TÍTULO EXECUTIVO
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DE TRANSAÇÃO
INEPTIDÃO DO REQUERIMENTO EXECUTIVO
PRAZO PARA A ARGUIÇÃO
AUDIÊNCIA PRÉVIA
Sumário

I- A nulidade consistente na ineptidão do requerimento executivo é uma excepção processual dilatória, prevista no art. 577º al. b) do C.P.C., que pode ser conhecida, mesmo oficiosamente, até ao primeiro acto de transmissão de bens penhorados (artº 734, nº1 do C.P.C.) e que, por força do art. 576 nº 2 desse mesmo Código, tem como consequência, a ser reconhecida, a absolvição da instância executiva.
II- Quando invocada em sede de embargos à execução, a decisão desta excepção dilatória não impõe a marcação de audiência prévia, por já cumprido o contraditório (cfr. resulta do disposto no artº 592, nº1, al. b), do C.P.C.).
III- É inepto o requerimento executivo interposto com vista à execução de sentença homologatória de transacção, a qual condenou o R. em várias obrigações, pecuniárias e de facere, quando deste requerimento não constam os factos nem o pedido, ou seja, a concreta prestação que se visa executar (artº 726, nº2, al. c) do C.P.C.).
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral


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Recorrente: AA

Recorrido: Câmara Municipal ...

Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves

Juízes Desembargadores Adjuntos: Hugo Meireles

                                                  Luís Manuel Carvalho Ricardo


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Acordam os Juízes EM CONFERÊNCIA na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

RELATÓRIO


Intentada execução de sentença por AA contra a Câmara Municipal ..., veio a executada, em sede de oposição à execução, invocar a ineptidão do requerimento executivo, por falta de indicação da causa de pedir e do pedido.

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Deduzindo o exequente contestação, alegando que os factos constam do título executivo, veio a ser proferido despacho, em 10/08/2024, do seguinte teor:

Mostrando-se já debatida nos autos a exceção da ineptidão do requerimento executivo dispensa-se, ao abrigo do art. 592º n.º 1 al. b) do Código de Processo Civil, a realização da audiência prévia a que se reporta o art. 591º do mesmo Código.

Notifique.”


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De seguida foi proferida sentença na qual se declarou “a nulidade do requerimento executivo, por inepto, e em consequência:

a) absolve-se o embargante/executado da instância executiva;

b) determina-se a extinção da execução principal.”


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Não conformada com esta decisão veio o exequente/embargado interpor recurso, concluindo da seguinte forma:

“1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho saneador proferido nos autos, na firme convicção que a mesma enferma de nulidade, ao abrigo do disposto no art.º 195.º, do CPC., atenta o incumprimento de várias formalidades legalmente prescritas e que, em boa verdade, influenciam o exame e a decisão da causa bem como, de uma errada e insuficiente qualificação jurídica que serviu de base à decisão, a qual vai em sentido bem diferente daquele que, Vossas Excelências, elegerão, certamente, como mais acertada, depois da necessária reponderação dos pertinentes pontos da matéria de facto e de direito, e à luz dos meios probatórios disponíveis.

2. O objecto do presente recurso consubstancia-se na impugnação da decisão proferida pelo Tribunal a quo nos seguintes termos: - Procedente a exceção de ineptidão da petição inicial.

3. Desde logo, salvo o devido respeito, jamais o ora Recorrente poderá concordar com o entendimento do Tribunal recorrido:

 - a) A ineptidão da petição inicial, apenas, ocorre quando esta contém deficiências que comprometem irremediavelmente a sua finalidade, determinando a nulidade de todo o processo e absolvição da instância, conforme art.s 186.º n.º 1, 576.º n.º 1 e 2, 577.º al. b) e 278.º n.º 1, al. b) do CPC.

- b) Ainda, que os factos essenciais sejam insuficientes, se o R. contestou, decorrendo da Contestação que interpretou convenientemente a petição inicial e os pedidos, impugnando expressamente o que foi alegado pelo exequente e, em consequência, requerendo a sua absolvição daquele, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a, do n.º 2 do art.º 186 do CPC seja, com fundamento na falta ou ininteligibilidade de causa de pedir ou do pedido, a arguição não é julgada procedente quando, conforme estipula o n.º 3 daquele mesmo artigo,

4. Desta forma, violou o Meritíssimo Juiz a quo uma das formalidades do artigo 3.º n.º 3 do C.P.C. 1.

NESTES TERMOS, cumpre concluir que, atento o supra exposto a decisão, aqui em apreço é nula atenta a preterição de formalidades essenciais legalmente consignadas.

I – ERRO DE JULGAMENTO

II - DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO:

6. No seguimento daquilo que já supra melhor se mencionou, os fins do Processo Civil, resumidamente, são os de, em contraditório, determinar a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, proferir o despacho destinado a identificar o objecto do litígio.

7. ACONTECE QUE

não obstante a existência de matéria controvertida, a Meritíssima Juiz a quo, entendeu que os autos já possuíam todos os elementos necessários à decisão sobre o mérito da causa e, como tal, proferiu o respectivo despacho, proferindo decisão no âmbito dos presentes autos.

8. Porém, ao arrepio da lei, designadamente, ao abrigo do disposto no art.º 3.º n.º 3 do C.P.C., o Tribunal recorrido decidiu sobre o mérito da causa nem facultar às partes a discussão da matéria de facto e de direito.

9. Ora, a audição das partes quanto à matéria de facto e de direito constitui uma formalidade legalmente imposta pelo artigo 3.º n.º 3 do C.P.C., cuja violação acarreta a nulidade da decisão o que, desde já se invoca, com todas as consequências legais daí decorrentes.

10. Deste modo, violou o Meritíssimo Juiz a quo um dos mais elementares princípios processuais, nomeadamente, o princípio do contraditório consagrado no artigo 3.º n.º 3 do CPC.

11. Face ao exposto, não restam dúvidas de que a prolação da decisão é proferida com preterição de uma formalidade essencial e, que se encontra prescrita na lei, ou seja, foi a mesma efectuada sem que as partes tivessem oportunidade de se pronunciar em relação às questões de facto e de direito.

12. Em face disso e, uma vez que a omissão de tal formalidade influi no exame ou na decisão da causa, tal decisão é nula, atenta a violação do art.º 3º n.º 3 do CPC.

13. Assim sendo e, sempre com o devido respeito, a verdade é que, muito mal andou o Tribunal de que se recorre.

14. Em suma, não se conformam, de modo algum, os ora apelantes com a douta decisão em crise, por entender que a decisão judicial proferida é, nula, atenta a violação de formalidades legais, conforme supra melhor se explanou, com todas as consequências legais daí decorrentes.

15. Diremos apenas que a p.i. não é inepta; contém, de forma perfeitamente inteligível, os factos que consubstanciam a causa de pedir, o direito aos mesmos aplicável e em que se funda o pedido, que também é absolutamente claro e consonante com a causa de pedir.

16. Inexiste, pois, a invocada exceção de ininteligibilidade da p.i., pelo que deve julgar-se a mesma improcedente.

Termos em que se concedendo provimento ao recurso, deve revogar-se o despacho recorrido, em conformidade com as conclusões formuladas, com as legais consequências, fazendo-se a sã e habitual Justiça.”


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Foram interpostas contra-alegações, concluindo a embargante da seguinte forma:

1º Em suma alega a recorrente que a petição inicial não é inepta porque contém, de forma perfeitamente inteligível, os factos que consubstanciam a causa de pedir, o direito as mesmo aplicável e em que se funda o pedido, que também é perfeitamente claro e consonante com a causa de pedir.

2º Sucede que, e ao arrepio do que dispõe o artigo 868º nº 1 e 724º nº 1 do CPC o Exequente/Recorrente não deduziu nenhum pedido nem expõe claramente que tipo de obrigação foi incumprida, pelo que a o Executado não deslumbra o que pretende a exequente.

3º Concluiu bem a douta sentença recorrida que, elencando os pressupostos do requerimento executivo enumerados no artº 724º do CPC, o requerimento executivo apresentado padece efetivamente do vício que lhe é apontado na medida em que o exequente, apesar de se mostrar dispensado de expor sucintamente os factos que fundamentam o pedido, porquanto os mesmos constarem do título executivo oferecido à execução – que consiste numa sentença judicial- não formulou já, como devia ter feito, qualquer pedido” (negrito e sublinhados nossos);

4ºA formulação do pedido é uma exigência expressa da al. f) do nº 1 do artº 724º do CPC que o exequente notoriamente não cumpriu nem o executado/recorrido fez qualquer interpretação nesse sentido do título executivo, pois levantou nos embargos a dúvida sobre o que pretendia a Exequente com tal requerimento, não ficando claro – dada a total ausência do pedido- o que pretendia a Exequente.

5º Nas doutas alegações, além de considerações genéricas, a Recorrente não logrou concretizar, mais uma vez, ao que vinha com tal execução, isto é, não demonstrou que pedido pretendia fazer no requerimento executivo, o que demonstra expressamente a ausência de um pedido claro da sua execução, e uma vez mais, dá razão à sentença recorrida.

6º Decorre à saciedade a ausência do pedido no requerimento executivo, assim como absoluta ausência de alegação de factos que o fundamentem, e sem que o mesmo se mostre, da mera e imediata leitura do titulo executivo, percetível (….) fica pois por se saber qual a concreta pretensão executiva visada. 7º Não se trata, pois, de uma mera insuficiência na densificação ou de concretização de algum aspeto dos factos essenciais, mas sim, uma ausência absoluta da alegação do pedido, nãos se vislumbrando o que pretendia a exequente pedir na sua execução.

8º Tal como dispõe o nº 1 do artigo 724.º do CPC:

“1 - No requerimento executivo, dirigido ao tribunal de execução, o exequente:

(…)

e) Expõe sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo, podendo ainda alegar os factos que fundamentam a comunicabilidade da dívida constante de título assinado apenas por um dos cônjuges;

f) Formula o pedido;

h) Liquida a obrigação e escolhe a prestação, quando tal lhe caiba (…)”.

9º Ora, o Exequente/Recorrente não cumpriu com nenhuma destas estatuições, que apesar de estarem previstas para a execução para pagamento de quantia acerta, são aplicáveis à execução para prestação de facto.

10º Pelo que, não poderia ser outra a decisão a proferir que a não da absolvição da instância executiva (cfr artº 278º nº1 al. b) do CPC) tendo andado bem o tribunal a quo com a sentença recorrida, nada lhe podendo ser imputado.

11º Por outro lado, inexiste qualquer erro de julgamento e não se verifica qualquer fundamento para que o Exequente/Recorrente venha alegar que a sentença recorrida padeça te de tal vício.

12º Pelo contrário, ao decidir pela absolvição da instância o tribunal a quo, decidiu bem e em consonância com a lei, não lhe podendo ser imputado tal vicio de julgamento. Deste modo, também aqui, não assiste qualquer razão ao Recorrente.

13º O Despacho Saneador destina-se, entre outros, a apreciar e decidir sobre as invocadas exceções (cfr 595º CPC) que tenham sido suscitadas, o que, no caso, foi suscitado pelo executado/recorrido, tendo a exequente tido oportunidade de contestar e se pronunciar.

14º Não pode a Exequente/Recorrente alegar violação do princípio do contraditório, quando, em relação à ineptidão da petição inicial se pronunciou e teve oportunidade de exercer o contraditório.

15º A decisão do tribunal a quo resulta do dever exercício do dever de pronúncia sobre a questão suscitada que obriga o juiz a decidir nos termos da lei, uma vez que a questão a decidir se encontrava já debatida pelas partes, tendo ambas se pronunciado sobre a questão.

16º Não existiu qualquer violação do Princípio do Contraditório, uma vez que a Exequente teve oportunidade de o exercer e se pronunciou sobre a questão que veio a ser decidida pelo Juiz a quo, concluído, e bem, pela verificação da ineptidão da petição inicial que conduz a nulidade do processo (186º nº 1 e 2 al. a) CPC).

17º Por esta via, nem a sentença recorrida é uma decisão-surpresa por não ter sido suscitada oficiosamente pelo tribunal, nem à exequente foi negada a possibilidade de sobre a mesma se ter pronunciado, pelo que, não tem razão quando alega a violação do Princípio do contraditório.

Face ao exposto, deverá o Recurso apresentado pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se a sentença recorrida, com as demais consequências legais.

Assim decidindo, farão V.Exas. inteira JUSTIÇA.”


***

Por decisão sumária de 13/05/2025, foi negado provimento ao recurso e mantida a decisão do tribunal a quo.


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Notificado veio o recorrente reclamar para a conferência, invocando os mesmos argumentos já contidos nas conclusões recursivas.


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QUESTÕES A DECIDIR


Nos termos dos artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2]

Nestes termos, as questões que importa decidir, consistem em saber se:

-se a sentença proferida pelo tribunal a quo é nula por violação do contraditório;

-se o requerimento executivo não é inepto.


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MATÉRIA DE FACTO


A matéria de facto a considerar para a decisão, é a seguinte:

1-Na acção com o nº 5133/21...., que correu termos no Juízo de Proximidade de Tabuaço, em 27/04/2023, exequente e executada, acordaram no seguinte:

“1 – O autor reconhece a validade do contrato de arrendamento e o Réu aceita aumentar o valor mensal da renda para o montante de 150,00€ (cento e cinquenta euros) a vigorar a partir de maio de 2023.

2 - As partes acordam numa compensação global de 1.500,00€ a pagar pelo Réu até final de

junho de 2023.

3 - O Réu compromete-se a recuperar o imóvel objeto do arrendamento cuja intervenção depende da integração em projeto comparticipado por fundos comunitários, através do Programa Portugal 2030.

4 - A recuperação do imóvel, financiada por fundos comunitários, deverá ocorrer até 31 de dezembro de 2023.

5 - Caso ocorra algum atraso na candidatura e financiamento do projeto que não permita cumprir com o prazo estipulado na alínea anterior, o Réu/Município notificará o autor com a

antecedência de 30 dias do termo do prazo, propondo data previsível de execução.

6 - Aquando da requalificação do imóvel será colocada uma placa no mesmo de reconhecimento ao proprietário, aqui Autor.

7 - O Réu desiste do pedido reconvencional formulado e o Autor desiste dos demais pedidos formulados nos autos.

8 - Custas em partes iguais, prescindindo ambos de custas de parte.

2-Este acordo foi homologado por sentença proferida na mesma data.

3-Em 17/02/2024, veio o exequente apresentar um requerimento de execução de decisão judicial condenatória com o seguinte teor:

Mandatário

Nome: BB

Morada: Rua ..., ... Loja ...

Localidade:

Código Postal: ... ...

Telefone: ...24

Fax: ...24

Email: ..........@.....

Cédula: ...20p

NIF: ...31

TRIBUNAL COMPETENTE, TÍTULO EXECUTIVO E FACTOS

Finalidade: Execução nos próprios autos

Tribunal Competente: Moimenta da Beira - Tribunal Judicial da Comarca de Viseu

Especie: Exec Sentença próprios autos (Ag. Exec) s/ Desp Liminar

Valor da Execução: 27 000,00 € (Vinte e Sete Mil Euros)

Finalidade da Execução: Prestação de facto [Cível (Local)]

Título Executivo: Decisão judicial condenatória

Factos:

CONSTAM EXCLUSIVAMENTE DO TÍTULO EXECUTIVO

CUSTAS JUDICIAIS

Descrição Ref.ª (DUC) Valor

Exequente: CC

Morada: Rua ..., ...

Localidade: ...

Código Postal: ...

NIF: ...66

Apoio Judiciário: Não requerido

(…)

EXEQUENTE

Nome/Designação:

Câmara Municipal ...

Profissão/Actividade:

Morada: Rua ..., ...

Localidade: ...

Código Postal: ... ...

(…)

AGENTE DE EXECUÇÃO

Nome: DD

Morada: Rua ..., ...

Localidade: ...

Código Postal: ... ...

Telefone: ...12 Fax: ...34 Email: ..........@.....

Cédula: ...69

Valor Líquido: 27 000,00 €

Valor dependente de simples cálculo aritmético: 0,00 €

Valor NÃO dependente de simples cálculo aritmético: 0,00 €

Total:

27 000,00 €

(…)

LIQUIDAÇÃO DA OBRIGAÇÃO

Escolha da Prestação a cargo de:

[Exequente] CC.” 


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DO DIREITO

Alega a recorrente que a decisão recorrida violou o disposto no artº 3, nº3 do C.P.C., alegadamente por ter decidido do mérito da causa (conclusões 6ª a 8ª) sem facultar previamente às partes a discussão da matéria de facto e de direito.

I-Da nulidade por preterição do contraditório

Incorre o recorrente em notória confusão que uma simples leitura da decisão de que se recorre, permitiria evitar.

Com efeito, a sentença recorrida não se pronunciou sobre o mérito da causa, mas antes sob a existência de uma nulidade, consistente na ineptidão do requerimento executivo que, como é sabido configura uma excepção processual, de conhecimento oficioso e dilatória, prevista no art. 577, al. b), do C.P.C. e que, por força do art. 576, nº 2, desse mesmo Código, tem como consequência, a ser reconhecida, a absolvição da instância executiva.  

Acresce que, decorrendo do disposto no artº 3, nº3, do C.P.C. que o tribunal deve cumprir o princípio do contraditório, prévio a qualquer decisão, de facto ou de direito - manifestação do princípio da proibição da indefesa imposto pelo artº 20 nº1 e 4 da nossa Constituição - o contraditório neste caso fora já exercido mediante notificação da petição de embargos, tendo o exequente vindo pronunciar-se expressamente sobre esta excepção na contestação que deduziu a estes embargos.

Nestes termos, cumprido o contraditório e porque os embargos interpostos tinham como objecto unicamente a excepção resultante da ineptidão do requerimento executivo, já debatida nos autos, era lícito ao juiz a quo a decisão desta questão, sem realização de audiência prévia, que nestes casos não se realiza por força de norma dispositiva nesse sentido (cfr. resulta do disposto no artº 592, nº1, al. b) do C.P.C.).

Indefere-se, assim, a nulidade invocada de preterição do contraditório.


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II-Da ineptidão do requerimento executivo.

A decisão recorrida considerou que o requerimento executivo não obedecia ao disposto no artº 724, nº1, al. f) do C.P.C. e, nessa medida, que existia “ausência de pedido, bem como a absoluta ausência de alegação de factos que o fundamentam, e sem que o mesmo se mostre, da mera e imediata leitura do título executivo, percetível (pois que daí emerge não só a obrigação de recuperação do imóvel como também a possibilidade de atraso na candidatura e financiamento que poderá levar ao não cumprimento do prazo estipulado em 4., com a obrigação fixada em 5.) fica, pois, por se saber qual a concreta pretensão executiva visada.

Neste conspecto, e sem necessidade de outras considerações adicionais, concluímos que o requerimento executivo enferma do vício da ineptidão, por ausência de pedido, o que tem como consequência a declaração de nulidade de todo o processo (art. 186º do Código de Processo Civil).”

Alega o recorrente, na sua confusão argumentação, que a p.i. não é inepta e que, ainda que assim não fosse, o executado interpretou convenientemente a petição executiva. Conclui que a “p.i. não é inepta; contém, de forma perfeitamente inteligível, os factos que consubstanciam a causa de pedir, o direito aos mesmos aplicável e em que se funda o pedido, que também é absolutamente claro e consonante com a causa de pedir.”

Mais uma vez, parece o recorrente confundir o teor do requerimento executivo e os formalismos a que este deve obedecer, com a p.i. apresentada no processo em causa que culminou com a transacção homologada por sentença. Nestes autos, objecto desta decisão foi tão só a ausência das formalidades legalmente exigíveis no requerimento executivo, nomeadamente a ausência de pedido e de factos concretamente alegados e dos quais decorresse não só o incumprimento imputado ao R., mas também o objecto desta execução.

Com efeito, conforme referido no Ac. do TRE de 21/11/2024[3], o requerimento executivo é a petição dirigida ao Tribunal, com que se dá início ao processo executivo, ou seja, ao processo através do qual o exequente/credor satisfaz a prestação que o executado/devedor não cumpriu.

Por assim ser, decorre do disposto no artº 724 do C.P.C. que no requerimento executivo o exequente deve:

a) Identificar as partes, indicando os seus nomes, domicílios ou sedes e números de identificação fiscal, e, sempre que possível, profissões, locais de trabalho, filiação e números de identificação civil;

b) Indicar o domicílio profissional do mandatário judicial;

c) Designar o agente de execução ou requer a realização das diligências executivas por oficial de justiça, nos termos das alíneas c), e) e f) do n.º 1 do art. 722º;

d) Indicar o fim da execução e a forma do processo;

e) Expor sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo, podendo ainda alegar os factos que fundamentam a comunicabilidade da dívida constante de título assinado apenas por um dos cônjuges;

f) Formular o pedido;

g) Declarar o valor da causa;

h) Liquidar a obrigação e escolher a prestação, quando tal lhe caiba, e alegar a verificação da condição suspensiva, a realização ou o oferecimento da prestação de que depende a exigibilidade do crédito exequendo, indicando ou juntando os meios de prova;

i) Indicar, sempre que possível, o empregador do executado, as contas bancárias de que este seja titular e os bens que lhe pertençam, bem como os ónus e encargos que sobre eles incidam;

j) Requerer a dispensa da citação prévia, nos termos do artigo 727.º;

k) Indicar um número de identificação bancária, ou outro número equivalente, para efeito de pagamento dos valores que lhe sejam devidos.”

Se, efectivamente, o exequente está dispensado de expor os factos quando estes constem já do título executivo, não está dispensado de formular o pedido e, caso a obrigação que resulte da sentença seja uma obrigação pecuniária e/ou de facto, indicar o fim da execução e a prestação que visa executar.

Ora, este pedido não consta do requerimento executivo.

Nestes termos, tendo em conta os termos da transacção homologada por sentença, tem de se concluir conforme conclui o tribunal recorrido que “Lido o requerimento executivo, rectius, o título executivo conjugadamente com a finalidade da execução indicada no requerimento executivo, verifica-se sim que o embargante suscita a dúvida relativamente ao concreto pedido visado pelo exequente, concretamente se a recuperação do imóvel, cuja intervenção depende da integração em projeto comparticipado por fundos comunitários, através do Programa Portugal 2030 ou a notificação referida no ponto 5. da transação, com proposta de data previsível de execução.

Dada a ausência de pedido, bem como a absoluta ausência de alegação de factos que o fundamentam, e sem que o mesmo se mostre, da mera e imediata leitura do título executivo, percetível (pois que daí emerge não só a obrigação de recuperação do imóvel como também a possibilidade de atraso na candidatura e financiamento que poderá levar ao não cumprimento do prazo estipulado em 4., com a obrigação fixada em 5.) fica, pois, por se saber qual a concreta pretensão executiva visada.”

É certo. Aliás a própria finalidade da execução obrigaria ao cumprimento do disposto no artº 868 do C.P.C., o que imporia sempre a alegação de facto dos quais decorresse que alguma das prestações a que o R. Município se obrigara, os seja as decorrentes dos pontos 3 (recuperação do imóvel), 4 (prazo) e 5 (notificação do atraso ao A.), não fora cumprida.

Nada constando do requerimento executivo, nem o que o exequente pretende, nem os factos, nem decorrendo estes do título, verifica-se que neste não é indicada a causa de pedir desta execução, nem o pedido formulado.

Conforme explica Abrantes Geraldes[4]A causa de pedir nas ações executivas é constituída pelos factos que consubstanciam a relação de crédito onde o autor fundamenta o direito à prestação de quantia certa, de coisa certa ou de facto positivo ou negativo, necessariamente demonstrada pelo documento que constitui o título executivo e que determina o conteúdo (fins e limites) da ação executiva”.

Não é o simples facto de o título consistir numa decisão condenatória que dispensa o exequente de alegar a causa de pedir da execução e o respectivo pedido, em especial quando da decisão em causa, tratando-se de uma obrigação pecuniária e de facere, este não resulte evidente.

Não constando do requerimento executivo, nem a causa de pedir, nem o pedido, o artº 726 nº 2, al. b), do C.P.C., prevê que o juiz, em despacho liminar, indefira o requerimento executivo quando ocorram exceções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso, até ao momento temporal referido no artº 734, nº1 do C.P.C.: até ao primeiro acto de transmissão de bens penhorados.

Quando este despacho liminar não tenha tido lugar e a questão seja suscitada em sede de embargos de executado (nomeadamente ao abrigo do disposto no artº 729, al. d), do C.P.C.) deve ser determinada a absolvição dos executados da instância executiva ou a rejeição oficiosa da execução, nos termos dos artigos acima referidos (cf. art. 551.º, n.º 1, do CPC) conjugados com os artigos 726.º, n.º 2, al. b), 732.º, n.º 4, e 734.º do CPC[5].

Como se refere em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-05-2023[6], “A falta de qualquer pressuposto processual da instância executiva consubstancia um dos fundamentos do embargos de executado ( arts. 729 c) e 731 CPC). Ora, havendo embargos de executado, o juiz pode neles conhecer oficiosamente dos pressupostos processuais da instância executiva, nomeadamente na fase do saneador, dado aplicar-se os termos do processo comum declarativo ( art.595 nº1 a) CPC”.

Não se pode, por outro lado, considerar, na ausência de pedido e tendo em conta os termos da transacção, homologada por sentença, que constitui o título executivo, que o executado interpretou convenientemente o requerimento executivo. Permanece ainda assim a ausência de pedido, que se não retira do título em causa e que não é passível de sanação nos termos previstos no artº 590 nº4 do C.P.C.

Assim sendo, porque efectivamente do requerimento executivo não consta nem a causa de pedir, nem o pedido, tem de se concluir que é este inepto, o que conduz à extinção da execução em apreço.


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DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes em conferência, em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão singular já proferida nos autos.
Custas do recurso pelo apelante (artº 527, nº1 do C.P.C.).

                                                                       Coimbra 24/06/2025




[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
[3] Proferido no proc. nº 88/24.9T8ELV.E1, de que foi relatora Susana Costa Cabral, disponível em www.dgsi.pt. 
[4] ABRANTES GERALDES, António Santos, Temas da Reforma do Processo Civil, I vol., 2.ª edição, Almedina, pág. 207
[5] Ac. do TRL de 25/01/2024, proferido no proc. nº 30227/21.5T8LSB-A.L1-2, de que foi relatora Laurinda Gemas, disponível em www.dgsi.pt.
[6]