LEITURA DE DECLARAÇÕES PREVIAMENTE PRESTADAS PELO ARGUIDO
DESCOBERTA DA VERDADE MATERIAL
REMESSA AO SILÊNCIO
ARTIGO 340º
DO CÓDIGO DO PROCESSO PENAL
NULIDADE POR OMISSÃO DE DILIGÊNCIA ESSENCIAL
Sumário

I - As declarações previamente prestadas pelo arguido são "essenciais" para a descoberta da verdade material e a boa decisão da causa, porque se remeteu ao silêncio em audiência de julgamento.
II - O "mero conhecimento de que se trata de declarações do arguido sobre os factos, objeto do julgamento," é considerado suficiente para preencher os requisitos de descoberta da verdade material e boa decisão da causa.
III - A omissão contraria o poder-dever oficioso do tribunal de descobrir a verdade material, consagrado no artigo 340.º, n.º 1, do CPP. Este princípio impõe ao tribunal a obrigação de "investigar por si o facto" e de "ordenar, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa".
IV - As declarações prévias do arguido são prova pré-constituída nos autos, já existentes à data da acusação e do conhecimento de todos os arguidos, pelo que a sua utilização em audiência não representa surpresa ou diminuição dos direitos da defesa.
V - O tribunal tem um poder de direção do processo que lhe permite aceitar todas as diligências probatórias que sejam relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, mesmo que não estejam nas fases anteriores do processo.
VI - A recusa de uma diligência essencial, como a leitura das declarações do arguido, impede a aplicação deste princípio no seu "campo essencial de aplicação".
VII - No caso as declarações anteriores foram prestadas perante autoridade judiciária, com assistência de defensor, e o arguido foi advertido, nos termos do artigo 141.º, n.º 4, alínea b), do CPP, de que as suas declarações poderiam ser utilizadas futuramente no processo. Estas condições foram cumpridas, o meio de prova não é considerado ilegal ou inadmissível.
VIII - A nulidade por omissão de diligência essencial é uma nulidade sanável. A determinada leitura das declarações do arguido, porque meio de prova, terá que ter lugar em audiência de julgamento, impondo-se, portanto, a sua reabertura.
IX - A leitura pode contribuir para a nova formação da convicção do tribunal coletivo, mas não afeta a validade da prova já produzida, o que significa que os efeitos da invalidade se estendem apenas aos passos seguintes ao termo da produção de prova, incluindo o acórdão condenatório, cfr. art. 122º do CPP.

(Sumário da responsabilidade do Relator)

Texto Integral

1ª secção criminal
185/18.0GDSTS.P1




Relator Paulo Costa
Adjuntos
José Quaresma
Nuno Pires Salpico





Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:



RELATÓRIO:

No processo comum em epígrafe identificado do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Criminal de ... referente aos arguidos AA e BB foi proferido despacho que não admitiu a audição em sede de audiência de julgamento das declarações prestadas pelo arguido AA em sede de inquérito que se remeteu ao silêncio na audiência de julgamento.

O M.P notificado do despacho proferido apresentou o ora recurso do despacho de indeferimento da nulidade requerido ao abrigo do artigo 120.º n.º 2.º al. d) do Código de Processo Penal, por violação do disposto do artigo 340.º n.º 1 do mesmo diploma legal, veio apresentar a respetiva motivação de recurso interposto em ata do dia 5 de Fevereiro de 2025,
Apresenta a seu favor as seguintes conclusões:

II. CONCLUSÕES:
1. Recorre-se do despacho de indeferimento da nulidade requerida ao abrigo do artigo 120.º n.º 2.º al. d) do Código de Processo Penal, por violação do disposto do artigo 340.º n.º 1 do mesmo diploma legal, no qual o Tribunal recorrido indeferiu o requerimento de leitura das declarações do arguido AA prestadas em sede de interrogatório perante autoridade judiciária competente (Ministério Público) na fase processual de inquérito, no qual estava acompanhado de Ilustre defensora, tendo-lhe sido advertido nos termos legais de que as suas declarações poderiam ser lidas em sede de audiência de julgamento, mesmo que não estivesse presente ou estando presente, não prestasse declarações, tal qual é consta na advertência legal do artigo 141.º n.º 4 al. b) do Código de Processo Penal.
2. Já após o inicio da produção de prova, foi requerido pelo Magistrado do Ministério Público, a leitura das declarações prestadas pelo arguido AA, invocando-se o acórdão uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça (S.T.J.) n.º 5 de 2023, de 4 de Maio, e o artigo 357.º, n.º 1, alínea b), do C.P. Penal.
3. Consequentemente, o Tribunal recorrido proferiu o despacho supra citado dizendo que tal meio de prova não foi indicada na acusação e como tal era necessário verificar-se os requisitos do artigo 340.º do Código de Processo Penal, o que não foi alegado e como tal, entendeu que não tinha qualquer poder oficioso para produzir tal prova, indeferindo o pretendido por falta de fundamento legal.
4. Consequentemente, foi arguida a respectiva nulidade por omissão de diligências nos termos do artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do C. P. Penal, por violação do disposto no artigo 340.º, n.º 1, do C.P. Penal,
5. Nulidade essa que não foi reconhecida e consequentemente indeferida.
6. E da qual se apresentou o presente recurso.
7. Não há dúvidas legais e jurisprudenciais que é admissível a leitura na audiência de julgamento, para efeitos de valoração de prova, de declarações prestadas por arguido que nela exerça o direito ao silêncio, desde que tais declarações tenham sido feitas perante autoridade judiciária, desde que o arguido tenha estado assistido por defensor e desde que tenha sido previamente informado de que, não exercendo o direito ao silêncio, as declarações a prestar poderão ser usadas no processo, para efeitos de prova, mesmo que seja julgado na ausência ou na audiência de julgamento não preste declarações.
8. A produção de prova já tinha iniciado, conforme consta da própria acta do dia 5 de Fevereiro, pelo que o argumento de que a produção de prova ainda não se tinha iniciado é contraditório com a própria acta da diligência pelo que não pode colher tal argumento
9. A produção de prova na audiência de julgamento já se tinha indiciado com a identificação dos arguidos e com a declaração de todos os arguidos de não querem prestar declarações.
10. O Tribunal recorrido refere que, não tendo havido produção de prova não é possível aferir se tal requerimento era ou não necessário para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa e que tal nem sequer foi alegado, ao abrigo do artigo 340.º do Código de Processo Penal, bem como tais declarações não estavam elencadas na prova da acusação.
11. Quanto à indicação na prova documental da acusação das declarações prestadas pelo arguido em fases anteriores do processo, perante autoridade judiciária com assistência de defensor, é prova pré-constituída no autos e é uma prova documental (de declarações do arguido) que está indicada na prova com a indicação genérica “toda a dos autos”, prova essa que é do conhecimento de todos os arguidos uma vez que se encontra nos autos muita antes da acusação.
12. A usar o raciocínio do Tribunal recorrido, quer este Tribunal recorrido fazer impender ao Ministério Público um dom de adivinhação que não consegue ter porquanto se o arguido mantiver
as mesmas declarações em sede de audiência de julgamento, não há qualquer necessidade de as ler em sede de audiência de julgamento.
13. O Ministério Público, como quer fazer querer o Tribunal Recorrido, não tem o dom da adivinhação para saber se o arguido vai ou não prestar declarações e qual o teor dessas declarações e consequentemente se é ou não necessário a leitura das declarações do arguido em sede de audiência de julgamento.
14. Se se entender que é uma referência expressa obrigatória (em vez da indicação genérica para a prova documental, sem prejuízo de especificação para algum documento), e uma vez que é de reprodução obrigatória mesmo que o arguido preste as mesmas declarações, obriga-se o Tribunal de forma sistemática e recorrente, a produzir um acto de prova desnecessário (porque desconhece aquando da leitura do seu teor em concreto) enveredando por caminhos que poderão ser tortuosos no futuro, a ter que ler centenas da páginas declarações de arguido que estarão expressamente, como exigência do Tribunal recorrido, na prova indicada, sendo de leitura obrigatória.
15. A considerar tal exigência, na prova documental também teria que ser indicada o auto de declarações das testemunhas, prestadas perante autoridade judiciária, na prova documental (e não só a sua identificação na prova testemunhal) para evitar indeferimentos por falta de indicação de prova, aquando do uso da prerrogativa legal do artigo 356.º n.º 3 do Código de Processo Penal.
16. Tal posição processual não é representativa dos ditames plasmados nas normais legais supra referidas (artigo 283.º do Código de Processo Penal) tendo sido cumprida na integra na douta acusação pública.
17. Já quanto ao preenchimentos dos requisitos legais do artigo 340.º do Código de Processo Penal
18. Desde logo se afirma que o artigo 357.º não faz depender a leitura das declarações do arguido em fase anteriores do processo aos requisitos do artigo 340.º do Código de Processo Penal mas tão somente exige que tenham sido feitas perante autoridade judiciária com assistência de defensor e que tenha sido advertido nos termos e para o efeito do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 141.º do mesmo código.
19. Onde está a exigência legal alavancada pelo Tribunal recorrido que tal produção de prova pré-constituída, constante dos autos e do conhecimento dos arguidos, está estribada aos requisitos do artigo 340.º do Código de Processo Penal?
20. Com o devido respeito, não está porquanto o artigo 357.º fez referência as declarações do arguido em fases antecedentes à fase de julgamento as quais são indubitavelmente relevantes para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa pois mostram a visão pessoal e facetada do arguido perante o objecto criminal de que esta a ser acusado,
21. Sendo quanto a nós, é patente e óbvio que as declaração de um arguido prestada em sede da fase de inquérito, perante ao silêncio do mesmo arguido, na fase de audiência de julgamento, são
essenciais para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa.
22. Essa prova pré constituída é versada apenas e tão somente sobre os factos que são imputados ao arguido e a sua posição factual e processual quanto aos mesmos e o que declarou sobre os mesmos.
23. Este mero conhecimento de que se trata de declarações do arguido sobre os factos, objecto do julgamento, é suficiente para o preenchimento dos requisitos de descoberta da verdade material e boa decisão da causa.
24. Por fim, o processo em que o Tribunal recorrido estava a intervir, ao contrário do que se possa pensar, era um processo criminal, sob as regras procedimentais de processo penal,
25. E como tal, sendo um tribunal criminal, sobre o Tribunal recorrido impende uma obrigação oficiosa de descoberta da verdade material que se encontra plasmada no artigo 340.º do Código de Processo Penal, que fornece ao Tribunal criminal, um princípio de investigação ou de verdade material e disso mesmo nos dá conta o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 137/2002:
a. “Há que partir da constatação, já feita no Acórdão nº 584/96, de que o artigo 340º, nº 1 do Código de Processo Penal é o lugar de afirmação paradigmática do princípio da investigação ou da verdade material. Este princípio significa, mesmo no quadro de um processo penal orientado pelo princípio acusatório (artigo 32º, nº 5 da Constituição), que o tribunal de julgamento tem o poder-dever de investigar por si o facto, isto é, de fazer a sua própria "instrução" sobre o facto, em audiência, atendendo a todos os meios de prova não irrelevantes para a descoberta da verdade, sem estar em absoluto vinculado pelos requerimentos e declarações das partes, com o fim de determinar a verdade material (cfr. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, I, 1955, p. 49;
Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, 1974, p.72; Roxin, Strafverfahrensrecht, 20ª edição, 1987, p. 76).
26. Assim, o Tribunal recorrido “esqueceu-se” que tinha o poder-dever resultante do principio de investigação e verdade material, consagrado constitucionalmente e reduzido na lei ordinária no n.º 4 do artigo 340.º do Código de Processo Penal,
27. Pois o processo penal não é um processo de partes e que o propósito maior é a descoberta da verdade material e a boa decisão da causa.
28. Ora, inexistindo impedimento legal à promovida leitura das declarações do arguido prestadas à PSP, para integração das declarações posteriormente prestadas ao Ministério Público e plena compreensão destas, o indeferimento no despacho recorrido da pretensão do Digno Magistrado aqui recorrente, determinou a prática pelo tribunal a quo de nulidade sanável, prevista na alínea d) do nº 2 do artigo 120º do C. Processo Penal, uma vez que foi omitida uma diligência susceptível de ser reputada como essencial para a descoberta da verdade [posto que a leitura das declarações constitui meio de prova, sujeito ao principio da livre apreciação, podendo, por isso, concorrer, ou não, para a formação da convicção do tribunal], nulidade que foi tempestivamente arguida (cfr. alínea a) do nº 3 do mesmo artigo).
Termos em que se requerer que a nulidade invocada seja superiormente reconhecida e declarada, e consequentemente o despacho que indeferiu a produção de prova requerida e o despacho que indeferiu a nulidade invocada, por violação do disposto nos artigos 127.º, 141.º, 283.º, 340.º e 357.º do Código de Processo Penal e os artigos 27º, nº 2, 32º, nº 4 e 202º da Constituição da República Portuguesa, sejam declarados nulos, e em substituição, deve ser ordenada a leitura das declarações do arguido AA, prestadas perante Magistrada do Ministério Público, constante dos autos, e declarada a nulidade de todos os actos subsequentes, nomeadamente de toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento e do acórdão final proferido,
E assim Farão assim, V. Excias A Tão Acostumada J U S T I Ç A”

Recorre igualmente o M. P. da decisão final, concluindo:
“II. CONCLUSÕES:
1. Recorre-se do acórdão absolutório proferido no dia 19 de Março de 2025, que absolveu todos os arguidos, porquanto o mesmo é precedido de nulidade procedimental do artigo 120.º do Código de Processo Penal. que afeta a sua validade.
2. Já após o inicio da produção de prova, foi requerido pelo Magistrado do Ministério Público, a leitura das declarações prestadas pelo arguido AA, invocando-se o acórdão uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça (S.T.J.) n.º 5 de 2023, de 4 de Maio, e o artigo 357.º, n.º 1, alínea b), do C.P. Penal.
3. O Tribunal recorrido proferiu o despacho supra citado dizendo que tal meio de prova não foi indicada na acusação e como tal era necessário verificar-se os requisitos do artigo 340.º do Código de Processo Penal, o que não foi alegado e como tal, entendeu que não
tinha qualquer poder oficioso para produzir tal prova, indeferindo o pretendido por falta de fundamento legal.
4. Consequentemente, foi arguida a respectiva nulidade por omissão de diligências nos termos do artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do C. P. Penal, por violação do disposto no artigo 340.º, n.º 1, do C.P. Penal,
5. Nulidade essa que não foi reconhecida e consequentemente indeferida.
6. E da qual se apresentou o competente recurso, cujo regime de subida fixado, determinou que o mesmo apenas suba afinal com o presente recurso.
7. A produção de prova já tinha iniciado, conforme consta da própria acta do dia 5 de Fevereiro, pelo que o argumento de que a produção de prova ainda não se tinha iniciado é contraditório com a própria acta da diligência pelo que não pode colher tal argumento 8. Quanto à indicação na prova documental da acusação das declarações prestadas pelo arguido em fases anteriores do processo, perante autoridade judiciária com assistência de
defensor, é prova pré-constituída no autos e é uma prova documental (de declarações do arguido) que está indicada na prova com a indicação genérica “toda a dos autos”, prova essa que é do conhecimento de todos os arguidos uma vez que se encontra nos autos muita antes da acusação.
9. A usar o raciocínio do Tribunal recorrido, quer este Tribunal recorrido fazer impender ao Ministério Público um dom de adivinhação que não consegue ter porquanto se o arguido mantiver as mesmas declarações em sede de audiência de julgamento, não há qualquer necessidade de as ler em sede de audiência de julgamento.
10. Se se entender que é uma referência expressa obrigatória (em vez da indicação genérica para a prova documental, sem prejuízo de especificação para algum documento), e uma vez que é de reprodução obrigatória mesmo que o arguido preste as mesmas declarações, obriga-se o Tribunal de forma sistemática e recorrente, a produzir um acto de prova desnecessário (porque desconhece aquando da leitura do seu teor em concreto) enveredando por caminhos que poderão ser tortuosos no futuro, a ter que ler centenas da páginas declarações de arguido que estarão expressamente, como exigência do Tribunal recorrido, na prova indicada, sendo de leitura obrigatória.
11. A considerar tal exigência, na prova documental também teria que ser indicada o auto de declarações das testemunhas, prestadas perante autoridade judiciária, na prova documental (e não só a sua identificação na prova testemunhal) para evitar indeferimentos
por falta de indicação de prova, aquando do uso da prerrogativa legal do artigo 356.º n.º 3 do Código de Processo Penal.
12. Tal posição processual não é representativa dos ditames plasmados nas normais legais supra referidas (artigo 283.º do Código de Processo Penal) tendo sido cumprida na integra na douta acusação pública.
13. Desde logo se afirma que o artigo 357.º não faz depender a leitura das declarações do arguido em fase anteriores do processo aos requisitos do artigo 340.º do Código de Processo Penal mas tão somente exige que tenham sido feitas perante autoridade judiciária
com assistência de defensor e que tenha sido advertido nos termos e para o efeito do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 141.º do mesmo código.
14. Onde está a exigência legal alavancada pelo Tribunal recorrido que tal produção de prova pré-constituída, constante dos autos e do conhecimento dos arguidos, está estribada aos requisitos do artigo 340.º do Código de Processo Penal?
15. Com o devido respeito, não está porquanto o artigo 357.º fez referência as declarações do arguido em fases antecedentes à fase de julgamento as quais são indubitavelmente relevantes para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa pois mostram a visão pessoal e facetada do arguido perante o objecto criminal de que esta a ser acusado,
16. Sendo quanto a nós, é patente e óbvio que as declaração de um arguido prestada em sede da fase de inquérito, perante ao silêncio do mesmo arguido, na fase de audiência de julgamento, são essenciais para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa.
17. Essa prova pré constituída é versada apenas e tão somente sobre os factos que são imputados ao arguido e a sua posição factual e processual quanto aos mesmos e o que declarou sobre os mesmos.
18. Por fim, o processo em que o Tribunal recorrido estava a intervir, ao contrário do que se possa pensar, era um processo criminal, sob as regras procedimentais de processo penal,
19. E como tal, sendo um tribunal criminal, sobre o Tribunal recorrido impende uma obrigação oficiosa de descoberta da verdade material que se encontra plasmada no artigo 340.º do Código de Processo Penal, que fornece ao Tribunal criminal, um princípio de
investigação ou de verdade material e disso mesmo nos dá conta o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 137/2002:
20. Assim, o Tribunal recorrido “esqueceu-se” que tinha o poder-dever resultante do principio de investigação e verdade material, consagrado constitucionalmente e reduzido na lei ordinária no n.º 4 do artigo 340.º do Código de Processo Penal,
21. Pois o processo penal não é um processo de partes e que o propósito maior é a descoberta da verdade material e a boa decisão da causa.
22. Ora, inexistindo impedimento legal à promovida leitura das declarações do arguido prestadas à PSP, para integração das declarações posteriormente prestadas ao Ministério Público e plena compreensão destas, o indeferimento no despacho recorrido da pretensão do Digno Magistrado aqui recorrente, determinou a prática pelo tribunal recorrido de nulidade sanável, prevista na alínea d) do nº 2 do artigo 120º do C. Processo Penal, uma vez que foi omitida uma diligência susceptível de ser reputada como essencial para a descoberta da verdade [posto que a leitura das declarações constitui meio de prova, sujeito ao principio da livre apreciação, podendo, por isso, concorrer, ou não, para a formação da convicção do tribunal], nulidade que foi tempestivamente arguida (cfr. alínea a) do nº 3 do mesmo artigo).
23. Ora essa nulidade, por força do disposto no artigo 122.º do Código de Processo Penal, afecta toda a produção de prova efectuada posteriormente
24. Bem como o acórdão proferido.
Termos em que se requerer que a nulidade invocada seja superiormente reconhecida e declarada, e consequentemente o despacho que indeferiu a produção de prova requerida e o despacho que indeferiu a nulidade invocada, por violação do disposto nos artigos 127.º, 141.º, 283.º, 340.º e 357.º do Código de Processo Penal e os artigos 27º, nº 2, 32º, nº 4 e 202º da Constituição da República Portuguesa, sejam declarados nulos, e em substituição, deve ser ordenada a leitura das declarações do arguido AA, prestadas perante Magistrada do Ministério Público, constante dos autos, e declarada a nulidade de todos os actos subsequentes, nomeadamente de toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento e do acórdão final proferido,
E assim Farão assim, V. Excias Tão Acostumada J U S T I Ç A”

O arguido BB respondeu, concluindo:
“Em conclusão, à luz do exposto, é manifesto que:
O Arguido exerceu legitimamente o seu direito ao silêncio;
A leitura das suas declarações prestadas em inquérito não é admissível, recorrendo ao disposto no Art. 340º do Cód. Proc. Penal.
A jurisprudência constitucional e do Supremo Tribunal de Justiça e a doutrina convergem no sentido da inadmissibilidade dessa leitura em tais circunstâncias.

Termos em que,
O despacho recorrido não padece de qualquer nulidade e não merece qualquer censura, devendo manter-se nos seus precisos termos e negado provimento ao recurso, assim se fazendo a acostumada justiça”

O arguido AA, respondeu concluindo:

“1. Nos termos do artigo 283.º, n.º 3, al. g) do CPP, o Ministério Público tem o dever de indicar, na acusação, os meios de prova que pretende produzir, sob pena de nulidade, conforme decorre do princípio da transparência processual e do direito de defesa do arguido.
2. A menção genérica a “toda a prova constante dos autos” não satisfaz essa exigência legal, na medida em que não permite ao arguido conhecer, de forma clara e concreta, quais os meios de prova que poderão ser utilizados contra si, violando os seus direitos processuais e constitucionais.
3. A leitura das declarações prestadas pelo arguido no Inquérito, em sede de audiência de discussão e julgamento, depende não só da sua prévia indicação como meio de prova, mas também da verificação dos pressupostos do artigo 340.º do CPP, designadamente a necessidade superveniente dessa prova para a descoberta da verdade e boa decisão da causa.
4. No caso dos autos, o requerimento do Ministério Público para a leitura das declarações foi apresentado antes do início da produção da prova testemunhal e sem qualquer fundamentação concreta quanto à necessidade superveniente da prova requerida, limitando-se à invocação vaga do artigo 340.º do CPP.
5. Tal atuação traduz uma tentativa de colmatar omissões na acusação através da invocação indevida do regime excecional do artigo 340.º do CPP, o que o Tribunal recorrido bem assinalou, sendo que o requerimento apresentado não cumpre os requisitos legais mínimos para ser admitido.
6. Ademais, o requerimento foi formulado logo após o arguido ter exercido o seu legítimo direito ao silêncio, previsto nos artigos 61.º, n.º 1, al. d), 343.º, n.º 1, e 345.º, n.º 1, do CPP, o que evidencia uma tentativa de instrumentalização indevida desse direito constitucionalmente consagrado.
7. A leitura de tais declarações, nestas condições, violaria os princípios do contraditório, da legalidade da prova e da estrutura acusatória do processo penal, criando uma situação de desequilíbrio processual e prejudicando o exercício pleno do direito de defesa.
8. O Ministério Público não aguardou a produção da prova testemunhal nem avaliou a necessidade superveniente de produção de prova adicional, como exigido pelo artigo 340.º do CPP, antes de
requerer a leitura das declarações prestadas pelo arguido.
9. Essa precipitação do Ministério Público não está em consonância com as garantias do processo penal conferidas ao Arguido.
10. A tentativa de o Ministério Público utilizar a recusa do Arguido em prestar declarações em sede de audiência de julgamento, como base para requerer a leitura das declarações prestadas pelo Arguido na fase processual de Inquérito, configura uma tentativa de instrumentalização do direito ao silêncio, o que é inadmissível no ordenamento jurídico português.
11. Assim, inexiste qualquer nulidade no decorrer da audiência de discussão e julgamento, tendo o Tribunal a quo andado bem, ao indeferir a leitura das declarações prestadas pelo Arguido em sede de Inquérito.
Nestes termos, e nos demais de direito supridos por V.ªs Ex.ªs, não deve ser dado provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, devendo manter-se a decisão do Tribunal a quo.
Assim se fazendo inteira e Sã Justiça!”

Nesta instância, a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido do provimento dos recursos alicerçando-se nas motivações do M.P a quo e acrescentado notas assentando o parecer no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 5/2023 de 9 de Junho (de uniformização de jurisprudência),.

Cumprido que foi o disposto no artº 417º nº2 do CPP não foram apresentadas respostas.

*

Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

Objeto do recurso:

Nulidade processual resultante da omissão de uma diligência que o Ministério Público considera essencial para a descoberta da verdade material e uma justa decisão.
Nulidade de procedimento, que afetará toda a prova produzida após a nulidade invocada, pelo que o acórdão também deve ser considerado nulo.

Decisões e requerimentos a considerar:

O Tribunal a quo, na audiência de julgamento de 5/02/2025, pelas 10h, procedeu à identificação de todos os arguidos bem como questionou os mesmos se queriam prestar declarações ao que por estes foi dito:
“Por todos os arguidos foi dito que não desejam por ora prestar quaisquer declarações.”

De imediato e de seguida, foi requerido pelo Magistrado do Ministério Público, que fosse efetuada a leitura das declarações prestadas pelo arguido AA, nos seguintes termos:
“Pelo mesmo tendo sido dito que de acordo com o acórdão uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça (S.T.J.) n.º 5 de 2023, de 4 de Maio, cujo sumário refere que as declarações feitas pelo arguido no processo perante autoridade judiciária, com o respeito pelos art. 141.º, n.º 4, alínea b), art. 357.º, n.º 1, alínea b), do C.P. Penal, podem ser valoradas como prova, e as
reproduzidas ou lidas, na audiência de julgamento.
De igual modo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15 de Março de 2017 refere expressamente que é legalmente admissível a leitura em audiência de julgamento para efeito de valoração de prova as declarações prestadas por arguido que nela exerça o direito ao silêncio, desde que tais declarações tenham sido prestadas perante autoridade judiciária, desde que o arguido tenha sido assistido nesse ato por Defensor e tenha sido plenamente informado no exercício do direito ao silêncio as suas declarações podem ser usadas no processo para efeitos de prova.
Ora o arguido AA, em sede de inquérito foi interrogado perante Magistrado do Ministério Público e assistido à data por Defensora Oficiosa, a Dr.ª CC. Estas declarações foram feitas no dia 11/01/2021.
Acresce ainda que, como diz o douto acórdão da Relação de Coimbra, que as leituras das declarações anteriormente prestadas engloba quer o conteúdo das declarações prestadas diretamente ao Digno Magistrado do Ministério Público, quer aquelas que sejam feitas por remissão perante as prestadas por O.P.C. perante Magistrado do Ministério Público.
Ora, e de acordo com esta jurisprudência, e de acordo também com o art. 357.º, n.º 1, alínea b), do C.P. Penal, vem-se neste momento requerer a leitura das declarações prestadas por AA perante Magistrado do Ministério Público que remeteu para as declarações prestadas a fls. 658 a 663 dos presentes autos.”

O Tribunal recorrido, na audiência de julgamento, da parte da tarde, que se iniciou às 15:08m, proferiu o seguinte despacho:
“As declarações do arguido prestadas em sede de inquérito perante Magistrado Judicial ou do Ministério Público podem ser valoradas na audiência de julgamento nos termos do disposto nos art.ºs 140.º 141.º, 144.º e 357.º C.P. Penal.
Tal como qualquer outro meio de prova deve ser indicado no momento processualmente previsto, que no caso do Ministério Público é com a prolação da acusação pública – o que em concreto não se verificou. Qualquer outro meio de prova apenas pode ser produzido caso se verifiquem os pressupostos para tal, nos termos do disposto no art.º 340.º CPP, ou seja, caso tal seja necessário
à descoberta da verdade material e boa decisão da causa.
Ora, no caso nada foi alegado quanto a este pressuposto necessário.
Sendo que o presente momento não pode ser usado para suprir deficiências da acusação, tanto mais que o requerimento foi apresentado antes do início da produção da prova testemunhal, desconhecendo-se o que iria resultar do depoimento das testemunhas. E não se diga que pela circunstância de a final da acusação pública vir indicada a prova com a referência genérica ‘a toda a prova dos autos, designadamente’ colmata a supra indicada deficiência ou omissão, porquanto não compete ao juiz em fase de julgamento selecionar a prova relevante e muito menos podem os arguidos em sede de defesa serem surpreendidos com novas opções de meios probatórios ainda que já disponíveis em fase de inquérito – tarefa que em fase de inquérito compete exclusivamente
ao Ministério Público.
Assim, a necessidade da descoberta da verdade material não pode ser extraída da simples circunstância de agora o arguido legitimamente ter optado por não prestar declarações em audiência.
Pelo que se indefere o requerido por falta de fundamento legal.
Notifique.”

De imediato, e na sequência de tal despacho, foi invocada a respetiva nulidade, nos seguintes termos:
“…pelo mesmo tendo sido dito que atento o indeferimento da leitura das declarações do arguido que foram prestadas perante o Magistrado do Ministério Público que foram efetuadas nos presentes autos, no qual o arguido foi devidamente advertido nos termos legais e acompanhado por Defensor, vem o Ministério Público arguir desde já a nulidade por omissão de diligências nos
termos do art. 120.º, n.º 1, alínea d), do C. P. Penal, por violação do disposto no art. 340.º, n.º 1, do C.P. Penal, uma vez que se trata de uma nulidade de procedimentos. Mais se refere que claramente tal prova já se encontra junta aos autos, tendo sido indicada na prova da acusação, e a mesma, evidentemente, pela sua natureza, é essencial para a descoberta da verdade material e da boa decisão da causa, e em última ratio a realização efetiva da justiça a que este Tribunal está obrigado.”

Nulidade essa que foi indeferida com os seguintes fundamentos:
“Face ao despacho já proferido pelo Tribunal, e pelos seus fundamentos, entende-se que inexiste qualquer nulidade de omissão de diligências reputadas essenciais para a descoberta da verdade material, motivo pelo qual se mantém o já decidido.
Notifique.”
E desse despacho, foi de imediato apresentado recurso em ata, e apresentada as motivações no respetivo prazo, tendo tal recurso já sido admitido, com regime de subida a final.

Factos dados como provados e não provados e respetiva motivação do acórdão proferido e pertinentes para a boa decisão da presente causa:

“II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. Factos provados

Discutida a causa e com interesse para a sua justa decisão, resultou provada a seguinte matéria de facto:
1- Entre os dias 2 de junho de 2018 e 3 de junho de 2018 a hora não concretamente apurada, pessoas cuja identidade não foi possível apurar, utilizando o veículo automóvel de marca Ford, modelo ..., deslocaram-se à empresa A..., sita na Rua ..., ..., ..., área desta comarca.
2- Uma vez aí chegados, estroncaram a fechadura e o portão, de forma não concretamente apurada. introduzindo-se no seu interior.
3- Já no interior, subtraíram diversos objetos:

- cerca de 30 a 40 unidades de motores elétricos e moto-redutores diversos;
- 64 unidade de paletes em alumínio maciças;
- 80 unidades de paletes em alumínio em favo;
- 50 unidades de porta-paletes;
- 2 cabeças de estampar em alumínio,
- um aparelho de corte de plasma Migatronic Migacut 1220.
4- No valor global de € de €60.000,00 (sessenta mil euros).

Apenso A
5- No dia 26 de junho de 2018, a hora não concretamente apurada, pessoas cuja identidade não foi possível apurar deslocaram-se ao estabelecimento comercial designado “Café ...”, sito na Rua ..., ..., área desta comarca, pertencente a DD.
6- Uma vez aí, de forma não concretamente apurada destruíram a fechadura e introduziram-se no interior do mesmo.
7- Uma vez no seu interior, destruíram a porta da máquina de tabaco e do seu interior retiraram todo o dinheiro e maços de tabaco, causando um prejuízo de cerca de €1268,20 (mil, duzentos e sessenta e oito euros e vinte cêntimos).

Apenso B
8- Entre o dia 16 de janeiro de 2019 e o dia 17 de Janeiro desse mesmo ano, alguém cuja identidade não foi possível apurar, dirigiu-se à residência de EE, sita na Rua ..., ..., área desta comarca.
9- De forma não concretamente apurada, destruíram a fechadura da porta, entrando no interior da residência.
10- Uma vez aí, percorreram todas as divisões, tendo subtraído diversos eletrodomésticos, designadamente máquina de café da marca IURA, uma torradeira, um grelhador da marca AVD, dois televisores da marca Samsung.
11- Com esta conduta foi causado um prejuízo não concretamente apurado mas superior a € 1300

Apenso C
12- Nesse mesmo dia 16 de janeiro de 2019, alguém cuja identidade não foi possível apurar dirigiu-se à residência de FF, sita na Rua ..., ....
13- Uma vez aí, e de forma não concretamente apurada destruíram a fechadura da porta, logrando entrar na mesma.
14- Já no seu interior, percorreram todas as divisões e subtraíram diversos objetos de valor não concretamente apurado, mas superior a € 200

Apenso E
15- No dia 31 de julho de 2019, cerca das 03h30, pessoas cuja identidade não foi possível apurar deslocaram-se ao Quiosque ..., pertencente a GG, sito na Avenida ..., ..., ....
16- Uma vez aí, os arguidos arrombaram a fechadura da porta, de forma não concretamente, e lograram introduzir-se no seu interior, de onde retiraram diversos maços de tabaco, no valor global de €23.640,00.
17- O arguido AA está preso no Estabelecimento Prisional ... desde 02/06/2022, à ordem do processo ... do Juízo Central Criminal de Vila do Conde – ..., no qual, por decisão transitada em julgado em 26/01/2024, foi condenado pela co-autoria dos crimes de dano qualificado, de furto qualificado, de roubo agravado e furto qualificado tentado na pena única de 6 anos de prisão. Beneficiou de 1 ano de perdão, aplicado à pena original de 7 anos, por força do disposto no art.º 3º, nº 1 e 2 da Lei 38-A/23, de 2 de Agosto. O arguido apresenta uma conduta prisional adversa ao disciplinado e várias vezes sancionada, desprovida de qualquer acompanhamento especializado em apoio à execução da pena de prisão. Embora manifesta interesse pela frequência do curso de mecatrónica, em complemento dos seus conhecimentos de mecânica automóvel, o arguido ainda não conseguiu obter uma vaga. No meio social de inserção, o arguido e a família são considerados reservados, com pouca visibilidade social sendo desconhecida da rede vicinal a presente situação jurídico-penal do arguido. Paralelamente, a atual situação de reclusão não se constituiu como constrangimento à manutenção do apoio dos familiares. O processo de desenvolvimento de AA ocorreu num agregado familiar estruturado e coeso, suporte emocional que lhe assegurou um trajecto social determinado por objetivos e prevalece como a principal retaguarda dos seus interesses de realização social
18- O arguido BB preserva a estabilidade das suas circunstâncias de vida, apresentando uma inserção familiar e profissional favoráveis, que lhe conferem o apoio e a orientação necessários ao equilíbrio psicológico e funcional, apesar da atual situação jurídico-penal. Ao nível das relações e imagem sociais, dentre as fontes contactadas, não se verifica a presença de qualquer rejeição social ou episódios de conflito.
19- O arguido HH é um jovem que, a partir dos 21 anos de idade, decidiu mudar alguns hábitos e dedicar-se mais ao trabalho, procurando distanciar-se de contextos e pares de risco. Pese embora o suporte e enquadramento familiar, trabalho estável, exaustivo e por tal, bem remunerado, os hábitos que foi adquirindo de jogo (apostas online), configuram atualmente um comportamento No período reportado nos autos, HH, filho único, então com 21 anos de idade, vivia com a mãe e os avós maternos na atual morada, sendo referenciada uma relação de proximidade e afeto. Durante o seu processo de crescimento não teve contacto com o pai, tendo o divórcio dos pais ocorrido quando tinha cerca de um ano de idade. No período escolar, devido à vulnerabilidade à influência negativa dos pares, a mãe refere ter procurado a sua reorientação mudando-o para uma Escola com mais vigilância, a qual acabou por abandonar, sem concluir o 9º ano de escolaridade para começar a trabalhar na empresa têxtil, onde se mantém atualmente. Pese embora começasse a trabalhar aos 17/18 anos, até ao período reportado na acusação, o horário de trabalho do arguido era reduzido, circunscrito aos fins de semana. Os dias úteis decorriam sem qualquer tipo de estruturação o que potenciou o consumo de estupefacientes e a frequência de espaços onde de risco que identifica, verbalizando a intenção de procurar ajuda no sentido de o reverter. Convivia com pares que não trabalhavam e negativamente conotados. Nessa altura, designadamente em agosto de 2019, no contexto de uma suspensão provisória do processo, foi encaminhado para consulta de avaliação e acompanhamento à problemática aditiva, que frequentou até final de 2019. A partir de 2020, a par do trabalho do fim de semana, começou a cumprir um horário semanal, promotor de uma maior estruturação do seu quotidiano.
20- À data dos factos o arguido II residia em habitação arrendada com a companheira JJ e a filha desta de 9 anos de idade. O casal mantém relacionamento há cerca de 6 anos. Após um período de desemprego, conseguiu enquadramento laboral na área da construção civil, dedicando o seu tempo livre ao convívio com o agregado familiar constituído, altura em que refere o afastamento do grupo de pares, bem como uma maior capacidade de organização na melhoria da sua situação socioeconómica. Presentemente a companheira reside com os progenitores, laboralmente ativa num supermercado. O arguido mantém o apoio daquele agregado familiar, quer em meio prisional quer quando em meio livre. Relativamente à dependência aditiva II não consome estupefacientes há cerca de 12 anos, tendo, contudo, mantido alguns consumos etílicos. O processo de desenvolvimento do arguido decorreu junto dos avós maternos, na sequência da instabilidade do agregado familiar e rutura conjugal entre os progenitores, cabendo aos avós maternos o papel educativo de II uma vez que a mãe, por dificuldades financeiras emigrou para o estrageiro
21- À data dos factos pelos quais se encontra acusado no presente processo, o arguido KK residia com a companheira LL e sua descendente mais velha, em ... – ... numa habitação de tipologia 2, de construção antiga e cedida por um amigo pelo valor simbólico de 100 EUR mensais. Posteriormente nasceram os dois filhos do casal, que contam agora 5 e 4 anos de idade, o casal ocupou outras habitações, por curtos períodos de tempo, passando também algumas temporadas no domicílio dos progenitores do arguido, até fixar residência em .... KK não tinha um quotidiano estruturado e possuía uma situação económica precária, resultante da inatividade de ambos os elementos do casal, subsistiam essencialmente do apoio da família alargada e de apoios sociais. Segundo o arguido, acompanhava ocasionalmente o progenitor na atividade de comércio automóvel e executava outros trabalhos em regime informal, na área da mecânica com um amigo. KK referiu ainda que nunca exerceu nenhuma atividade formal. Socialmente, estabelecia convívios com pares, com quem era habitual passar tempo em cafés, dedicando-se a jogar cartas e snooker. KK não possui nenhum grau de alfabetização, face à elevada mobilidade geográfica que o seu agregado familiar apresentou durante a sua infância, pelo que não conseguiu progredir além do 3º ano do ensino básico. O arguido KK apresenta contactos com o Sistema de Administração da Justiça Penal desde 2011, com condenações em penas não privativas de liberdade pela prática de crimes de condução sem habilitação legal, falsas declarações e furto qualificado na forma tentada. As medidas de execução na comunidade foram cumpridas de forma globalmente adequada, junto da intervenção da equipa DGRSP. No meio socio comunitário onde residem os progenitores de KK e onde este é identificado, não foram identificados indicadores de rejeição à sua presença. KK deu entrada no EP ... em 02/06/2022 à ordem do processo ..., enquanto preso preventivo. O arguido KK encontra-se no EP 2... desde 12.08.2024, provindo do EP ..., à ordem do processo suprarreferido, do Juízo Central Criminal de Vila do Conde, no qual foi condenado, em primeira instância na pena de 11 anos de prisão, decisão sobre a qual foi interposto recurso, encontrando-se aguardar o trânsito em julgado. Está ainda condenado no processo nº 482/18.4GAFLG do Juízo Central Criminal de Penafiel – Juiz 2, em pena não privativa de liberdade, pela autoria de um crime de furto qualificado. Durante o período em que permaneceu no EP ..., decorrido entre 02.06.2022 e 12.08.2024, KK apresentou um comportamento ajustado ao normativo disciplinar vigente. Fez frequência de aulas do 1º ciclo do ensino básico, mas apresentou fraca assiduidade. No EP 2... tem mantido um comportamento adequado, de acordo com as normas institucionais, encontrando-se aguardar o início do curso de Tecelão, de equivalência ao 1.º ciclo do ensino básico.
22- O arguido MM tem apoio do agregado familiar de origem, e da namorada, cuja relação é descrita como gratificante, e na qual aquela tem exercido uma influência positiva, designadamente na atual vivencia do arguido. Está profissionalmente ativo, como operador de produção na “B..., SA”, mas temporariamente incapacitado para o trabalho, na sequência de um acidente de viação, há aproximadamente mês e meio. O arguido ocupa parte do tempo de lazer na frequência do Programa de Certificação de Competências – Processo RVCC, com o apoio da namorada, no sentido
de uma valorização pessoal e escolar, ficando assim habilitado com o 12º ano de escolaridade. Quando está em contexto recreativo, com a namorada e/ou os amigos, tem atividades próprias da idade e consideradas pró-sociais.
23- Os arguidos HH e BB não têm antecedentes criminais, todos os demais arguido têm.


Factos Não Provados

Não se provou que:

24- Em data não concretamente apurada, mas durante o ano de 2018, os arguidos juntaram-se e congeminaram um plano para obter rendimentos e aumentar o património, subtraindo bens a terceiros, vendendo-os posteriormente e dividindo os lucros.
25- Assim, e no desígnio de tal plano, reuniam-se primeiramente na residência do arguido AA, sita na Rua ..., ..., ..., ..., passando depois a reunirem-se no “Café ...”, sito na Travessa ..., em ..., área desta comarca.
26- Nessas reuniões, sempre de noite, acordavam os locais a assaltar e o papel de cada um no assalto, ou seja, quem entrava nos locais, quem ficava a vigiar e quais as ferramentas necessárias.
27- Os arguidos II, KK e AA cometeram os factos referidos em 1), os quais na posse dos objetos, os arguidos guardaram-nos numa fábrica abandonada, em ..., perto da residência do arguido KK para posteriormente procederem à venda nas Sucatas
28- Os arguidos cometeram os factos referidos em 6), tendo o arguido II vendido o tabaco a terceiros, no dia seguinte, dividindo o lucro entre todos.
29- Os arguidos, no dia 16 de Janeiro encontraram-se no Café ... para acordar os detalhes e após cometeram os factos referidos em 9) e 13) guardando os objectos furtados nos veículos automóveis onde se fizeram transportar até ao local, de matrícula ..-..-XZ, pertencente ao irmão do arguido KK e XV-..-.., pertencente ao arguido II.
30- Os arguidos cometeram os factos referidos em 9), 13) e 15).
31- Os arguidos agiam sempre mediante o pré acordado no café ..., nem sempre se deslocando todos aos locais em apreço, dependendo da disponibilidade, no entanto, todos participavam nas decisões acerca dos locais a ir e recebiam a sua parte dos lucros provenientes dos assaltos.
32- Os arguidos ao actuarem das formas supra descritas, fizeram-no de forma livre, voluntária e consciente, logrando fazer seus os objectos acima mencionados, integrando os no seu património, não obstante saberem que aqueles não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade dos proprietários dos mesmos.
33- Agiram os arguidos de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei. MOTIVAÇÃO
Tendo presente que a prova judiciária não visa alcançar uma certeza ontológica, mas apenas uma certeza judiciária – que, no plano dos princípios, deveria coincidir com a verdade material – e em obediência ao disposto no artigo 374º, n.º 2 do Código de Processo Penal, bem como ao consagrado no artigo 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, proceder-se-á indicação e ao exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, explicitando o processo de formação dessa convicção.
Em sede de Julgamento os arguidos não prestaram declarações (sendo um dos seus direitos).
Prova Testemunhal:
- NN, militar da GNR, fez diversas vigilâncias aos locais de residência dos arguidos mas nada viu de relevante, apenas viu os veículos estacionados mas nada sabe quem conduzia tais veículos.
Tem conhecimento dos factos através das participações e esclareceu o Tribunal que os factos foram cometidos com um veículo com a matrícula ..-..-CB, uma Ford ..., porquanto os lesados identificam o veículo que esteve no furto, o qual veio a ser apreendido, num furto ocorrido em ... que não faz parte do objecto dos presentes autos.
A testemunha recolheu as imagens de fls. 46 e seguintes e identifica o veículo como sendo o referido CB.
Fez, igualmente, a recolha de imagens do apenso E e reconhece a pessoa nessa imagem como sendo o arguido MM. Afirma que é o arguido MM porquanto este foi identificado no café ... no final de 2019, e quando esta identificação chegou à conclusão que era a mesma pessoa que estava no filme do apenso E).
A testemunha não presenciou os factos e sabe dos factos pelo auto de interrogatório do arguido.
- OO, sócio – Gerente da empresa A..., sita em .... Em 2018 a sociedade foi vitima de um furto arrombaram a fechadura e o portão e furtaram diverso material no montante global de € 60.000 (lista entregue aquando da participação). Através das Câmaras de Vigilância viu uma carrinha que não conseguiu identificar a matrícula, nem as pessoas. Igualmente desconhece se a carrinha tem a ver alguma coisa com o furto, porque não se conseguia ver das imagens, não obstante em sede de inquérito a testemunha apresentou uma declaração dos bens furtados e a matrícula do veículo Ford ... CB. A testemunha afirma que quem lhe disse a matrícula foi a polícia porque ele não viu nada.
- PP, a testemunha conhece o arguido KK. A testemunha teve uma carrinha Ford ... durante uma ou duas semanas e depois vendeu a carrinha ao arguido II, por intermédio do BB . Não se lembra porquanto vendeu, mas seria à volta de €650, nem foi a testemunha que entregou a carrinha ao comprador. Depois soube que a carrinha foi apreendida.
- QQ, à data da prática dos factos era proprietária do café ..., sito em .... Em data constante da participação verificou que a porta do café estava arrombada e arrebentaram a máquina do tabaco e levaram o dinheiro e tabaco que estava na mesma, no montante de € 1268,20 (valor do que foi furtado consta da informação prestada aos autos). Não presenciou os factos
- RR, irmã da ofendida EE do apenso B) soube que a casa da sua irmã foi furtada e viu que arrombaram a porta dessa casa por onde entraram e levaram objectos, tudo no valor superior a € 1300. A testemunha não presenciou os factos.
- FF, ofendido referido no apenso C. A testemunha não presenciou os factos . A testemunha referiu onde vive e confirmou que furtaram a casa . Entraram, para o efeito rebentaram a fechadura, e levaram objectos em valor não concretamente apurado mas superior a € 200
- GG, ofendido do apenso E. A testemunha explorava o Quiosque ... em .... Pessoas que não pode identificar arrombaram a fechadura da porta do quiosque e levaram tabaco no valor de € 23.640. O quiosque tinha Câmara de Videovigilância, sendo o filme entregue à policia.
A testemunha não conheceu a pessoa que era visível no vídeo com a cara destapada.
-Helder SS, Guarda Principal da GNR, em exercício de funções em .... Apenas conhece o arguido AA. A testemunha apenas fez informações de serviço, dessas informações resultou que uma viatura Ford ... cinza, com a matrícula CB e que estava referenciada em diversos furtos, estava junto da casa do arguido AA entre Junho e Julho de 2018 e igualmente estava estacionada diversas vezes num café em .... Nunca viu o arguido AA a conduzir o referido veículo.
- TT, testemunha de defesa, a qual não presenciou os factos e apenas conhece o arguido MM por ser companheiro da sua filha, à cerca de 7 anos. A testemunha apenas depôs quanto às condições sociais do arguido.
Prova Documental:
-relação de bens subtraídos, de fls. 6;
- auto de visionamento de imagens e fotogramas, de fls. 42 a 67;
- informação constante de fls. 44 e 45;
- relatórios de diligência externa,
- auto de visionamento de imagens de fls. 1069 a 1095
Apenso A
- relação de bens subtraídos, de fls. 1039 a 1048 dos autos principais;
Apenso C
- informação de fls. 189 a 202 dos autos principais;
Apenso E
- 2 fotogramas de fls. 8;
- relação de bens subtraído,
Análise critica da prova:
Da prova produzida em audiência os ofendidos descreveram a data da prática dos factos (mas num período de tempo amplo), a forma como entraram nas residências e estabelecimentos comerciais e o que foi furtado. Relativamente aos valores por um lado temos ofendidos que apresentaram, em sede de inquérito, a respectiva relação e valores e consequentemente o tribunal deu como provados tais montantes. Relativamente aos restantes valores, cujo depoimento não foi muito preciso o Tribunal deu como provado o valor menor. Os ofendidos não presenciaram os factos, pelo que desconhecem os autores dos factos.
Por outro lado, os arguidos não prestaram declarações.
Temos fotogramas, retirados dos vídeos das câmaras de vigilância, à empresa A... e no Quiosque ....
Relativamente às imagens na empresa A..., não é possível Identificar a carrinha, a marca, a matrícula e os indivíduos que terão furtado os bens em causa.
Na verdade sabemos que a carrinha Ford ... ..-..-CB tinha o seguro em nome da Testemunha PP, o qual era seu proprietário e segundo o qual vendeu a carrinha ao II (não podendo precisar quem era esse tal II porquanto não viu a pessoa) e posteriormente veio a saber que a carrinha tinha sido apreendida. Mais se prova documentalmente que esse seguro foi cancelado a 3/6/2018
Relativamente aos acontecimentos referidos em 1), temos que a testemunha não presenciou os factos, dos fotogramas não se pode apurar a matrícula da carrinha e quem eram as pessoas que nela se faziam transportar, pelo que por força do principio in dúbio pro reu o tribunal dá como não provado que fosse utilizada a Ford ... e que o autor dos factos foram os arguidos.
Relativamente aos restantes factos o Tribunal não conseguiu apurar se a referida Ford ... foi usada pelos arguidos para praticar os ilícitos, ou mesmo se foram os arguidos que cometeram tais factos, pelo que consequentemente apenas deu como provado os factos e como não provado que os autores dos mesmos foram os arguidos, atenta a total ausência de prova quanto a autoria dos crimes.
E mesmo até no se refere ao apenso E, no qual dos fotogramas se vislumbra a cara de um individuo mas a qualidade não é suficiente para que se possa afirmar, sem margem para qualquer dúvida, de que se trata do arguido MM, o qual não foi identificado por qualquer das testemunhas, aliás o tribunal olhou para o arguido e para o fotograma e teve dúvidas se era a mesma pessoa.
Deste modo, fica aqui, pelo menos, uma dúvida se seria o arguido ou não o autor deste furto e, a existir tal dúvida, a mesma, em obediência ao principio in dúbio pró reo, imposição de que os juízes se pronunciassem em sentido favorável ao arguido dando como não provado que o autor dos factos fosse o arguido.
As vigilâncias efectuadas foram efectuadas em datas completamente diferentes da prática dos factos e não têm nada de relevante para apurar quem são os autores dos furtos, pelo que em nada esclareceram este Tribunal.
Por tudo isto o tribunal deu como não provado que os arguidos fossem os autores dos crimes.
Foram relevantes os relatórios sociais e os certificados dos Registos Criminais.

DIREITO
(…)
Não resulta da factualidade que os factos foram praticados pelos arguidos pelo que se impõe a sua absolvição
Bem como improcede a perda das vantagens obtidas pelos arguidos peticionada pelo M.P.

DECISÃO:
O Tribunal Colectivo julga a acusação improcedente e consequentemente:
A) Absolve o arguido AA, em co-autoria com os arguidos II e KK, cada um deles, um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203.º e 204.º, nº. 2 al. e) do Código Penal;

B) Absolver os arguidos II, KK, MM, BB, cada um deles, três crimes de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203.º e 204.º, nº. 2 al. e) do Código Penal;

C) Absolver os arguidos UU, II, HH e BB, cada um deles, cada um deles, três crimes de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203.º e 204.º, nº. 2 al. e) do Código Penal.

D) Julgo improcedente a declaração de perda das vantagens do facto ilícito típico a Favor do Estado deduzida pelo M. P.

(…)”


Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.

A questão central é a recusa do tribunal de ler as declarações de um arguido prestadas durante a fase de inquérito, com a defesa a alegar que tal leitura é essencial para a descoberta da verdade material e uma boa decisão da causa. O Ministério Público sustenta que a produção de prova já havia iniciado e que as declarações prévias do arguido constituem prova pré-constituída válida, cuja leitura não depende dos requisitos invocados pelo tribunal recorrido.
Tal objeto é idêntico a ambos os recursos, pelo que as considerações abaixo explanadas dirão respeito aos dois recursos.
Vejamos.
A leitura das declarações do arguido é permitida sob condições específicas, conforme estabelecido no Código de Processo Penal (CPP) e interpretado pela jurisprudência.
As condições para a reprodução ou leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido no processo são as seguintes:
•A pedido do próprio arguido: A leitura é permitida a sua própria solicitação, independentemente da entidade perante a qual as declarações foram prestadas.
•Declarações prestadas perante autoridade judiciária com assistência de defensor e informação prévia:
◦As declarações devem ter sido feitas perante autoridade judiciária.
◦O arguido deve ter sido assistido por defensor nesse ato.
◦O arguido deve ter sido informado, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 141.º do CPP, de que as declarações que prestar, se não exercer o seu direito ao silêncio, podem ser futuramente utilizadas no processo para efeitos de prova.
Isso inclui a possibilidade de utilização mesmo que o arguido seja julgado na ausência ou não preste declarações em audiência de julgamento, e que essas declarações estarão sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova.
A falta de assistência por defensor ou a omissão/violação deste dever de informação impede a utilização das declarações.
É importante notar que as declarações anteriormente prestadas pelo arguido, reproduzidas ou lidas em audiência, não valem como confissão nos termos e para os efeitos do artigo 344.º do CPP.
O acórdão uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) n.º 5/2023, de 9 de junho, confirma que as declarações feitas pelo arguido no processo perante autoridade judiciária, respeitando os artigos 141.º, n.º 4, al. b), e 357.º, n.º 1, al. b), do CPP, podem ser valoradas como prova desde que reproduzidas ou lidas em audiência de julgamento.
A leitura das declarações do arguido, desde que cumpridas as condições acima, é legalmente admissível para efeitos de valoração de prova.
A sua admissibilidade não parece depender dos requisitos gerais do artigo 340.º do CPP, que dizem respeito à produção de prova "necessária à descoberta da verdade e à boa decisão da causa”.
As declarações do arguido são prova pré-constituída e são essenciais para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, especialmente quando o arguido se remete ao silêncio.
No caso dos autos o início da produção de prova em audiência de julgamento é um ponto de discórdia entre o Tribunal recorrido e o Ministério Público (MP).
Ora, concorda-se com o Ministério Público (MP) a este respeito.
A produção de prova na audiência de julgamento inicia-se explicitamente quando a Juíza Presidente o declara e procede a atos processuais subsequentes.
Na ata da audiência de julgamento de 5 de fevereiro de 2025, consta que a Juíza Presidente advertiu os arguidos sobre os seus direitos e, "passando de imediato à produção de prova", procedeu à identificação de todos os arguidos e questionou-os se desejavam prestar declarações.
O facto de os arguidos terem, em seguida, declarado que "não desejam por ora prestar quaisquer declarações" não significa que a produção de prova não se tenha iniciado.
A identificação dos arguidos e a sua declaração de não prestarem depoimento já marcam o início da fase de produção de prova.
A produção de prova em processo penal inicia-se após a acusação ser deduzida, na fase de julgamento, e estende-se durante a audiência de julgamento. Esta fase é crucial para a apresentação e discussão de todos os elementos probatórios relevantes para a decisão judicial.

Fases e Ordem da Produção de Prova:

1. 1. Fase de Julgamento:

É nesta fase que ocorre a produção de prova, após a acusação ser formalizada.

2. 2. Ordem da Produção:

A ordem de produção da prova segue um padrão, começando pelas declarações do arguido, seguidas pela apresentação dos meios de prova indicados pelo Ministério Público, assistente e lesado, e finalmente pelos meios de prova indicados pelo arguido e responsável civil.

3. 3. Princípios Orientadores:

A produção de prova no processo penal é guiada por princípios como o da imediação, que exige que a decisão seja tomada pelo juiz que presenciou a produção da prova e a discussão entre as partes.

4. 4. Meios de Prova:

A prova é constituída por tudo o que contribui para o convencimento do juiz sobre os factos alegados. Os meios de prova podem ser apresentados pelas partes (MP, assistente, lesado, arguido e responsável civil).

A produção de prova é um momento crucial do processo penal, pois é através dela que se busca a verdade material, ou seja, a reconstrução dos fatos como realmente aconteceram. O objetivo é garantir que a decisão judicial seja justa e baseada em evidências concretas.

Por isso, o requerimento para leitura das declarações prestadas pelo arguido em fase de inquérito, apresentado imediatamente após essa declaração de silêncio, foi feito já depois do início da produção de prova, não havendo qualquer razão para o indeferimento do Tribunal recorrido com base nesse argumento.
Por outro lado, o Tribunal recorrido entendeu que o requerimento para a leitura das declarações do arguido foi apresentado "antes do início da produção da prova testemunhal" e que não se alegou a necessidade da diligência para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, conforme o artigo 340.º do CPP.
O Tribunal a quo considerou que o momento do requerimento não podia ser usado para suprir deficiências da acusação e que não lhe competia selecionar a prova relevante se não tivesse sido indicada previamente de forma específica na acusação.
O Tribunal apresenta uma visão mais restritiva e formal, focada na prova testemunhal e nos requisitos de indicação na acusação em desabono do apuramento da verdade material.
Ora, o Tribunal tem o dever de investigar a verdade material. Este princípio, também conhecido como princípio da investigação ou da verdade material, é fundamental no processo penal português e possui valor constitucional.
Tal alcança-se com base nos seguintes pontos:
•Princípio da Verdade Material: O artigo 340.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP) é considerado o pilar paradigmático do princípio da investigação ou da verdade material. Este princípio significa que o tribunal de julgamento tem o poder-dever de investigar o facto por si mesmo, realizando a sua própria "instrução" em audiência.
Deve considerar todos os meios de prova que não sejam irrelevantes para a descoberta da verdade, sem estar vinculado de forma absoluta pelos requerimentos e declarações das partes, com o objetivo de determinar a verdade material.
•Valor Constitucional: O princípio da investigação ou da verdade material tem valor constitucional, sem prejuízo da estrutura acusatória do processo penal português.
Os fins do direito penal e do processo penal implicam que as sanções penais devem ser aplicadas apenas aos verdadeiros agentes de crimes. A prossecução desses fins é constitucionalmente legítima se este princípio for respeitado.
•Administração da Justiça: A competência dos tribunais para administrar a justiça, em matéria penal, deve significar a justiça material baseada na verdade dos factos, que é indisponível, não admitindo a condenação do arguido perante provas que possam conduzir à sua inocência.
•Campo de Aplicação: O campo essencial de aplicação do princípio da investigação ou da verdade material é a audiência de julgamento. Embora se observem os princípios da oralidade e imediação, a formação da convicção do tribunal não se limita a provas produzidas ou examinadas em audiência, admitindo-se a leitura de algumas provas contidas em atos processuais quando permitido pela lei processual (artigos 355.º e seguintes do CPP).
•Poder-dever Oficioso: O tribunal tem um poder-dever oficioso de produzir todas as provas que se reputem essenciais para a verdade material e boa decisão da causa. O Código de Processo Penal harmoniza o princípio da investigação, o princípio do contraditório e as garantias de defesa, permitindo que o juiz ordene ou autorize a produção de prova que considere indispensável para a boa decisão da causa, mesmo que não tenha sido requerida pelas partes ou não conste da acusação ou contestação.

O Tribunal recorrido argumentou que, por não ter havido produção de prova testemunhal e por as declarações do arguido não estarem expressamente elencadas na acusação, não seria possível aferir a sua necessidade para a descoberta da verdade material.
No entanto, dado o princípio da verdade material e o facto de a prova já se encontrar nos autos e o facto do requerimento ter sido apresentado após o início da produção de prova e tendo presente o silêncio do arguido era legitimo o requerimento apresentado pelo M.P.
O equilíbrio entre o princípio da verdade material é fundamental no processo penal português, sendo paradigmático do "princípio da investigação ou da verdade material", consagrado no artigo 340.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP).
Significa que o tribunal de julgamento tem o poder-dever de investigar por si o facto, conduzindo a sua própria "instrução" em audiência. Deve considerar todos os meios de prova que não sejam irrelevantes para a descoberta da verdade, sem estar absolutamente vinculado aos requerimentos ou declarações das partes, com o objetivo de determinar a verdade material.
O princípio da verdade material tem valor constitucional, decorrendo dos fins do direito penal e do processo penal. Implica que as sanções penais (penas e medidas de segurança) só devem ser aplicadas aos verdadeiros agentes de crimes. Está ligado ao princípio da culpa, à necessidade das penas e ao princípio da jurisdicionalidade da aplicação do direito penal, visando a justiça material baseada na verdade dos factos, que é indisponível.
A sua aplicação essencial ocorre na audiência de julgamento, em virtude dos princípios da oralidade e da imediação. Contudo, admite-se a leitura de algumas provas contidas em atos processuais, se permitido por lei, para a formação da convicção do tribunal.
O tribunal tem o poder-dever de ordenar a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, mesmo que tais meios não constem da acusação, da pronúncia ou da contestação.
A necessidade da descoberta da verdade material não pode ser extraída apenas da circunstância de o arguido optar por não prestar declarações em audiência. No entanto, declarações previamente prestadas pelo arguido, que se remete ao silêncio em audiência, são consideradas essenciais e obviamente necessárias para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, dado que versam sobre os factos imputados.
Em nosso entender não se afigura necessário justificar o pedido de reprodução das declarações de arguido prestado em fase de inquérito em caso deste se remeter ao silêncio com menção expressa de se pretender alcançar a descoberta da verdade material e boa decisão da causa invocando o art. 340º do CPP.
De facto a reprodução ou leitura permitidas de declarações do arguido art . 357º do CPP é possível a:

“a) A sua própria solicitação e, neste caso, seja qual for a entidade perante a qual tiverem sido prestadas; ou

b) Quando tenham sido feitas perante autoridade judiciária com assistência de defensor e o arguido tenha sido informado nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do nº 4 do artigo 141º.

2. As declarações anteriormente prestadas pelo arguido reproduzidas ou lidas em audiência não valem como confissão nos termos e para os efeitos do artigo 344º

3. É correspondentemente aplicável o disposto nos nºs 7 a 9 do artigo anterior. (Última redação dada pela L. 20/2013 de 21.02)

Este art. 357º do CPP regula em exclusivo, a reprodução ou leitura na audiência, das declarações do arguido, prestadas no processo, ainda que noutras fases processuais, que não a de julgamento. Daqui resulta desde logo, que esta norma, se aplica só às declarações verbais lavradas em suporte físico (papel ou áudio) constantes/integrantes do processo e não a quaisquer outras.

A alteração da L. 20/2013 de 21.02, teve profundo impacto neste normativo, mudando o paradigma, uma vez que o direito ao silêncio do arguido previsto no art. 61º-1-b), deixou de ter "efeitos retroativos", i.é, o exercício de tal direito em audiência, verificados os pressupostos legais, não irreleva nem erradica, as declarações anteriormente prestadas nos precisos termos da alínea b), que é uma regra específica de produção de prova [v. arts. 1-b), 141-4-b) e 143-2] isto sem prejuízo do arguido poder contrariar, explicar ou contextualizar as declarações anteriormente prestadas. E este ato de prova, pode ocorrer mesmo quando o julgamento se efetua na ausência do arguido, nos termos dos arts. 333º e 334º (uma vez que a lei não exclui tal circunstancialismo, nem deveria, pois se assim fosse, fácil seria o arguido eximir-se ao ato, bastando não comparecer ao julgamento). Mas, não valendo as declarações anteriormente prestadas como confissão, estarão sempre sujeitas á livre apreciação da prova pelo Juiz (v. art. 127º).

A reprodução ou leitura de declarações na audiência, pode ocorrer por iniciativa do Juiz ou promoção do M.P. ou de quaisquer outros intervenientes, quando verificados três requisitos cumulativos: (1) que as mesmas tenham sido produzidas perante a autoridade judiciária Juiz ou M.P v. art. 1-b)] (2) que tenham sido produzidas com assistência de defensor arts. 61-1-e) e 62-1) (3) que o arguido tenha sido informado de que tais declarações, poderão ser utilizadas no processo (ainda que, temperadamente, não valham como confissão, nos precisos termos do art. 344) mesmo que posteriormente venha a ser julgado na ausência ou venha a não prestar declarações em audiência de julgamento [v. art. 141-5).
A reprodução ou leitura em audiência de declarações anteriormente prestadas, pode ainda ter lugar, a solicitação do próprio arguido, mas neste caso, independentemente de quaisquer dos requisitos suprarreferidos, incluindo o OPC.

A lei, não especifica concretamente os fundamentos pelos quais podem ser reproduzidas ou lidas as anteriores declarações do arguido (v. n.º 9). Mas, do ponto de vista do Juiz, obviamente que todos os atos decisórios são fundamentados/justificados (v. art. 97-5) em ordem ao cumprimento dos fins processuais (v. art. 124-1) sendo proibidos atos inúteis (art. 130 do CPC ex vi, art. 4). Na anterior redação da lei, referia-se como requisitos para a leitura das anteriores declarações do arguido, que existissem contradições ou discrepâncias entre elas e as feitas na audiência. Não há razão para se abandonar tais fundamentos.
Contudo, pode afirmar-se agora que há um outro fundamento mais abrangente sem necessidade de invocação expressa do art. 340º do CPP que é o caso da recusa de prestar declarações em julgamento, tendo-as prestado em fase anterior, perante autoridade judiciária, nos termos da alínea b).A este respeito vide Código Processo Penal, anotado de Fernando Gama Lobo.
Basta pois essa recusa, para ficar justificado pedido de reprodução suprarreferido desde que, naturalmente, o arguido tenha sido assistido por um defensor sempre que as declarações do arguido sejam suscetíveis de posterior utilização e tenham sido proferidas perante autoridade judiciária.
Não se considera que a leitura das declarações do arguido previamente prestadas dependa dos requisitos gerais do artigo 340.º do CPP (como ser necessário para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa), mas sim das condições específicas do artigo 357.º do CPP, que já acautelam as garantias do arguido.
É preciso que tenha sido expressamente advertido de que, se não exercer o seu direito ao silêncio, as declarações que prestar podem ser futuramente utilizadas no processo, embora sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova, art. 141º, n º 4, al.b) do CPPP.
Pelo que a falta de assistência por defensor, bem como a omissão ou violação deste dever de informação, determinam a impossibilidade de as declarações serem utilizadas, assegurando uma decisão esclarecida do arguido quanto à sua posterior utilização e desde que reproduzidas ou lidas em audiência de julgamento.
A possibilidade de utilização das declarações, sujeitas à livre apreciação da prova, mantém intacto o direito ao silêncio do arguido, pois a sua decisão de falar inicialmente foi informada e protegida.

Acresce que as declarações previamente prestadas e devidamente documentadas são consideradas "prova pré-constituída" nos autos, e a sua indicação na acusação pode ser feita genericamente como "toda a dos autos", não exigindo uma especificação exaustiva, pois a sua reprodução dependerá também da atitude do arguido (se o arguido se remeterá ao silêncio ou se o teor das suas declarações irá exigir a leitura das anteriores.)
As declarações prévias do arguido são prova pré-constituída nos autos, já existentes à data da acusação e do conhecimento de todos os arguidos, pelo que a sua utilização em audiência não representa surpresa ou diminuição dos direitos da defesa.
E tal não significa dar a tarefa ao tribunal de escolher ou procurar prova nos autos, se bem que nada o impede atendendo a que está vinculado à boa decisão da causa e ao apuramento dos factos na prossecução da verdade material, desde que assegure o contraditório. O tribunal criminal tem um poder-dever oficioso de descoberta da verdade material, consagrado constitucionalmente e no artigo 340.º do CPP2. Isto significa que o tribunal deve ordenar a produção de provas essenciais, mesmo que não sejam expressamente alegadas pelas partes como necessárias para a descoberta da verdade material.
Mais não foi o caso dos autos pois até foi o próprio M.P que indicou concretamente que prova queria ver reproduzida.

Ao ter decidido da maneira como o fez o tribunal a quo omitiu uma diligência de prova pertinente essencial para o apuramento da verdade material, tanto mais que acabou por absolver os arguidos invocando o princípio do in dúbio pro reo, incorrendo na prática de uma nulidade sanável invocada a tempo pelo M.P.
As declarações prévias do arguido são consideradas de grande relevância para a descoberta da verdade material no processo penal. A sua importância é acentuada especialmente quando o arguido exerce o direito ao silêncio em audiência de julgamento.
Uma vez que As declarações previamente prestadas pelo arguido versam unicamente sobre os factos que lhe são imputados e a sua posição factual e processual quanto aos mesmos, ou seja, o que o arguido declarou quando confrontado com os factos.
Este conhecimento do conteúdo é considerado suficiente para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa.
Quando um arguido opta por não prestar declarações em audiência, no exercício do seu legítimo direito ao silêncio, as declarações pré-constituídas nos autos tornam-se essenciais para a descoberta da verdade material e a boa decisão da causa. Sem estas, a verdade material poderia ser prejudicada.
As declarações anteriores do arguido são consideradas um meio de prova, sujeito ao princípio da livre apreciação do julgador (artigo 127.º do Código de Processo Penal), podendo concorrer para a formação da convicção do tribunal.
Sendo assim estamos perante uma nulidade dependente de arguição a "omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade".
Esta nulidade está prevista no abrigo do artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal (CPP), porquanto a nulidade ocorre quando o tribunal omite uma diligência probatória que é considerada "essencial para a descoberta da verdade e boa decisão da causa".
No caso as declarações previamente prestadas pelo arguido são "essenciais" para a descoberta da verdade material e a boa decisão da causa, porque o arguido se remeteu ao silêncio em audiência de julgamento.
O "mero conhecimento de que se trata de declarações do arguido sobre os factos, objeto do julgamento," é considerado suficiente para preencher os requisitos de descoberta da verdade material e boa decisão da causa.
A omissão contraria o poder-dever oficioso do tribunal de descobrir a verdade material, consagrado no artigo 340.º, n.º 1, do CPP. Este princípio impõe ao tribunal a obrigação de "investigar por si o facto" e de "ordenar, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa".
O tribunal tem um poder de direção do processo que lhe permite aceitar todas as diligências probatórias que sejam relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, mesmo que não estejam nas fases anteriores do processo.
A recusa de uma diligência essencial, como a leitura das declarações do arguido, impede a aplicação deste princípio no seu "campo essencial de aplicação".
No caso das declarações do arguido, isso implica que as declarações anteriores devem ter sido prestadas perante autoridade judiciária, com assistência de defensor, e o arguido deve ter sido advertido, nos termos do artigo 141.º, n.º 4, alínea b), do CPP, de que as suas declarações poderiam ser utilizadas futuramente no processo. Estas condições foram cumpridas, o meio de prova não é considerado ilegal ou inadmissível.
A nulidade por omissão de diligência essencial é uma nulidade sanável. Isso significa que, para ser declarada, deve ser arguida pelos interessados dentro dos prazos legais. No caso apresentado, o Ministério Público arguiu a nulidade logo após o indeferimento do seu requerimento, cumprindo o requisito de ser "antes que o ato esteja terminado" cfr. alínea a) do nº 3 do artigo 120º).
Para além de tornarem inválido o ato em que se verificarem, as nulidades invalidam também os que dele dependerem e por elas puderem ser afetados. Cfr. o art. 122º do C. Processo Penal.
A determinada leitura das declarações do arguido, porque meio de prova, terá que ter lugar em audiência de julgamento, impondo-se, portanto, a sua reabertura. A leitura pode contribuir para a nova formação da convicção do tribunal coletivo, mas não afeta a validade da prova já produzida, o que significa que os efeitos da invalidade se estendem apenas aos passos seguintes ao termo da produção de prova, incluindo o acórdão condenatório, cfr. art. 122º do CPP.
Atentando às declarações de arguido em questão, os amplos efeitos que delas pretende retirar o Digno Magistrado recorrente em sede de reapreciação da prova e modificação da decisão proferida sobre a matéria de facto e a necessidade de assegurar ao tribunal coletivo a máxima liberdade na formação da sua convicção, bem como, prevenir qualquer possibilidade de contradição, a invalidade decorrente da verificada nulidade deve estender-se à totalidade do acórdão condenatório.

Em face do exposto, declara-se a nulidade do despacho que indeferiu o requerimento do M.P. para a reprodução das declarações do arguido AA, o que implica igualmente a nulidade do acórdão final proferido com consequente reabertura da audiência de julgamento para reprodução das declarações requeridas pelo M.P., e eventual produção ou reinquirição de prova, se tal se mostrar necessário, com prolação de nova decisão final.

A favor desta posição:
Acórdão uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça (S.T.J.) n.º 5 de 2023, de 4 de Maio. Este acórdão (também referenciado como Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2023, de 9 de junho, uniformizador de jurisprudência, publicado no Diário da República n.º 111/2023, Série I de 2023-06-09, páginas 11 - 2723) estabelece que as declarações feitas pelo arguido no processo perante autoridade judiciária, com respeito pelos artigos 141.º, n.º 4, alínea b), e 357.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, podem ser valoradas como prova desde que reproduzidas ou lidas em audiência de julgamento12. A alteração legislativa que levou a este acórdão teve como objetivo a "disponibilidade de utilização" de tais declarações, acompanhada da consolidação das garantias de defesa do arguido, especialmente o direito ao silêncio, exigindo assistência de defensor e advertência expressa da possibilidade de utilização futura das declarações34.
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 137/2002. Este acórdão é invocado para sublinhar o "princípio da investigação ou da verdade material" como um princípio com valor constitucional. Afirma que o tribunal de julgamento tem o poder-dever de investigar o facto por si mesmo, em audiência, atendendo a todos os meios de prova não irrelevantes para a descoberta da verdade, sem estar absolutamente vinculado aos requerimentos das partes. Sustenta que a aplicação das sanções penais é constitucionalmente legítima apenas se este princípio for respeitado, em consonância com o princípio da culpa, a dignidade da pessoa humana, o estado de direito democrático, o direito à integridade moral e à liberdade1011. Conclui que o princípio da verdade material tem o seu "campo essencial de aplicação na audiência de julgamento".
Acórdão do TRC de 15.03.2017.
“I - É hoje legalmente admissível a leitura na audiência de julgamento, para efeitos de valoração de prova, de declarações prestadas por arguido que nela exerça o direito ao silêncio, desde que tais declarações tenham sido feitas perante autoridade judiciária, desde que o arguido tenha estado assistido por defensor e desde que tenha sido previamente informado de que, não exercendo o direito ao silêncio, as declarações a prestar poderão ser usadas no processo, para efeitos de prova, mesmo que seja julgado na ausência ou na audiência de julgamento não preste declarações.
II - A leitura das declarações anteriormente feitas, permitida pelo art. 357.º, n.º 1, b) do CPP, engloba quer o conteúdo das declarações prestadas directamente ou ex novo ao Ministério Público, quer o conteúdo das declarações anteriormente prestadas, designadamente, perante OPC, e recepcionadas por aquelas, no âmbito da remissão efectuada.
III - Inexistindo impedimento legal a promovida leitura das declarações do arguido prestadas a PSP, para integração das declarações posteriormente prestadas ao Ministério Público e plena compreensão destas, o indeferimento no despacho recorrido da pretensão do Digno Magistrado recorrente, determinou a prática pelo tribunal a quo de nulidade sanável, uma vez que foi omitida uma diligência suscetível de ser reputada como essencial para a descoberta da verdade.(…)”
Declaração de voto da Exm.ª Sr.ª Conselheira Teresa Almeida (no acórdão uniformizador n.º 5/2021 do STJ). Esta declaração é invocada para argumentar que a leitura das declarações do arguido em fases anteriores do processo não depende dos requisitos do artigo 340.º do Código de Processo Penal, mas apenas das condições estabelecidas no artigo 357.º do mesmo Código (declarações perante autoridade judiciária, com assistência de defensor e com a devida advertência legal).

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DISPOSITIVO:

Nos termos apontados, acordam os juízes desta Relação em conceder provimento aos recursos e por consequência:
-Declarar a nulidade do despacho recorrido e portanto, a sua revogação e substituição por outro que, reaberta a audiência, defira a leitura das declarações prestadas pelo arguido, seguindo-se os posteriores termos processuais.
- Invalidar os termos do processo subsequentes ao fim da produção de prova, incluindo o acórdão absolutório.

Sem custas a cargo do recorrente por ser o M.P.



Elaborado e revisto pelo relator.











Sumário da responsabilidade do relator.
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Porto, 26 de junho de 2025

Relator
Paulo Costa

Adjuntos
José Quaresma
Nuno Pires Salpico