I - No cometimento de um crime de furto qualificado tentado e de um crime de furto, ambos em coautoria, não obstante a primariedade dos arguidos, sendo vários os riscos apurados, desde a adição a estupefacientes, à ausência de integração social e profissional, à circunstância de após a detenção em flagrante delito por um delito qualificado, tornarem a delinquir de forma organizada, e posteriormente o comportamento negativo no estabelecimento prisional, evidenciam uma persistência delitual que inviabiliza o juízo de prognose favorável fundado na mera ameaça da pena, nos termos do art.50º nº1 do CP, devendo aos mesmos ser cominada pena de prisão efetiva.
II - A mera ameaça da pena, no curso de uma suspensão, face à atitude que os arguidos já mostraram, seria novamente mal interpretada por estes, longe dos objetivos ressocializadores que a lei idealiza.
(Sumário da responsabilidade do Relator)
Acordam, em conferência, os juízes da 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
No Juízo Central Criminal do Porto, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, em processo comum com intervenção de Tribunal Coletivo proferiu-se acórdão que julgou da seguinte forma:
“Nestes termos e ao abrigo das referidas disposições legais, os Juízes que compõem o Tribunal Colectivo, julgam a acusação parcialmente procedente por provadas e consequentemente:
I – Condenam o arguido AA, pela prática em co-autoria material e em concurso real de:
- Um crime de furto qualificado sob a forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, nº1 23º, nº1 e nº2, 73º, nº1, alíneas a) e b), nº1 e 204º, nº2, alínea e), todos do C.Penal, numa pena de 1 (ano) e 6 (seis) meses de prisão, no âmbito do NUIPC ... – Apenso A, destes autos, na pessoa das ofendidas BB e CC;
- Um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, nº1, do C.Penal, numa pena de 1 (um) ano de prisão, no âmbito do NUIPC ... – Apenso A, destes autos, na propriedade das ofendidas BB e CC;
- Um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, nº1, do C.Penal, numa pena de 1 (um) ano de prisão, na pessoa do ofendido DD, no âmbito dos presentes autos;
Em cúmulo das penas parcelares, condena-se na pena única de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão efectiva.
II – Condenam o arguido EE, pelo cometimento em co-autoria material e em concurso real, pela prática de:
- Um crime de furto qualificado sob a forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, nº1 23º, nº1 e nº2, 73º, nº1, alíneas a) e b), 203º, nº1 e 204º, nº2, alínea e), todos do C.Penal, numa pena de 1 (ano) e 6 (seis) meses de prisão, no âmbito do NUIPC ... – Apenso A, destes autos, na pessoa das ofendidas BB e CC;
- Um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, nº1, do C.Penal, numa pena de 1 (um) ano de prisão, no âmbito do NUIPC ... – Apenso A, destes autos, na propriedade das ofendidas BB e CC;
- Um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, nº1, do C.Penal, numa pena de 1 (um) ano de prisão, na pessoa do ofendido DD, no âmbito dos presentes autos;
E em autoria material de:
- Um crime de abuso de cartão de garantia, p. e p pelo artigo 225º, nº1, alínea b), do Código Penal, numa pena de 9 (nove) meses de prisão, no âmbito do NUIPC ... – Apenso B, destes autos;
Em cúmulo das penas parcelares, condena-se na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva.
III – Absolve-se o arguido EE, pela prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, nº1, do C.Penal.
IV - Declara-se, ao abrigo do disposto no artigo 109º, nº1, do C.Penal, perdidos a favor do Estado todos os objectos apreendidos à ordem dos presentes autos, acima identificados, procedendo-se à sua ulterior destruição, caso não tenham valor venal.
V- Cumpra-se o disposto no artigo 186º, nº3, do C.P.Penal, relativamente aos cartões bancários apreendidos no âmbito do Apenso B;
Vai cada um dos arguidos, nos termos dos artigos 513º e 514º, do Código de Processo Penal, condenados no pagamento das custas do processo e 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais, com referência à tabela III anexa a esse diploma legal que se fixam em 3 Uc`s.
Notifique e deposite.
Uma vez proferida decisão que conheceu, a final do objecto do processo, ao abrigo do disposto no artigo 213º, nº1, alínea b), do C.P.Penal, cumpre proceder ao reexame da medida de coacção de prisão preventiva a que os arguidos AA e EE, se encontram sujeitos desde 4 de Junho de 2024, medida que tem vindo a ser revista e mantida.
Assim e e uma vez que não se verifica, em concreto, qualquer alteração das circunstâncias de facto e de direito que conduziram à sua sujeição a esta medida de coacção, tendo outrossim se reforçado em virtude das suas condenações em pena de prisão efectiva e não se mostrando excedido o respectivo prazo, aludido no artigo 215º, do C.Penal, determina-se que os mesmos aguardem os ulteriores termos do processo na situação coactiva em que se encontram.
Após trânsito:
- Remeta os competentes boletins à Direcção de Serviços de Identificação Criminal - Artigo 6º, nº1, alínea a), da Lei nº 37/2015 de 5 de Maio;
- Comunique ao EP do Porto onde os arguidos se encontram a cumprir a medida de coacção de prisão preventiva.”
“Constatamos agora ter efectivamente ocorrido um lapso no que diz respeito à soma do limite máximo dos crimes em concurso relativamente a cada um dos arguidos, assistindo inteira razão aos Recorrentes, no que a esse aspecto concerne. Trata-se de um lapso de soma aritmética que se traduz na adição de 9 meses à soma de todas as penas parcelares em que cada um dos arguidos foi condenado, mas o qual em nada altera a ponderação efectuada no que diz respeito à determinação da pena única.
Por tal motivo, ao abrigo do disposto no artigo 380º, nº1, alínea b), do C.P.Penal, efectua-se a correcção do assinalado lapso, devendo considerar-se como limite máximo da pena única dos crimes em concurso:
- Relativamente ao arguido AA, 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;
- Relativamente ao arguido EE, 4 (quatro) anos e 3 (três) meses.
Rectifique-e e notifiquem-se os arguidos.”
a) O presente recurso é interposto do acórdão proferido nos autos mencionados em epígrafe, na parte que condenou o Recorrente EE pela prática, em co-autoria material e em concurso real de um crime de furto qualificado sob a forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, nº1 23º, nº1 e nº2, 73º, nº1, alíneas a) e b), 203º, nº1 e 204º, nº2, alínea e), um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, nº1, do C.P., um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, nº1, do C.P., e em autoria material de um crime de abuso de cartão de garantia, p. e p pelo artigo 225º, nº1, alínea b), do C.P., na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
b) Com efeito, a decisão recorrida não merece qualquer reparo no que ao julgamento da matéria de facto e à sua qualificação jurídica respeitam.
c) Assim, o objeto do presente recurso versa sobre a matéria de direito porquanto entende o Recorrente que o limite máximo da pena para efeitos de concurso de crimes não se encontra devidamente fixado, a pena única em que foi condenado é excessiva para alem de que deveria ter sido suspensa na sua execução por um período de 5 (cinco) anos, sujeito a um regime de prova, entre outras obrigações que V. Exas entendam ser pertinentes ao caso concreto conforme o disposto no art.50º e 53º ambos do C.P.
d) II- FUNDAMENTOS DO RECURSO
e) DA MOLDURA DO CONCURSO DE CRIMES – LIMITE MAXIMO
f) Importa começar por mencionar que existe um lapso de cálculo na moldura do concurso de crimes apresentada pelo Douto Tribunal a quo, gerando consequências na determinação da pena única aplicada ao aqui Recorrente.
g) Com efeito, no que concerne às penas relativas a cada um dos crimes, foi o Recorrente condenado em:
1 (um) ano e 6 (seis) meses de pena de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado sob a forma tentada;
1 (um) ano de pena de prisão, pela prática de um crime de dano;
1 (um) ano de pena de prisão, pela prática de um crime de furto simples;
9 (nove) meses de prisão, pela prática de um crime de abuso de cartão de garantia.
h) No seguimento da condenação do Recorrente relativamente a cada crime, cumpriu ao Tribunal a quo determinar a pena única aplicável.
i) E, procedendo à determinação da moldura do concurso de crimes, considerou:
Limite mínimo: pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
Limite mínimo: pena de 5 (cinco) anos de prisão.
j) De acordo com o disposto no artigo 77.º, n.º 2, do C.P do referido preceito extraise que, a moldura do concurso de crimes tem como limite mínimo a pena de um ano e seis meses de prisão, por ser a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes a que o Recorrente foi condenado, conforme estabeleceu o Douto Tribunal a quo.
k) No entanto, relativamente ao limite máximo da moldura do concurso de crimes, tem o Recorrente que discordar com o mesmo, com o quantitativo fixado pelo tribunal a quo.
l) Uma vez que, fazendo a soma aritmética das penas a que o Recorrente foi condenado, 1 (um) ano e 6 (seis) meses, 1 (um) ano, 1 (um) ano, e 9 (nove) meses, o cálculo perfaz 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão, fixando este como o limite máximo da moldura do concurso de crimes.
m) E não de 5 (cinco) anos de prisão, como refere o Tribunal a quo no acórdão em crise.
n) Em jeito de conclusão a pena única a aplicar ao Recorrente tem de se encontrar entre:
1 ano e 6 meses -----------------------------------4 anos e 3 meses.
o) Deste modo, deverá o Tribunal ad quem fixar como limite máximo da moldura do concurso de crimes, para efeitos de determinação da pena única, a pena de 4 anos e 3 meses de prisão, segundo o disposto no art 77º do CP.
p) Desta feita, a decisão recorrida violou nessa parte os artigos 70º, 71º e 77º todos do CP.
q) SEM PRESCINDIR,
r) B) DA PENA ÚNICA
s) Ao Arguido foi lhe aplicada a pena única de 2 anos e 6 meses de prisão em cúmulo jurídico.
t) A pena única aplicada, encontra-se desajustada e exagerada, bem como é excessiva, face aos critérios definidos nos artigos 71º, 77º todos do Código Penal.
u) A aplicação da pena, tem como finalidade, a protecção de bens jurídicos e a socialização do agente do crime, tendo na culpa o barómetro para limitar a pena a aplicar, pretendendo se com a aplicação da mesma a ressocialização.
v) A pena aplicada afasta essa possibilidade.
w) A medida da pena unitária reveste uma especificidade própria: por um lado, está-se perante uma nova moldura penal, mais ampla, abrangente, com maior latitude da atribuída a cada um dos crimes; por outro, porque se trata de uma nova pena, uma pena final, de síntese, correspondente a um novo ilícito (agora global), e a de uma nova culpa (agora outra culpa, ponderada pelos factos conjuntos, em relação), com outra específica fundamentação, que acresce à decorrente do art. 71.º do CP, segundo o disposto no ar 77 nº 1 do CP.
x) Com a fixação da pena conjunta não se visa re-sancionar o agente pelos factos de per si considerados, isoladamente, mas antes procurar uma “sanção de síntese”, na perspectiva da avaliação da conduta total, na sua dimensão, gravidade e sentido global, da sua inserção no pleno da conformação das circunstâncias reais, concretas, vivenciadas e específicas de determinado ciclo de vida do(a) arguido(a) em que foram cometidos vários crimes, em espaço temporal curto.
y) Ao determinar a medida única para os crimes em referência, não se revela valorizada a personalidade do arguido, as suas condições pessoais e socioeconómicas
z) Conforme consta do acórdão recorrido os crimes em causa e pelos quais o Recorrente foi condenado são referentes a crimes que afectam unicamente os bens jurídicos – património e propriedade e não as pessoas.
aa) O Arguido conforme consta dos factos provados no seu ponto 21 não tem antecedentes criminais de qualquer natureza, ou seja é primário.
bb) O Arguido, em sede de audiência de julgamento teve uma postura confessória parcialmente.
cc) O facto de ser consumidor de crack, à data dos factos, dependência que acabou por admitir que foi progredindo.
dd) A procura do Recorrente em trabalhar, deverá ser atendido como um factor positivo em relação a ressocialização do mesmo e ate para efeitos de prevenção especial e geral.
ee) Uma vez que, o Recorrente veio para Portugal onde começou a trabalhar, cerca de 15 dias como feirante, e no estrangeiro exerceu funções na área de construção civil, conforme consta do ponto 38 da matéria de facto dada como provada bem como do seu relatório social.
ff) Ou seja, o Recorrente embora durante um curto período de tempo, esteve profissionalmente integrado em Portugal, tendo já empregado no estrangeiro, conforme se extrai dos pontos 38 e 43 da matéria de facto dada como provada.
gg) Conforme consta do acórdão de que se recorre, no seu ponto 44 da matéria provada, por sua única e exclusiva vontade, dentro do Estabelecimento Prisional frequentou aulas de língua portuguesa, para estrangeiros.
hh) No entanto é facto que abandonou, mas devera ser atendido que o abandono por parte do Recorrente não se prende com a sua vontade, mas sim pelo estado psiquiátrico que o mesmo se encontra,
ii) Resulta do ponto 44 dos factos provados que o Recorrente encontra se a ser acompanhado em psiquiatria, com toma de medicamentação, após tentativa de automutilação.
jj) Uma prognose favorável sobre o seu comportamento futuro não se mostra arriscada.
kk) O Recorrente tem consciência da ilicitude das suas condutas.
ll) A doutrina maioritária e a jurisprudência defendem que nada impede a que a pena única se determina pela ponderação conjunta de fatores do critério geral (enunciados no art. 71º) e do critério especial (fornecido pelo art. 77º n.º 1).
mm) Entende o Recorrente que, a pena única deva ser fixada numa pena nunca superior a 1 ano e 11 meses de prisão, uma vez que esta é ainda consistentemente robusta para a satisfação das exigências de prevenção, quer geral, quer especial, assegurando a tutela de todos os bens jurídicos afrontados pelas condutas reiteradas do arguido.
nn) Desta feita, a decisão recorrida violou nessa parte os artigos 70º, 71º, 72º e 77º todos do CP.
oo) C) DA SUSPENSÃO DA PENA.
pp) A suspensão da execução da pena de prisão é um poder-dever ao qual o julgador se encontra vinculado, pelo que deverá obrigatoriamente ponderar a respetiva suspensão, realizando, para tal efeito, um juízo de prognose do comportamento futuro do Recorrente, pesando as necessidades de prevenção geral e de prevenção especial aplicáveis ao caso.
qq) Entendeu o Tribunal a quo que não se verificam os requisitos do disposto no artigo 50.º, do CP.
rr) Não valorou devidamente o Tribunal a quo os factos que deu como provados, discordando o Recorrente da posição assumida pelo Tribunal a quo, ss) Entende o Recorrente, que se encontram preenchidos os pressupostos formais e materiais para a suspensão da execução da pena e salvaguarda das necessidades de prevenção geral e de prevenção especial aplicáveis, devendo o mesmo ser alvo de um juízo de prognose social favorável, na esperança de que sentirá a condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime, o que deverá levar à suspensão da execução da respetiva pena de prisão, segundo o art 50 do CP.
tt) O Tribunal a quo fundamentou a decisão de não suspensão da execução da pena nos seguintes termos: “Quanto ao arguido EE, igualmente não se consegue alcançar qualquer motivo que permita fazer um juízo de prognose favorável, ou seja um juízo de que a simples ameaça da pena e a censura do facto seja suficiente para o afastar da criminalidade, pois este arguido cometeu 4 crimes, entre Fevereiro e Junho de 2024, tendo sido detidos por duas vezes, o que não constitui qualquer impedimento para, conjuntamente com o arguido AA, elaborassem um plano, fazendo-se passar por turistas para subtrair bens de quem andasse pelas artérias desta cidade. A
acrescer este arguido não tem trabalho, é consumidor de estupefacientes, no seio do estabelecimento prisional nada tem feito para investir na sua formação, não tem verdadeiro suporte familiar, pois e apesar de ter referido ter um irmão a viver nesta cidade do Porto, o mesmo não o visita. Por outro lado e a acrescer, não se pode esquecer o direito que as potenciais vítimas têm à sua paz jurídica, a qual só se considera que possa vir a ser alcançada quando e se os arguidos deixarem definitivamente os seus hábitos aditivos e investirem na procura de trabalho que lhes permita os respectivos sustentos, para além da necessidade de interiorizarem o elevado desvalor das respectivas condutas.As penas não são aplicadas propriamente para castigar, mas para levar a comunidade jurídica a interiorizar, mesmo perante a prática do crime, da validade dos comandos normativos que foram violados, bem como para dissuadir os delinquentes da prática de mais crimes, ou seja, numa e noutra perspectiva, as penas são aplicadas com finalidades exclusivamente preventivas. É nos objectivos de prevenção que o Estado colhe legitimidade para aplicar penas; é com esses objectivos que as penas se justificam. O que se pretende é que não sejam cometidos mais crimes ou, sendo isso impossível, sejam cometidos menos crimes, podendo e devendo o arguido, aproveitar a sua reclusão para consolidar a sua abstinência e investir em competências para, quando em liberdade, tornar-se num homem fiel ao direito.”
uu) NO ENTANTO, o Arguido é primário, não tendo qualquer antecedente criminal, conforme consta do ponto 21 da matéria de facto dada como provada.
vv) Conforme consta dos autos, o Recorrente é argelino e não domina a língua portuguesa, tendo frequentado, inclusivamente, aulas de língua portuguesa para estrangeiros no estabelecimento prisional, conforme se extrai do ponto 44 da matéria de facto dada como provada e do relatório social do mesmo.
ww) Além de que, o Recorrente veio para Portugal onde começou a trabalhar, cerca de 15 dias como feirante, e no estrangeiro exerceu funções na área de construção civil, conforme consta do ponto 38 da matéria de facto dada como provada bem como do seu relatório social.
xx) Ou seja, o Recorrente embora durante um curto período de tempo, esteve profissionalmente integrado em Portugal, tendo já empregado no estrangeiro, conforme se extrai dos pontos 38 e 43 da matéria de facto dada como provada.
yy) Acresce que, não se compreende a conclusão retirada pelo Douto Tribunal a quo, no sentido de que “Haverá que atender uma especial tendência do arguido para fazer seu o património alheio, tendo cometido os factos dos autos entre Fevereiro e Junho de 2024, o modo de vida pelo qual optou face à sua situação de inatividade laboral e para sustentar o seu vício, (…)”
zz) Veja-se que, dos factos em causa, nunca poderia o Tribunal a quo concluir que estes constituíam o modo de vida para o Recorrente se sustentar de fevereiro a junho, (durante 5 meses), atento o valor proveniente dos mesmos.
aaa) Conforme consta dos autos, o Arguido é argelino e não domina a língua portuguesa, tendo frequentando, inclusivamente, aulas de língua portuguesa para estrangeiros no EP, por sua vontade, como se extrai do ponto 44 da matéria de facto dada como provada e do relatório social.
bbb) O Recorrente reconhece que não assumiu os factos na sua integralidade, no entanto confessou parcialmente os factos pelos quais veio acusado.
ccc) No entanto, não pode o Tribunal olvidar-se da clara barreira linguística existente.
ddd) Além do facto de o Recorrente assumir que se encontrava sob efeito de estupefacientes, nomeadamente crack, na data da prática dos factos, o que poderá, naturalmente, importar lapsos de memória.
eee) O Arguido, sendo um consumidor de estupefacientes, à data dos factos, conforme consta do ponto 38 da matéria de facto dada como provada e do Relatório Social, deve tal situação ser vista como uma prioridade em relação ao Agente do crime.
fff) Manifestando-se tal prioridade num regime de suspensão com regime de prova, no sentido do tratamento da toxicodependência do Arguido, bem como tratamento médico-psiquiátrico, com a ameaça da prisão.
ggg) Entendendo o Arguido que tal regime realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
hhh) Porquanto atende não só ao impacto que tal ameaça de prisão tem na sociedade, bem como a reintegração do agente na mesma.
iii) O juízo de prognose exige uma valoração total de todas as circunstâncias que permitam concluir sobre a conduta futura do arguido, como sendo a sua personalidade (por exemplo, inteligência e carácter), a sua conduta anterior (outros delitos anteriormente cometidos da mesma ou de outra natureza), as circunstâncias do delito (motivações e fins), o seu comportamento depois de ter cometido o crime (reparação do dano, arrependimento), as circunstâncias da sua vida (profissão, casamento e família) e os efeitos que se esperam da suspensão.
jjj) Ainda que centrada na pessoa do Arguido no presente e na avaliação da respetiva capacidade de socialização em liberdade, ou seja, em considerações radicadas nas necessidades de prevenção especial, a decisão que aprecie a propriedade de escolha por esta ou outra pena deve atender igualmente às exigências de prevenção geral positiva, para que a reação penal responda adequadamente às expectativas comunitárias na manutenção (e reforço) da validade da norma violada e assegure a proteção do bem jurídico lesado pela conduta, como imposto pela parte final, do n.º 1, do artigo 50.º, do CP.
kkk) As questões que se colocam passam por aquilatar se existem condições para confiar que o Arguido será capaz de se ressocializar em liberdade, sem voltar a protagonizar condutas similares às aqui censuradas, e, mesmo que esse risco fundado possa ser afirmado, se a pena de prisão não coloca em causa o limite mínimo de prevenção geral, consubstanciado na defesa irrenunciável do ordenamento jurídico.
lll) No caso concreto, sem prescindir da inequívoca necessidade de reprovação da conduta do Recorrente, atento aos crimes cometidos e às aludidas exigências de prevenção geral e às cautelas impostas pelas exigências de prevenção especial, afigura-se-nos que, o Tribunal a quo teria de atender ao quadro factual provado, designadamente, que o seu comportamento desajustado ocorreu num contexto de desequilíbrio emocional, marcado por consumos de produto estupefaciente e de incapacidade psiquiátrica.
mmm) Ao contrario do que o Tribunal a quo entendeu, o Recorrente considera que sobre si e sobre o seu comportamento futuro deve recair um juízo de prognose favorável.
nnn) Deveria o Tribunal, no momento da decisão e não no momento da prática dos crimes, fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do Recorrente (a conduta após a prática dos factos), à sua personalidade e caráter
ooo) Note-se que o Arguido, assim que foi intercetado pelos Agentes de Autoridade que tomaram conta das ocorrências, demonstrou, conforme já referido, uma conduta colaborativa, tal como aconteceu em sede de audiência de julgamento.
ppp) Tendo o Arguido sempre demonstrado uma conduta após a prática dos factos de colaboração.
qqq) Manifestando uma interiorização do mal cometido e demonstrando que é merecedor de um juízo de prognose favorável.
rrr) Dando cabal cumprimento às exigências da prevenção geral e não descurando a necessidade do cumprimento da prevenção especial de que o Recorrente é merecedor, atribuindo o vulgarmente designado “voto de confiança” ao Recorrente
sss) Concretamente no que concerne às necessidades de prevenção especial, não se pode aceitar um entendimento de que estas se afiguram elevadas no presente processo, uma vez que o Arguido não tem um passado associado à delinquência, sendo, conforme já referido, primário, tanto em Portugal como no estrangeiro, e não possuindo qualquer condenação no seu CRC.
ttt) Assim, não se pode deixar de concluir por um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do Recorrente, acreditando que a severa censura do facto e a ameaça de pena de prisão são mais do que suficientes para afastar o Recorrente da criminalidade
uuu) Portanto, no caso concreto, optar pelo cumprimento de uma pena efetiva e afastar a suspensão da sua execução teria o efeito contrário a uma das finalidades das penas, especificamente a da prevenção especial positiva.
vvv) Para efeitos de prevenção geral, a comunidade não pode encarar a suspensão da pena de prisão em causa, sujeita a um regime de prova, como um sinal de impunidade, mas sim como sinal de punição ressocializadora do agente na sociedade, salvaguardando o afastamento do Recorrente em voltar a delinquir.
www) Garantindo-se, assim, o cumprimento de ambas as finalidades das penas.
xxx) Assim, da leitura conjunta dos artigos 40.º, 50.º, 53.º e 70.º, todos do CP, tendo em conta um juízo de proporcionalidade, deveria ter o Tribunal a quo optado pela execução suspensa da pena de prisão.
yyy) Deste modo, a pena de prisão aplicada deverá ser sempre suspensa na sua execução e, eventualmente, sujeita a regime de prova ou a regras de condutas que V/ Exas. considerem adequadas e proporcionais ao caso em apreço.
zzz) A suspensão da pena de prisão, no caso concreto, assume, em toda a sua plenitude, o sentido reeducativo e pedagógico que a pena visa atingir.
aaaa) Como tal, deveria ter o Tribunal a quo, condenar, sim, numa pena de prisão, mas sempre suspensa na sua execução, condenação essa que cumpre tais exigências de prevenção geral e especial conforme o disposto no artigo 50.º, n.º1, do CP, dado que a mesma é adequada e suficiente para acautelar as finalidades da punição.
bbbb) Entende o Recorrente que a pena que lhe seja aplicada que nunca seja superior a 1 ano e 11 meses deveria ter sido suspensa na sua execução por um período de 5 (cinco) anos, sujeita a um regime de prova, nomeadamente obrigações que V. Exas entendam ser pertinentes ao caso concreto, conforme o disposto nos artigos 50.º e 53.º, ambos do CP.
cccc) Desta feita, entende o Recorrente que o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 18º nº. 2 da CRP, 40º, 50º, 53º, 70º e 77º todos do CP.
dddd) Face a todo o exposto, a decisão de que se recorre, agride na globalidade a disciplina dos artigos 18 nº 2 da CRP e artigos 40º, 50º, 53º, 70°, 71º, 72º e 77º todos do CP.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser REVOGADO o acórdão recorrido, sendo substituído por outro em que:
O limite máximo para efeitos de cumulo jurídico das penas seja corrigido para 4 anos e 3 meses de prisão, segundo o artigo 77 nº 2 do CP;
O Recorrente seja condenado a uma pena única de prisão nunca superior a 1 ano e 11 meses, suspensa na sua execução por um período de 5 ((cinco) anos, sujeita a um regime de prova, nomeadamente obrigações que V.Exas entendam ser pertinentes ao caso concreto, conforme o disposto nos artigos 50.º e 53.º, ambos do CP.
Assim, decidindo farão V. Exas., como sempre, JUSTIÇA.
Admitido o recurso, respondeu-lhe o MP junto da primeira instância, pugnando pela respetiva improcedência pelo seguinte modo:
I. Medida da pena única
II. Decisão de não suspensão da execução da pena
.
Adianta-se, desde já, que não comungamos das críticas dirigidas pelo recorrente
à decisão ora posta em crise.
Vejamos, então, das razões invocadas pelo arguido para discordar da decisão proferida pelo Tribunal.
II- MEDIDA DA PENA
Tendo subjacente a matéria de facto considerada provada, insurge-se o recorrente no que se refere à medida da pena única aplicada ao arguido defendendo a fixação de “uma pena nunca superior a 1 ano e 11 meses de prisão, uma vez que esta é ainda consistentemente robusta para a satisfação das exigências de prevenção, quer geral, quer especial, assegurando a tutela de todos os bens jurídicos afrontados pelas condutas reiteradas do arguido.”
Invoca a seu favor o facto de não ter antecedentes criminais, de ter confessado parcialmente os factos, e ainda de ser consumidor de estupefacientes à altura da sua prática.
Mais diz que deverá ser tida em consideração a “procura do recorrente em trabalhar” como um “fator positivo em relação à ressocialização (…) e até para efeitos de prevenção especial e geral”
Não podemos concordar com esta critica ao Douto Acórdão sub judicio
Na verdade, impõe-se responder que a pretensão do recorrente carece de fundamentos bastantes, sendo antes que, quer na perspetiva das exigências de prevenção geral e especial, quer do imperativo/finalidade de reintegração social do condenado, a medida da pena única encontrada pelo tribunal afigura-se ajustada a cumprir com as exigências legais dos fins da pena em concreto verificadas.
Na verdade, no entender do Ministério Público, a pena de prisão aplicada é adequada à conduta do recorrente, designadamente ponderando o seu grau de culpa e a sua conduta anterior, bem como as condições que depõem contra si e também as que lhe são favoráveis, para além da consideração das exigências de prevenção especial e geral, tudo em obediência ao disposto no artº71º do Código Penal.
Com efeito, a determinação da medida da pena obedece a três fases, que consistem:
• Na determinação da moldura penal (medida legal ou abstracta da pena) aplicável ao caso
• Na escolha da espécie de pena que efectivamente deve ser imposta;
• Na determinação da medida judicial ou concreta da pena.
Concretizando com os normativos legais, o art.º 40º do Código Penal, a propósito das finalidades das penas, refere que a aplicação de penas e de medidas de segurança, visa a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
No que concerne à dosimetria das penas, é sabido que, nos termos do artigo 71.º, n.º2 do Código Penal, a pena deve respeitar os limites impostos por lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências da prevenção, consideradas as finalidade das penas indicada no artigo 40.º, do mesmo diploma legal, e há que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo do crime, possam depor a favor do agente ou depor contra ele.
Assim, tem que se ponderar na determinação concreta da pena, além do mais, os graus de culpa e ilicitude, a intensidade dolosa, as consequências gravosas do acto, o comportamento anterior e posterior ao facto, as condições pessoais do agente, as exigências de reprovação e prevenção criminal (artigo 71,º n.º2 do Código Penal).
O art.º 40º n.ºs. 1 e 2, do C. Penal refere que a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Por sua vez, o art.º 71º, do C. Penal estabelece que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo, ainda, conforme o nº 2 deste preceito legal, atender-se às circunstâncias que deponham a favor do agente ou contra ele, nomeadamente, as aí enumeradas:
• O grau de ilicitude do facto, modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente;
• Intensidade do dolo;
• Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
• Condições pessoais do agente e a sua situação económica;
• A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando destinada a reparar as consequências do crime;
• A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Passando ao caso sub judice, estamos perante a prática pelo arguido de:
um crime de furto qualificado, sob a forma tentada, p. e p.pelos artigos 22.º, n.º 1, 23.º n.ºs 1 e 2, 73.º, n.º 1, alíneas a) e b), n.º 2 e204.º, n.º 2, alínea e), todos do Código Penal,
um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal, e de
um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1,do Código Penal.
Um crime de abuso de cartão de garantia p. e p pelo artigo 225º, nº1, alínea b), do Código Penal
Relativamente aos elementos elencados no artigo 71º do C.P., importa considerar:
O dolo na medida em que a culpa com que o arguido atuou na prática do referido tipo legal de crime é intensa, uma vez que agiu com dolo direto, ou seja, representou os factos e agiu com a intenção de os realizar (artigo 14º, n.º 1 do C. Penal)
O desvalor do resultado atentos, essencialmente os prejuízos causados na casa de das ofendidas BB e CC e bem assim as elevadas exigências de prevenção geral tendo em consideração o tipo de bens jurídicos protegidos e ainda o facto de este tipo de crimes ter necessariamente associada a prática de crimes contra o património geradores de grave insegurança na sociedade.
No que concerne às razões de prevenção especial (positiva e negativa), embora também com relevância por via da culpa, importa atender a que resulta claramente dos autos ser mandatório que a pena a aplicar ao arguido traduza de uma forma intensa a censura do facto e a sensibilização para a natureza ilícita da sua conduta de molde a alterar o seu comportamento no sentido do regresso ao direito e à norma.
Assim, tudo sopesado e na ausência de outras circunstâncias que eventualmente poderiam ter beneficiado o arguido, designadamente a interiorização do desvalor da sua conduta, afigura-se-nos corretas e adequadas as penas parciais aplicadas ao arguido, bem como a pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva em que foi condenado nos autos.
E consequentemente deverá o recurso do arguido soçobrar nesta parte.
II-DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Vem ainda o arguido afirmar que não pode concordar com a decisão de não suspender a pena de prisão em que foi condenado, invocando a favor da aplicação de tal instituto, além do mais, o facto de ser primário, o facto de ser argelino e não dominar a língua portuguesa, ter estado a trabalhar durante 15 dias. Mais afirma que estava sob o efeito de estupefacientes, nomeadamente crack aquando da pratica dos fatos e que era consumidor destes produtos o que poderia ter levado a lapsos de memoria, pelo que pugna pela suspensão da execução da pena que lhe foi imposta.
Também nesta parte temos que discordar do recorrente.
Com efeito, dispõe o artigo 50º, n.º 1 do Código Penal que “o tribunal suspende a execução da pena aplicada, em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Efetivamente, conforme preceitua esta norma, o tribunal decreta a suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida que não seja superior a cinco anos, sempre que, em face da personalidade do agente, das suas condições de vida, da conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam adequada e suficientemente as finalidades da punição. Estas, circunscrevendo-se à proteção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, como postula o artº40º, nº1, do Código Penal, têm por base considerações de prevenção geral e especial, as quais servem de orientação à opção ou não pela suspensão da execução da pena de prisão.
Urge, para a aplicação desta pena de substituição, que a suspensão não ponha em crise a tutela dos bens jurídicos e as expectativas comunitárias, consubstanciadas na reprovação social do crime.
Por outro lado, é ainda necessário que o tribunal, em face da personalidade do agente, da natureza do crime e sua concatenação com a personalidade do arguido, bem como do seu comportamento global, se convença da desconformidade do facto criminoso com a personalidade do arguido, considerando-o casual e irrepetível, entendendo que a mera ameaça de pena como medida com eco no seu comportamento futuro, logrará obviar à reiteração de condutas criminosas.
Acresce que é entendimento assente que a suspensão da pena estará subordinada a finalidades exclusivamente preventivas e não finalidades de compensação da culpa.
No instituto da suspensão da execução da pena de prisão prevalecem as razões de prevenção especial de socialização: aquela suspensão só deve ser negada quando a execução da prisão se revele necessária, nomeadamente tendo como pano de fundo o efeito criminógeno da prisão, especialmente a de curta duração.
No entanto, não pode deixar de se considerar o conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, que aqui surge como limite à atuação das exigências de prevenção especial de socialização.
Há que ponderar estas duas exigências em conjunto, podendo bem suceder que a pena de prisão efetiva se mostre indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização das expectativas comunitárias.
O Supremo Tribunal de Justiça vem afirmando que “A suspensão da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido condenado” encontrando-se sempre na base da decisão de suspender a execução da pena “uma prognose social favorável ao agente, baseada num risco prudencial.”.2
Conforme claramente resulta dos factos provados apenas se verifica o primeiro dos pressupostos previstos, ou seja, a concreta medida da pena aplicada ao arguido.
Com efeito, resulta dos autos que o arguido cometeu entre os meses de fevereiro e junho de 2024 quatro crimes, tendo sido detido duas vezes e tais detenções não foram de molde a afastar este arguido da atividade delituosa na qual persistiu até que foi
2 Acórdão STJ de 09/01/2002 proferido no Proc. n.º 3026/01 - 3.ª Secção
novamente detido e colocado em prisão preventiva, única forma encontrada para cessar a prática de crimes. O arguido não tem não tem trabalho nem verdadeiro suporte familiar, é dependente do consumo de estupefacientes.
Por outro lado, do comportamento assumido pelo arguido durante a audiência de julgamento ao não admitir a prática de todos os factos que lhe foram imputados e ao tentar apresentar justificações que não podem colher, não demonstrando um verdadeiro arrependimento da sua prática, antes encontrando razões e justificações externas como o estar sob o efeito de estupefacientes, tudo isto revelando, claramente, que não interiorizou minimamente o desvalor da sua conduta, pelo que é manifesto não se verificar um juízo de prognose favorável de que a simples ameaça da pena o dissuada da prática de ulteriores crimes.
Tudo ponderado, verificamos que, em termos de prevenção especial de socialização, não existem nos autos elementos que permitam fazer um juízo de prognose favorável ao arguido, no sentido de que bastará a censura do facto e a ameaça da prisão para o afastar da prática de novos crimes.
Pelo exposto afigura-se manifesta a falta de fundamento da pretensão do arguido recorrente em ver a sua pena suspensa não se mostrando violada qualquer norma jurídica, mormente o artigo 50º, do Cód. Penal, pelo que não deverá o recurso merecer provimento, também nesta parte.
CONCLUSÕES:
1. O arguido EE, foi condenado nos presentes autos pela prática em concurso real e em co-autoria material de um crime de furto qualificado sob a forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, nº1 23º, nº1 e nº2, 73º, nº1, alíneas a) e b), nº1 e 204º, nº2, alínea e), todos do Código Penal, numa pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão (NUIPC ... Apenso A); um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, nº1, do Código Penal, numa pena de 1 (um) ano de prisão, (NUIPC ... Apenso A); um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, nº1, do Código Penal, numa pena de 1 (um) ano de prisão, na pessoa do ofendido DD, no âmbito dos presentes autos;
E, em autoria material: um crime de abuso de cartão de garantia, p. e p pelo artigo 225º, nº1, alínea b), do Código Penal, numa pena de 9 (nove) meses de prisão, no âmbito do NUIPC ... Apenso B, destes autos;
2. Em cúmulo das penas parcelares, foi condenado na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva.
3. Da simples leitura do texto do Acórdão recorrido não ressalta que o mesmo padeça de qualquer dos vícios previstos no n.º 2 do artigo 410.º do CPP.
4. A determinação da medida da pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses aplicada ao arguido é irrepreensível, encontra-se fundamentada afigurando-se-nos corretas e adequadas as penas parcelares aplicadas;
5. À luz dos factos provados apenas se verifica um dos pressupostos de que o art.º 50º, n.º 1 do Código Penal faz depender a suspensão da execução da pena,
a saber, o pressuposto normal que é a medida concreta da pena;
6. Atendendo à conduta do arguido, designadamente à sua personalidade, ao facto de revelar indiferença pelas imposições judiciais, inexistem quaisquer
elementos permitam fazer um juízo de prognose favorável a o arguido, no sentido de que bastará a censura do facto e a ameaça da prisão para o afastar da prática de novos crimes.
7. Pelo que a única decisão possível, correta e adequada é a de não suspender a execução da pena;
Pelo que se conclui deste modo que a douta decisão proferida decidiu corretamente as matérias aí controvertidas e sob apreciação, não ocorrendo violação de qualquer norma legal, substantiva ou adjetiva, que imponha a alteração ou revogação de tal decisão, pelo que não deve dar-se provimento ao recurso, assim se mantendo a douta decisão por legal e justa.
O arguido AA não concordando com a decisão veio interpor recurso, concluindo da seguinte forma:
a) Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido nos presentes autos de Processo Comum que condenou o Recorrente pela prática de um crime de furto qualificado, sob a forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, n.º 1, 23.º n.ºs 1 e 2, 73.º, n.º1, alíneas a) e b), n.º 2 e 204.º, n.º 2, alínea e), todos do CP, um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212.º, n.º 1, do CP, um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º1, do CP, na pena única de dois anos e três meses de prisão efetiva.
b) Com efeito, a decisão recorrida não merece qualquer reparo no que ao julgamento da matéria de facto e à sua qualificação jurídica respeitam.
c) Assim, o objeto do presente recurso versa sobre a matéria de direito, porquanto entende o Arguido que o limite máximo da pena para efeitos de concurso de crimes não se encontra devidamente fixado, a pena única em que foi condenado é excessiva e que a mesma deveria ter sido suspensa na sua execução por um período de 5 (cinco) anos, sujeita a um regime de prova, nomeadamente obrigações que V. Exas entendam ser pertinentes ao caso concreto, conforme o disposto nos artigos 50.º e 53.º, ambos do CP.
d) II- FUNDAMENTOS DO RECURSO
e) DA MOLDURA DO CONCURSO DE CRIMES - LIMITE MAXIMO
f) Antes de mais verifica se que existe um erro de cálculo na moldura do concurso de crimes apresentada pelo Douto Tribunal a quo, acarretando consequências na determinação da pena única aplicada ao aqui Recorrente.
g) No que concerne às penas abstratas e tal como consta do acórdão do qual se recorre, foi o Arguido condenado em:
Um ano e seis meses de pena de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado sob a forma tentada;
Um ano de pena de prisão, pela prática de um crime de dano;
Um ano de pena de prisão, pela prática de um crime de furto simples.
h) Pelo que a moldura do concurso de crimes tem como limite mínimo a pena de um ano e seis meses de prisão, por ser a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, conforme estabeleceu o Douto Tribunal a quo, de acordo com o disposto no artigo 77.º, n.º 2, do CP.
i) Ou seja, ao limite máximo da moldura do concurso de crimes, este será de três anos e seis meses, por se tratar da soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, e não de quatro anos e três meses, como definiu o Tribunal a quo no seu acórdão.
j) Concluindo, a pena única a aplicar ao Recorrente tem de se encontrar entre:
1 ano e 6 meses -----------------------------------3 anos e 6 meses.
k) Deste modo, deverá o Tribunal ad quem fixar como limite máximo da moldura do concurso de crimes, para efeitos de determinação da pena única, a pena de 3 anos e 6 meses prisão, segundo o disposto no art 77º do CP.
l) Desta feita, a decisão recorrida violou nessa parte os artigos 70º, 71º e 77º todos do CP.
m) SEM PRESCINDIR,
n) DA PENA ÚNICA
o) Ao Arguido foi lhe aplicada a pena única de 2 anos e 3 meses de prisão em cúmulo jurídico, sendo que entende o Recorrente que a mesma se encontra desajustada e exagerada, face aos critérios definidos nos artigos 71º, 77º todos do Código Penal.
p) A pena única é excessiva, afastando a ressocialização.
q) A aplicação da pena, tem como finalidade, a protecção de bens jurídicos e a socialização do agente do crime, tendo na culpa o barómetro para limitar a pena a aplicar.
r) Ao determinar a medida única para os crimes em referência, não se revela valorizada a personalidade do arguido, as suas condições pessoais e socioeconómicas.
s) Os crimes em causa e pelos quais o Recorrente foi condenado são referentes a crimes que afectam unicamente os bens jurídicos – património e propriedade e não as pessoas.
t) O Arguido, conforme consta dos factos provados no seu ponto 21 não tem antecedentes criminais de qualquer natureza, ou seja, é primário.
u) O Arguido, em sede de audiência de julgamento teve uma postura confessória parcialmente.
v) O facto de ser consumidor de estupefaciente, à data dos factos.
w) Refere o tribunal a quo que “O seu percurso de vida pautado por instabilidade, estando desempregado antes de ter sido detido;”
x) O Recorrente não concorda com tal afirmação, porquanto, o mesmo e conforme consta dos factos provados, nos seus pontos 22 a 27, sempre trabalhou e procurou trabalhar, não se tornando uma pessoa inactiva.
y) E em relação à data da pratica dos factos o mesmo estava há cerca de 2 meses desempregado, ou seja, há pouco tempo.
z) A procura do Recorrente em trabalhar, deverá ser atendido como um factor positivo em relação a ressocialização do mesmo e ate para efeitos de prevenção especial e geral.
aa) O percurso de vida do Arguido não é marcado por instabilidade, mas sim pela constante procura de trabalho e assim de melhoria das condições de vida do mesmo bem como numa vida de trabalho.
bb) O Recorrente e conforme consta do ponto 30 da matéria de facto provada, desde tenra idade, apos tirar o 9º ano, realizou um curso profissional na área da construção civil, cumpriu serviço militar durante 1 ano e meio e iniciou a sua actividade profissional como pedreiro.
cc) Conforme consta do acórdão de que se recorre, no seu ponto 33 da matéria provada, por sua única e exclusiva vontade, está dentro do Estabelecimento Prisional a frequentar aulas de língua portuguesa, para estrangeiros.
dd) Mesmo preso, o Recorrente, esta a dedicar se a sua reintegração na sociedade portuguesa, uma vez que dominando a língua portuguesa, o mesmo tem muitas mais hipóteses de arranjar uma ocupação laboral.
ee) Uma prognose favorável sobre o seu comportamento futuro não se mostra arriscada.
ff) O Recorrente tem consciência da ilicitude das suas condutas.
gg) A doutrina maioritária e a jurisprudência defendem que nada impede a que a pena única se determina pela ponderação conjunta de fatores do critério geral (enunciados no art. 71º) e do critério especial (fornecido pelo art. 77º n.º 1).
hh) Assim, entende o Recorrente que, a pena única deva ser fixada numa pena nunca superior a 1 ano e 8 meses anos de prisão, uma vez que esta é ainda consistentemente robusta para a satisfação das exigências de prevenção, quer geral, quer especial, assegurando a tutela de todos os bens jurídicos afrontados pelas condutas reiteradas do arguido.
ii) Desta feita, a decisão recorrida violou nessa parte os artigos 70º, 71º, 72º e 77º todos do CP.
jj) DA SUSPENSÃO DA PENA
kk) A suspensão da execução da pena de prisão é um poder-dever ao qual o julgador se encontra vinculado, pelo que deverá obrigatoriamente ponderar a respetiva suspensão, realizando, para tal efeito, um juízo de prognose do comportamento futuro do Recorrente, pesando as necessidades de prevenção geral e de prevenção especial aplicáveis ao caso, segundo o art 50 do CP.
ll) Entendeu o Tribunal a quo que não se verificam os requisitos do disposto no artigo 50.º, do CP.
mm) Não valorou devidamente o Tribunal a quo os factos que deu como provados, discordando o Recorrente da posição assumida pelo Tribunal a quo.
nn) Entende o Recorrente, que se encontram preenchidos os pressupostos formais e materiais para a suspensão da execução da pena e salvaguarda das necessidades de prevenção geral e de prevenção especial aplicáveis, devendo o mesmo ser alvo de um juízo de prognose social favorável, na esperança de que sentirá a condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime, o que deverá levar à suspensão da execução da respetiva pena de prisão, segundo o artigo 50.º, nºs1 e 2, do CP
oo) O Tribunal a quo entendeu não suspender a execução da pena alegando, em súmula que, “O arguido não assumiu os factos na sua integralidade, procurando e dando uma versão dos mesmos visando entorpecer a realização da justiça, não revelando estar genuinamente arrependido dos factos que, não de forma clara, escudando-se na ausência de memória e estar sob o efeito de estupefacientes, admitiu, verificando-se uma certa capacidade para a invenção e a mentira, como também o método adoptado, fazendo-se passar por um turista, quanto aos factos ocorridos no dia 3 de junho de 2024 ”.
pp) Não concorda o Recorrente com tal juízo.
qq) O Arguido é primário, não tendo qualquer antecedente criminal, conforme consta do ponto 21 da matéria de facto dada como provada.
rr) Conforme consta dos autos, o Arguido é argelino e não domina a língua portuguesa, frequentando, inclusivamente, aulas de língua portuguesa para estrangeiros no EP, por sua vontade, uma vez que como se bem sabe, os Reclusos só frequentam os cursos quando assim manifestarem tal vontade, como se extrai do ponto 33 da matéria de facto dada como provada e do relatório social.
ss) Além de que o Arguido encontrava-se profissionalmente integrado, tendo estado empregado tanto em território nacional, como no estrangeiro, desde 2017, momento em optou por viajar para o continente europeu, como se extrai dos pontos 23, 24, 26 e 30 da matéria de facto dada como provada.
tt) Auferindo uma média mensal de 1.200,00€ (mil e duzentos euros), o que lhe permitia fazer face às despesas básicas mensais, como se extrai do ponto 27 da matéria de facto dada como provada., antes do seu estado de desempregado.
uu) Pelo que, não se compreende a conclusão retirada pelo Douto Tribunal a quo, no sentido de que “Estamos perante um cidadão que optou por ganhar a sua vida à custa do património alheio (...)”.
vv) Conforme consta do já referido ponto 27 da matéria de facto dada como provada, o Recorrente auferia um valor mensal de 1.200,00€ (mil e duzentos euros), pelo que não se pode aceitar a conclusão de que o mesmo decidiu “ganhar a sua vida à custa do património alheio”.
ww) Porquanto, o mesmo e conforme consta dos factos provados, nos seus pontos 22 a 27, sempre trabalhou e procurou trabalhar, não se tornando uma pessoa inactiva e em relação à data da pratica doas factos o mesmo estava há cerca de 2 meses desempregado.
xx) A procura do Recorrente em trabalhar, devera ser atendido como um factor positivo em relação a ressocialização do mesmo e ate para efeitos de prevenção especial e geral.
yy) O percurso de vida do Arguido não é marcado por instabilidade mas sim pela constante procura de trabalho e assim de melhoria das condições de vida do mesmo.
zz) O Recorrente e conforme consta do ponto 30 da matéria de facto provada, desde tenra idade, apos tirar o 9º ano, realizou um curso profissional na área da construção civil, cumpriu serviço militar durante 1 ano e meio e iniciou a sua actividade profissional como pedreiro.
aaa) O Recorrente reconhece que não assumiu os factos na sua integralidade, no entanto confessou parcialmente os factos pelos quais veio acusado.
bbb) Existe uma barreira linguística por parte do Arguido.
ccc) O Recorrente assumiu que se encontrava sob efeito de estupefacientes na data da prática dos factos.
ddd) O que pode gerar lapsos de memoria.
eee) O Arguido, sendo um consumidor de estupefacientes, à data dos factos, conforme consta do ponto 28 da matéria de facto dada como provada e do Relatório Social, deve tal situação ser vista como uma prioridade em relação ao Agente do crime.
fff) Manifestando-se tal prioridade num regime de suspensão com regime de prova, no sentido do tratamento da toxicodependência do Arguido, bem como tratamento médico-psiquiátrico, com a ameaça da prisão.
ggg) Entendendo o Arguido que tal regime realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, uma vez que atende não só ao impacto que tal ameaça de prisão tem na sociedade, bem como a reintegração do agente na mesma.
hhh) O juízo de prognose exige uma valoração total de todas as circunstâncias que permitam concluir sobre a conduta futura do arguido, como sendo a sua personalidade (por exemplo, inteligência e carácter), a sua conduta anterior (outros delitos anteriormente cometidos da mesma ou de outra natureza), as circunstâncias do delito (motivações e fins), o seu comportamento depois de ter cometido o crime (reparação do dano, arrependimento), as circunstâncias da sua vida (profissão, casamento e família) e os efeitos que se esperam da suspensão.
iii) Ainda que centrada na pessoa do Arguido no presente e na avaliação da respetiva capacidade de socialização em liberdade, ou seja, em considerações radicadas nas necessidades de prevenção especial, a decisão que aprecie a propriedade de escolha por esta ou outra pena deve atender igualmente às exigências de prevenção geral positiva, para que a reação penal responda adequadamente às expectativas comunitárias na manutenção (e reforço) da validade da norma violada e assegure a proteção do bem jurídico lesado pela conduta, como imposto pela parte final, do n.º1, do artigo 50.º, do CP.
jjj) O Tribunal a quo teria de atender ao quadro factual provado, designadamente, que o seu comportamento desajustado ocorreu num contexto de desequilíbrio emocional, marcado por consumos de produto estupefaciente e de incapacidade psiquiátrica.
kkk) O Recorrente considera que sobre si e sobre o seu comportamento futuro deve recair um juízo de prognose favorável.
lll) No momento da decisão e não no momento da prática dos crimes, fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do Recorrente (a conduta após a prática dos factos), à sua personalidade e caráter.
mmm) O Arguido, assim que foi intercetado pelos Agentes de Autoridade que tomaram conta das ocorrências, demonstrou, conforme já referido, uma conduta colaborativa, tal como aconteceu em sede de primeiro interrogatório judicial e audiência de julgamento.
nnn) O Arguido sempre demonstrado uma conduta após a prática dos factos de colaboração.
ooo) Manifestando uma interiorização do mal cometido e demonstrando que é merecedor de um juízo de prognose favorável.
ppp) Dando cabal cumprimento às exigências da prevenção geral e não descurando a necessidade do cumprimento da prevenção especial de que o Recorrente é merecedor, atribuindo o vulgarmente designado “voto de confiança” ao Recorrente
qqq) Concretamente no que concerne às necessidades de prevenção especial, não se pode aceitar um entendimento de que estas se afiguram elevadas no presente processo, uma vez que o Arguido não tem um passado associado à delinquência, sendo, conforme já referido, primário, tanto em Portugal como no estrangeiro, e não possuindo qualquer condenação no seu CRC.
rrr) Assim, não se pode deixar de concluir por um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do Recorrente, acreditando que a severa censura do facto e a ameaça de pena de prisão são mais do que suficientes para afastar o Recorrente da criminalidade
sss) No caso concreto, optar pelo cumprimento de uma pena efetiva e afastar a suspensão da sua execução teria o efeito contrário a uma das finalidades das penas, especificamente a da prevenção especial positiva.
ttt) Veja se o ponto 32 da matéria de facto dada como provada, concretamente quando se lê “O arguido refere ser o seu primeiro contacto com o sistema de justiça, expressando penosidade associada à reclusão (...)”.
uuu) O Arguido enquanto se encontra preso, tem frequentado as aulas de língua portuguesa, por sua opção, conforme consta do ponto 33 dos factos provados.
vvv) Tal é um sinal da mais clara vontade do Arguido em reintegrar se na sociedade portuguesa em liberdade e também um caminho para a sua aceitação no mundo do trabalho, do qual do que consta dos autos, nunca esteve inativo profissionalmente por muito tempo, pelo menos desde que completou o 9 ano de escolaridade, conforme consta dos pontos 22 a 30 dos factos provados.
www) Para efeitos de prevenção geral, a comunidade não pode encarar a suspensão da pena de prisão em causa, sujeita a um regime de prova, como um sinal de impunidade, mas sim como sinal de punição ressocializadora do agente na sociedade, salvaguardando o afastamento do Recorrente em voltar a delinquir.
xxx) Garantindo-se, assim, o cumprimento de ambas as finalidades das penas.
yyy) Assim, da leitura conjunta dos artigos 40.º, 50.º, 53.º e 70.º, todos do CP, tendo em conta um juízo de proporcionalidade, deveria ter o Tribunal a quo optado pela execução suspensa da pena de prisão.
zzz) A pena de prisão aplicada deverá ser sempre suspensa na sua execução e, eventualmente, sujeita a regime de prova ou a regras de condutas que V/ Exas. considerem adequadas e proporcionais ao caso em apreço.
aaaa) A suspensão da pena de prisão, no caso concreto, assume, em toda a sua plenitude, o sentido reeducativo e pedagógico que a pena visa atingir.
bbbb) Como tal, deveria ter o Tribunal a quo, condenar, sim, numa pena de prisão, mas sempre suspensa na sua execução, condenação essa que cumpre tais exigências de prevenção geral e especial conforme o disposto no artigo 50.º, n.º 1, do CP, dado que a mesma é adequada e suficiente para acautelar as finalidades da punição.
cccc) Entende o Recorrente que a pena que lhe seja aplicada que nunca seja superior a 1 ano e 8 meses deveria ter sido suspensa na sua execução por um período de 5 (cinco) anos, sujeita a um regime de prova, nomeadamente obrigações que V. Exas entendam ser pertinentes ao caso concreto, conforme o disposto nos artigos 50.º e 53.º, ambos do CP.
dddd) Desta feita, entende o Recorrente que o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 18º nº. 2 da CRP, 40º, 50º, 53º, 70º e 77º todos do CP.
eeee) Face a todo o exposto, a decisão de que se recorre, agride na globalidade a disciplina dos artigos 18 nº 2 da CRP e dos artigos, 40º, 50º, 53º, 70°, 71º, 72º e 77º todos do CP.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser REVOGADO o acórdão recorrido, sendo substituído por outro em que:
O limite máximo para efeitos de cumulo jurídico das penas seja corrigido para 3 anos e 6 meses de prisão, segundo o artigo 77 nº 2 do CP;
O Recorrente seja condenado a uma pena única de prisão nunca superior a 1 ano e 8 meses, suspensa na sua execução por um período de 5 (cinco) anos, sujeita a um regime de prova, nomeadamente obrigações que V. Exas entendam ser pertinentes ao caso concreto, conforme o disposto nos artigos 50.º e 53.º, ambos do CP.
Assim, decidindo farão V. Exas., como sempre, JUSTIÇA
Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Assim, balizados pelos termos das conclusões formuladas, resulta que, no essencial e relevante, a recorrente impugna a decisão do Tribunal a quo no que se refere:
I. Medida da pena
II. Decisão de não suspensão da execução da pena
II- MEDIDA DA PENA
Tendo subjacente a matéria de facto considerada provada, insurge-se o recorrente no que se refere à medida da pena aplicada ao arguido por entender que a medida da pena fixada é “excessiva” e “desajustada e face aos critérios definidos nos artigos 71º, 77º todos do Código Penal.”
Invoca a seu favor o facto de não ter antecedentes criminais, de ter confessado parcialmente os factos, e ainda de ser consumidor de estupefacientes à altura da sua prática.
Relativamente ao facto dado como provado de que o seu “percurso foi pautado pela instabilidade estando desempregado quando foi detido”, afirma que tal não corresponde à verdade pois que “a procura do Recorrente em trabalhar, deverá ser atendido como um fator positivo em relação a ressocialização do mesmo e ate para efeitos de prevenção especial e geral”. Acrescenta que o percurso não foi marcado por instabilidade, mas antes por incessante procura de trabalho., nunca se tendo dedicado ao ócio.
Conclui pugnando pela redução da pena que lhe foi aplicada para um ano e oito meses de prisão.
Não podemos concordar com esta critica ao Douto Acórdão sub judicio
Na verdade, impõe-se responder que a pretensão do recorrente carece de fundamentos bastantes, sendo antes que, quer na perspetiva das exigências de prevenção geral e especial, quer do imperativo/finalidade de reintegração social do condenado, a medida da pena encontrada pelo tribunal afigura-se ajustada a cumprir com as exigências legais dos fins da pena em concreto verificadas.
Na verdade, no entender do Ministério Público, a pena de prisão aplicada é adequada à conduta do recorrente, designadamente ponderando o seu grau de culpa e a sua conduta anterior, bem como as condições que depõem contra si e também as que lhe são favoráveis, para além da consideração das exigências de prevenção especial e geral, tudo em obediência ao disposto no artº71º do Código Penal.
Com efeito, a determinação da medida da pena obedece a três fases, que consistem:
(…) Passando ao caso sub judice, estamos perante a prática pelo arguido de:
um crime de furto qualificado, sob a forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, n.º 1, 23.º n.ºs 1 e 2, 73.º, n.º 1, alíneas a) e b), n.º 2 e 204.º, n.º 2, alínea e), todos do Código Penal,
um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal, e de
um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal.
Relativamente aos elementos elencados no artigo 71º do C.P., importa considerar:
O dolo na medida em que a culpa com que o arguido atuou na prática do referido tipo legal de crime é intensa, uma vez que agiu com dolo direto, ou seja, representou os factos e agiu com a intenção de os realizar (artigo 14º, n.º 1 do C. Penal)
O desvalor do resultado atentos, essencialmente os prejuízos causados na casa de das ofendidas BB e CC e bem assim as elevadas exigências de prevenção geral tendo em consideração o tipo de bens jurídicos protegidos e ainda o facto de este tipo de crimes ter necessariamente associada a prática de crimes contra o património geradores de grave insegurança na sociedade.
No que concerne às razões de prevenção especial (positiva e negativa), embora também com relevância por via da culpa, importa atender a que resulta claramente dos autos ser mandatório que a pena a aplicar ao arguido traduza de uma forma intensa a censura do facto e a sensibilização para a natureza ilícita da sua conduta de molde a alterar o seu comportamento no sentido do regresso ao direito e à norma.
Assim, tudo sopesado e na ausência de outras circunstâncias que eventualmente poderiam ter beneficiado o arguido, designadamente a interiorização do desvalor da sua conduta, afigura-se-nos corretas e adequadas as penas parciais de 1 ano e 6 meses de prisão aplicada ao crime de furto qualificado e as penas de 1 anos de prisão aplicadas aos crimes de furto simples e ao crime de dano, bem como a pena única de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão efetiva em que foi condenado nos autos.
E consequentemente deverá o recurso do arguido soçobrar nesta parte.
II-DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Vem ainda o arguido afirmar que não pode concordar com a decisão de não suspender a pena de prisão em que foi condenado, invocando a favor da aplicação de tal instituto, além do mais, o facto de ser primário, o facto de antes de estar desempregado (como na data em que praticou os factos) ter tido, quer em Portugal, quer no estrangeiro, empregos fixos, afirmando que a sua vida se pautou pela procura de trabalho. Mais afirma que estava sob o efeito de estupefacientes aquando da pratica dos fatos e que era consumidor destes produtos o que poderia ter levado a lapsos de memoria, pelo que pugna pela suspensão da execução da pena que lhe foi imposta.
Também nesta parte temos que discordar do recorrente.
Com efeito, dispõe o artigo 50º, n.º 1 do Código Penal que “o tribunal suspende a execução da pena aplicada, em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Efetivamente, conforme preceitua esta norma, o tribunal decreta a suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida que não seja superior a cinco anos, sempre que, em face da personalidade do agente, das suas condições de vida, da conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam adequada e suficientemente as finalidades da punição.
Estas, circunscrevendo-se à proteção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, como postula o artº40º, nº1, do Código Penal, têm por base considerações de prevenção geral e especial, as quais servem de orientação à opção ou não pela suspensão da execução da pena de prisão.
Urge, para a aplicação desta pena de substituição, que a suspensão não ponha em crise a tutela dos bens jurídicos e as expectativas comunitárias, consubstanciadas na reprovação social do crime.
Por outro lado, é ainda necessário que o tribunal, em face da personalidade do agente, da natureza do crime e sua concatenação com a personalidade do arguido, bem como do seu comportamento global, se convença da desconformidade do facto criminoso com a personalidade do arguido, considerando-o casual e irrepetível, entendendo que a mera ameaça de pena como medida com eco no seu comportamento futuro, logrará obviar à reiteração de condutas criminosas.
Acresce que é entendimento assente que a suspensão da pena estará subordinada a finalidades exclusivamente preventivas e não finalidades de compensação da culpa.
No instituto da suspensão da execução da pena de prisão prevalecem as razões de prevenção especial de socialização: aquela suspensão só deve ser negada quando a execução da prisão se revele necessária, nomeadamente tendo como pano de fundo o efeito criminógeno da prisão, especialmente a de curta duração.
No entanto, não pode deixar de se considerar o conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, que aqui surge como limite à atuação das exigências de prevenção especial de socialização.
Há que ponderar estas duas exigências em conjunto, podendo bem suceder que a pena de prisão efetiva se mostre indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização das expectativas comunitárias.
O Supremo Tribunal de Justiça vem afirmando que “A suspensão da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido condenado” encontrando-se sempre na base da decisão de suspender a execução da pena “uma prognose social favorável ao agente, baseada num risco prudencial.”.2
Conforme claramente resulta dos factos provados apenas se verifica o primeiro dos pressupostos previstos, ou seja, a concreta medida da pena aplicada ao arguido.
Com efeito, o arguido não tem trabalho nem qualquer suporte familiar, é dependente do consumo de estupefacientes, designadamente de haxixe produto com o qual veio a ser encontrado no interior do EP onde se encontrava recluído. Acresce que foi detido no mês de Fevereiro, tendo-lhe sido aplicada medida de coação não privativa da liberdade e, quatro meses depois, voltou a cometer novo crime o qual, conforme se 2 Acórdão STJ de 09/01/2002 proferido no Proc. n.º 3026/01 - 3.ª Secção salienta no Douto Acórdão condenatório “envolveu uma prévia preparação, munindo-se de mapa e fazendo-se passar, entre turistas, por um outro turista de molde a facilitar os seus intentos”.
Por outro lado, do comportamento assumido pelo arguido durante a audiência de julgamento ao não admitir a prática de todos os factos que lhe foram imputados e ao tentar apresentar justificações que não podem colher, não demonstrando um verdadeiro arrependimento da sua prática, antes encontrando razões e justificações externas como o estar soo o efeito de estupefacientes ou ter problemas de memória, tudo isto revelando, claramente, que não interiorizou minimamente o desvalor da sua conduta, pelo que é manifesto não se verificar um juízo de prognose favorável de que a simples ameaça da pena o dissuada da prática de ulteriores crimes.
Tudo ponderado, verificamos que, em termos de prevenção especial de socialização, não existem nos autos elementos que permitam fazer um juízo de prognose favorável ao arguido, no sentido de que bastará a censura do facto e a ameaça da prisão para o afastar da prática de novos crimes.
Pelo exposto afigura-se manifesta a falta de fundamento da pretensão do arguido recorrente em ver a sua pena suspensa não se mostrando violada qualquer norma jurídica, mormente o artigo 50º, do Cód. Penal, pelo que não deverá o recurso merecer provimento, também nesta parte.
CONCLUSÕES:
1. O arguido/recorrente AA mostra-se condenado nos presentes autos em co-autoria material e em concurso real pela prática de um crime de furto qualificado sob a forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, nº1 23º, nº1 e nº2, 73º, nº1, alíneas a) e b), nº1 e 204º, nº2, alínea e), todos do Código Penal, numa pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, nº1, do Código Penal, numa pena de 1 (um) ano de prisão, e umm crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, nº1, do Código Penal,
numa pena de 1 (um) ano de prisão;
2. Em cúmulo das penas parcelares, foi condenado na pena única de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão efetiva.
3. Da simples leitura do texto do Acórdão recorrido não ressalta que o mesmo padeça de qualquer dos vícios previstos no n.º 2 do artigo 410.º do CPP.
4. A determinação da medida da pena aplicada ao arguido é irrepreensível, encontra-se fundamentada afigurando-se-nos corretas e adequadas as penas parcelares aplicadas e bem assim a pena única de 2 anos e 3 meses em que foi condenado;
5. À luz dos factos provados apenas se verifica um dos pressupostos de que o art.º 50º, n.º 1 do Código Penal faz depender a suspensão da execução da pena, a saber, o pressuposto normal que é a medida concreta da pena;
6. Atendendo à conduta do arguido, designadamente à sua personalidade, ao facto de revelar indiferença pelas imposições judiciais, inexistem quaisquer elementos permitam fazer um juízo de prognose favorável a o arguido, no sentido de que bastará a censura do facto e a ameaça da prisão para o afastar da prática de novos crimes.
7. Pelo que a única decisão possível, correta e adequada é a de não suspender a execução da pena;
8. Não se mostra, assim, violada qualquer norma jurídica, pelo que o recurso não merece provimento.
Pelo que se conclui deste modo que a douta decisão proferida decidiu corretamente as matérias aí controvertidas e sob apreciação, não ocorrendo violação de qualquer norma legal, substantiva ou adjetiva, que imponha a alteração ou revogação de tal decisão, pelo que não deve dar-se provimento ao recurso, assim se mantendo a douta decisão por legal e justa
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso. Conforme dessas conclusões se colhe, as matérias neste caso relevantes são as seguintes:
Ambos os recursos pugnam pela redução das penas e sua execução suspensa.
O acórdão recorrido
“Acordam os Juízes do Tribunal Colectivo do Juízo Central Criminal do Porto:
I – RELATÓRIO:
O Ministério Público acusou em processo comum, perante Tribunal Colectivo:
AA, filho de FF e de GG, nascido a ../../1991, solteiro, natural da Argélia, residente na Rua ..., ... Porto, actualmente detido no EP do Porto e titular do passaporte nº ...07
e
EE, filho de HH e de II, nascido a ../../1988, casado, natural da Argélia, residente na Rua ..., ... Porto, actualmente detido no EP do Porto e titular do passaporte nº ...94, imputando, pelos factos constantes da acusação, cujo teor se dá integralmente por reproduzido:
- Aos arguidos AA e EE, o cometimento, em co-autoria de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelo art.º 204.º, nº 2, alínea e), por referência ao art.º 202.º, alínea d), do Código Penal; de um crime de dano qualificado, p. e p. pelo art.º 212.º, nº 1 e 213.º, nº 1, por referência ao art.º 202.º, alínea a), todos do Código Penal e de um crime de furto simples, p. e p. pelo art.º 203.º, nº 1, do Código Penal.
- Ao arguido EE, o cometimento, em autoria material de um crime de furto simples, p.e p. pelo art.º 203.º, nº 1, do Código Penal e de um crime de abuso de cartão de crédito, p. e p. pelo art.º 225.º, nº 1, do Código Penal.
Os arguidos não deduziram contestação, nem indicaram testemunhas.
Foi solicitado a elaboração de relatórios sociais, juntos aos autos sob a refª 41677821 (relativamente ao arguido AA) e sob a refª nº 41677536, ambos em 21/02, p.p. (relativamente ao arguido EE).
Mantêm-se os pressupostos de validade e regularidade que presidiram à prolação do despacho que designou dia para julgamento, nada ocorrendo posteriormente que obste ao conhecimento do mérito da causa.
II - FUNDAMENTAÇÃO:
A)DE FACTO:
1– Factos Provados:
APENSO A (NUIPC 165/24.6SJPRT)
1 - Os arguidos, na noite de 20 para 21 de Fevereiro de 2024, em hora não concretamente apurada, dirigiram-se junto da casa, propriedade das ofendidas CC e BB, situada na Rua ..., no Porto;
2 - Apercebendo-se que não se encontrava ninguém na habitação em causa, os arguidos, actuando em comunhão de esforços e sintonia de vontades na sequência plano por eles previamente delineado, pontapearam a porta de casa, forçando a fechadura da porta da mesma, que se encontrava fechada à chave, o que conseguiram, após o que se introduziram no interior da casa de habitação;
3 - Uma vez no interior daquela habitação, os arguidos percorreram-no à procura de objectos que lhe interessassem e que pudessem levar consigo, tendo já juntado e colocado numa zona da casa, mais do que dois aquecedores, secador de cabelo e várias toalhas, cujo valor era manifestamente superior a 102,00€;
4 - Nessa ocasião, foram os arguidos vistos a entrar no interior da referida habitação por uma testemunha, que logo chamou a Polícia de Segurança Pública ao local, tendo a Policia interceptado os arguidos dentro da habitação supra mencionada, dentro de um dos quartos da mesma;
5 - Os arguidos agiram do modo descrito com o propósito de retirar objectos de valor e dinheiro que encontrassem e pudessem levar consigo e de os integrar no seu património, sabendo bem que os bens ali existentes não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade das respectivas proprietárias, CC e BB, intuito que não lograram concretizar apenas porque foram surpreendidos e interceptados nos termos descritos;
6 - Os arguidos actuaram de forma livre voluntária e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por Lei;
7 - Enquanto andaram pela casa acima mencionada, os arguidos, para além do arrombamento da porta de entrada na casa, destruíram portas interiores de madeira com vidros e respectivas ferragens, destruíram uma sanita, cujo arranjo foi orçamentado em €5.100,00 (cinco mil e cem euros);
8 - Ao agir do modo descrito, sabiam os arguidos que lesavam os bens da casa, propriedade das ofendidas, o que quiseram;
APENSO B (NUIPC ...)
9 - No dia 14 de Maio de 2024, por volta das 15h30, o arguido EE deslocou-se ao Quiosque “...”, sito na Rua ..., onde utilizou cartões bancários que haviam sido subtraídos a JJ, por alguém e de modo não concretamente apurados, onde adquiriu:
• Duas raspadinhas, cada uma no valor de 10€;
• 4 Maços de Tabaco Winston, no valor de 5,10€ cada;
• 2 maços de tabaco Malboro, no valor de 5,90€ cada;
• 2 maços de Tabaco Camel, no valor de 5,80€ cada;
• 2 maços de tabaco Winston Maxi, no valor de 6,10€ cada;
10 - O arguido procedeu ao pagamento dos bens acima mencionados, utilizando os cartões de crédito da ofendida, gastando o total de 76€ (setenta e seis euros), pagamento que efectuou por duas vezes usando o “contactless”, que apenas permite pagamentos de valor não superior a 50,00€ (cinquenta euros);
11 - Ao proceder como descrito, agiu o arguido voluntária, livre e conscientemente, e na execução de um plano que haviam previamente delineado, e bem sabendo que tinha os cartões bancários com desconhecimento e contra a vontade da entidade emissora e do seu titular, e que não estava autorizado a movimentar a conta da ofendida e bem sabendo que da sua actuação resultava prejuízo para o seu titular, como sucedeu;
12 - Sabia ainda o arguido que os cartões por ele utilizado é um dado informático confidencial e pessoal e que utilizava o mesmo contra a vontade do seu legítimo titular;
13 - Sabia que o seu comportamento era proibido e punido por lei penal;
NUIPC 19/24.6PEPRT
14 - No dia 3 de Junho de 2024, pelas 16 horas, os arguidos, actuando em comunhão de esforços e sintonia de vontades na sequência de um plano por eles previamente delineado, deambulavam junto à estação de São Bento, cidade e comarca do Porto, atentos à movimentação de turistas que transportassem mochilas às costas para, de forma sub-reptícia, os abordar e lhes retirarem os bens e valores que possuíssem;
15 - Assim, na sequência do plano entre ambos estabelecido, os arguidos, seguiram até ao Terreiro da Sé onde se aperceberam que na Calçada da Vandoma seguiam os ofendidos DD e KK, transportando o primeiro uma mochila às costas;
16 - De imediato os arguidos aproximaram-se dos ofendidos, pelas costas, e enquanto o arguido EE com um mapa aberto tentava ocultar a acção do arguido AA, este tentava abrir a mochila que o ofendido DD transportava, o que conseguiu sem, no entanto, daí lograr retirar nada;
17 - Por tal motivo continuaram a seguir o aludido casal e quando estes já se encontravam na Rua ..., o arguido AA, com um mapa na mão interpelou-os, de modo a distraí-los, altura em que o arguido EE introduziu a mão no interior da mochila do ofendido, retirando do interior da mesma uma bolsa de cor escura que continha uns óculos graduados de marca Fleye Copenhagen no valor de 900.00 €;
18 - Na posse do referido objecto, os arguidos abandonaram o local, levando-o consigo, tendo sido imediatamente interceptados por agentes policiais que os seguiam e que presenciaram toda a referida actuação;
19 - Os arguidos agiram do modo descrito, em conjugação de esforços e intentos, com o propósito de retirarem o referido objecto e de o integrar no seu património, sabendo bem que não lhes pertencia e que acuavam contra a vontade do respectivo dono, o ofendido DD;
20 - Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade das respectivas condutas;
21 - Nenhum dos arguidos tem antecedentes criminais conhecidos;
Do relatório social do arguido AA, consta que:
22 - À data dos factos constantes na acusação, AA refere que vivia num quarto arrendado, local onde também residiam vários argelinos, nomeadamente o co-arguido, que já conhecia da Argélia, embora sem grandes contactos;
23 - Profissionalmente, há cerca de dois meses que estava desempregado, ocupando o seu quotidiano no convívio com grupo de pares;
24 - Na busca de melhores condições de vida, em 2017, AA optou por viajar para o continente europeu, com visto de turista, permanecendo em França, onde residiam dois dos doze irmãos. Naquele país trabalhou em Paris e Bordéus na área da construção civil, em regime informal, com intenção de conseguir contrato de trabalho;
25 - Em 2021 viaja para Portugal com o intuito de conseguir autorização de residência no nosso país;
26 - Profissionalmente iniciou funções na área da agricultura, na zona do Algarve, onde trabalhou cerca de 6 meses, tendo seguidamente desempenhado funções na área da construção civil, com contrato de trabalho. Nesse período registou alguma mobilidade habitacional, de acordo com as empreitadas existentes em diferentes zonas de Portugal;
27 - O arguido auferia uma média mensal de 1200 euros, capaz de fazer face as despesas básicas. Aos fins de semana regressava ao Porto, onde mantinha o quarto arrendado;
28 - Consumidor de haxixe, minimiza os consumos, sem os identificar como uma problemática;
29 - O processo de desenvolvimento de AA decorreu na Argélia, com os pais e 12 irmãos, num contexto familiar solidário, e com uma condição económica carenciada;
30 - Ao nível escolar concluiu o equivalente ao 9º ano de escolaridade, altura em que frequentou um curso profissional na área da construção civil. Cumpriu cerca de ano e meio de serviço militar e iniciou actividade laboral na área da construção civil, como pedreiro;
31 - AA tem também o irmão LL recluído no Estabelecimento Prisional do ..., desde 26-06-2024, preso à ordem de outro processo;
32 - O arguido refere ser o seu primeiro contacto com o sistema de justiça, expressando penosidade associada à reclusão. Intramuros, embora mantivesse comportamento de acordo com o normativo institucional, tem a decorrer um processo no departamento jurídico, por posse de estupefaciente e medicação;
33 - O seu quotidiano tem sido investido na frequência das aulas de língua portuguesa, para estrangeiros e frequência do ginásio;
34 - Embora o arguido não beneficie de visitas, conta com apoio económico do exterior, com depósitos na conta de recluso;
36 - O seu projecto de vida encontra-se condicionado pela sua actual situação jurídica, porém, em meio livre pretende manter residência em Portugal, até regularização da sua situação de migrante, conseguindo autorização de residência permanente;
Do relatório social do arguido EE, consta que:
37 - À data dos factos constantes na acusação, EE residia há cerca de um mês num quarto arrendado, na cidade do Porto, local onde também habitavam vários argelinos, nomeadamente o co- arguido, que já conhecia da Argélia, embora sem grandes contactos;
38 - Profissionalmente trabalhou cerca de 15 dias como feirante, no nosso país, altura em que iniciou consumos de estupefacientes, nomeadamente “crack”. Desde então refere um agravamento dos consumos;
39 - Verbaliza ter um irmão a residir no Porto, que embora não o visite, ajuda-o financeiramente;
40 - O processo de desenvolvimento de EE decorreu na Argélia com os pais e sete irmãos, com o falecimento da progenitora, aos cinco anos de idade, passa a residir com o progenitor e a nova companheira deste;
41 - A dinâmica familiar foi descrita como disfuncional, numa condição económica carenciada, optando o arguido aos 17 anos de idade por emigrar para França, em busca de melhores condições de vida;
42 - Naquele país estabeleceu matrimónio com uma cidadã de nacionalidade francesa, com quem refere manter relacionamento há cerca de 9 anos. Residia na habitação propriedade daquela;
43 - Profissionalmente iniciou funções na área da construção civil, condicionadas em alguns períodos pela dependência etílica;
44 - Em meio prisional chegou a estar inscrito na escola para frequência das aulas de língua portuguesa, que abandonou por opção;
45 – Também no Estabelecimento Prisional do ..., o arguido não evidencia motivação na aquisição de competências laborais/formativas e regista uma sanção disciplinar, por altercação e incumprimento das ordens directas do corpo da guarda prisional;
46 - Clinicamente encontra-se com acompanhamento na especialidade de psiquiatria, com toma de medicação, após tentativa de automutilação em 18 de Setembro de 2024;
47 - Embora o arguido não beneficie de visitas, desde da sua reclusão conta com apoio económico do exterior, com depósitos na conta de recluso;
48 - O seu projecto de vida encontra-se condicionado pela actual situação jurídica, porém, em meio livre pretende manter residência em Portugal, trabalhar na área da construção civil, e regularizar a sua situação de migrante obtendo autorização de residência permanente;
2 – Factos Não Provados:
Com interesse para a decisão não se provou que:
1 - No dia 14 de Maio de 2024, por volta das 15h00, tenha sido o arguido EE quem, na Rua ..., no Porto, retirou à ofendida JJ 2 cartões bancários emitidos pelos Bancos Danske e Halifax; 1 cartão dos transportes públicos; 30 euros e 30 libras;
2 - O arguido agiu do modo descrito, com o propósito de retirar os cartões e dinheiro referidos e de os integrar no seu património, sabendo bem que não lhe pertencia e que actuava contra a vontade da respectiva dona, a ofendida acima referida.
Não se provou toda a demais factualidade que esteja em contradição com a factualidade dada como assente.
3 – Motivação:
O artº 374º do C.P.P., no seu nº2, determina, além do mais, que a fundamentação da sentença contenha a enumeração dos factos provados e não provados, que serão, como resulta do artigo 368º nº2, do mesmo código, apenas os que, sendo relevantes para a decisão, estejam descritos na acusação, ou na pronúncia, tenham sido alegados na contestação, ou que resultem da discussão da causa.
Os arguidos prestaram declarações, nas quais admitiram alguns dos factos, mas escudando-se em ausências pontuais de lembrança por se encontrarem sob o efeito de estupefacientes, criando uma narrativa, absolutamente inverossímil, para os factos ocorridos na madrugada do dia 20 para o dia 21 de Fevereiro de 2024, a fim de justificar as respectivas presenças dentro da habitação sita na Rua ..., no Porto, tendo no final referido que aproveitaram para dormir numa casa abandonada. Confrontados com as reportagens fotográfica juntas aos autos de fls. 47 a 49, respeitantes aos factos do dia 3 de Junho, admitiram ter estado naquele local, afirmaram não se lembrarem do que sucedeu, embora pedissem desculpa pelo “erro”.
O arguido EE confrontado com a reportagem fotográfica junta aos autos de fls. 174 a 179, admitiu ser ele quem efectuou com os cartões em causa a compra das raspadinhas e dos maços de tabaco, a pedido de um terceiro que havia encontrado momentos antes, afirmando que desconhecia que os cartões que utilizou tinham sido subtraídos contra a vontade da sua proprietária, o que apenas veio a saber quando já estava detido na esquadra, afirmação que não se crê que corresponda à verdade, como adiante se aludirá.
Assim e concretizando:
Quanto ao Apenso A (NUIPC 165/24.6SJPRT):
A versão dada pelos arguidos foi frontalmente contraditada, desde logo, pelas proprietárias da residência, BB e CC, afirmando que a casa estava fechada à chave (estando a fechadura reforçada, como referiu a testemunha CC por terem sido alvo de uma assalto anterior), mobilada mas sem electricidade e água e que não deram, nem conheciam qualquer indivíduo de nacionalidade brasileira ou outra, autorização para arrendar qualquer quarto (ao invés do referido pelos arguidos). Explicaram o modo como tiveram conhecimento da entrada dos arguidos na sua casa, o modo como aí entraram, arrombando a porta, os bens que já haviam sido reunidos para dali serem retirados e dos danos causados (descrevendo os danos no interior da casa) e respectivo valor, alicerçado no orçamento junto aos autos a fls. 83, cuja validade não foi posta em causa pelos arguidos. Estas testemunhas afirmaram que se deslocavam a tal casa, que constituía uma herança dos seus pais, com frequência, o que afasta a possibilidade de a mesma ter sido vandalizada no seu interior por outros que não os arguidos, relatando igualmente o modo como lograram os arguidos entrar na mesma.
A testemunha MM, contribuiu para confirmar o modo como os arguidos acederam ao interior da casa.
O depoimento do Agente da PSP NN, teve a virtualidade de confirmar o auto de detenção de fls. 5 e 6 e auto de apreensão de fls. 12 e 13, deste Apenso e bem assim quanto ao arrombamento da fechadura.
Deste modo e face a toda a referida prova produzida, cai absolutamente por terra a acima aludida narrativa criada pelos arguidos, a qual aliás, só por si, se revelou manifestamente fantasiosa, não tendo este colectivo, qualquer dúvida de que os arguidos entraram na referida residência para daí retirar objectos, alguns dos quais já haviam seleccionado, nos termos sobreditos, fazendo-o por arrombamento da porta (para além de terem feito danos no seu interior, partindo também portas interiores e uma sanita, para além da porta de entrada), o que não conseguiram face à chegada dos Agentes da Policia.
APENSO B (NUIPC ...) Relativamente ao sucedido no dia 14 de Maio de 2024, que apenas envolve o arguido EE, não se logrou fazer prova de que tenha sido o mesmo quem subtraiu os cartões bancários e demais pertences a JJ, cidadã irlandesa, que não revelou disponibilidade para ser ouvida em tribunal, apesar de ter sido contactada para tal e lhe terem sido facultados meios para ser ouvida à distância e, nessa medida, não testemunhou o que lhe sucedeu, pese embora tenha apresentado queixa e se tenha apurado que os cartões que a mesma referiu lhe terem sido subtraídos serem precisamente os cartões confessadamente usados em compras pelo arguido EE. Nenhuma outra testemunha indicada presenciou tais factos e daí a resposta negativa dada quanto a tal factualidade.
Ao invés e quanto ao uso dos cartões, o mesmo, como se disse, foi confessado pelo arguido EE, que se reconheceu nas fotografias de fls. 174 a 179, que admitiu as compras que efectuou com os mesmos, aquisição confirmada pela testemunha OO, funcionária do “...”, que o atendeu.
De facto não tinha este arguido muito por onde negar o uso de tais cartões, pois foi detido imediatamente após ter saído do referido estabelecimento comercial, na posse dos mesmos e com as compras que tinha efectuado, tal como foi confirmado pelos Agentes da PSP, PP e QQ, os quais confirmaram as respectivas intervenções, vertidas nos respectivos autos, de notícia de fls. 4 a 6 e 7 a 9 e, auto de apreensão de fls.37, junto a este Apenso.
Foi igualmente considerada a reportagem fotográfica dos objectos que o arguido EE, quando abordado por tais Agentes, ainda arremessou para o chão (como os mesmos também o afirmaram) e respectivas folhas de suporte (fls. 59 a 69 e fls. 70 a 81).
Não colheu, de todo, a afirmação deste arguido que desconhecia que os cartões usados tinham sido subtraídos ao seu proprietário, não só porque não se afigura, pelas mais elementares regras de senso comum, ter sido abordado por um desconhecido para se dirigir ao estabelecimento comercial em causa e efectuar compras para ambos, pois se assim fosse porque pediria tal “favor” ao arguido; porque teve o cuidado de efectuar o pagamento de forma fraccionada, de molde a poder pagar através do “contactless” dos respectivos cartões, numa compra no valor de 76,00€ e finalmente se o arguido desconhecesse o modo como tais cartões tinham chegado à sua posse (subtraídos contra a vontade do legítimo proprietário) porque os arremessaria ao chão, quando abordado pelos Agentes Policiais.
NUIPC 19/24.6PEPRT
No que diz respeito a estes factos os arguidos, embora não de forma frontal e directa acabaram por os admitir, tendo os depoimentos dos Agentes Policiais que, nesse dia, participavam numa alargada operação policial de combate aos “carteiristas”, na justa medida das respectivas participações/intervenções, relataram de forma clara, firme e convicta a observação que fizeram dos movimentos dos arguidos, o que contribuiu de forma directa para a factualidade dada por assente (confirmando os respectivos subscritores o auto de detenção de fls. 1 a 7 e auto de apreensão de fls. 18 e 25/6, para além do depoimento prestado pela mulher do ofendido KK, que também confirmou o valor dos óculos retirados de dentro da mochila do seu marido.
Foi considerada a reportagem fotográfica de fls. 47 a 49, exibida aos arguidos nas quais se reconheceram.
A situação pessoal dos arguidos decorre do teor dos respectivos relatórios sociais juntos aos autos, acima referidos e quanto à ausência de antecedentes criminais a mesma decorre do teor dos respectivos certificados do registo criminal, juntos aos autos com as refª (s) nº (s) 469121149 e 469121299, em 21/02, p.p.
B)DE DIREITO:
1 – Enquadramento jurídico – penal:
Estão os arguidos AA e EE, acusados em co-autoria, pela prática de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelo art.º 204.º, nº 2, alínea e), por referência ao art.º 202.º, alínea d), do Código Penal; de um crime de dano qualificado, p. e p. pelo art.º 212.º, nº 1 e 213.º, nº 1, por referência ao art.º 202.º, alínea a), todos do Código Penal e de um crime de furto simples, p. e p. pelo art.º 203.º, nº 1, do Código Penal. Imputando ao arguido EE, o cometimento, em autoria material de um crime de furto simples, p.e p. pelo art.º 203.º, nº 1, do Código Penal e de um crime de abuso de cartão de crédito, p. e p. pelo art.º 225.º, nº 1, do Código Penal.
Crime de furto simples e qualificado:
Consagra o artigo 203º, nº 1 do Código Penal que: “Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.”
O legislador, depois de ter definido o crime matricial, o crime de furto simples, no artigo 203º do C.P., cujo tipo legal se concretiza com a verificação do elemento objectivo, subtracção de coisa móvel, e do elemento subjectivo, a ilegítima intenção de apropriação, veio, seguidamente recortar os elementos que determinam a qualificação.
Dispõe, o artigo 204º, nº2, que:
“Quem furtar coisa móvel alheia ...
e) Penetrando em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas;
É punido com pena de prisão de dois a oito anos”.
A incriminação do crime de furto visa a tutela do direito do lesado à coisa móvel, um bem de natureza patrimonial, direito que, além da posse abarca outras situações jurídicas assentes no gozo, fruição e disposição das coisas.
Constituem elementos constitutivos do crime de furto, à luz da versão originária e da actual:
a) subtracção -é entendimento dominante que se trata de uma violação da posse exercida pelo lesado e a integração da coisa na esfera patrimonial do agente ou de terceiro. Não é necessário que a coisa seja mudada de um lugar para outro, nem tão-pouco que chegue a ser usada pelo agente ou por terceiro;
b) de coisa móvel alheia - consistindo o furto numa subtracção só a coisa móvel pode ser seu objecto. Para efeitos do crime de furto, coisa será “toda a substância corpórea material, susceptível de apreensão, pertencente a alguém e que tenha um valor juridicamente relevante”1.
c) ilegítima intenção de apropriação - Trata-se de um dolo específico que se preenche com a intenção do agente, contra a vontade do seu proprietário ou detentor da coisa furtada, se passar a comportar relativamente a ela “animo sibo rem habendi”, integrando-a na sua esfera patrimonial ou de terceiro.
1 Leal Henrique e Simas Santos, Cód. Penal de 1982, Vol.4, pág. 15).
A alínea d) do artigo 202º, do C.Penal, dá-nos a noção de arrombamento, como: “o rompimento, fractura ou destruição, no todo ou em parte, de dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada, exterior ou interiormente, de casa ou de lugar fechado dela dependente;”
Por sua vez, haverá tentativa, de acordo com o artigo 22.º, n.º 1, do mesmo Diploma Legal, “quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se”, considerando-se no seu n.º 2 como actos de execução:
a) “Os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime”;
b) “Os que forem idóneos a produzir o resultado típico”, ou
c) “Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores”.
Volvendo aos autos, mais concretamente à conduta dos arguidos, na madrugada do dia 20 para o dia 21 de Fevereiro de 2024 (Apenso A), descrita nos pontos 1º a 6º, apurou-se que os mesmos entraram na habitação das ofendidas BB e CC, sita na Rua ..., no Porto, arrombando, após a pontapearem, a porta de entrada da casa que se encontrava fechada à chave, por onde deambularam e de onde recolheram e juntaram aquecedores, secador de cabelo e várias toalhas (têxteis) com o intuito de os levar, fazendo-os coisa sua, o que apenas não lograram face à intervenção da polícia que os interceptou ainda dentro da residência, conduta que preenche, na sua materialidade,o tipo legal de crime de furto na sua forma tentada, mas qualificado por força do modo como aí entraram (arrombamento), p e p. pelos artigos 22º, nºs 1 e 2, 23º, nºs 1 e 2, 73º, nº1, alíneas a) e b), 203º, nº1 e 204º, nº1 e nº2, alínea e), com referência ao artigo 202º, alínea d), todos do C.Penal.
A apurada conduta dos arguidos no dia 3 de Junho de 2024, ao, em comunhão de esforços e vontades, terem aberto a mochila do ofendido DD, de onde retiraram, contra a vontade e consentimento do mesmouns óculos graduados de marca Fleye Copenhagen no valor de 900.00 €, fazendo-os seus,preenche igualmente, na sua materialidade, o tipo legal de crime de furto simples, p.e p. pelo artigo 203º, nº1, do C.Penal.
Como também resulta assente, os arguidos AA e EE, actuaram de forma livre, deliberada, voluntaria, consciente da ilicitude dos respectivos comportamentos (para quem entenda como o prof. Figueiredo Dias que a consciência da ilicitude é o elemento emocional do dolo),querendo fazer seus, os objectos acima referidos, bem sabendo que não lhes pertencia e que actuavam contra a vontade dos seus proprietários, cientes de que talconduta era proibida e punível por lei.Estes factos permitem, pois, concluir pelo preenchimento do tipo subjectivo dos crimes de furto, uma vez que revelam uma actuação dolosa.
Na verdade, os arguidos, representando os elementos do tipo de crime em análise, actuaram em conformidade, visando alcançar a subtracção de coisas móveis que não lhes pertenciam e contra a vontade dorespectivo dono. Actuaram, por conseguinte, com dolo genérico na sua modalidade mais intensa, ou seja, dolo directo -artº14º nº1, do C.P. De resto, actuaram também com dolo específico, pois, nas situações descritas, os arguidos tinham a intenção de apropriação, ou seja, intenção de fazer ingressar nos respectivos patrimónios os bens que encontrassem dentro do imóvel e o par de óculo que subtraíram ao ofendido DD pelo que se considera que cometeram os tipos legais de crime pelo qual estão acusados (crime de furto qualificado na sua forma tentada, p. e p. pelos artigos22º, nº1, 23º, nº1 e 2 e 73º, nº1, alíneas a) e b), 203º e 204º, nº2, alínea e), por referência ao artigo 202º, alínea d), todos do C.Penal e um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, nº1, do CC.Penal, em co-autoria material de acordo com o disposto no artigo 26º, do C.Penal.
No que diz respeito aos factos do dia 14 de Maio de 2024(Apenso B), apenas imputados ao arguido EE e que se prendem com o facto de o mesmo ter subtraído os bens descritos na acusação à ofendida JJ, na medida em que não se logrou fazer prova de tal conduta, impõe-se a absolvição deste arguido, no que a estefacto diz respeito, pela prática de um crime de furto simples, p.e p. pelo artigo 203º, do C.Penal.
Quanto ao crime de dano:
Dispõe o artigo 212º, do C.Penal que:
“Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.
O artigo 213º, do Código Penal, agrava a moldura penal, sempre que aquele que no todo ou em parte, danificar, desfigurara ou tornar não utilizável de valor elevado, para pena de prisão até 5 anos ou pena de multa até 600 dias.
De acordo com o disposto no artigo 202º, alínea a), entende-se que valor elevado é aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto. A unidade de conta em 2024, manteve-se em 102,00€, o que significa que o valor dos danos terá de exceder 5100,00€. À luz do disposto no art.º 212º, n.º 1, do C. Penal, comete o crime de dano quem destruir, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa que não seja exclusivamente sua, prescindindo a lei da necessidade que a destruição, danificação, desfiguração ou inutilização da coisa, causada pelo comportamento, atinja um determinado valor patrimonial para ter a conduta como ilícita.
Na tipificação deste crime, o elemento «coisa alheia» apenas pressupõe que o agente não seja o titular exclusivo do bem danificado, como sucede nos casos de propriedade em comum, não sendo admissível que qualquer dos titulares do direito possa destruir a coisa que lhe pertence apenas em compropriedade à revelia dos demais. Se o fizer, não destrói apenas coisa sua, destrói também coisa alheia e nessa medida poderá ser criminalmente responsabilizado pela sua actuação.
De acordo com jurisprudência uniforme fixada pelo Acórdão de fixação de jurisprudência de 27/04/2011, disponível em www.dgsi.pt, “no crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, do Código Penal, é ofendido, tendo legitimidade para a presentar queixa, nos termos do artigo 113º, nº1, do mesmo diploma, o proprietário da coisa “destruída no todo ou em sua parte, danificada, desfigurada ou inutilizada”, e quem estando por título legítimo no gozo da coisa, for afectado no seu direito de uso e fruição.
Concatenando o direito com os factos provados (pontos 7 e 8), designadamente que os arguidos destruíram a porta de entrada da moradia pertencente às ofendidas BB e CC, bem como portas interiores e uma sanita, provocando estragos no montante orçamentado de 5.100,00€, agindo com o propósito concretizado de os provocar, em manifesto detrimento e prejuízo do património das referidas ofendidas, actuando de forma livre, deliberada e consciente, sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei penal, verifica-se total e integralmente preenchidos os elementos constitutivos do crime de dano, mas na sua forma simples, p. e p. pelo artigo 212º, dado o valor dos danos não ter excedido o valor de 5.100,00€, valor fixado como o dos danos causados.
Por fim, quanto ao crime de abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento, p. e p. pelo artigo 225º, nº1, alínea b), do Código Penal.
Dispõe o artigo 225º, do C.Penal que:
1 - Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, usar:
a) Cartão de garantia;
b) Cartão de pagamento;
c) Qualquer outro dispositivo, corpóreo ou incorpóreo, que permita o acesso a sistema ou a meio de pagamento;
d) Dados registados, incorporados ou respeitantes a cartão de pagamento ou a qualquer outro dispositivo, corpóreo ou incorpóreo, que permita o acesso a sistema ou a meio de pagamento;
e) determinando o depósito, a transferência, o levantamento ou, por qualquer outra forma, o pagamento de moeda, incluindo a escritural, a eletrónica ou a virtual, e causar, desse modo, prejuízo patrimonial a outra pessoa, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
(,,,)”
Conforme refere Maia Gonçalves, in Código Penal Português, Anotado e Comentado, 13.ª ed., p. 720, em anotação (2.ª) a este artigo: “A utilização não autorizada de cartões de crédito já se encontrava incriminada no direito comparado, nomeadamente, no alemão, cujo modelo se seguiu, embora com significativas diferenças. No direito alemão, o crime tem natureza de próprio, já que só o titular do cartão o pode cometer, enquanto que na formulação deste texto o crime pode ser praticado por qualquer pessoa, seja ou não o titular. Esta extensão foi justificada no seio da CRCP em atenção ao bem jurídico protegido (património da entidade emissora do cartão) e à forma como se consubstancia a infracção (abuso da garantia da entidade emissora). Perante a formulação ampla do artigo, mesmo a utilização de cartão furtado se encontra abrangida na sua previsão”.
São os seguintes os elementos constitutivos do crime:
- utilização de cartão de garantia ou de crédito;
- possibilidade de essa utilização conduzir a que o seu emitente tenha que fazer um pagamento;
- prejuízo acarretado a esse emitente ou a terceiro com tal utilização.[Acerca deste crime, podem consultar-se: Manuel António Lopes Rocha, in Jornadas de Direito Criminal, Revisão do Código Penal, CEJ, I volume, p. 96; A. Leonel Dantas, in Jornadas de Direito Criminal, Revisão do Código Penal, CEJ, volume II, p. 516 e segs.; Manuel Leal - Henriques e Manuel Simas Santos, Código Penal Anotado, 3.ª edição, p. 225 e segs.; e Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, p. 373 e segs.].
O corpo do artigo 225º, do C.Penal foi alterado pela Lei nº 79/2021, de 24/11, com o intuito de reorganizar, de forma estruturante, as normas criminais respeitantes a comportamentos ilícitos relacionados com meios de pagamento que não em numerário, isto é, que não sejam efectuados em moeda papel ou em moeda metálica, reestruturando a incriminação do uso abusivo de cartões, crime já antes previsto no artigo 225º do Código Penal. Por via desta alteração legislativa passa a incluir-se neste tipo de crime todo o uso abusivo (além de cartões) de dispositivos e meios de pagamento, que não em numerário, e ainda o uso abusivo de dados (autênticos) de cartões de pagamento, quando não se está em presença física do cartão. Em resultado desta alteração legal passam a punir-se nos termos do artigo 225º do Código Penal todos os comportamentos ilícitos relacionados com o uso abusivo de cartões de pagamento de todas as naturezas (designadamente cartões bancários de crédito e de débito), se autênticos. Por outro lado, concentram-se na Lei do Cibercrime todas as falsificações, manipulações ou intervenções informáticas ilegítimas, sobre formas ou meios de pagamento electrónico (sejam corpóreos ou não corpóreos). Importa ainda sublinhar que por via deste diploma passam a ser expressamente punidos os actos relacionados com cartões de débito (como por exemplo os populares cartões Multibanco), até agora não considerados pelo Código Penal. Pois na anterior versão desta norma (artigo 225º do Código Penal) apenas se punia o abuso de cartão que conduzisse a pagamentos ilegítimos. Na nova versão do artigo 225º, do C.Penal, passou a punir-se o abuso que venha a dar origem a depósito, transferência, levantamento ou, por qualquer forma, pagamento de moeda.
Voltando novamente aos autos, da factualidade assente retira-se que o arguido EE, utilizou os cartões bancários que haviam sido subtraídos a JJ para efectuar pagamentos no valor de 76,00€, no “...”, o que fez bem sabendo que os detinha contra a vontade das respectivas entidades emissoras e que os utilizou para efectuar pagamentos da conta da ofendida, sem o seu respectivo conhecimento e ou consentimento, causando-lhe um prejuízo de equivalente valor e que tal conduta constituía um crime, tal como decorre da matéria de facto vertida sob os pontos 9 a 13, conduta que preenche cabalmente o crime de abuso de cartão, p. e p. pelo artigo 225º, nº1, alínea b), do C.Penal, tal como lhe é imputado.
2 – Determinação da medida concreta da pena:
Uma vez dado por assentes os crimes cometidos pelos arguidos e a fim de determinar as respectivas penas, há que considerar as correspondentes molduras penais para: o crime de furto qualificado sob a forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, nº1, 23º, nº1 e 2 e 73º, nº1, alíneas a) e b), 203º, nº1 e 204º, nº2, alínea e), por referência ao artigo 202º, alínea d), do C.Penal - pena de prisão de 1 mês a 5 anos e 4 meses; o crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, nº1, do C.Penal, - pena prisão até 3 anos ou pena de multa (estes reportados ao Apenso A); o crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, do C.Penal - pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa (reportado aos autos principais) e o crime de abuso de cartão de crédito, p.p. pelo artigo 225º, nº1, alínea b), do C.Penal, punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
A determinação da medida concreta da pena deverá atender às necessidades de prevenção especial, de prevenção geral e da culpa, sendo certo que, tal como dispõe o artigo 70º, do Código Penal, se ao crime forem aplicáveis em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. In casu a ponderação de tal preferência apenas se coloca relativamente aos crimes de dano, p. e p. pelo artigo 212º, do C.Penal; de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, nº1, do C.Penal e crime de abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento, p. e p. pelo artigo 225º, nº1, do Código Penal.
No caso concreto, atenta a natureza e gravidade dos crimes cometidos pelos arguidos, conduz a considerar significativamente elevadas as necessidades de prevenção especial, sendo igualmente elevadas as necessidades de prevenção geral, positiva e negativa, face aos bens jurídicos protegidos, reclamando por isso uma punição que reafirme eficazmente a validade das normas violadas e que faça inculcar na sociedade um sentimento de segurança e paz pública, pelo que se afasta a punição de tais crimes com pena de multa.
Na determinação da medida concreta da pena, deverá o tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 71º, do C.Penal, ponderar a culpa do agente atendendo às necessidades de prevenção de futuros crimes e a todos os elementos exteriores ao tipo legal que deponham a favor ou contra os arguidos.
O artigo 71º, nº2 do C.Penal, consagra um conjunto de circunstâncias agravantes ou atenuantes que devem ser atendidas na determinação concreta da medida da pena como, o grau da ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados na preparação do crime e os fins ou os motivos que o determinaram, as condições pessoais do agente, a sua situação económica, a conduta anterior e posterior ao facto.
A determinação da medida concreta da pena deverá, em concreto, atender às necessidades de prevenção especial, de prevenção geral e da culpa.
Dispõe o artigo 40º, do Código Penal, que a aplicação das penas visa a protecção dos bens jurídico e a reintegração social do agente (nº1) e que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (nº2).
A culpa, salvaguarda da dignidade humana do agente, não sendo o fundamento último da pena, define, em concreto, o seu limite máximo, absolutamente intransponível, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir.
A moldura da pena aplicável ao caso concreto há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente; entre tais limites encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social.
Utilizando todos os critérios que se vêm de enunciar, tendo em atenção as finalidades da pena, consagradas no artigo 40º, do Código Penal, importa ponderar os seguintes:
Quanto ao arguido AA:
- O arguido agiu com a modalidade mais forte de culpa, actuando com dolo directo, representando e querendo todas as suas condutas;
- O enorme alarme social aliado aos crimes pelo mesmo cometidos, pondo em causa simultaneamente o património e o sentimento de segurança, sendo muito elevadas as necessidades de prevenção geral;
- A circunstância de o arguido não ter antecedentes criminais conhecidos em Portugal, País onde se encontra desde 2021;
- O desvalor do resultado, sobretudo no que toca ao montante dos danos causados na casa das proprietárias BB e CC;
- A sua postura em tribunal não assumindo integralmente os factos, dando justificações injustificáveis quanto ao facto de ter sido surpreendido dentro da casa das ofendidas BB e CC;
- O seu percurso de vida pautado por instabilidade, estando desempregado antes de ter sido detido;
- O facto de ser consumidor de haxixe (o que de acordo com o próprio não vê como constituindo, um problema), tendo pendente um processo disciplinar no estabelecimento prisional por posse de estupefaciente;
- A sua situação pessoal e familiar;
- As suas habilitações literárias e a sua idade, 33 anos,
Tudo ponderado e considerando as respectivas molduras penais abstractas e os respectivos contornos da sua actuação, consideramos justo, adequado e proporcional, condená-lo pela prática em co-autoria material e em concurso real de:
- Um crime de furto qualificado sob a forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, nº1 23º, nº1 e nº2, 73º, nº1, alíneas a) e b), nº1 e 204º, nº2, alínea e), todos do C.Penal, numa pena de 1 (ano) e 6 (seis) meses de prisão, no âmbito do NUIPC ... – Apenso A, destes autos, na pessoa das ofendidas BB e CC;
- Um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, nº1, do C.Penal, numa pena de 1 (um) ano de prisão, no âmbito do NUIPC ... – Apenso A, destes autos, na propriedade das ofendidas BB e CC;
- Um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, nº1, do C.Penal, numa pena de 1 (um) ano de prisão, na pessoa do ofendido DD, no âmbito dos presentes autos;
Os crimes que o arguido praticou encontram-se numa relação de concurso real e efectivo de infracções.
Sobre esta matéria, rege o artº 77º, nº 1, do Código Penal, nos termos do qual “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
De acordo com o disposto no nº 2 do artº 77º, do C.Penal a moldura penal do concurso tem como limite mínimo a mais elevada das penas em concurso (a mais alta das penas parcelares) e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
Assim, é a seguinte a moldura do concurso de crimes:
Limite mínimo: pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
Limite máximo: pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão.
Como atrás referimos, nos termos do artº 77º, nº 1, do Código Penal, a determinação da medida concreta da pena única deverá ter em consideração, de forma conjugada, os factos apreciados e a personalidade do agente.
O Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 23 de Junho de 2010, expôs as seguintes considerações: “O critério de determinação da medida da pena conjunta do concurso há-de ir buscar-se ao disposto no artº 71º, nº 1, do mesmo diploma que versando sobre a determinação da medida da pena dentro dos limites definidos na lei, diz que «é feita em função da culpa do agente e das exigências da prevenção»”.
Nesta matéria, como explicita FIGUEIREDO DIAS, “Tudo deve passar-se […] como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta” (As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, § 421).
No mesmo sentido, o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 27 de Fevereiro de 2013, expôs o seguinte: “Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está, pois, ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso. Na consideração da personalidade deve ser ponderado o modo como a personalidade se projecta nos factos ou é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente”.
Sobre o tema, pode consultar-se, com muito interesse, o artigo de RODRIGUES DA COSTA “O Cúmulo Jurídico na Doutrina e na Jurisprudência do STJ”, publicado na Revista Julgar, nº 21, Coimbra Editora, 2013 (pp. 171-201).
Não há, nesta sede, regras puramente aritméticas ou fórmulas simplesmente matemáticas, sem prejuízo da consideração, a título indicativo, de uma determinada parcela da soma das penas restantes para além da pena parcelar mais elevada.
A este respeito, o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 29 de Abril de 2010, notou que “O STJ tem adoptado a jurisprudência, na formação da pena única, de fazer acrescer à pena mais grave o produto de uma operação que consiste em comprimir a soma das restantes penas com factores variáveis, mas que se situam, normalmente, entre um terço e um sexto (por vezes até menos, chegando a um oitavo)”.
Por seu turno, TIAGO MILHEIRO anota: “nada impede que não abdicando do julgamento dos factos, da personalidade do agente, das necessidades da pena, da culpa, da prevenção, o tribunal se socorra de critérios aritméticos com o fito de estabelecer decisões igualitárias em situações similares, e gera um certo grau de previsibilidade quanto à pena conjunta a aplicar, funcionando como «ponto de partida». […]
Existem vários arestos do STJ que chamam à colação estes critérios aritméticos, numa amplitude entre o 1/3 e o 1/6, não como fundamento autónomo da pena conjunta, mas como coadjuvante na ponderação da pena mais justa. Já não é admissível se as adições forem mecânicas, acolhendo de forma ilegal o princípio da exasperação ou agravação […]
O que se trata é de colocar na disposição do julgador um conjunto de instrumentos auxiliares aritméticos para que na moldura penal abstracta do cúmulo se inculque a maior previsibilidade possível. […] com estas restrições tais critérios aritméticos terão a vantagem de aumentar a segurança jurídica e a confiança na actuação do sistema judicial” (“Cúmulo Jurídico Superveniente – Noções Fundamentais”, Almedina, 2016).
Como refere Souto Moura – citado no Ac. da RL de 24-06-2020 (proc. nº 85/17. 0PARGR.1.L1-3) a propósito da pena conjunta aplicável ao concurso de crimes, há que “…ponderar em conjunto os factos é atender, fundamentalmente, à ilicitude global de toda a conduta do agente em análise (….) A conexão entre os factos, e a abordagem destes, independentemente de quem os praticou, releva sobretudo para efeitos de prevenção geral. A gravidade dos vários crimes cometidos, a frequência com que eles ocorrem na comunidade e o próprio impacto que têm nessa comunidade”.
A pena visa finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, passando a culpa a assumir uma função limitadora da pena e, como princípios orientadores que lhe devem presidir, avultam os da necessidade, proporcionalidade e adequação (sobre os quais se pronunciaram os Acs. do STJ de 10-09- 2014 (processo n.º 455/08-3.ª), de 24-09-2014 (proferido no processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1-3.ª); de 11-01-2012 (processo n.º 131/09.1JBLSB.L1.-A.S1-3.ª); de 18-01-2012, (processo n.º 34/05.9PAVNG.S1-3.ª); de 31-01-2012 (processo n.º 2381/07.6PAPTM.E1.S1-3.ª);de 05-07-2012 (processo n.º 246/11.6SA GRD.S1-3.ª); de 12-09-2012, (processos n.º223/07.1GCVIS.C1.S1-3.ª e n.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1-3.ª); de 22-01-2013 (processo n.º651/04.4GAFLTG.S1-3.ª); de 27-02-2013 (processo n.º455/08.5GDPTM.S1-3.ª, acima referido); de 22-05-2013 (processo n.º 344/11.6PC BRG.G1.S1-3.ª); de 19-06-2013 (processo n.º 515/06.7GB LLE.S1- 3.ª); de 10-07-2013 (processo n.º 413/06.4JAFAR. E2.S1-3.ª); de 12-09-2013 (processo n.º1445/09.6J APRT. P1.S1-3.ª); de 26-09-2013 (processo n.º 138/10.6GDPTM.S2-5.ª) e de 3-10-2013, processo n.º 522/01.6 TACBR. C3.S1-5.ª, onde pode ler-se: «O equilíbrio entre os efeitos “expansivo” e “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos critérios da “imagem global do ilícito” e da “personalidade do arguido”»; de 24-09-2014 (processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1-3.ª e de 1-10-2014, (processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S2-3.ª).
No caso concreto, está em causa a aplicação de uma pena única correspondente à prática de 3 crimes que visam a protecção do património. Estamos perante um cidadão que optou por ganhar a sua vida à custa do património alheio, não nos podendo esquecer que estes tipos de ilícitos (crimes de furto) são causadores de grande alarme social. O arguido não assumiu os factos na sua integralidade, procurando e dando uma versão dos mesmos visando entorpecer a realização da justiça, não revelando estar genuinamente arrependido dos factos que, não de forma clara, escudando-se na ausência de memória e estar sob o efeito de estupefacientes, admitiu, verificando-se uma certa capacidade para a invenção e a mentira, como também o método adoptado, fazendo-se passar por um turista, quanto aos factos ocorridos no dia 3 de Junho de 2024.
Sopesando todos estes dados, considera-se ajustada a condenação do arguido numa pena única de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão.
Quanto ao arguido EE:
- O arguido agiu com a modalidade mais forte de culpa, actuando com dolo directo, representando e querendo todas as suas condutas;
- O enorme alarme social aliado aos crimes pelo mesmo cometidos, pondo em causa simultaneamente o património (das ofendidas e entidades emissoras dos cartões bancários) e o sentimento de segurança, sendo muito elevadas as necessidades de prevenção geral;
- A circunstância de o arguido não ter antecedentes criminais conhecidos em Portugal;
- O desvalor do resultado, sobretudo no que toca ao montante dos danos causados na casa da propriedade de BB e CC e prejuízo causado a JJ;
- A sua postura em tribunal não assumindo integralmente os factos, dando justificações injustificáveis quanto ao facto de ter sido surpreendido dentro da casa das ofendidas BB e CC e bem assim quanto ao ter na sua posse os cartões de crédito da ofendida JJ;
- O seu percurso de vida pautado por instabilidade, sendo que em Portugal, de acordo com o que o mesmo relatou, apenas esteve empregado durante 15 dias;
- O facto de ser consumidor de crack, dependência que admitiu foi progredindo;
- A sua situação pessoal e familiar;
- As suas habilitações literárias e a sua idade, 36 anos;
Tudo ponderado e considerando as respectivas molduras penais abstractas e os respectivos contornos da sua actuação, consideramos justo, adequado e proporcional, condená-lo pela prática em co-autoria material e em concurso real de:
- Um crime de furto qualificado sob a forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, nº1 23º, nº1 e nº2, 73º, nº1, alíneas a) e b), 203º, nº1 e 204º, nº2, alínea e), todos do C.Penal, numa pena de 1 (ano) e 6 (seis) meses de prisão, no âmbito do NUIPC ... – Apenso A, destes autos, na pessoa das ofendidas BB e CC;
- Um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, nº1, do C.Penal, numa pena de 1 (um) ano de prisão, no âmbito do NUIPC ... – Apenso A, destes autos, na propriedade das ofendidas BB e CC;
- Um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, nº1, do C.Penal, numa pena de 1 (um) ano de prisão, na pessoa do ofendido DD, no âmbito dos presentes autos;
E em autoria material de:
- Um crime de abuso de cartão de garantia, p. e p pelo artigo 225º, nº1, alínea b), do Código Penal, numa pena de 9 (nove) meses de prisão, no âmbito do NUIPC ... – Apenso B, destes autos;
Os crimes que o arguido praticou encontram-se igualmente numa relação de concurso real e efectivo de infracções.
Reiterando as considerações supra efectuadas no que diz respeito à determinação da pena única, é a seguinte a moldura do concurso de crimes:
- Limite mínimo: pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
- Limite máximo: pena de 5 (cinco) anos de prisão.
No caso concreto, está em causa a aplicação de uma pena única correspondente à prática de 4 crimes que visam, no geral, a protecção do património ilícitos causadores de grande alarme social. Haverá que atender uma especial tendência do arguido para fazer seu o património alheio, tendo cometido os factos dos autos entre Fevereiro e Junho de 2024, o modo de vida pelo qual optou face à sua situação de inactividade laboral e para sustentar o seu vício, para além do artifício usado, no que toca ao factos de 3 de Junho de 2024, fazendo-se passar por turista, o que é reveladora de uma personalidade desviante do dever ser jurídico.
O arguido não assumiu os factos na sua integralidade, procurando e dando uma versão dos mesmos de modo a entorpecer a realização da justiça, não revelando estar genuinamente arrependido dos factos que, não de forma clara, admitiu.
Sopesando todos estes dados, considera-se ajustada a condenação do arguido numa pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Aqui chegados e porque se trata de um dever, há que ponderar o disposto no artigo 50º, nº 1, do Código Penal, de acordo com o qual:
“O Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Como refere o Cons. Maia Gonçalves, este instituto “é uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico que deve ser aplicada nos casos em que é aplicada pena de prisão não superior a 3 anos (hoje cinco anos) se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, o julgador concluir que a simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição...” e, acrescenta, “trata-se de um poder-dever, ou seja de um poder vinculado do julgador, que terá de decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os apontados pressupostos” (in Código Penal Português Anotado, 13.ª Edição, 206).
No que diz respeito ao arguido AA e não esquecendo tudo quanto foi dito e ponderado relativamente quer na determinação das penas parcelares como da pena única, não se consegue vislumbrar em que medida a simples censura do facto e a ameaça da pena se alcançariam com a suspensão da execução da pena de prisão. O arguido não tem trabalho, não tem qualquer suporte familiar, é dependente do consumo de haxixe, tendo, dentro do estabelecimento prisional, sido encontrado na sua posse de tal estupefaciente e não obstante ter sido detido pelos factos atinentes à madrugada do dia 20 para o dia 21 de Fevereiro de 2024, voltou a cometer o crime de 3 de Junho de 2024, o qual, como se disse envolveu uma prévia preparação, munindo-se de mapa e fazendo-se passar, entre turistas, por um outro turista de molde a facilitar os seus intentos.
Quanto ao arguido EE, igualmente não se consegue alcançar qualquer motivo que permita fazer um juízo de prognose favorável, ou seja um juízo de que a simples ameaça da pena e a censura do facto seja suficiente para o afastar da criminalidade, pois este arguido cometeu 4 crimes, entre Fevereiro e Junho de 2024, tendo sido detidos por duas vezes, o que não constitui qualquer impedimento para, conjuntamente com o arguido AA, elaborassem um plano, fazendo-se passar por turistas para subtrair bens de quem andasse pelas artérias desta cidade. A acrescer este arguido não tem trabalho, é consumidor de estupefacientes, no seio do estabelecimento prisional nada tem feito para investir na sua formação, não tem verdadeiro suporte familiar, pois e apesar de ter referido ter um irmão a viver nesta cidade do Porto, o mesmo não o visita.
Por outro lado e a acrescer, não se pode esquecer o direito que as potenciais vítimas têm à sua paz jurídica, a qual só se considera que possa vir a ser alcançada quando e se os arguidos deixarem definitivamente os seus hábitos aditivos e investirem na procura de trabalho que lhes permita os respectivos sustentos, para além da necessidade de interiorizarem o elevado desvalor das respectivas condutas. As penas não são aplicadas propriamente para castigar, mas para levar a comunidade jurídica a interiorizar, mesmo perante a prática do crime, da validade dos comandos normativos que foram violados, bem como para dissuadir os delinquentes da prática de mais crimes, ou seja, numa e noutra perspectiva, as penas são aplicadas com finalidades exclusivamente preventivas. É nos objectivos de prevenção que o Estado colhe legitimidade para aplicar penas; é com esses objectivos que as penas se justificam. O que se pretende é que não sejam cometidos mais crimes ou, sendo isso impossível, sejam cometidos menos crimes, podendo e devendo o arguido, aproveitar a sua reclusão para consolidar a sua abstinência e investir em competências para, quando em liberdade, tornar-se num homem fiel ao direito.
Por todo o referido, não se verificam reunidas as condições, os pressupostos conducentes à suspensão da execução das penas de prisão em que cada um dos arguidos foram condenados, as quais têm de ser efectivas.
Da perda de objectos a favor do Estado:
Dispõe o art. 109º nº1 do Código Penal que: “São declarados perdidos a favor do Estado os instrumentos de facto ilícito típico, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, considerando-se instrumentos de facto ilícito típico todos os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a sua prática.”
São de considerar instrumentos do crime ou “instrumenta sceleris” os objectos que tenham sido reputados como essenciais para a prática da infracção. Ou seja, é indispensável que entre a utilização do objecto em causa e a prática do crime, em si próprio, exista uma relação de causalidade adequada, de modo que, sem essa utilização, a infracção em concreto não teria sido praticada ou não o teria sido na forma e com a significação penal verificada. Por sua vez os produtos do crime são aqueles que foram produzidos pela prática do crime e que pela sua natureza ou quaisquer circunstâncias ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, ou ainda haja risco sério de serem utilizados para o cometimento de novos crimes.
Não é necessário que os objectos que sirvam para a prática do crime tenham essa aplicação exclusiva para serem declarados perdidos, embora seja exigível que a sua relação com a prática do crime se revista de carácter significativo, para que a infracção se verifique em si mesma ou na forma de que se revestiu. Exige-se assim do factualismo que resulta provado que se afirme que entre a utilização do objecto e a prática do crime exista uma relação de causalidade adequada nos termos supra referidos.
Esta necessidade da causalidade leva-nos também ao princípio da proporcionalidade: a perda do instrumentum sceleris, não estando submetida ao princípio da culpa, terá de ser equacionada com o princípio da proporcionalidade no que concerne à importância do facto em análise.
Pelo exposto consideramos que por estar em causa o risco de utilização no cometimento de novos factos ilícitos típicos, declaramos perdidos a favor do Estado os seguintes objectos apreendidos nos autos:
- 1 alicate (Ap. C);
- 1 carteira de cor castanha;
- 1 cartão Continente;
- 1 cartão da rede ginásios Solinca;
- 2 mapas turísticos da cidade do Porto;
- 1 nota de 500 bolivar;
- 1 comando electrónico, marca MOTORLINE;
- 1 binóculos, marca VANGUARD;
- 1 óculos da marca BROOLLS;
- 1 canivete de cor verde;
- 1 telemóvel da marca ZTE;
- 1 telemóvel da marca SAMSUNG;
- 1 chave de estrela DEXTER;
- 10 maços de tabaco (Ap. B);
- 2 raspadinhas dos jogos Santa Casa 100X, valor unitário de 10,00€ (Ap. B);
- 1 comando à distância de cor preta (Ap. B);
- 1 par de auriculares HUAWEI (Ap. B);
- 1 power bank, com cabo USB;
- o dinheiro apreendido nos autos.
III – DECISÃO (…)”
Cumpre apreciar.
Os recorrentes discordam da medida das penas, que consideram excessivas, visando a sua redução, assim como a suspensão da sua execução.
Aferindo a pretensão da redução da pena, com execução suspensa, a jurisprudência tem sustentado quanto à impugnação da medida da pena uma medida de ponderação sintetizada pelo Ac.RelP de 21/12/2022 “Por outro lado, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo há muito que «Em matéria de medida concreta da pena, apesar de se mostrar hoje afastada a concepção da medida da pena concreta, como a «arte de julgar» substituída pela de autêntica aplicação do direito, aceitando-se a sindicabilidade da correção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de fatores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de fatores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação, bem como a questão do limite ou da moldura da culpa e a forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada.»[1]
No mesmo sentido, entre outros, entendeu-se no acórdão da Relação de Coimbra de 05-04-2017[2] que: «No quadro da moldura penal abstracta, a fixação [da pena] estabelece-se entre o mínimo, em concreto imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo que a culpa do agente consente: entre estes limites satisfazem-se as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização. Relativamente à determinação do quantum exacto de pena [só] será objecto de alteração se tiver ocorrido violação das regras da experiência ou se se verificar desproporção da quantificação efectuada.»
Esta jurisprudência reflete a ideia, que perfilhamos, de que a alteração da medida concreta da pena (principal ou acessória) em sede de recurso deve respeitar a zona de liberdade do julgador em 1.ª Instância ao fixar o quantum da pena, desde que se situe entre os referidos limites que satisfazem as necessidades de prevenção especial (o mínimo necessário à salvaguarda das expectativas comunitárias e o máximo balizado pela culpa do agente) e não ocorra violação das regras da experiência comum ou manifesta desproporção na pena aplicada.
No caso sob apreciação e analisada a motivação do Douto acórdão, facilmente se depreende que foi feita uma ponderação de todos os fatores determinantes para a medida da pena, valorando-se as circunstâncias que, in casu, depõem a favor e contra os arguidos.
A ilicitude tem gravidade, porquanto, os arguidos atuam em co-autoria, o que incrementa a eficácia o delito e assim a dimensão da ilicitude, quer no crime de furto qualificado na forma tentada, cometido na residência das ofendidas, sempre fortemente perturbador da sua paz, assim como da tranquilidade da comunidade, que sob esse ponto de vista, é lesão que se consumou, refletindo pesadas exigências de prevenção geral. Depois, a circunstância dos arguidos, pese embora detidos em flagrante delito, e uma vez restituídos à liberdade, novamente em co-autoria e de forma organizada, usando a distração de um mapa (e obstrução visual do mesmo) tentam cometer novo crime de furto, em nada os impressionando a anterior detenção a que foram sujeitos, mostrando a mais completa indiferença, não se provando qualquer arrependimento ou reparação dos prejuízos causados, sendo que todo este contexto agrava a culpa e as exigências de prevenção especial. Igualmente não temperaram a sua atitude processual com confissão sobre parte relevante do objeto de processo, que a existir significaria uma favorável aproximação ao Direito.
Os arguidos, pese embora a sua primariedade, a falta de inserção social, e profissional (a par da falta de qualquer arrependimento), são fatores de risco que incrementam as exigências de prevenção especial e os limites da culpa.
Quanto à aferição das medidas das penas cominadas aos arguidos AA e EE face à moldura penal abstrata do crime de furto qualificado na forma tentada, com uma amplitude de 5 anos e 3 meses (correspondendo a 21 períodos de 3 meses cada), resulta que a pena de prisão cominada a cada um dos arguidos em 1 ano e 6 meses de prisão, corresponde a cerca de 6/21 da amplitude da pena, o que, face à gravidade do delito, não obstante a sua forma tentada, muito afetou a tranquilidade de ambas as ofendidas, e muito pesou sobre as exigências de prevenção geral da comunidade, afigura-se, por isso, uma pena equilibrada, improcedendo assim as conclusões do recurso.
Situando-se a moldura do crime de dano com uma amplitude de cerca de 3 anos, resulta que a pena de prisão cominada de 1 ano de prisão, corresponde a cerca de um terço da referida amplitude, pelo que, face à ilicitude apurada, assim como as exigências de prevenção especial, a ponderação do Tribunal “A Quo”, mostra-se igualmente sensata.
Quanto ao crime de furto simples, situando-se igualmente a moldura da pena em cerca de 3 anos, com pena cominada a cada um dos arguidos em 1 ano de prisão, corresponde a mesma a cerca de um terço da referida amplitude, o que, face à ilicitude do delito, cometido em co-autoria, com recurso a organização na sua execução, são circunstâncias que incrementando a ilicitude, agravando as exigências de prevenção geral, também pesando nas exigências de prevenção especial e no elevado limite da culpa, o contexto do delito, onde os arguidos não se impressionam com a detenção anterior, aqui influindo, igualmente, os fatores de risco de cada um dos arguidos (no consumo de estupefacientes), o que determinou o Tribunal “A Quo”, a fixar a pena referida e que se mostra justificada e equilibrada.
Situando-se a moldura do crime de abuso de cartão de garantia cometido pelo arguido EE com uma amplitude de cerca de 3 anos, resulta que a pena de prisão cominada de 9 meses de prisão, corresponde a menos de um terço da referida amplitude, pelo que face à ilicitude apurada, assim como as exigências de prevenção especial, a ponderação do Tribunal “A Quo”, mostra-se igualmente ponderada e sensata.
No que concerne à pena única aplicada ao arguido AA, situando-se a moldura do cúmulo entre 1 ano e 6 meses e 3 anos e 6 meses (mostrando-se já corrigido, pelo Tribunal “A Quo” o lapso material cometido na quantificação deste limite máximo), sendo a amplitude dessa moldura de 2 anos, a pena fixada em 2 anos e 3 meses, usou 9 meses da referida amplitude, o que corresponde a 3/8 dessa amplitude, pouco mais de 1/3, sendo por isso equilibrada e ajustada, também aqui improcedendo as conclusões do recurso. Fixando-se a pena única em 2 anos e 3 meses, ficam prejudicados os considerandos e as conclusões do recurso respeitantes ao cumprimento da pena em regime de permanência na habitação (cfr.art.43º do CP).
No que concerne à pena única aplicada ao arguido EE, situando-se a moldura do cúmulo entre 1 ano e 6 meses e 4 anos e 3 meses (mostrando-se já corrigido, pelo Tribunal “A Quo” o lapso material cometido na quantificação deste limite máximo), sendo a amplitude dessa moldura de 2 anos e 9 meses, a pena fixada em 2 anos e 6 meses, usou 1 ano da referida amplitude, o que corresponde a pouco mais de 4/11 dessa amplitude, pouco menos de metade, sendo por isso equilibrada e ajustada, também aqui improcedendo as conclusões do recurso.
No que concerne ao regime de execução desta pena nos termos do art.50º nº1 do CP, mostram-se acertadas as razões invocadas pelo Tribunal “A Quo” quando sustentou “No que diz respeito ao arguido AA e não esquecendo tudo quanto foi dito e ponderado relativamente quer na determinação das penas parcelares como da pena única, não se consegue vislumbrar em que medida a simples censura do facto e a ameaça da pena se alcançariam com a suspensão da execução da pena de prisão. O arguido não tem trabalho, não tem qualquer suporte familiar, é dependente do consumo de haxixe, tendo, dentro do estabelecimento prisional, sido encontrado na sua posse de tal estupefaciente e não obstante ter sido detido pelos factos atinentes à madrugada do dia 20 para o dia 21 de Fevereiro de 2024, voltou a cometer o crime de 3 de Junho de 2024, o qual, como se disse envolveu uma prévia preparação, munindo-se de mapa e fazendo-se passar, entre turistas, por um outro turista de molde a facilitar os seus intentos.
Quanto ao arguido EE, igualmente não se consegue alcançar qualquer motivo que permita fazer um juízo de prognose favorável, ou seja um juízo de que a simples ameaça da pena e a censura do facto seja suficiente para o afastar da criminalidade, pois este arguido cometeu 4 crimes, entre Fevereiro e Junho de 2024, tendo sido detidos por duas vezes, o que não constitui qualquer impedimento para, conjuntamente com o arguido AA, elaborassem um plano, fazendo-se passar por turistas para subtrair bens de quem andasse pelas artérias desta cidade. A acrescer este arguido não tem trabalho, é consumidor de estupefacientes, no seio do estabelecimento prisional nada tem feito para investir na sua formação, não tem verdadeiro suporte familiar, pois e apesar de ter referido ter um irmão a viver nesta cidade do Porto, o mesmo não o visita.
Por outro lado e a acrescer, não se pode esquecer o direito que as potenciais vítimas têm à sua paz jurídica, a qual só se considera que possa vir a ser alcançada quando e se os arguidos deixarem definitivamente os seus hábitos aditivos e investirem na procura de trabalho que lhes permita os respectivos sustentos, para além da necessidade de interiorizarem o elevado desvalor das respectivas condutas. As penas não são aplicadas propriamente para castigar, mas para levar a comunidade jurídica a interiorizar, mesmo perante a prática do crime, da validade dos comandos normativos que foram violados, bem como para dissuadir os delinquentes da prática de mais crimes, ou seja, numa e noutra perspectiva, as penas são aplicadas com finalidades exclusivamente preventivas. É nos objectivos de prevenção que o Estado colhe legitimidade para aplicar penas; é com esses objectivos que as penas se justificam. O que se pretende é que não sejam cometidos mais crimes ou, sendo isso impossível, sejam cometidos menos crimes, podendo e devendo o arguido, aproveitar a sua reclusão para consolidar a sua abstinência e investir em competências para, quando em liberdade, tornar-se num homem fiel ao direito.
Por todo o referido, não se verificam reunidas as condições, os pressupostos conducentes à suspensão da execução das penas de prisão em que cada um dos arguidos foram condenados, as quais têm de ser efectivas.”. De longe, esta questão é a mais sensível dos recursos interpostos, face à primariedade de ambos os arguidos, contudo, a conduta reiterada dos mesmos impressiona pela sua persistência, que não obstante haverem sido detidos em flagrante delito aquando da tentativa de furto qualificado sobre a residência (delito que não confessaram, apresentando explicações inverosímeis, portanto não podendo beneficiar dessa atenuante), face à subsequente restituição à liberdade, não souberam bem interpretar essa “oportunidade processual” e possibilidade, tornando novamente a delinquir em co-autoria e de forma organizada, ficando a convicção que somente uma pena detentiva impressionará os arguidos, assim se prosseguindo os fins da punição. Com efeito, são vários os fatores de risco que já foram elencados pelo Tribunal “A Quo” e igualmente pelo MP na sua resposta quando sustenta quanto a ambos os arguidos a sua falta de trabalho, sem suporte familiar, dependentes do consumo de estupefacientes, ambos com comportamentos negativos no interior do EP onde se encontravam recluídos. A mera ameaça da pena, no curso de uma suspensão, face à atitude que os arguidos já evidenciaram seria novamente mal interpretada por estes, longe dos objetivos ressocializadores que a lei idealiza, pelo que, bem andou o Tribunal “A Quo” que, sem ingenuidade, soube ler a importância dos factos e os fatores de risco apurados nos autos, associados à dependência de estupefacientes, à ausência de modo de vida, de apoio familiar, e sobretudo, e sobretudo à atitude já demonstrada dos arguidos. O conjunto destas circunstâncias tornam desfavorável qualquer juízo de prognose positivo sobre a conduta de ambos os arguidos, perante um cenário de mera ameaça da pena de prisão, facto que inviabiliza a suspensão da pena a si cominada (cfr.art.50º do Cód. Penal), improcedendo as conclusões dos dois recursos, devendo os arguidos cumprir a pena de prisão efetiva, negando-se provimento aos recursos.
DISPOSITIVO.
Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar ambos os recursos não providos, mantendo o douto acórdão do Tribunal a quo.
Custas do recurso por ambos os arguidos, fixando a taxa de justiça em cinco unidades de conta para cada um deles.
Notifique.
Porto, 25 de junho de 2025.
(Elaborado e revisto pelo 1º signatário)
Nuno Pires Salpico
Maria Ângela Reguengo Luz
Pedro M. Menezes
__________________________________
[1] Cf., entre muitos outros, acórdão de 11-10-2007, Proc. n.º 07P3171, acessível in www.dgsi.pt.
[2] Cf. Proc. n.º 47/15.2IDLRA.C1, acessível in www.dgsi.pt.