há um ano, o que considerando processos similiares na jurisprudência nacional, e as oportunidades dadas aos progenitores.
BB. É jurisprudência maioritária no STJ que o encaminhamento duma criança para a adopção deve ser precedido de todas as medidas de apoio à família natural para poder acolher a criança, constituindo o encaminhamento para a adopção uma medida de “ultima ratio “depois de serem aplicadas outras de apoio à família natural.
CC. Nos relatórios técnicas sociais não impende um esforço efectivo das técnicas da segurança social para encaminharem a progenitora no sentido de adquirir competências parentais, sendo que, é fácil insistir em que a progenitora mãe, seria reactivas às mesmas, mas se assim fosse, como se justifica que em 2 meses, numa base de confiança e perante autoridade, mesmo que num curso profissional conseguimos os avanços confirmados pelo relatório psicóloga CRIT, e sua formadora?
DD. Não obstante, certo é que, a progenitora mãe encontra-se a trabalhar para conseguir as aptidões que lhe faltam, mas que os próprios relatórios perícias, feitos no âmbito do processo, concluem que consegue adquirir.
EE. Nessa sequencia e considerando o superior interesse da criança, o principio da proporcionalidade e da pevalencia da família biológica ao caso concreto e considerando os factos supra expostos, e a falta de oportunidades dada à progenitora mãe pela CPCJ, bem como, o esforço que a mesma se encontra, já antes do debate judicial, a fazer, aliado ao facto de que somente passou um ano desde o acolhimento familiar, não nos parece proporcional, a imposição já, da medida de adopção, medida essa que somente deverá ser aplicada em última ratio, após tudo o resto ter falhado.
FF. Sendo que, o Tribunal a quo nãom pode determinar que nesta data e nna actualidade tudo falhou, porquanto esta-se a conseguir progressos com a progenitora mãe na aquisição de competências que permitam recurperar a menor, aliás, como os relatórios periciais sempre indicaram.
GG. Parece no caso concreto, que há capacidades da progenitora em adquirir as competências parentais, havendo suporte familiar, sendo que, e tal como o Acórdão desta Relação de Guimarães de 24/10/2013, Processo n.º 4699/12.7TBGMR.G1 dita “(…)a criança ou o jovem tem uma família que quer assumir as funções parentais, de forma satisfatória, ainda que com o apoio da comunidade, haverá que a respeitar e aplicar a medida de apoio junto dos pais ou de outro familiar (art. 35/1) (...) A aplicação das medidas que provoquem o afastamento da criança ou do jovem da família e consequente institucionalização ou colocação familiar é, assim, o último recurso, apenas sendo possível quando é previsível o seu regresso à família, sendo subsidiárias daquelas que promovam a sua adoção”
HH. Ademais, o acórdão em crise consubstanciou muito da sua decisão no facto de a progenitora ter deficit cognitivo, nos termos do art. 1978.º, n.º 1 al. d) C.C., contudo a decisão de confiança depende sempre da conclusão no sentido da inexistência ou sério compromisso dos vínculos afetivos próprios da filiação, constituindo as várias alíneas do n.º 1 situações objetivas suscetíveis de revelar aquela inexistência ou compromisso que deve, em si, ser demonstrada. Ora também considerando o supra verificado e demonstrado, não nos parece que haja a inexistência de vínculos afectivos quer da parte da progenitora, quer da parte da menor, que sabe que é sua mãe, que brinca com ela, que não a rejeita, não podendo ser a idade da menor, e a sua falta de saber se expressar ( devido à idade) ser considerada falta de afectividade e vínculos maternos.
II. Não dar possibilidade ao principio da prevalência da família biológica é inconstitucional, aplicando o tribunal a quo a medida de acolhimento familiar com vista à adoção é nula e ilegal, devendo ser por isso revogada, mantendo-se a medida cautelar de acolhimento familiar com subsequente apoio junto da progenitora nos termos do art. 35.º, n.º 1 al. a) LPCJP, revisitando a mesma em prazo não superior a um ano.
JJ. Devendo ainda enquanto existir a manutenção da medida cautelar as visitas da progenitora mãe à menor, sendo que, deveria-se acautelar que as mesmas fossem menos espaçadas.
Nestes termos, e nos melhores de direito, sempre com mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser declarado procedente e, em consequência, ser revogada o douto acórdão recorrido e proferida outro, em sua substituição onde seja sentenciado a manutenção da medida cautelar de acolhimento familiar, com apoio junto da progenitora mãe para obter capacidades parentais, com vista à futura entrega à progenitora mãe, devendo ainda as visitas serem retomadas com um espaçamento inferior.”
Requer ainda a junção de um documento superveniente.
“1. O acórdão recorrido aplicou em beneficio da criança BB, a medida de confiança a família de acolhimento com vista à adoção.
2. O Tribunal a quo procedeu à apreciação global e crítica do manancial probatório documental, pericial e testemunhal que existia nos autos, e neste assentou a sua convicção, não podendo os trechos das declarações/depoimentos e/ou relatórios sociais/periciais indicados pela recorrente ser analisados desgarrados dos elementos probatórios carreados e no seu todo considerados.
3. A decisão tomada pelo Tribunal a quo radica na sua livre convicção e, sendo uma das soluções possíveis face às regras da experiência comum, e a única adequada a nosso ver, deve manter-se quanto à matéria de facto nos exactos termos em que foi proferida.
4. O acórdão recorrido, de forma assertiva, lógica, clara e cabalmente fundamentada, e por reporte aos princípios orientadores em matéria de intervenção a nível da promoção e proteção, concluiu que a criança encontrava-se em perigo e da necessidade e adequação de aplicação da medida de promoção e proteção em questão.
5. É no superior interesse desta criança que reside a aplicação da medida de confiança a família de acolhimento com vista à adoção, de modo a que cresça num ambiente familiar e social que lhe permita desenvolver-se e ser amada, como precisa e é seu direito.
6. O acórdão recorrido não merece, assim, qualquer censura, devendo manter-se nos seus precisos termos.
Assim, mantendo-se o acórdão recorrido, e julgando improcedente o recurso, Vossas Excelências, decidindo, farão, como habitualmente,
JUSTIÇA!”
Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. BB nasceu a ../../2022 e encontra-se registada como sendo filha de CC e de AA.
2. A criança foi sinalizada à CPCJ ... logo no seu nascimento pelo Serviço Social do Centro Hospitalar ..., devido a gravidez vigiada tardiamente, limitações cognitivas, dificuldades de aprendizagem e ausência de hábitos de trabalho e competências pessoais e sociais.
3. A criança nasceu de uma relação entre os seus progenitores frágil e disfuncional, pautado por discussões, ocorrendo agressões verbais psicológicas, com arremesso de objetos um ao outro.
4. A relação entre os progenitores durou três anos, tendo a progenitora, em maio de 2023, saído da casa de família sita na Rua ..., ..., em ..., com a BB.
5. No dia 28.12.2022, a criança deu entrada no centro de saúde de ... com bronquiolite aguda e foi enviada de urgência para o Hospital ..., tendo sido internada na UCEP, vindo a ser aplicada pela CPCJ ... a medida de apoio junto dos pais, com o auxílio da tia paterna DD, pelo período de 12 meses, incumbindo a DD a supervisão dos cuidados básicos de alimentação, higiene e saúde da criança.
6. Durante a intervenção da CPCJ os pais revelaram fracas competências parentais, pessoais e sociais para o exercício da parentalidade, concretamente, falta de capacidade organizativa ao nível dos cuidados de higiene pessoal e habitacional e na prestação de outros cuidados básicos necessários a uma criança recém-nascida.
7. A progenitora durante o acompanhamento pela CPCJ mostrou-se com uma atitude pouco colaborante e com dificuldade em cumprir o acordado, não comunicou a saída de casa da família, não informou para onde foi residir e não procedeu à inscrição da BB na creche.
8. A habitação estava desorganizada, com pó nos móveis, encontrando-se a cama da criança com roupa amontoada e pouco cuidada.
9. A progenitora, quando saiu de casa, impedia o progenitor de conviver com a criança referindo: "Esta é minha, fui eu que a pari e ninguém me tira a menina!".
1 O. Nesta sequência, a criança acompanhava a mãe pelos cafés, festas, ruas, durante a noite, desconhecendo-se onde dormiam, continuando a mãe a não permitir que o pai estivesse com a criança, alegando a falta de pagamento da pensão de alimentos.
11. A 29.02.2024, a Técnica Gestora numa visita à residência de EE, bisavó de BB, a mesma confirmou que AA e BB não lá habitavam há semanas.
12. Nessa entrevista/visita forma identificadas as seguintes situações pela TG: «ausência de estabilidade social, familiar, afetiva e habitacional; desconhecimento dos meios de subsistência da progenitora e da criança ( ... ); ausência de capacidade comunicacional entre os pais e outros familiares; indisponibilidade da progenitora em colaborar com os serviços envolvidos; risco de reincidência de episódios de agressividade entre os pais e terceiros perante a criança»
13. Submetido a perícia de avaliação psicológica, o pai revelou rigidez, algum controlo das emoções e respeito pelas regras e pela autoridade, tendendo a ser sério, moralista, honesto e preocupado, com a ordem, organização e eficiência.
14. Revelou, ainda, uma desconfiança vigilante em relação aos outros e uma antecipação nervosa e defensiva das críticas e da rejeição, surgindo como uma pessoa facilmente irritável e tendendo a expressar medo de perder a independência.
15. A partir dos dados da observação clínica deu-se conta que apresentou humor eutímico (adequado), não se observando afetos impulsivos. Deve, no entanto, ser realçado que revelou traços em que tende a demonstrar respeito pelas figuras de autoridade, podendo tratar os seus subordinados de uma forma algo autocrática. Realçou, ainda, zanga para com a progenitora decorrente de se ter sentido abandonado pela mesma.
16. O examinando empreendeu esforços para justificar as suas falhas ao nível do acompanhamento da progenitora e da menor, evidenciando causalidade externa.
17. Também a rigidez surge como uma característica pessoal, donde teria muito a ganhar em frequentar quer um programa de desenvolvimento socioemocional e quer uma ação formativa para uma parentalidade efetiva e positiva.
18. A partir dos dados recolhidos nas entrevistas constatou-se que o examinando demonstrou conhecimento precário do processo desenvolvimental da menor.
19. Revelou, mesmo, pouca consciência relativa à forma como poderia solucionar as necessidades básicas, de segurança, educativas e mesmo sacio-afetivas da sua filha.
20. Esclareceu, no entanto, sobre a forma como se observa como pai "sou um bom pai, se tiver a filha ao pé de mim. Dar-lhe tudo o que ela precisava. De tudo um pouco. Carinho e sim, se ela tivesse mais tempo ao pé de mim. Nunca tava. Como é que um gajo pode ser um bom pai sem a filha tar ao pé de uma pessoa".
21. O exercício das competências parentais por parte do examinando surgiu marcado por fatores de risco como sejam: as fragilidades cognitivas; a rigidez, a desconfiança e a tendência à defensividade; o conflitúo decorrente de o progenitor se sentir abandonado pela mãe da menor; a motivação para a parentalidade que surge, desta forma, como instrumental na tentativa de alcançar o objetivo de condicionar os sentimentos da progenitora; a consciência precária das necessidades da criança e das estratégias para a sua resolução; as fragilidades socioculturais.
22. O examinando alcançou resultados que revelaram debilidade intelectual ligeira.
23. Submetida a idêntica perícia, a mãe revelou-se desperta ao questionamento relativo à sua filha e à sua parentalidade, demonstrando um pensamento persecutório decorrente do receio de que a guarda da menor lhe seja retirada.
24. Os resultados da avaliação da personalidade foram considerados inválidos, decorrente da aleatoriedade com que respondeu a alguns dos itens e a contradições na resposta a itens de conteúdo semelhante.
25. Constatou-se, ainda assim, tendência para um traço de caráter queixoso ou de autopiedade, bem como sentimentos de extrema vulnerabilidade associados a um episódio atual de agitação aguda.
26. A partir da avaliação psicométrica da sintomatologia verificou-se que a examinanda apresentou indicadores de sofrimento significativo. Revelou cognições, impulsos e comportamentos percecionados como persistentes e aos quais não consegue resistir, embora sejam ego-distónicos e de natureza indesejada. Deu, ainda, conta de sentimentos de inadequação pessoal, e inferioridade na comparação com outras pessoas, apresentando depreciação, hesitação, desconforto e timidez durante as interações sociais.
27. Constatou-se, por fim, pensamento projetivo, hostilidade, suspeição e medo da perda de autonomia.
28. A partir dos dados da observação clínica deu-se conta que apresentou um humor eutímico (adequado), apesar serem notórios sinais decorrentes da ansiedade pela exposição a situação avaliativa e de ter chorado quando se referiu ao falecimento do seu progenitor.
29. Revelou, também, sintomas de agitação atual decorrentes da dificuldade em tolerar a frustração.
30. Apesar de pensamento obsessivo, sensibilidade interpessoal e ideação persecutória que conduzem a situação de agitação atual, não ficou provado que estes sejam indicadores estáveis de personalidade, antes sintomas atuais decorrentes do medo da perca da guarda da menor.
31. A partir dos dados recolhidos nas entrevistas constatou-se que a examinanda demonstrou razoável conhecimento do processo e das necessidades desenvolvimentais da menor.
32. Foi, no entanto, possível identificar resistência na colaboração com os serviços técnicos no sentido da determinação diagnóstica da sua situação e consequente definição de estratégias promotoras do desenvolvimento harmonioso da criança e sua integração em equipamentos, nomeadamente, educativos e de saúde.
33. Identificou, também, as suas fragilidades atuais, nomeadamente do ponto de vista habitacional, mas revelou inércia para a mudança devido a daí decorrer situação de desproteção para a sua progenitora.
34. Revelou motivação para a parentalidade e acompanhamento e ligação afetiva à sua filha.
35. O exercício das competências parentais por parte da examinanda surgiu marcado por fatores de risco como sejam: as fragilidades cognitivas; a sintomatologia atual decorrente do pensamento obsessivo, sensibilidade interpessoal e ideação persecutória que conduzem a agitação atual; a tendência à defensividade decorrente do receio de perca da guarda da menor; as resistências em colaborar com os serviços técnicos de apoio à sua parentalidade; a inércia em alterar as suas condições habitacionais; e as fragilidades financeiras e socioculturais. Apesar do primeiro fator de risco ser considerado permanente na sua dimensão temporal, todos devem ser objeto de acompanhamento especializado e constituem-se como vulnerabilidades e aspetos a melhorar.
36. As competências de comunicação surgem condicionadas pelas dificuldades cognitivas.
37. A examinanda revelou, ainda, momentos de elevado receio que a guarda da menor lhe seja retirada, alturas em que se revelou mais inibida e instável do ponto de vista psicomotor.
38. Dadas as fragilidades identificadas, considera-se que a examinanda teria muito a ganhar em frequentar uma ação de sensibilização para a resolução de aspetos práticos da sua vida pessoal, em integrar um programa de desenvolvimento socioemocional e uma ação formativa para uma parentalidade efetiva e positiva.
39. A examinanda alcançou resultados que revelaram debilidade intelectual ligeira.
40. Também o controlo executivo e a flexibilidade cognitiva apresentaram resultados baixos na avaliação psicométrica.
41. Demonstrou acompanhamento e ligação afetiva à sua filha, bem como conhecimento do processo e das necessidades desenvolvimentais da menor e motivação para a parentalidade.
42. Por despacho de 12.03.2024, foi aplicada em benefício da menina a medida provisória de acolhimento familiar, tendo sido colocada à guarda e cuidados em família acolhimento indicada pelo SATT do CDSS de Leiria. rrf/
43. Aquando do acolhimento a criança apresentava baixo peso, pouco desenvolvimento aos mais diversos níveis (linguagem, motricidade), tendo, contudo, evidenciado, um bom desenvolvimento subsequente.
44. Os convívios presenciais dos progenitores com BB decorreram nas instalações do CSPPVI - Equipa de Acolhimento Familiar, semanalmente, alternando os progenitores, com supervisão dos elementos da Equipa Técnica.
45. Maioritariamente os convívios da progenitora contam com a presença da avó materna e os do progenitor com a presença da tia materna.
46. Os pais não faltaram aos convívios, previamente agendados, sem justificação apresentada atempadamente.
47. Os convívios da criança com os progenitores revelam-se pouco gratificantes para a criança, que embora os inicie com agrado, despede-se de forma idêntica ao que faz com qualquer outra pessoa.
48. O progenitor durante os convívios revela um discurso pouco espontâneo e não coloca questões acerca do desenvolvimento ou estado de saúde da criança.
49. A criança rejeita a interação com o pai e mantém-se ao longo do convívio no colo da tia paterna.
50. A progenitora apresenta-se aos convívios com higiene pouco cuidada e com períodos de hostilidade.
51. O progenitor continua a viver na habitação sita Rua ..., ..., em ..., tratando-se de uma vivenda térrea com cave, onde se encontra a cozinha, casa de banho e uma sala, com problemas de humidade.
52. A progenitora continua a viver em casa da avó que faleceu recentemente, em ..., tendo como único rendimento a sua bolsa de formação desde Janeiro do ano em curso.
53. A progenitora frequenta desde janeiro de 2025 um curso de formação de Assistente Familiar e de Apoio à Comunidade, que terminará a 27 de janeiro de 2027, no centro de reabilitação e integração ..., no âmbito da qualificação das pessoas com deficiência e/ou incapacidades.
54. Apresenta uma adequada inserção no curso, auxilia os colegas com mais dificuldades e estabeleceu relação de confiança com os responsáveis.
55. Não existe um projeto de vida actual que permita uma reunificação familiar.
56. O progenitor, quando questionado pela Equipa Técnica, acerca das condições habitacionais e do carecimento de suprimir as necessidades da criança, refere, somente, as necessidades de "comer e vestir".
57. DD, tia paterna da BB, não manifesta uma posição de interesse, clara e perentória, em ficar com a criança aos seus cuidados, considerando que a mesma devia ficar como está, mas se for para ser adotada, então ela ficará com ela.
58. Questionada sobre a forma como iria gerir a relação da criança com a família materna, que com ela manifesta elevada animosidade refere que solicitaria a intervenção da GNR.
59. No historial do agregado familiar da tia paterna, constituído pelo seu companheiro e uma filha maior de idade, existem episódios de tentativas de suicido por ingestão voluntaria medicamentosa, encontrando-se o companheiro e a filha a ser acompanhados em consultas de psicologia e psiquiatria.
60. O progenitor admite não ter condições e capacidades pessoais e parentais para ficar com os cuidados da menina, preconizando que a mesma deveria manter-se na situação em que se encontra, mas podendo ir visitá-la.
61. A mãe igualmente preconiza a manutenção da situação da criança, por hora, reconhecendo, no presente não ter condições para a ter, mas opõe-se à sua confiança com vista a adoção, pedindo tempo para se recuperar.
62. No que respeita à demais família alargada, materna e paterna, não existe manifestação de interesse, nem relação estabelecida com a criança e/ou as respetivas condições de vida não são responsivas aos interesses da mesma.
Em particular não se provou que os progenitores da BB e a sua família alargada tenham outras características, comportamentos ou sentimentos que não os que se deixam dados como provados; que tenham levado a cabo outros factos ou com outras intenções para além do que se deixa dado como provado; que a sua história de vida seja outra ou tenha outros contornos, para além do que se deixa dado como provado.
QUESTÃO PRÉVIA
“Boa tarde Drª LL,
No sentido de fazer um ponto de situação relativamente à informação transmitida ao tribunal na audiência de dia 13/03/2025, somos a comunicar que a AA foi hoje a consulta de psiquiatria no Hospital ..., tendo sido prescrita medicação. Está também marcada consulta no Centro de Saúde para o dia 06 de maio para ser revista a necessidade de um encaminhamento para acompanhamento de continuidade por parte do serviço de psiquiatria e para dar início ao processo de pedido de Atestado Médico de Incapacidade Multiuso com vista à obtenção de outros rendimentos, como a Prestação Social para a Inclusão. Recebemos também, por parte da Câmara Municipal ..., resposta à candidatura, solicitando o envio de mais elementos, tendo procedido ao seu envio e estando neste momento a aguardar decisão.”
Decidindo
a) Da admissibilidade de junção de documentos com o recurso
No que respeita à junção de documentos em fase de recurso, dispõe o artº 651 nº1 do C.P.C. que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.”
Por sua vez, o artº 425 do C.P.C., consigna que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”, norma esta excepcional, semelhante à prevista no nº3 do artº 423, no que se reporta à fase de junção de documentos em sede de aferição da prova em julgamento.
Sendo esta uma fase excepcional, a junção de documentos em sede de recurso, depende de alegação por parte do apresentante de uma de duas situações:
-a impossibilidade de apresentação deste documento em momento anterior ao recurso. A superveniência em causa, pode ser objectiva ou subjectiva: é objectiva quando o documento foi produzido posteriormente ao momento do encerramento da discussão; é subjectiva quando a parte só tiver conhecimento da existência desse documento depois daquele momento;[3]
-o ter o julgamento efectuado na primeira instância, introduzido na acção, um elemento adicional, não expectável, que tornou necessário esta junção, até aí inútil. Pressupõe esta situação, todavia, a novidade da questão decisória justificativa da junção pretendida, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão, sendo que isso exclui que a decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum.
Com efeito, como refere António Santos Abrantes Geraldes[4], “podem (…) ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo.”
Prossegue ainda este autor, em anotação ao artº 651 nº1, referindo que “a jurisprudência anterior sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado”[5].
Trata-se de regime que não difere do previsto em sede o anterior regime processual civil.
A este respeito, referia ainda Antunes Varela[6], que “A junção de documentos com as alegações da apelação, afora os casos da impossibilidade de junção anterior ou de prova de factos posteriores ao encerramento da discussão de 1ª instância, é possível quando o documento só se tenha tornado necessário em virtude do julgamento proferido em 1ª instância. E o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou da dedução da defesa) quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado. Todos sabem, com efeito, que nem o Juiz nem o Colectivo se podem utilizar de factos não alegados pelas partes (salvo o disposto nos artºs 514º e 665º do CPC). Mas que podem, em contrapartida, realizar todas as diligências probatórias que considerem necessárias à averiguação da verdade sobre os factos alegados (artºs 264º nº 3, 535º, 612º etc.) e que nem o juiz nem o tribunal se têm de cingir, na decisão da causa, às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação ou aplicação das regras de direito (artº 664º - 1ª parte).
A decisão de 1ª instância pode por isso criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contavam. Só nessas circunstâncias a junção do documento às alegações da apelação se pode legitimar à luz do disposto na parte final do nº 1 do artº 706º do CPC.”[7]
Os presentes autos constituem um processo de jurisdição voluntária, em que ao juiz é permitido coligir os elementos de prova que entender por necessários, desconsiderando outros que julgue inconvenientes, não estando adstricto nem aos factos alegados, nem às providências requeridas, nem aos meios de prova indicados pelos intervenientes processuais. No entanto, a regra é que apenas são considerados os meios de prova produzidos até ao encerramento da discussão, execpto os que sejam supervenientes ou que se tenham tornado necessários apenas com o julgamento da causa.
No caso concreto, este mail, não integra a noção de documento, mas antes de depoimento escrito prestado por uma testemunha que já depós nestes autos, à mandatária da recorrente. Diferente seria se se requeresse a junção de qualquer documento que provasse a candidatura da recorrente, a marcação de consulta ou a prescrição de medicação.
Não se vislumbrando admissível a prestação de depoimento escrito, já após o encerramento do debate, indefere-se a junção deste email.
Custas pela recorrente, que se fixam no mínimo, sem prejuízo do apoio judiciário.
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Alega ainda que se não pode manter o ponto 47, por contradição de depoimentos entre as testemunhas EE e GG, considerando que “não nos parece que haja um desinteresse pela menor, por parte da progenitora, sendo que, desde que, orientada, a mesma brinca com a menor e trata, mesmo com ajuda, das necessidades da mesma. E a menor reconhece-a como mãe, o que, apesar de ser indicado que é igual para a menor, a verdade é que uma criança de 2 anos ter noção de que aquela é a sua mãe, não se pode desconsiderar.”
Mais alega que não existe qualquer prova quanto ao ponto 50 e no que se reporta ao ponto 62 que a progenitora indicou um futuro padrinho da criança que lhe teria referido que se fosse preciso se poderia responsabilizar por ela.
Por último alega que no ponto 53 se deve aditar o seguinte: “Que a progenitora mãe frequenta desde Janeiro de 2025 um curso de formação de Assistente Familiar e de Apoio à Comunidade, que terminará a 27 de Janeiro de 2027, no Centro de Reabilitação e Integração ..., no âmbito da qualificação das pessoas com deficiências ou incapacidades, sendo que, segundo relatório tem adquirido além de competência laborais, competências pessoais, sociais, num curto espaço temporal.”, por tal decorrer do depoimento das testemunhas II e JJ e do doc. por si junto com as alegações de recurso.
Relativamente aos requisitos de reapreciação da matéria de facto, dispõe o artº 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, que:
«Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
No que toca à especificação dos meios probatórios, «Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil).
Mo que toca à possibilidade e limites da reapreciação da matéria de facto, garantindo-se um duplo grau de jurisdição[8], este tem este de ser enquadrado com o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, previsto no artº 607, nº 5, do C. P. Civil, tendo em conta a natureza dos factos em causa, sujeitos a prova pericial, documental e testemunhal. De acordo com Miguel Teixeira de Sousa[9] “Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (…) Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência”.
Esta prudente convicção do tribunal, tem de ser suportada numa lógica racional, segundo juízos de probabilidade séria, baseada no resultado da prova apreciado à luz das regras da experiência comum e atentas as particularidades de cada caso, tendo em conta que a exigência relativamente à prova deve variar em função dos bens ou direitos que se encontram em jogo.
Nestes termos, o standard de prova deve ser tão mais exigente quanto maior for a improbabilidade do evento alegado. Assim, quando na presença de factos constitutivos do direito alegado cuja prova é por regra difícil (Probatio diabólica) de obter, não deve o julgador - no âmbito da sua valoração/apreciação - utilizar um grau de exigência ao nível da generalidade dos demais casos, antes deve ajustar o standard de prova para um nível de exigência mais leve/baixo. [10]
Nestes casos em que se pretende apurar as condições de vida dos menores e dos seus progenitores e a medida da capacidade destes de cumprirem com os seus deveres parentais, o que implica sempre um juízo de prognose, a prova a produzir assenta essencialmente em relatórios periciais, em relatórios sociais de acompanhamento da execução das medidas de promoção e proteccção, elaborados pelo SIATT, na audição dos progenitores e na audição das técnicas, assistentes sociais, psicólogas e outras testemunhas com conhecimento da vivência da menor a favor de quem é estabelecida a medida e dos progenitores e agregado familiar alargado.
E é dessa audição, quer nos próprios autos, em 21/08/2023 e em 13/03/2025 e dos relatórios elaborados nos autos que deram causa à medida de acolhimento residencial e dos depoimentos das testemunhas EE e GG que resultou o teor destes pontos, denotando-se das declarações da própria progenitora e do relatado por estas testemunhas que a progenitora não reconhece qualquer debilidade ou deficiência nos cuidados da menor, não identifica qualquer problema (o problema estará nas técnicas e no tribunal) e recusa quer a intervenção dos técnicos da segurança social, quer as medidas que lhe foram propostas, quer de apoio junto da tia paterna, quer de acolhimento seu e da filha numa instituição de apoio que a auxiliasse a adquirir competências parentais.
As razões aventadas, em sede de recurso, pela progenitora, não só não estão documentadas nos autos (não se encontrou rasto da suposta retirada de outro filho a esta progenitora e sua confiança para adopçao), como a estarem-no revelam que esta instabilidade, recusa em aceitar qualquer orientação, ausência de competências parentais e estruturação familiar, social, laboral e habitacional e total desconhecimento das necessidades de um menor, não são conjunturais, mas estruturais.
Os autos revelam que estes cuidados não são compreendidos, não constituem uma questão central na vida desta progenitora. E se na verdade esta integrou, em Janeiro deste ano, uma formação com vista a adquirir competência pessoais (com a duração de dois anos como referiu a testemunha II), não se pode afirmar que este pensamento estruturante mudou, mas antes que terá ocorrido por força destes autos e da proximidade do debate judicial.
Quanto ao ponto 50 decorre do depoimento da testemunha GG, assistente social, com uma maior ligação à menor porque efectua o seu acompanhamento bem como o acompanhamento dos convívios com os progenitores. Esta testemunha confirmando a falta de higiene pessoal e a hostilidade desta mãe, também veio afirmar que com a participação no curso de formação a hostilidade se atenuou, pelo que se adita a este ponto o seguinte:
“50. A progenitora apresenta-se aos convívios com higiene pouco cuidada e com períodos de hostilidade, sendo que este último aspecto melhorou com a integração da progenitora no curso referida no ponto 53, apresentando-se esta mais calma perante as assistentes sociais.”
No que se reporta ao ponto 47, a matéria dele constante resultou do depoimento da testemunha GG, afirmando esta que a menor reage à presença da progenitora como reage a qualquer outro adulto ou cuidador, não diferenciando quer a mãe quer o pai. Repete as palavras mãe e pai, porque lhe são ditas pelas educadoras, mas vinculação àquelas pessoas, manifestada por esta menor (por ex. tristeza quando os progenitores se ausentam, alegria ao vê-los) não existe.
No que se reporta ao ponto 62 e à suposta indicação de outra pessoa para se responsabilizar pela menor, a impugnação feita pela progenitora não tem qualquer razão de ser. A vaga indicação de um “padrinho”, sendo certo que a menor não foi baptizada, alegado primo da progenitora, identificado apenas pelo nome de MM, de profissão camionista, que terá dito que se fosse preciso se responsabilizava pela menina e que alegadamente a terá visto apenas uma vez no centro de acolhimento, demonstra apenas a irresponsabilidade e a falta de cuidado da progenitora com esta menor. Como é manifesto não é uma indicação credível, nem séria, nem nunca foi trazida aos autos, nem sequer a indicação concreta deste suposto primo ou a razão pela qual este seria competente para ter a seu cargo a menor.
Por último e, em relação ao ponto 53 é certo que a integração desta progenitora neste curso, em Janeiro deste ano, tem auxiliado a progenitora a adquirir algumas competências, sociais e pessoais, diminuindo a sua hostilidade aparente, o que resulta do depoimento das testemunhas II e JJ e que esta revelou uma boa inserção no grupo, conforme resulta do ponto 54.
No entanto, a recente integração da progenitora neste curso (com duração de dois anos) não permita afirmar que esta progenitora alterou a sua forma de ser e estar e adquiriu competências pessoais, sociais e laborais ou sequer que as possa vir a adquirir, muito menos as competências parentais que nunca manifestou ter.
À excepção da alteração do ponto 50, mantém-se a restante matéria de facto.
Os princípios orientadores de toda a intervenção do Estado para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem vêm previstos nas várias alíneas do art. 4.° da Lei n.° 147/99, de 1 de Setembro, salientando-se, desde logo, os seguintes princípios:
- interesse superior da criança e do jovem, tendo em conta a necessária continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto;
- proporcionalidade e atualidade: a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade;
- prevalência da família, devendo ser dada prevalência às medidas que integrem a criança na sua família.
Esta intervenção do estado deve ser norteada, sempre, pela defesa do interesse superior da criança e do jovem, devendo o tribunal na escolha das medidas, adequar o seu conteúdo ao caso concreto.
Deste modo, as medidas de promoção dos direitos e de protecção das crianças e dos jovens em perigo visam essencialmente, afastar o perigo em que estes se encontram e proporcionar as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral, conforme decorre do art. 34.° da Lei n.° 147/99, de 1 de Setembro, em relação a crianças e jovens considerados em risco.
Nestes termos, apenas se justifica esta intervenção apenas tem lugar quando, “os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo.”, conforme resulta explanado no artº 3 nº1 da Lei 147/99.
O perigo referido neste preceito legal, refere-se, conforme resulta de Ac. deste T.R.C. de 22/05/07[11] “a uma situação de completa e grave ausência de condições que possibilitem ao menor um desenvolvimento são e harmonioso nos domínios físico, intelectual, moral e social.”, dela decorrendo um “o risco actual ou iminente para a segurança, saúde, formação moral, educação e desenvolvimento do menor.”
O nº2 deste artº 3, elenca os casos em que se considera que o menor se encontra em perigo, não sendo este elenco taxativo, como decorre do vocábulo designadamente, nele empregue:
“a) Está abandonada ou vive entregue a si própria;
b) Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais;
c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal;
d) Está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais;
e) É obrigada a atividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento;
f) Está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional;
g) Assume comportamentos ou se entrega a atividades ou consumos que afetem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação.
h) Tem nacionalidade estrangeira e está acolhida em instituição pública, cooperativa, social ou privada com acordo de cooperação com o Estado, sem autorização de residência em território nacional.”
A adopção de medidas de protecção nestas situações, decorre e impõe-se pelo direito das crianças à protecção do Estado, consagrado no artº 19 nº1 da Convenção Sobre os Direitos da Criança, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20.11.1989 e com consagração constitucional, no art. 69.º n.º 1 da nossa Constituição. Nestes termos, “as crianças têm o direito fundamental à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral.”, onerando-se os progenitores com o dever “de educação e manutenção dos filhos.” (artº 36 nº5 da Constituição).
Assim sendo, quando os pais não assumam os deveres a que estão obrigados, quer moralmente, quer legalmente (artº 1878 e segs. do C.C.) de educação, cuidado e manutenção dos seus filhos, a sociedade tem de intervir, mediante a adopção das medidas consideradas mais adequadas à salvaguarda do menor, procurando sempre a sua (re)integração na família biológica ainda que alargada, por forma a que esta assuma na íntegra os deveres de educação, protecção e manutenção do menor, não adoptando comportamentos de risco, não prejudicando o seu desenvolvimento (mental e físico) e não a sujeitando a conflitos, nomeadamente parentais, que, pela sua gravidade e persistência, ponham em causa o seu bem estar físico ou psíquico.
Nesta medida, só “será legítima a intervenção - designadamente do tribunal - desde que se verifique uma situação de perigo, ou seja, desde que se verifique uma situação de facto que afecte ou possa afectar a segurança, a saúde, a formação, a educação, bem-estar e desenvolvimento integral da criança ou jovem.”[12]
Da ratio que preside a estas medidas resulta que devem estas medidas devem ser preferencialmente adoptadas com a criança integrada na sua família biológica, ou visando a integração da criança na sua família biológica, estabelecendo-se medidas de acompanhamento e apoio que visem colmatar atitudes ou omissões negligentes, auxiliando e educando a família no tratamento são dos menores que tem a seu cargo.
Quer isto dizer, que as crianças têm o direito de viver com os seus pais e conviver com a restante família biológica, situação que deve ser considerada como a mais desejável para o sadio desenvolvimento do menor, excepto quando seja considerado incompatível com o seu interesse superior.
Conforme decorre da Convenção Sobre os Direitos da Criança supra-citada, os Estados subscritores desta convenção, entre os quais Portugal, garantem que “a criança não é separada de seus pais contra a vontade destes, salvo se as autoridades competentes decidirem, sem prejuízo de revisão judicial e de harmonia com a legislação e o processo aplicáveis, que essa separação é necessária no interesse superior da criança. Tal decisão pode mostrar-se necessária no caso de, por exemplo, os pais maltratarem ou negligenciarem a criança (…)” (artº 9 e negrito nosso).
Corresponde igualmente a um princípio fundamental na nossa ordem interna de que “Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.” (artº 36 nº 6 da Constituição)
Nestes termos, só podem ser adoptadas outras medidas, como a confiança a instituição ou acolhimento com vista a futura adopção, quando se concluir ser inviável a reintegração do menor na sua família de origem, sabido que a institucionalização de uma criança e a sua futura entrega a outra família, que não a biológica, são medidas de último recurso, adoptadas apenas quando todas as demais opções falharam.
No caso em apreço, dos factos que se deram como assentes, resulta à saciedade a situação de perigo da criança existente desde o seu nascimento, bem evidenciada nos relatórios sociais. A menor vivia no meio de grande instabilidade e forte conflito entre os seus progenitores, passava os dias em cafés e na rua, desconhecia-se o local onde pernoitava, alterando a progenitora a sua residência sem informar as assistentes sociais, apresentava baixo peso, foi sujeita a internamento hospitalar pouco tempo decorrido do seu nascimento, manifestando ainda a mãe recusa em aceitar qualquer intervenção por parte das assistentes, negando a necessidade de intervenção e afirmando estar a menor bem tratada.
Quando entregue a família de acolhimento, depois de frustrada a medida de confiança junto da progenitora e da tia paterna, veio a verificar-se encontrar-se com o desenvolvimento muito atrasado, quer a nível de locomoção e fala (com 21 meses, já acolhida e sujeita a fortes estímulos, iniciou a marcha e as primeiras palavras), a nível de alimentação (apenas reconhecia o leite e os croissants) e a nível de relacionamentos afectivos. A menor relaciona-se facilmente com todos os adultos, mas revela falta de vinculação afectiva, nomeadamente com os progenitores.
Estas limitações, conforme referiram as assistentes EE e GG, não resultam de uma deficiência física ou mental da menor, mas antes de ausência de estímulo adequado e proporcional à idade da menor.
A progenitora que, aos 36 anos, não tem habitação fixa, nem um agregado familiar estável, nem ocupação laboral, não manifestando qualquer competência parental, nem reconhecendo qualquer necessidade ou cuidado específico em relação à menor, permanecendo com ela todo o dia na rua e em cafés, pernoitando em diversos locais e sem preocupações com uma alimentação adequada à idade da menor (sendo evidente o atraso no desenvolvimento da menor), recusou as medidas de promoção propostas e nunca aceitou apoio ou intervenção das assistentes, considerando que tem o direito de viver como quer.
Aplicada a medida de acolhimento residencial (nos termos do disposto nos artigos 1º, 3º n.º1 e n.º2 alínea b), 5 alínea c), 11.º n.º1 alíneas c), e n.º2, 34º alíneas a), b) e c), 35.º n.º 1 alínea d), 37º n.º1 e 92º, todos da LPCJP), não se vê que a progenitora neste espaço de tempo, um ano, tenha adquirido, ou intentado adquirir estas competências parentais ou que tenha conseguido estruturar-se, essencialmente porque a progenitora não reconhece esta desestruturação como um problema, entende que deve viver a vida como quer e tem-se manifestado incapaz de mudar, recusando todas as medidas de apoio que lhe foram propostas. Permanece a desagregação familiar (já endémica nesta família, pois que a própria progenitora foi objecto de medida de protecção), a ausência de estabilidade habitacional, a ausência de rendimentos fixos (vivendo a progenitora da ajuda de companheiros com quem vai residindo, da ajuda da mãe e anteriormente da avó).
Tem de se concluir que esta desestruturação constitui já traço de personalidade desta progenitora. A progenitora tem 36 anos, não apresenta nem reuniu até à data quaisquer competências parentais, o que a própria reconhece, tendo aderido a um curso de formação e a apoio psiquiátrico apenas em Janeiro deste ano, essencialmente na sequência da promoção desta medida e por causa do debate judicial para sua aplicação, sem que se possa considerar que existiu e existe um esforço sério e com resultados visíveis no sentido de, fazendo um juízo de prognoso, se acreditar que em curto espaço de tempo se possa proceder à entrega da menor à progenitora. Não se vê que neste ano que a menor esteve acolhida e antes desta decisão de acolhimento, em que se propuseram à progenitora várias soluções, esta tenha intentado qualquer alteração do seu modo de vida de forma a poder cuidar da menor, pretendendo, pelo contrário que tem o direito de viver como quer e que a menina é sua, podendo dela tratar como entender.
A própria progenitora recorrente reconhece que neste momento não tem competências para acolher a menor, pretendendo, pelo contrário, que esta se mantenha acolhida por mais um ano, sendo-lhe permitidas as visitas.
Não se vê de nenhum facto assente, nem tal resulta do relatório ora apresentado, que tenha existido uma alteração da estrutura, da personalidade da progenitora, que nos leve a concluir que a breve trecho terá condições para cuidar da filha.
Ora, nenhuma criança merece viver institucionalizada, nem merece ser negligenciada. sendo certo que a progenitora em momento algum reconheceu que existiu negligência da menor, porque não identifica estes aspectos - os estímulos, o cuidar, o ensinar, a importância de uma alimentação adequada à idade - como prioritários. Não resulta dos autos qualquer indicação de que esta situação se altere.
Nem o progenitor, nem nenhum elemento da família paterna ou materna, ela própria profundamente desagregada e disfuncional, com problemas de alcoolismo e mentais, se apresenta como alternativa.
Ora, a BB necessita de uma família estável que dela cuide. O prolongar deste acolhimento junto de uma família que o é temporariamente, potencia o trauma e o insucesso de futura adopção.
Conforme decorre do disposto no artº 60 nº2 da LPCJP, as medidas de apoio têm um limite temporal, decorrido o qual, sem que se veja qualquer evolução significativa, há que procurar outras opções para a menor. Embora o nosso sistema de protecção dos menores, privilegie medidas de recuperação da família biológica, estas medidas têm um limite temporal após o qual deve ficar definido, em termos definitivos, o projeto de vida da criança, assegurando o seu direito a uma família, embora não a biológica, conforme resulta do disposto nos arts. 35, n.º 1, al. g), 38-A, al. b), e 62.-A, todos da LPCJP, e 1978. do Código Civil.
O princípio da prevalência da família não significa que a família biológica tem sempre direito ao menor, mas antes que “o menor tem o direito a desenvolver-se no seio duma família (enquanto célula fundamental da sociedade no seu processo de socialização e de desenvolvimento); que, se o menor tem uma família natural que quer assumir as funções parentais, de forma satisfatória, não deve o menor ser separado de tal família; e que, só não a tendo, é que haverá que encontrar uma família adoptiva/substitutiva - por ser a que mais se aproxima da família natural - caso se demonstre ser essa a solução adequada, de acordo com os seus superiores interesses - conceito este vago e genérico, utilizado pelo legislador para permitir ao juiz alguma discricionaridade, bom senso e criatividade, com conteúdo a apurar em cada caso concreto.”[13] Está aliás de acordo com o preceito constitucional ínsito no artº 36 nº6 da Constituição.
A menor já passou a maior parte do tempo da sua curta existência quer num meio profundamente disfuncional, quer numa família de acolhimento, sendo certo que o esperar (sem razão) que a mãe eventualmente adquira competências, não beneficia esta menor.
Por último, não se pode sequer dizer que existe vinculação afectiva da menor aos progenitores, a quem não reconhece como tais e de quem não manifesta sentir a falta, como decorreu do depoimento da técnica GG. A própria vinculação desta progenitora é mais uma vinculação de posse, sem que desta vinculação resulte a compreensão dos deveres que a parentalidade comporta.
Repete-se, a bem desta menor: a BB tem 2 anos e seis meses e merece uma família estável e estruturada que a ame e dela cuide, que providencie o seu sustento, educação e cuidados de saúde.
Não é admissível que com base numa postura puramente egoísta e consabidamente irresponsável da progenitora, se sujeite esta menor a um prolongamento do acolhimento, suspenso o seu projecto de vida, à espera que a progenitora - que nestes 36 anos de vida foi incapaz de construir uma vivência estável, que manifestou oposição a todas as tentativas de apoio - adquira eventualmente competências que lhe permitam alguma estabilidade e sem que se saiba se estas competências lhe permitirão cuidar cabalmente da filha, o que foi reconhecido pela própria testemunha JJ.
Pelo exposto, improcede na totalidade, pelas razões acima apontadas, o recurso interposto pela recorrente.
[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
[3] A. Tribunal Relação de Coimbra de 20/01/2015, relator Henrique Antunes, proc. nº 2996/12.0TBFIG.C1
[4] ABRANTES GERALDES, António Santos, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina 2017, pág. 229.
[5] Ibidem, pág. 185; a este respeito vide ainda o Ac. do Tribunal Relação de Coimbra de 18/11/14, relator Teles Pereira, proc. nº 628/13.9TBGRD.C1, disponível in www.dgsi.pt
[6] Revista de legislação e Jurisprudência, Ano 115,º, pág. 95 e segs.
[7] A. do S.T.J. de 26/09/12, relator Gonçalves Rocha, Proc. nº 174/08.2TTVFX.L1.S1
[8] Cfr. o Acórdão da Relação de Guimarães de 04.02.2016, no Proc. 283/08.8TBCHV-A.G1, disponível em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: «Para que a decisão da 1.ª instância seja alterada, haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “prudente convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção, retratada na resposta que se deu à factualidade controvertida, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente aferir da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova.»
De igual modo, cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.05.2016, no Proc.1572/12.2TBABT.E1.S1, disponível na mesma base de dados, decidindo que «O Tribunal da Relação deve exercer um verdadeiro e efectivo 2.º grau de jurisdição da matéria de facto e não um simples controlo sobre a forma como a 1.ª instância respondeu à matéria factual, limitando-se a intervir nos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, pois que só assim se assegurará o duplo grau de jurisdição, em matéria de facto, que a reforma processual de 1995 (DL n.º 329-A/95, de 12-12) visou assegurar e que o actual Código confirmou e reforçou.»
[9] Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 1997, Lex, pág. 347.
[10] Luís Filipe Pires de Sousa, in Prova Por Presunção no Direito Civil, 2012, Almedina, pág. 148 e 149.
[11] De que foi Relator Garcia Calejo, proferido no proc. nº 289/07.4TBVNO-C1, disponível para consulta in www.dgsi.pt
[12] Ac. do TRL de 09/06/11, relatora Maria José Mouro, proferido no Proc. nº 298/11.9TMLSB.L1-2, referido in www.dgsi.pt
[13] Ac. da R. do Porto de 02/04/2009, de que foi relator Barateiro Martins, proferido no proc. nº 0838112; no mesmo sentido Ac. desta Relação de Coimbra de 13/09/2022, de que foi relator Vítor Amaral, proferido no proc. nº 2201/20.6T8CBR.C1, disponíveis em www.dgsi.pt.