I - Nos termos do artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa; a eventual maior perigosidade do agente não pode sobrepor-se a essa adequação entre a medida da pena e a medida da culpa; a culpa é relativa aos factos delimitados que constituem o objeto do processo; não se trata de uma culpa relativa à personalidade do arguido e à perigosidade que decorre das características dessa personalidade.
II – No caso em apreço, os factos delimitados que constituem o objeto do processo são a condução de veículo com uma taxa de alcoolémia de 1,283 g/l (taxa próxima do limite de 1,2 g/l, a partir do qual a condução de veículo é qualificada como crime); é notória a desproporção entre o juízo de culpa relativa a esses factos (não o juízo de perigosidade do arguido em geral) e a condenação na pena correspondente ao máximo da moldura.
(Sumário da responsabilidade do Relator)
Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto
I –
AA veio interpor recurso da douta sentença do ... do Juízo Local Criminal ... do Tribunal Judicial da Comarca do Porto que o condenou, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 291.º, n.º 1, a), e 69.º, n.º 1, a), do Código Penal, na pena de doze meses de prisão, substituída por obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, e na pena acessória de vinte e quatro meses de proibição de conduzir veículos a motor.
São as seguintes as conclusões da motivação do recurso:
«1.ª O Tribunal a quo julgou a acusação do Ministério Público procedente por provada e, em consequência:
- Condenou o arguido, AA, pela prática de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo Artigo 292.º do Código Penal, na pena de 12 (doze) meses de prisão e ao abrigo do Artigo 43.º, n.º 1, do Código Penal, substituiu esta pena por regime de permanência na habitação, com recurso à fiscalização por meios técnicos de controlo à distância na Rua... – ... ... e autoriza o arguido a ausentar-se do aludido local (residência), para comparecer nas consultas médicas que lhe vierem a ser agendadas no Centro de Respostas Integradas Porto Oriental e no Centro Hospitalar ..., devendo a DGRSP verificar previamente se os pedidos de saída se justificam e se as finalidades subjacentes às saídas foram cumpridas.
- Nos termos do preceituado no Artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, condena o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, pelo período de 24 (vinte e quatro) meses.
- E, condenou ainda o arguido no pagamento das custas do processo penal, fixando-se em 1UC a taxa de justiça, já reduzida a metade por força da confissão, nos termos do disposto nos Artigos 513.º e 344.º, n.º 2, alínea c), ambos do Código de Processo Penal e Artigos 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e da Tabela III anexa ao mesmo.
2.ª Mas tais penas são incorretas, ou se assim se não entender, são excessivas e desproporcionadas ao caso sub judice.
3.ª O arguido não se conforma com tais condenações, nomeadamente, porquanto:
a) O arguido confessou, de forma livre, integral e sem reservas, os factos que lhe são imputados e as circunstâncias em que os mesmos ocorreram, designadamente o facto de o Sr. Agente da GNR ter esperado que saísse do café, pelo que o arguido não foi encontrado em flagrante delito;
b) O arguido não tem antecedentes criminais pela prática de crimes desta natureza nos últimos 5 anos, conforme se confirma pelo seu Certificado de Registo Criminal;
c) O arguido não tinha a consciência de que se encontrava sob o efeito de quantidade de álcool que o impedisse de conduzir veículo automóvel;
d) O arguido não esteve envolvido em manobra perigosa ou acidente rodoviário;
e) O arguido aceitou submeter-se a tratamento médico e/medicamentoso e/ou internamento que se venha a revelar-se necessário e para o qual deu o mesmo o seu expresso consentimento.
4.ª Acresce ainda que, ficou provado que o arguido apesar de se encontrar reformado, continua a trabalhar, e necessita do título de autorização de condução para poder conduzir o seu veículo automóvel como meio de transporte indispensável nas suas deslocações profissionais, bem como para as suas deslocações para consultas, exames e tratamentos médicos (Cfr. página 5 do Relatório Social para a Determinação da Sanção, de 26-03-2025), para levar os seus pais, pessoas doentes, atualmente com 90 e 86 anos de idade, a frequentes consultas médicas, uma vez que é o arguido que os transporta e acompanha nestas situações.
5.ª Ao contrário do descrito na sentença, no ponto 3 quanto à Acusação Pública, bem como nos 2.º e 3.º parágrafos da Motivação, o arguido é uma pessoa doente, toma bastante medicação diariamente, e no dia e hora dos factos, apesar das suas declarações de confissão simples e ingénuas, não sabia que tinha ingerido álcool suficiente para ultrapassar a taxa de álcool no sangue legalmente permitida e que não podia, em tal estado, conduzir veículos motorizados na via pública ou equiparada, pelo que não se verificou o elemento subjetivo do crime, o que implica que o arguido deverá ser absolvido.
6.ª Se assim se não entender, o que por cautela se invoca, pela prática do crime de condução de veículo automóvel em estado de embriaguez, previsto e punido pelo Artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, que prescreve que “Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com os sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias …” (sublinhado nosso), o arguido, que confessou e não tem antecedentes nos últimos 5 anos, não deveria ter sido condenado em mais do que pena de prisão de 2 (dois) meses, por negligência.
7.ª Tal pena de prisão, deveria ser suspensa por não mais do que 2 (dois) meses, uma vez que o arguido concordou com tudo o que lhe foi sugerido para eliminar o problema de alcoólico, nomeadamente aceitou sujeitar-se a internamento se tal se mostrar necessário.
8.ª 13. O Tribunal a quo não tem justificação válida para aplicar ao arguido durante 1 ano a pulseira eletrónica, impedindo-o assim de em tal período se ausentar da sua habitação, quando, apesar de registar apenas uma taxa de álcool no sangue de 1,28 g/l próximo do mínimo fixado no artigo Artigo 192.º do Código Penal, que condena até 1 ano de prisão quem conduzir com 1,20 h/l, não tem antecedentes nos últimos 5 anos, não se encontrava a conduzir o referido veículo automóvel, não esteve envolvido em acidente rodoviário, não colocou em perigo pessoas e bens, apesar de sabermos que quem conduz com 1,28 g/l tem os reflexos reduzidos e em tal situação não deve conduzir veículos motorizados, colaborou com o Tribunal, tem feito e continua a submeter-se a tratamento.
9.ª Quanto à pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, previsto no Artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, com uma “moldura penal” de entre 3 meses e 3 anos, o Tribunal a quo, ao decidir não absolver o arguido, não deveria ter condenado o arguido em mais do que o mínimo, ou seja, 3 (três) meses, por tudo o acima exposto exposto, bem como nas alegações, porque o arguido, também para esta pena, não tem antecedentes nos últimos 5 anos, necessita de continuar a conduzir veículo automóvel as deslocações do seu interesse particular e profissional, bem como para as necessárias deslocações com os seus pais, que estão ao seu cuidado e que são pessoas, atualmente
com 90 e 85 anos de idade, e com problemas de saúde e é o arguido que os transposta e acompanha nestas situações.
10.ª O Tribunal recorrido falha no seu raciocínio jurídico-factual porque faz uma deficiente interpretação dos factos, não os apreciou segundo as regras da experiência e a livre convicção que o julgador deve ter, ao abrigo do previsto no Artigo 127.º do Código de Processo Penal.
11.ª O julgador dá a conhecer um convicção subjetiva e não objetiva dos factos, uma vez que super valoriza o perigo da condução de veículos automóveis em estado de embriaguez, que também concordamos que não deve ser desvalorizada, mas desvalorizou as manifestações sérias do arguido de que não voltará a praticar factos do género e a situação em discussão neste julgamento é um caso isolado pelo menos nestes últimos 5 anos porque não tem antecedentes criminais de crime desta natureza, pelo que lhe deverá ser dada a oportunidade de se tratar, conforme aliás solicitou e deu o seu consentimento, e contar que não mais voltará a conduzir veículos motorizados sob a influência de álcool.
12.ª Já o destacado Professor Doutor António Castanheira Neves (Cfr. Castanheira Neves Sumários de Processo Criminal – Coimbra 1968, pág. 48) ensinava na vigência do anterior Código Penal, o que continua a aplicar-se ao Código Penal de 1982, com as várias alterações, sobre a A liberdade na apreciação da prova, o seguinte: “não é, nem deve implicar nunca o arbítrio, ou sequer a decisão irracional, puramente impressionista emocional que furte, num incondicional subjectivismo, à fundamentação e à comunicação. Trata-se antes de uma liberdade para a objectividade – não aquela que permita uma “intime conviction”, meramente intuitiva, mas aquela que se determina por uma intenção de objectividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, i. é, uma verdade que transcenda a pura subjetividade e que se comunique e imponha aos outros – que tal só pode ser a verdade do direito e para o direito”.
13.ª Mas neste caso, o Tribunal a quo na análise critica à luz das regras de experiência comum configura uma análise predominantemente subjetiva, não tendo conseguido fazer uma apreciação livre mas para a objetividade.
14.ª Assim, as penas a aplicar ao arguido, se se entender que o mesmo não pode ser absolvido, devem ser substituídas por penas mais reduzidas, conforme acima indicado.
15.ª O Tribunal violou, ou aplicou mal, nomeadamente as normas legais seguintes: Artigos 127.º do Código de Processo Penal, Artigos 292.º, n.º 1, Artigos 14.º, 15.º, 40.º, n.º 1, 50.º, 1.º, 70.º e 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal e Lei N.º 94/2017, de 23 de agosto.
16.ª Requer que o Venerando Tribunal proceda à audição, nomeadamente, das seguintes passagens das gravações audio (Cfr n.º 6 do Artigo 412.º do Código de Processo Penal):
a) Da gravação, de 5 minutos, da Audiência de Discussão e Julgamento de 19-02-2025, das 9h59 às 10h04, sobre as declarações de confissão do arguido;
b) Da gravação, de 4 minutos, da Audiência de Discussão e Julgamento de 27-02-2025, das 10h05 às 10h09, sobre o depoimento do Sr. Agente da PSP BB;
c) Da gravação, de 7 minutos, da Audiência de Discussão e Julgamento de 31-03-2025, das
9h37 às 10h44, sobre a declaração do arguido a dar o seu consentimento caso o Tribunal opte por suspender a execução da pena que vier a ser aplicada mediante a condição de se submeter a tratamento médico, medicamentoso ou internamento.»
O Ministério Público apresentou resposta a tal motivação, pugnando pelo não provimento do recurso.
O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando também pelo não provimento do recurso.
O arguido e recorrente respondeu a esse parecer, reiterando o que alegou na motivação do recurso.
Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.
II -
As questões que importa decidir são, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, as seguintes:
-saber se a prova produzida impõe decisão diferente da que foi tomada na sentença recorrida, devendo o arguido e recorrente ser absolvido da prática do crime de condução em estado de embriaguez por que foi condenado;
- saber se as penas, a principal e as acessórias em que o arguido e recorrente foi condenado deverão ser reduzidas, face aos critérios legais.
III –
Da fundamentação da douta sentença recorrida consta o seguinte:
«(…)
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. DE FACTO
1.1. Factos Provados:
Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos:
- Da acusação pública:
1. No dia 4.2.2025, pelas 17.22 horas, o arguido AA conduzia o veículo ligeiro de passageiros com matrícula ..-..-IC na Rua ..., ..., com uma taxa de álcool no sangue de 1,283 g/l.
2. O arguido, antes de ter iniciado a condução do veículo, tinha estado a ingerir bebidas alcoólicas em quantidade que não foi possível apurar.
3. O arguido sabia que tinha ingerido álcool suficiente para ultrapassar a taxa de álcool no sangue legalmente permitida e que não podia, em tal estado, conduzir veículos motorizados na via pública ou equiparada.
4. O arguido atuou voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e criminalmente punível.
- Das condições pessoais do arguido, provou-se que:
5. O processo de desenvolvimento de AA e dos 2 irmãos mais velhos decorreu junto do seu núcleo familiar de origem, descrevendo a dinâmica de forma positiva e marcada por laços de afetividade. Em termos financeiros foram vivenciadas algumas dificuldades, uma vez que só o progenitor exercia atividade como funcionário de uma fábrica de vidro, sendo que a mãe permanecia em casa ocupada com as lides domésticas e os cuidados a prestar aos filhos, a par do cultivo de uns terrenos, propriedade da família. O processo educativo do arguido e dos irmãos embora fosse assumido por ambos os progenitores cabia à mãe um papel mais preponderante, decorrente da atividade laboral do pai, este assumia uma postura autoritária com imposição de regras.
6. O arguido ingressou no ensino em idade regulamentar, afirmando ter abandonado aos 12/13 anos, com a conclusão do 4º ano de escolaridade. Este percurso ficou marcado por retenções que o arguido atribuiu a dificuldades de aprendizagem, que se repercutem ainda hoje, nos seus conhecimentos ao nível da leitura e da escrita. AA refere que desde muito cedo e findo o horário escolar, passou a ajudar a mãe na realização de alguns trabalhos agrícolas.
7. Aos 14 anos, e uma vez que o progenitor à data tinha iniciado atividade profissional por conta própria com a abertura de uma oficina de vidro, “A... Ldª”, passou a trabalhar junto deste e dos irmãos mais velhos. Quando o arguido contava cerca de 18 anos de idade, o progenitor optou por passar a empresa para os descendentes. Posteriormente com a saída do irmão mais velho, que decidiu estabelecer-se por conta própria, o arguido manteve ocupação laboral na empresa fundada pelo pai, firma após 14/15 anos da sua abertura, a empresa passou a chamar-se “B...”, entidade o arguido afirma continuar a trabalhar, embora de forma irregular.
8. O arguido contraiu matrimónio a 8 de dezembro de 1994, após uma relação de namoro cujo período temporal não conseguiu precisar, tendo desta união uma descendente nascida a ../../1996, atualmente com 25 anos. O casamento viria a ser dissolvido por divórcio decretado a ../../2008, mas segundo o arguido, o casal manteve a vivência marital, referindo que a separação decorreu de problemas financeiros com a empresa “B...”, que nessa altura voltou a ser propriedade do seu progenitor. Arguido e a ex-cônjuge viveram juntos até junho /julho de 2010, ocorrendo a separação definitiva. Em 2014 AA na sequência de aquilo que afirma ter sido um ataque de epilepsia, esteve internado no Serviço de Psiquiatria do Hospital ..., 20 dias, ficando posteriormente a ser acompanhado neste serviço até 2016. Contudo tem de realizar medicação para toda a vida, afirmando que se tal não ocorre não consegue dormir. Menciona ainda outros problemas de saúde, sendo acompanhado nas especialidades de cardiologia e ortopedia do Centro Hospitalar ..., Porto.
9. O arguido afirma ter sido consumidor de substâncias estupefacientes, nomeadamente heroína, que iniciou aos 24/25 anos de idade e que manteve cerca de 3/4 anos, realizou tratamento com apoio clínico.
10. O arguido afirma também problemas com o álcool, com registo de anteriores condenações por conduta sob efeito de álcool. Denota dificuldades no processo de autocontrolo de ingestão de álcool.
11. Apresenta, assim, historial de uso abusivo de substâncias alcoólicas, mantendo acompanhamento especializado no Centro de Respostas Integradas - Consulta Descentralizada .... Demonstra maior noção da gravidade desta problemática de saúde e das suas consequências ao nível pessoal e dos efeitos sobre os seus familiares, reconhecendo a necessidade de acompanhamento clínico especializado.
12. No sentido de consolidar o seu tratamento, AA deverá dar continuidade ao acompanhamento clínico no supramencionado CRI, beneficiando de retaguarda apoiante por parte dos familiares.
13. O agregado familiar é composto pelos pais do arguido, com 89 e 85 anos, respetivamente, já aposentados e irmã do arguido, com 62 anos de idade, também aposentada. AA integra este agregado familiar, cuja dinâmica é caracterizada como harmoniosa, beneficiando de entreajuda familiar.
14. A habitação em que o agregado familiar de AA reside corresponde a uma moradia unifamiliar com dois andares, propriedade de um irmão, com condições de conforto. O arguido ocupa o 1º andar e os progenitores o R/C, sendo o 1º andar de tipologia 3, com ajustadas condições de habitabilidade, inserida numa zona essencialmente rural da freguesia ... - ..., onde não existe especial incidência de problemáticas sociais ou outras.
15. O arguido refere preservar atividade laboral na entidade já referenciada, empresa familiar na área de indústria e transformação de vidro, designada “B...”, localizada Rua ..., ..., ..., ..., reconhecendo as dificuldades em manter uma atividade laboral de forma regular, na sequência dos problemas de saúde já descritos, designadamente ao nível etílico.
16. As condições de sobrevivência do agregado de AA são asseguradas pelas reformas dos elementos do agregado familiar, no valor total de cerca de €1820, acrescido da pensão de invalidez do arguido na ordem dos 540 euros. O agregado vive em economia partilhada, cujas despesas fixas mensais rondam cerca de €350 relativos ao pagamento de energia elétrica, água e telecomunicações e medicação, sendo o restante canalizado para alimentação e outras despesas essenciais.
- Dos antecedentes criminais:
17. Do CRC do arguido junto a fls 26 a 38, resultam averbadas condenações, sendo que a data de extinção da última reporta-se a 27 de julho de 2019.
Factos não provados:
Não existem factos não provados com relevância para a boa decisão da causa.
A convicção do tribunal alicerçou-se no conjunto da prova produzida e examinada em audiência devidamente documentada e analisada criticamente à luz das regras de experiência comum, nos termos do artigo 127º do Código de Processo Penal.
Assim, a convicção positiva quanto à factualidade que veio a considerar provada, assentou nas declarações prestadas pelo arguido em sede de audiência de julgamento, o qual admitiu ter conduzido o veículo identificado nos autos, de sua propriedade nas circunstâncias de tempo e de lugar em apreço, depois de ter estado a ingerir bebidas alcoólicas.
Mais referiu que, tem plena consciência da ilicitude da sua conduta, mas verbalizando que não consegue deixar de beber, reconhecendo a sua dependência e doença, a ponto de dizer numa das sessões de julgamento que assim que se levanta tem que beber, não se inibindo contudo de conduzir de seguida.
Mais manifestou a sua impotência em parar com tal comportamento, razão pela qual reconhece a aceita tratamento.
Aliás, o grau de dependência alcoólica do arguido é de tal ponto que, para além daquilo que por ele foi verbalizado, a verdade é que, também o Tribunal pôde verificar numa das sessões de julgamento o estado alterado e aparentemente alcoolizado do mesmo que prontamente admitiu ter ingerido bebidas alcoólicas antes de se dirigir ao tribunal, de manhã, conduzindo para esse efeito um veículo automóvel até este local, o que efetivamente revela a gravidade do seu comportamento, não só para si como também para terceiros utilizadores da via pública.
Conjugadamente com as aludidas declarações, em termos de prova documental, levou-se em consideração o teor do auto de notícia, de fls 2 a 4, talão de pesquisa de álcool através do ar expirado, de fls 6 e certificado de verificação concernente ao alcoolímetro utilizado na realização desse exame.
A factualidade que se deu como provada e atinente às condições de vida pessoal, social e económica do arguido, assentou, na falta de outros meios de prova nas declarações que por si foram prestadas em sede de audiência de julgamento, conjugadamente com o relatório social que foi junto.
Por fim, no tocante aos antecedentes criminais, levou-se em consideração o teor do respetivo CRC de fls 26 a 38, do qual decorrer que já decorreram mais de cinco anos sobre a data da última condenação sofrida pelo arguido.
Ao arguido vem imputada a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292º do Código Penal.
Apurados os factos, importa, pois, aquilatar se se mostram ou não preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do ilícito em apreço.
Vejamos.
Prescreve o artigo 292º, n.º 1 do Código Penal: “Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.”
O crime em apreço reveste a natureza de crime de perigo abstrato, já que o tipo esgota-se na realização da ação que descreve e que viola o bem jurídico tutelado, não sendo necessária para a respetiva consumação a efetiva lesão daquele, ficando vedada ao juiz a averiguação sobre a falta de perigosidade do facto, pois que a mesma é presumida pelo legislador
O bem jurídico protegido pela norma incriminadora é a segurança da circulação rodoviária, na qual se abrange “bens do máximo valor e a segurança destes face aos perigos decorrentes da circulação de veículos.”[1]
São elementos do tipo objetivo de ilícito, a condução pelo agente de veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2g/l, ou seja, em estado de embriaguez[2].
Ora, dos factos dados como provados dúvidas não restam que o arguido preencheu, com a sua conduta, os referidos elementos objetivos, pois conduzia, no dia 04 de fevereiro de 2025, pelas 17h22m o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-IC, na Rua ..., em ..., com uma taxa de álcool de 1,28g/l, deduzido o erro máximo admissível.
Assentes os elementos objetivos do tipo, analisemos o tipo subjetivo de ilícito.
A prática do crime em apreço tanto poderá ocorrer a título doloso, em qualquer das suas modalidades (artigo 14º do Código Penal), como negligente (artigo 15º do Código Penal).
No caso sub judice, provou-se que o arguido tinha não só perfeito conhecimento de que havia ingerido bebidas alcoólicas, como sabia que as mesmas eram suscetíveis de a colocar no estado em que foi encontrado.
Pelo que, impõe-se concluir que o arguido atuou com dolo direto (artigo 14º, n.º 1 do Código Penal), conhecendo os elementos objetivos do tipo de crime e com vontade de os realizar.
Perante a factualidade referida, inexistindo causas de justificação da ilicitude ou de exculpação, forçoso é concluir que o arguido praticou um facto típico, ilícito e culposo, cometendo, assim, um crime de condução de veículo em estado de embriaguez do artigo 292º do Código Penal.
Apurada a responsabilidade criminal do arguido, impõe-se escolher e determinar a medida da pena.
O art.º 292.º do Código Penal pune o crime de condução de veículo em estado de embriaguez com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.
Daí que, antes de mais se imponha optar entre a aplicação de uma privativa ou não privativa da liberdade, na presente situação.
Decorre do disposto no art.º 70.º do C.P. que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”,
Assim, da leitura do disposto no n.º 1 do art.º 40.º do Código Penal, resulta que a finalidade primeira das penas reside na tutela dos bens jurídicos, devendo traduzir, a sua aplicação, a tutela das expectativas da comunidade na manutenção da norma violada, sem perder de vista, na medida do possível, a reinserção social do arguido, ou seja, as exigências de prevenção e de repressão geral da criminalidade, por um lado, e, por outro, as exigências específicas de socialização e de prevenção de novos crimes.
O artigo 70.º do Código Penal determina ainda que deve dar-se preferência à pena não privativa de liberdade sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Desta forma, a escolha deverá ser feita à luz de um critério de conveniência e mediante um juízo de prognose favorável à opção pela pena não privativa de liberdade pela conclusão de que esta é suscetível de cumprir as finalidades da prevenção.
No caso dos autos, as exigências de prevenção geral são prementes, considerando a frequência com que este ilícito é praticado a nível nacional, tendo-se notado nos últimos meses um aumento exponencial da prática deste tipo de criminalidade, geradora de forte insegurança rodoviária, plasmada nos elevados índices de sinistralidade que diariamente nos são dados a conhecer, desde logo, pelos órgãos de comunicação social.
Por outro lado, as necessidades de prevenção especial, são igualmente elevadas. Com efeito, pese embora tenhamos que considerar o arguido como primário, na medida em que a última condenação por si sofrida foi extinta há mais de cinco anos, não podemos abstrair-nos da circunstância de o arguido conforme o próprio verbalizou não conseguir largar o álcool, a ponto de ter que beber assim que se levanta e a ponto até de ter aparecido neste tribunal em sessão de julgamento alcoolizado e conduzindo um veículo, tal como por ele admitido.
Deste modo, não obstante a admissão dos factos, que no caso e tendo sido o arguido detido em flagrante delito, não se vislumbra como é que não os poderia confessar e se encontrar social e familiarmente inserido, a verdade é que as exigências de prevenção especial são elevadíssimas, a ponto de considerarmos que a pena de multa não tem a virtualidade de satisfazer de forma adequada e suficiente as finalidades de punição, razão pela qual, se opta pela aplicação de pena de prisão, por se entender que apenas esta terá o efeito de prevenir a prática de delitos como o dos presentes autos, sendo ainda a única adequada a punir a atual conduta do arguido, levando-o a consciencializar-se que não pode conduzir depois de ingerir bebidas alcoólicas.
No que tange à determinação concreta da medida da pena, em conformidade com o estatuído no n.º 1 do art.º 70.º do Código Penal “é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, sendo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” – art.º 40.º, n.º 2 do mesmo diploma.
A medida da pena é, assim, imperativamente, determinada em função do grau de censurabilidade do comportamento da arguida, devendo toda a pena ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, ou seja, nulla poena sine culpa.
Na concretização do “quantum” de pena dentro dos limites abstratos estabelecidos pelo legislador, o limite máximo da pena fixar-se-á – em salvaguarda da dignidade humana do agente – em função da medida da culpa, que a delimitará por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir. O seu limite mínimo é dado pelo “quantum” da pena que em concreto ainda realize eficazmente a proteção dos bens jurídicos penalmente protegidos.
Por fim, dentro destes dois limites consentidos, “podem e devem atuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena. Esta deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia ótima de proteção dos bens jurídicos” - vide neste sentido, Prof. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, p. 230 e 231.
Nesse mesmo sentido, bem escreveu Claus Roxin in “Derecho Penal - Parte General”, Tomo I, Tradução da 2.ª edição Alemã por Diego-Manuel Luzón Penã, Miguel Díaz Y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal, págs. 99/101 e 103, quando refere que “a pena não pode ultrapassar na sua duração a medida da culpabilidade mesmo que interesses de tratamento, de segurança ou de intimidação revelem como desenlace uma detenção mais prolongada. A sensação de justiça, à qual corresponde um grande significado para a estabilização da consciência jurídico-penal, exige que ninguém possa ser castigado mais duramente do que aquilo que merece; e “merecida” é só uma pena de acordo com a culpabilidade. Certamente a pena não pode ultrapassar a medida da culpabilidade, mas pode não alcançá-la sempre que isso seja permitido pelo fim preventivo. Nele radica uma diferença decisiva frente à teoria da retribuição, que também limita a pena pela medida da culpabilidade, mas que reclama em todo o caso que a dita pena àquela corresponda, com independência de toda a necessidade preventiva. A pena serve os fins de prevenção especial e geral. Limita-se na sua magnitude pela medida da culpabilidade, mas pode fixar-se abaixo deste limite em tanto quanto o achem necessário as exigências preventivas especiais e a ele não se oponham as exigências mínimas preventivas gerais”
Importa assim concretizar “as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele” (art.º 71.º, n.º 2, do Código Penal).
Assim, neste caso, e como fatores de graduação da pena importa considerar:
- As exigências de reprovação e prevenção geral quanto aos delitos desta natureza, que são elevadas, como já explanado;
- O grau de ilicitude dos factos, que é elevado, uma vez que o arguido agiu com dolo direto, com a plena consciência do carácter reprovável da sua conduta, conduzindo um veículo na via pública depois de ter ingerido bebidas alcoólicas, gerando assim com tal conduta forte insegurança rodoviária para si e para terceiros.
- A circunstância de o arguido ter declaradamente um problema de dependência alcoólica, verbalizando que mal se levanta tem que beber o que faz elevar de forma considerável o risco de incorrer na prática deste tipo de crime.
Por outro lado, haverá a considerar o seguinte:
- A confissão integral e sem reservas (é certo que, tendo sido o arguido detido em flagrante delito não se vislumbra como não poderia admitir a prática destes factos).
- O desconhecimento de antecedentes criminais (não obstante estarem averbadas no CRC do arguido condenações, a verdade é que, a extinção da última data de há mais de cinco anos, o que significa que todas aquelas não podem ser atendidas por se tratar de prova proibida).
- A condição pessoal, social e económica do arguido, revelada pela factualidade que a este propósito resultou provada e que, nesta sede, se dá por integralmente reproduzida.
Assim, tudo ponderado, reputa-se suficiente, adequado e proporcional à culpa do arguido e às exigências de prevenção geral e especial aplicar a pena de 12 (doze) meses de prisão.
Aplicando-se a pena de prisão acima referida importa averiguar se, no caso concreto, cabe proceder à sua substituição por qualquer outra pena não privativa de liberdade, designadamente ponderando-se a substituição da pena de prisão por multa, por trabalho a favor da comunidade, pela suspensão da execução da pena de prisão ou pela prisão em regime de permanência na habitação.
A substituição da pena de prisão por uma destas penas referidas implica que qualquer delas satisfaça de forma cabal as finalidades que devem presidir à aplicação de uma pena, não se revelando a prisão como único meio de as alcançar.
A suspensão da execução da pena é configurada como uma pena de substituição, estando o Tribunal vinculado (não se trata de uma mera faculdade) a decretar tal suspensão verificados os pressupostos previstos na lei. Esta medida reveste um carácter “reeducativo e pedagógico” e visa evitar as consequências nefastas da entrada do condenado no sistema penitenciário, quando se afigure que no exterior goza de condições que permitam concluir que futuramente não persistirá na prática de ilícitos criminais.
A preferência do ordenamento por esta modalidade de pena confirma mais uma vez a opção de considerar a pena de prisão efetiva como último recurso, aplicável quando todos os outros mecanismos não asseguram a ressocialização do indivíduo.
Constata-se, no caso que não obstante o arguido ter admitido a prática dos factos, revela fraca postura crítica face ao tipo de comportamento em questão e pouca interiorização do juízo de censura que a sociedade lhe dirige, desculpabilizando-se com a circunstância de não conseguir deixar de beber, a ponto de ter que o fazer assim que se levanta de manhã e a ponto de ter comparecido em Tribunal numa sessão de julgamento de manhã aparentemente alterado, confirmando que antes de se deslocar ingeriu bebidas alcoólicas e conduziu, o que nos leva a concluir que são elevadíssimas as necessidades de prevenção especial que consideramos não poderem ser satisfeitas pela substituição da pena de prisão por multa ou por trabalho.
Relativamente à possibilidade de suspensão desta pena de prisão, diremos que o art.º 50.º do Código Penal prevê esta possibilidade, sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos, referindo a propósito o Acórdão STJ, de 02.12.2004, in www.dgsi.pt., proc. nº 04P4219, Relator: Conselheiro Simas Santos, “Se o tribunal aplica uma pena de prisão não superior a 3 anos, tem sempre de apreciar fundamentadamente a possibilidade de suspender a respetiva execução, pelo que não pode deixar de indagar pela verificação das respetivas condições (prognose e necessidades de prevenção) e exarar o resultado dessa indagação, decidindo em conformidade”.
A suspensão da execução da pena de prisão, assume-se como uma medida de natureza e finalidade reeducativa, que deverá ser aplicada nos casos em que, do conjunto dos factos e das circunstâncias, se ajuíza da suficiência da simples censura do facto e da ameaça da pena, tendo em vista a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (cfr. artigo 50º, nº 1 do C.P.) – neste sentido, vide, entre outros, Acórdão STJ, de 05.11.2003, in www.dgsi.pt., proc. nº 03P3299, Relator: Conselheiro Henriques Gaspar).
No caso presente, fazendo tábua rasa do passado criminal do arguido que efetivamente não pode ser considerando, tendo-se o mesmo como primário, a verdade é que, verbalizando ele a circunstância de não conseguir deixar de beber são muitíssimo elevadas as necessidade de prevenção especial que, em nosso modesto entendimento não serão cessadas ou atenuadas com uma simples ameaça de prisão, mesmo que sujeita a condições, designadamente de tratamento, porquanto é certo e seguro que o arguido continuará a beber e, continuará a conduzir depois de ingerir bebidas alcoólicas, com o consequente perigo que daí pode advir desde logo em termos de segurança rodoviária para si e para terceiros utilizadores da via pública.
Não se nos afigura, portanto que, a ameaça de cumprimento da pena prisão se revela suficiente para que o arguido sinta e compreenda não só a censura da sua conduta, como também o desmotive da prática de novos crimes.
De facto, o grau de dependência alcoólica de que o arguido padece coloca em crise qualquer prognose favorável que se possa neste momento formular quanto a uma eventual suspensão da execução da pena de prisão (ou mesmo os benefícios de outra pena substitutiva como a pena de multa e a prestação de trabalho a favor da comunidade, conforme aludido), razão pela qual, consideramos que não se encontram reunidos os legais pressupostos para suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido.
Quid iuris quanto à pena de prisão em regime de permanência na habitação?
Por força da Lei 94/2017 de 23/08, o artigo 43.º, nºs 1 e 2, do Código Penal, passou a ter a seguinte redação: “1 - Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância: a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos; b) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º; c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º 2 - O regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas.”
Da leitura da aludida Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto, conclui-se que o legislador entendeu que as penas de prisão efetiva deverão ser aplicadas apenas naquelas situações em que não se revela como totalmente adequada a aplicação de qualquer outra pena de substituição.
Ou seja, só quando for de todo comunitariamente exigível que o condenado recolha ao estabelecimento prisional, sob pena de não se cumprirem as finalidades das reações criminais, é que a pena de prisão deverá ser aplicada (cfr. André Lamas Leite, in “O fim da Processo: “prisão aos fins-de-semana” e outras alterações nas penas de substituição”, artigo de opinião disponível em https://www.publico.pt/2017/08/21/sociedade/opiniao/o-fim-da-prisaoaos-finsdesema na -e-outras-alteracoes-nas-penas-de-substituicao-1781724).
Segundo Figueiredo Dias, em “Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime”, pág. 331, parágrafo 497, é possível divisar o seguinte critério geral de substituição da pena: o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou se substituição sempre que, verificados os respetivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição. O que vale logo por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efetiva aplicação.
Como ensina Fernanda Palma, em "As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva", in Jornadas sobre a Revisão do Código Penal, 1998, AAFDL, págs. 25-51, e in "Casos e Materiais de Direito Penal, 2000, Almedina, págs. 31 a 51, "A proteção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A proteção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial. Por outro lado, a reintegração do agente significa a prevenção especial na escolha da pena ou na execução da pena. E, finalmente, a retribuição não é exigida necessariamente pela proteção de bens jurídicos. A pena como censura da vontade ou da decisão contrária ao direito pode ser desnecessária, segundo critérios preventivos especiais, ou in ineficaz para a realização da prevenção geral”.
A aplicação do regime do art.º 43º do Código Penal, não visa proteger a normalidade de vida do condenado, mas tão só evitar que ele ingresse em meio prisional. Com efeito, no mais, a penosidade da sanção penal deve recair sobre ele, em termos o mais idêntico possível aos que resultariam de um cumprimento da pena de prisão.
O regime de permanência na habitação tem pressupostos materiais e formais específicos.
O pressuposto material é que a aplicação do regime de permanência — enquanto pena de substituição em sentido impróprio — realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Entre os pressupostos formais, contam-se os do consentimento do condenado, bem como os mencionados nas duas alíneas do n° 1, do art.º 43°, do Código Pena: - aI. a) — Aplicação [originária] de pena concreta em medida não superior a dois anos de prisão; - al. b) — Verificação de remanescente não superior a dois anos da pena de prisão efetiva que exceder o tempo de privação da liberdade a que o arguido esteve sujeito em regime de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação.
Ao arguido foi aplicada uma pena de prisão de doze meses, ou seja, de um ano. Verifica-se, assim, o pressuposto formal de aplicação da pena a que se vem aludindo.
Por outro lado, resulta dos factos provados que, o arguido se encontra social e familiarmente inserido no agregado dos progenitores, sendo que, em termos profissionais e, conforme resulta do relatório junto aos autos é essa atividade pautada e exercida de forma irregular por força dos problemas de dependência alcoólica de que padece.
Ademais, pese embora o arguido reconheça em abstrato a ilicitude dos factos penalmente sancionados, revela pouca consciência das implicações de tais condutas transgressivas quer para si quer para os outros, porquanto não conseguindo deixar o consumo do álcool que ingere assim que se levanta, também não se inibe de conduzir, tal como sucedeu numa das sessões de julgamento em que se apresentou alterado, verbalizando após questionado que tinha bebido e que tinha conduzido na deslocação ao tribunal.
Contudo, ainda assim, considerando que reconhece essa problemática de que padece e que reconhece e aceita ajuda médica e medicamentosa para debelar a mesma, consideramos que é possível concluir que o cumprimento desta pena em regime de permanência na habitação realiza adequadamente as finalidades da execução da pena de prisão estando, nos termos referidos no relatório da DGRSP verificados os respetivos pressupostos para a respetiva execução (art.º 19.º da Lei n.º33/2010, de 02 de Setembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto), tendo o arguido e agregado familiar constituído pelos pais e irmão prestado os respetivos consentimentos para execução da mesma.
Deve, pois, a pena de prisão ser cumprida em regime de permanência na habitação, com fiscalização contínua por meios técnicos de controlo à distância.
Uma vez que o arguido comprovadamente tem que ter acompanhamento médico com vista a tratar-se ao problema de dependência alcoólica de que padece, autoriza-se o mesmo a ausentar-se da aludida residência, para comparecer nas consultas médicas que lhe vierem a ser agendadas no Centro de Respostas Integradas Porto Oriental e no Centro Hospitalar ..., com interrupção da monotorização (sem prejuízo de alterações caso se venham a justificar) – art.º 43.º, n.º3, do Código Penal.
O cumprimento deste regime, deverá ser fiscalizado pela DGRSP, a qual deverá prontamente comunicar ao tribunal qualquer incumprimento do mesmo por parte do arguido.
Quanto à possibilidade de saída do arguido para o exercício de atividade laboral, tal como referido supra, resulta do relatório junto que o mesmo não a desempenha de forma regular, mais dele resultando que o desempenho da mesma constitua a principal fonte de sustento do arguido e respetivo agregado familiar, sendo certo que, o próprio verbalizou que tem um afilhado que se encontra responsável pela gestão da fábrica e a atividade/intervenção do arguido na mesma - ainda que de forma irregular – se traduz em trabalho de escritório, trabalho esse que poderá ser desempenhado em casa, sem necessidade de o arguido se deslocar ao local de trabalho.
Nos termos do art.º 69º, n.º 1, al. a) do Código Penal, o autor de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez deverá ser punido com a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, prevista no art.º 69.º, al. a) do Código Penal, dentro da moldura de três meses a três anos.
No que se refere à medida concreta da pena acessória, o tribunal deverá atender aos critérios explanados no art.º 71º do Código Penal supra analisados.
No caso vertente, considerando, por um lado, a taxa de álcool apresentada pelo arguido acima do mínimo permitido na lei, a circunstância de o mesmo confessadamente ter problemas de dependência alcoólica que não consegue deixar e, não se abstendo de conduzir e, por outro lado, o facto do arguido ter no essencial admitido a prática dos factos, não obstante a situação de flagrante delito em que incorreu, encontra-se social e familiarmente inserido, afigura-se-nos adequada e proporcional a aplicação ao arguido da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período de 24 (vinte e quatro) meses.
(…)»
IV 1. –
Cumpre decidir.
Vem o arguido e recorrente alegar que a prova produzida impõe decisão diferente da que foi tomada na sentença recorrida, devendo ele ser absolvido da prática do crime de condução em estado de embriaguez por que foi condenado. Alega que não se provou que ele soubesse que tinha ingerido álcool em quantidade suficiente para supera a taxa legalmente permitida para a condução de veículo automóvel.
A este respeito, há que considerar o seguinte.
O arguido e recorrente impugna a decisão da sentença recorrida sobre matéria de facto, especificamente quanto à consciência da ilicitude da sua conduta. Não cumpre, no entanto, o ónus dessa impugnação que decorre do artigo 412.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
De qualquer modo, sempre se dirá o seguinte.
Não resulta das próprias declarações do arguido que ele tenha declarado não ter consciência da ilicitude da sua conduta (o que também não seria verosímil, sendo que, também segundo as suas próprias declarações, terá sido várias vezes fiscalizado por suspeitas de condução em estado de embriaguez devido a condenações anteriores de há mais de cinco anos). Se assim fosse, não poderia dizer-se, como se diz na sentença recorrida e ele próprio alega, que confessou integralmente a prática dos factos por que vinha acusado.
Mesmo que não se provasse que o arguido e recorrente agiu com a consciência da ilicitude da sua conduta (isto é, que havia ingerido bebidas alcoólicas em quantidade que não lhe permitia conduzir sem incorrer em responsabilidade criminal), sempre se haveria de considerar a sua conduta negligente e, como tal, punível nos termos do artigo 292.º, n.º1, do Código Penal (que alude, precisamente, à eventual negligência da conduta do agente)
Deverá, assim, ser negado provimento ao recurso quanto a este aspeto.
IV 2. –
Vem o arguido e recorrente alegar que as penas, a principal e as acessórias em que ele foi condenado deverão ser reduzidas, face aos critérios legais. Invoca as circunstâncias de ter conduzido com uma taxa de alcoolémia (1,283 g/l) próxima do mínimo fixado no artigo 192.º do Código Penal (1,20 g/l), ter confessado integralmente os factos de que vinha acusado, não ter antecedentes criminais nos últimos cinco anos, ter aceitado submeter-se a tratamento do alcoolismo de que padece e ter necessidade de conduzir um automóvel em deslocações profissionais e relativas a cuidados de saúde dos seus pais.
Vejamos.
O arguido e recorrente foi condenado na pena de doze meses de prisão, substituída por obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica (com autorização de saídas para consultas médicas), e na pena acessória de vinte e quatro meses de proibição de conduzir veículos a motor.
O crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, nº 1, do Código Penal, é punível com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até cento e vinte dias.
Na escolha e determinação da medida dessa pena, há que considerar os seguintes preceitos do Código Penal.
De acordo com o artigo 40.º, a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (n.º 1), sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (n.º 2).
Estatui o artigo 70.º que se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Nos termos do n.º 1 do artigo 71.º, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. E, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, nessa determinação o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente (alínea a)); a intensidade do dolo ou da negligência (alínea b)), os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram (alínea c)); as condições pessoais do agente e a sua situação económica (alínea d)); a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime (alínea e)); a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena (alínea f)).
Nos termos do artigo 69.º, n.º 1, a), o crime de condução em estado de embriaguez é punível com a pena acessória de proibição de condução de veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos.
A respeito das finalidades da pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados e das regras da determinação da sua medida concreta, devem ser tidos em conta os critérios indicados no citado artigo 71.º, com a ressalva de que a finalidade prevalente é, aqui, a de prevenção especial negativa e afastamento da perigosidade do agente (ver, neste sentido, entre outros, o acórdão da Relação de Coimbra de 7 de janeiro de 2004, proc. nº 3717/03, relatado por Belmiro Andrade, in www.dgsi.pt).
A esta luz, há que considerar o seguinte.
Há que salientar, desde já, o clamoroso contraste entre a taxa de alcoolémia apresentada pelo arguido quando conduzia na ocasião em apreço (1,28 g/l), taxa muito próxima do limite a partir do qual a condução de veículo é qualificada como crime (1,2 g/l), e a sua condenação na pena máxima correspondente a esse crime (um ano de prisão).
Não justificam a condenação nessa pena máxima os antecedentes criminais do arguido e recorrente, pois, de acordo com a sentença recorrida, ele não sofreu quaisquer condenações nos últimos cinco anos, sendo irrelevantes condenação anteriores, mesmo relativas à prática do crime de condução em estado de embriaguez.
As exigências de prevenção geral não são específicas do caso em apreço, são as que se suscitam em qualquer caso de condução em estado de embriaguez.
O que, de acordo com a sentença recorrida, justifica a aplicação dessa pena de um ano de prisão (limite máximo da moldura correspondente ao crime de condução em estado de embriaguez) serão as exigências de prevenção especial. Na verdade, o facto de o arguido ter comparecido na audiência em aparente estado de embriaguez declarando que se havia deslocado para o Tribunal conduzindo um veículo e de ter declarado na audiência que padece de alcoolismo e que, por isso, ingere bebidas alcoólicas todos os dias logo de manhã sem deixar de conduzir, torna evidente a perigosidade do arguido, a probabilidade de voltar a conduzir em estado de embriaguez e, portanto as particulares exigências de prevenção especial negativa (as que levarão a evitar a continuação da prática criminosa por parte do agente condenado).
Há que salientar, porém, o seguinte.
Nos termos do artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa. A eventual maior perigosidade do agente não pode sobrepor-se a essa adequação entre a medida da pena e a medida da culpa. A culpa é relativa aos factos delimitados que constituem o objeto do processo. Não se trata de uma culpa relativa à personalidade do arguido e à perigosidade que decorre das características dessa personalidade. Trata-se de uma culpa relativa a esses factos delimitados. Veja-se que a acima citada alínea f) do artigo 71.º do Código Penal alude, como circunstância a considerar na determinação da medida da pena, à «falta de preparação para manter uma conduta lícita manifestada no facto»: não tal falta de preparação em geral (a personalidade do agente e sua eventual perigosidade em geral, mas apenas as características dessa personalidade manifestadas em factos delimtados que constituem o objeto do processo.
Ora, os factos delimitados que constituem o objeto do processo são a condução de veículo com uma taxa de alcoolémia de 1,283 g/l (taxa próxima do limite de 1,2 g/l, a partir do qual a condução de veículo é qualificada como crime). É notória a desproporção entre o juízo de culpa relativa a esses factos (não o juízo de perigosidade do arguido em geral) e a condenação na pena correspondente ao máximo da moldura.
As exigências de prevenção especial negativa que decorrem da perigosidade do arguido revelada pela sua atitude em audiência e pelo facto de para esta ele se ter deslocado de automóvel em aparente estado de embriaguez não deixarão, porém, de ser consideradas. Podem ser consideradas, como o são na sentença recorrida, na opção pela pena de prisão em relação à pena de multa (contra a regra geral do artigo 70.º do Código Penal, porque a esta obstam as exigências de prevenção especial negativa) e na opção por não substituição dessa pena de prisão (também porque a tal obstam essas exigências). Na verdade, a atitude do arguido não permite, claramente, e como se afirma na sentença recorrida, a formulação daquele juízo de prognose favorável que subjaz à suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal.
É certo que só o tratamento do alcoolismo permitirá afastar o perigo de continuação da atividade criminosa pelo arguido. Esse tratamento poderia ser condição da suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 52.º, n.º 3, do Código Penal. Mas nem desse modo se vislumbra a possibilidade de formulação do juízo de prognose favorável que é pressuposto dessa suspensão. Se no próprio dia da audiência o arguido terá conduzido em estado de embriaguez não é crível que a simples censura do facto e a ameaça da prisão afastem o perigo de continuação da atividade criminosa.
Mas também não são esse facto e esse perigo que justificam que se contrariem as superiores exigências do princípio da culpa consignado no artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal.
Deve, pois, ser reduzida para sessenta dias a pena de prisão em que o arguido e recorrente foi condenado, sendo essa pena substituída por igual período de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, nos mesmos termos que decorrem da sentença recorrida.
Este tipo de considerações relativas ao princípio da culpa vale também para a medida da pena acessória de proibição de condução de veículos com motor em que o arguido e recorrente foi condenado. Essa pena foi fixada em vinte e quatro meses e essa medida, próxima do limite máximo da moldura respetiva (que vai de três meses a três anos) não é proporcional à culpa relativa ao facto em apreço, mesmo que sejam consideradas (como devem ser, dada a finalidade desta pena, mas sempre com salvaguarda do princípio da culpa) as exigências da prevenção especial negativa. Entende-se, pois, adequado fixar tal pena em seis meses.
Deve, pois, ser concedido provimento parcial ao recurso.
V –
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento parcial ao recurso; reduzindo para sessenta (60) dias a pena de prisão em que o arguido e recorrente foi condenado, sendo essa pena substituída por igual período de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, nos mesmos termos que decorrem da sentença recorrida; reduzindo para seis (6) meses a pena acessória de proibição de condução de veículos com motor em que o arguido e recorrente também foi condenado; e mantendo, no restante, a douta sentença recorrida.
Notifique
Porto, 25 de junho de 2025
(processado em computador e revisto pelo signatário)
(Pedro Maria Godinho Vaz Pato)
(Amélia Carolina Teixeira)
(Amélia Maria dos Reis Catarino Correia de Almeida)
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[1][1] Lorenzo Cueva, apud Paula Ribeiro de Faria, “Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial”, tomo II, 1999, p. 1094.
[2] Maia Gonçalves, “Código Penal Português Anotado”, 16ª ed., 2004, p. 894.