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NOTIFICAÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 105º
N.º 4
AL. B) DO RGIT
IRREGULARIDADE DE CONHECIMENTO OFICIOSO
ARTIGO 14º N.º 1 DO RGIT
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
CONDIÇÃO DE PAGAMENTO DA TOTALIDADE DA QUANTIA EM DÍVIDA E LEGAIS ACRÉSCIMOS
Sumário
I - A incorreta notificação prevista no artigo 105º, nº 4, al. b) do RGIT constitui uma irregularidade de conhecimento oficioso, que pode ser sanada com a sua repetição, que pode ter lugar na pendência do processo criminal. II - Por força do disposto no nº 1 do artigo 14º do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão é sempre condicionada ao pagamento da totalidade da quantia em dívida e legais acréscimos, independentemente da condição económica do arguido, não colidindo tal interpretação com os princípios constitucionais da culpa, adequação e proporcionalidade.
(Sumário da responsabilidade da Relatora)
Texto Integral
Processo 1174/23.8T9VLG.P1
Comarca do Porto
Juízo Local Criminal de Valongo – ...
Acordam em conferência os Juízes Desembargadores da 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto:
I - RELATÓRIO
I.1 Por sentença proferida em 30.01.2025 foi decidido (transcrição com a rectificação do erro de cálculo determinado por despacho proferido na 1ª Instância em 30.04.2025): “a. Condenar a arguida “A..., Lda.” pela prática, em co-autoria material e continuação criminosa, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelo art. 107.º, n.º 1, por referência ao disposto nos arts. 7.º e 12.º, n.º 2, todos do RGIT, na pena de 260 (duzentos e sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), assim perfazendo um total de € 1.300,00 (mil e trezentos euros); b. Condenar o arguido AA pela prática, em co-autoria material e continuação criminosa, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelo art. 107.º, n.º 1 do RGIT, na pena de 280 (duzentos e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (cinco euros), assim perfazendo um total de € 1.680,00 (mil, seiscentos e oitenta euros); c. Condenar a arguida BB pela prática, em coautoria material e continuação criminosa, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelo art. 107.º, n.º 1 do RGIT, na pena de 220 (duzentos e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros), assim perfazendo um total de € 1.540,00 (mil, quinhentos e quarenta euros); d. Condenar o arguido CC pela prática, em co-autoria material e continuação criminosa, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelo art. 107.º, n.º 1 do RGIT, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, cuja execução se suspende, atentos os termos conjugados dos arts. 14.º, n.º 1 do mesmo diploma legal e 50.º do Código Penal, pelo período de 5 (cinco) anos, condicionada ao dever de pagamento ao “Instituto de Segurança Social, IP” de um total de € 55.441,65 (cinquenta e cinco mil, quatrocentos e quarenta e um euros e sessenta e cinco cêntimos) – sendo o montante de € 46.475,40 (quarenta e seis mil, quatrocentos e setenta e cinco euros e quarenta cêntimos) devido a título de capital e o montante de € 8.966,25 (oito mil, novecentos e sessenta e seis euros e vinte e cinco cêntimos) devido a título de juros moratórios vencidos.
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B. A procedência do pedido de indemnização civil e consequente condenação dos arguidos “A..., Lda.”, AA, BB e CC, enquanto demandados cíveis, no pagamento ao “Instituto de Segurança Social, IP”, enquanto demandante cível, é-o no total de € 55.441,65 (cinquenta e cinco mil, quatrocentos e quarenta e um euros e sessenta e cinco cêntimos) – sendo o montante de € 46.475,40 (quarenta e seis mil, quatrocentos e setenta e cinco euros e quarenta cêntimos) devido a título de capital e o montante de € 8.966,25 (oito mil, novecentos e sessenta e seis euros e vinte e cinco cêntimos) devido a título de juros moratórios vencidos– a que acrescerão os vincendos, à taxa legal estabelecida no regime geral dos juros de mora para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas, até efectivo e integral pagamento.”
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I.2. Recurso da decisão
O arguidoCC interpôs recurso da decisão, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição integral):
“A. O presente recurso tem como objeto a matéria de direito do acórdão condenatório proferido nos presentes autos e versa sobre a parte penal e a parte civil,
B. Previamente a qualquer consideração a decisão recorrida tem um erro no enunciado, relativamente ao valor total da dívida [capital acrescido dos juros], visto que o montante expresso em numeral é diferente do montante expresso por extenso a fls. 26 a 29 da sentença;
C. Para que o Arguido consiga apurar o montante total em dívida, bem como, o montante adstrito a cumprimento da condição de suspensão da execução da pena, deverá, nos termos do artigo 379°, n° 1, al. a) do CPP ser corrigido tal lapso, indicando-se de forma clara o montante respetivo;
D. Adicionalmente, não consta da sentença recorrida qualquer fundamentação em específico sobre o preenchimento das condições de punibilidade constantes do artigo 105°, n° 4 do — RGIT, além de uma referência genérica, não logra a sentença recorrida, fazer menção, em específico, na fundamentação, às notificações feitas à Sociedade ou a qualquer um dos Arguidos, à prova, em particular, produzida para comprovar a realização de tais notificações, bem como, não há qualquer juízo de valor sobre a validade e/ou conformidade das notificações presentes nos autos.
E. Pelo que, vem o Arguido, entendendo ser obrigatória a ponderação sobre o preenchimento das condições objetivas de punibilidade presentes no artigo 105° do RGIT, arguir o vício de falta de fundamentação da Sentença, previsto no artigo 379°, n° 1, al. a) do CPP, com remissão para o artigo 374°, n° 2 do CPP.
F. A notificação feita à Sociedade, constante a fls. 14 e 16 dos autos, é feita a 17 de agosto de 2021, tendo nessa data sido recebida pela DD.
G. Sucede que, os momentos temporais das dívidas decorrem de abril de 2020 a julho de 2020 e setembro de 2020 a maio de 2021;
H. Atendendo que o prazo para pagamento das contribuições e quotizações decorre do dia 10 até ao dia 20 do mês seguinte àquele que a contribuições e quotizações dizem respeito, atento o disposto no artigo 43° do RCSC, não haviam decorrido 90 dias desde a data em que o contribuinte (a sociedade comercial) tinha que entregar a prestação;
I. Não tendo ainda decorrido 90 dias após a data em que deveria ter sido entregue (parte) da prestação tributária, ainda não havia qualquer suspeição da prática de um crime, estando ainda no campo da aplicação da punibilidade das contra-ordenações e não no escopo da punibilidade criminal, atento à condição objetiva de punibilidade constante do artigo 105°, n° 4, al. a) do RGIT.
J. A notificação havia de ser feita relativamente ao período, em que já tivessem decorrido 90 dias, desde a falta de pagamento da prestação. O que não ocorreu!
J. Atendendo ao disposto, das duas uma, ou a notificação é inválida e não carece da possibilidade de retificação ou a notificação é irregular, não podendo ser retificada.
K. Isto porque, tal retificação teria que ser operada até ao momento de dedução da Acusação, visto que, só até esse momento, é que se poderia apurar a existência ou não de um crime.
L. Neste caso, dependendo a existência de crime, da perfeição das duas condições objetivas de punibilidade previstas no artigo 105° do RGIT na falta, imperfeição ou invalidade de qualquer uma daquelas condições, não há crime, em virtude de estar em falta uma causa objetiva de punibilidade, que atua como um verdadeiro pressuposto criminal.
M. A este respeito, há que atender ao disposto no artigo 311° do CPP, nomeadamente o disposto no n° 2, al. a) e n° 3 al. d) do CPP, pelo que, por maioria de razão, a Acusação deveria ter sido rejeitada, em virtude dos factos à data não constituírem crime.
N. Neste caso, teremos que concluir que, estamos perante um erro de julgamento constante da sentença recorrida.
O. Apurando-se em sede de recurso, que a notificação (prevista no artigo 105°, n° 4, al b) do RGIT), feita à Sociedade ou ao(s) Arguido(s) é inválida, o que, atendendo ao exposto, é evidente, importa a absolvição do Arguido, em virtude de não estar preenchida uma das condições objetivas de punibilidade e, por isso, não existir qualquer crime que possa ser imputado ao Arguido recorrente.
P. Acresce ainda que, a notificação feita à Sociedade padece da menção específica da consequência no caso do pagamento da prestação juros e coima (cfr. consta do art. 105°, n° 4, al. b) do RGIT), nomeadamente não dispõe a notificação de forma clara que o pagamento da prestação, juros e coima tem como consequência a não imputabilidade a título criminal;
Q. Na falta deste requisito, deverá a notificação ter-se como inválida, por falta de requisito obrigatório da notificação, cuja consequência será a absolvição do arguido, isto porque, — conforme mencionado, invalidade da notificação só poderia, eventualmente, ser suprida até à acusação, atento o disposto no artigo 311°, n° 2 al. a) e n° 3, al. d) do CPP,
R. Teremos, por isso, que concluir que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, atendendo a que falta da menção clara na notificação realizada à Sociedade de que a falta de pagamento da prestação, juros e coima, tem como consequência o afastamento da responsabilidade criminal, o que deverá impor a absolvição do Arguido.
S. Acresce ainda que, o Arguido só foi notificado da Sentença dois anos após a notificação que foi feita à Sociedade,
T. Crê o Arguido que este hiato temporal é injustificado, ainda que o arguido seja o Gerente de Facto da Sociedade, esvaziando a notificação do seu efeito prático.
U. A injustificada delonga na notificação do Arguido, por si, é passível suficiente para colocar em causa a validade da mesma e, pelos mesmos fundamentos aduzidos, terá como consequência a não verificação da condição de punibilidade prevista no 105°, n° 4, al. b) do RGIT, tendo como consequência a absolvição do arguido, pois, crê o Arguido que a sentença padece de erro de julgamento.
V. Ainda a este respeito, a notificação feita ao arguido (a fls. 206) padece da menção de que o pagamento da prestação, juros e coima, (cfr. consta do art. 105°, n° 4, al. b) do RGIT) tem como consequência a não imputabilidade a título criminal;
W. Na falta deste requisito, deverá a notificação ter-se como inválida, por falta de requisito obrigatório da notificação, cuja consequência será a absolvição do arguido, isto porque, conforme mencionado, a invalidade da notificação só poderia, eventualmente, ser suprida até à acusação, atento o disposto no artigo 311°, n° 2 al. a) e n° 3, al. d) do CPP,
X. Adicionalmente, a notificação do arguido é feita ao mesmo durante a constituição de — arguido do mesmo,
Y. Cremos que naquele momento temporal, pelo facto de ainda não estarem preenchidos os pressupostos do crime de abuso de confiança contra a segurança social previstos no artigo 105°, n° 4, al. a e b) do RGIT, o arguido não seria, tão pouco, suspeito da prática de qualquer crime;
Z. Pelo que, deveria ter sido o arguido notificado em data anterior à data em que foi constituído arguido e só posteriormente é que havia de ter ocorrido o restante procedimento constante do artigo 105°, n° 4 do RGIT,
AA. Nomeadamente, decorridos 90 dias desde a falta de pagamento da prestação,
BB. Deveria ter sido feita a notificação ao Arguido, para a realização do pagamento da prestação, juros e coima(s),
CC. E após a realização de notificação válida para o pagamento da prestação, juros e coima, nos 30 dias seguintes ao da recepção da notificação, deveria ter-se procedido à constituição de arguido,
DD. Adicionalmente, decorre da notificação feita ao arguido (a fls. 206) que o cumprimento da presente notificação é passível de determinar o eventual arquivamento do processo de inquérito atualmente em curso, por extinção da responsabilidade criminal. EE. Ora, esta advertência é desprovida de qualquer sentido, isto porque, conforme exposto, naquele momento ainda não estavam preenchidos os pressupostos criminais do crime para o qual veio o arguido a ser acusado e condenado nos presentes autos.
FF. Pelo exposto, entende ainda o Arguido que, a notificação que lhe foi feita, na data de constituição de Arguido e de prestação de termo de identidade e residência é inválida (fls. 206).
GG. Pelos motivos aduzidos supra, ainda que se considere a notificação irregular, sempre — teria o mesmo efeito prático: a irregularidade havia de ter sido retificada até à dedução da acusação, não tendo sido feita, não está preenchido o requisito do artigo 105°, n° 4, al. b) do RGIT, isto é, no momento da Acusação, não havia qualquer responsabilidade criminal do Arguido, pelo que, aduzidos os motivos já arguidos supra, atento o disposto no artigo 311°, n° 2, a. a) e n° 3, al. d) do CPP, deveria a acusação ter sido rejeitada, consequentemente, deve o Arguido ser absolvido, existindo claro erro de julgamento, não existindo qualquer crime a ser imputado, por falta de preenchimento de uma das condições objetivas de punibilidade.
HH. Adicionalmente, o Arguido só foi notificado a título de representante da Sociedade e não a título pessoal.
II. Cremos que o normativo legal, já amplamente mencionado, exige a notificação ao Arguido (Gerente da Sociedade) a título pessoal e a título de representante da Sociedade.
JJ. Pelos motivos aduzidos supra, consideramos que a notificação ao Arguido a título pessoal está em falta,
KK. Estando a notificação em falta, carece de preenchimento a condição objetiva de punibilidade prevista no art. 105°, n° 4, al. b) do RGIT, pelo que deve o arguido ser absolvido, tendo existido erro de julgamento.
LL. Acresce que, a sentença recorrida condena o arguido na pena de dois anos e seis meses, suspensa na sua execução pelo período de cinco anos e condiciona a suspensão ao pagamento da totalidade da prestação, acrescido de juros e coima(s);
MM. Na sentença recorrida é feita uma leitura demasiado formalista e literal do artigo 14° do RGIT, não sendo atendido a possibilidade do Arguido fazer, por exemplo, um pagamento parcial do valor em dívida, equivalente à proporção da sua responsabilidade cível,
NN. Atendendo à condenação de quatro arguidos em co-autoria, a condição de suspensão é manifestamente desproporcional e irrazoável, em violação do princípio constitucional previsto no artigo 18°, n° 2 da CRP
OO. E colocando o arguido na posição insustentável de ter que realizar a totalidade do pagamento e indiretamente, de certo modo, desresponsabilizando os restantes arguidos do pagamento do montante total da dívida,
PP. Ignorando o facto do Arguido ter condições económicas deficitárias.
QQ. Posto isto, é evidente, que o Arguido não tem possibilidades económicas para suportar o montante total em dívida no período de cinco anos, tendo, na prática, a sentença recorrida, condenado o Arguido a uma pena efetiva, colocando-o numa posição de obrigatório incumprimento da condição da suspensão da pena.
RR. A sentença recorrida ignora de sobremaneira o juízo de prognose de razoabilidade acerca da possibilidade do condenado satisfazer a condição legal de pagamento da prestação em dívida à segurança social, crê o Arguido que a sentença estará ferida de nulidade, pois, atento o disposto incorreu a sentença em omissão de pronúncia, determinativa de nulidade, nos termos do art. 379.°, n.° 1, al. c) e n.°2, do CPP.
SS. Acresce ainda que da sentença não consta qualquer fundamentação ou sentido crítico para que o Arguido seja exclusivamente imputado o pagamento da totalidade dos montantes.
TT. A sentença recorrida limita-se a indicar o texto do artigo 14° do RGIT, fazendo uma ponderação sobre a prevalência da lei especial sob a lei geral, mas, em nenhum momento, fundamenta condignamente, o facto específico e concreto, de ao Arguido da suspensão da execução ter sido condicionada à totalidade dos montantes em dívida.
UU. Também não é feito nenhum juízo ou apresentada qualquer fundamentação, para o facto de ter sido a suspensão condicionada ao pagamento já amplamente mencionado, durante o período máximo, de 5 (cinco) anos.
VV. Salvo melhor entendimento, atento o disposto incorreu a sentença em omissão de — pronúncia, determinativa de nulidade, que se vem arguir, nos termos do art. 379.°, n.° 1, al. c) e n.°2, do CPP.
WW. Acresce ainda que, quanto à parte cível, não é expressamente mencionado qual o tipo de responsabilidade que recai sobre cada um dos co-arguidos, ora demandados cíveis, ainda para para mais quando dispõe expressamente o artigo 513° do Código Civil que "A solidariedade de devedores ou credores só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes.".
XX. Cremos que, no entanto, se trata de um erro que não importa uma modificação essencial, pelo que, deverá ser corrigido, nos termos e para os efeitos do artigo 380° do CPP.” Pugna pela absolvição do arguido. Ou subsidiariamente, pelo decretamento da nulidade por omissão de fundamentação da sentença recorrida. Ou subsidiariamente, pelo decretamento da nulidade por omissão de pronúncia da sentença recorrida.
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I.3. Resposta do Ministério Público
O Ministério Público, na resposta ao recurso, sem formular conclusões, pronunciou-se pela sua improcedência e manutenção da decisão recorrida.
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I.4. Parecer do Ministério Público
Nesta Relação o Ministério Público emitiu parecer desfavorável ao provimento do recurso.
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I.5. Resposta ao parecer
Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do Código de Processo Penal (doravante CPP), não tendo sido apresentada resposta ao parecer do Ministério Público.
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I.6. Foram colhidos os vistos e, de seguida, o processo foi à conferência.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
II.1. Objecto do Recurso
Conforme jurisprudência constante e assente, é pelas conclusões apresentadas pelo recorrente que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, in http://www.dgsi.pt), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do CPP (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95).
Assim, da análise das conclusões do recorrente extraímos sequencialmente as seguintes questões que importam apreciar e decidir:
A) Parte Criminal
1ª Nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação – artigo 379º, n.º 1, al. a) do CPP;
2ª A invalidade das notificações da arguida sociedade e do arguido/recorrente a que alude o artigo 105º, n.º 4, al. b) do Regime Geral das Infraccções Tributárias (doravante RGIT);
3ª Desproporcionalidade da condição de suspensão da execução da pena de prisão;
4ª Nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia – artigo 379º, n.º 1, al. c) do CPP.
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B) Parte Civil
1ª Erro na sentença por não mencionar expressamente o tipo de responsabilidade que recai sobre cada um dos demandados – artigo 380º do CPP.
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Consigna-se que o lapso material apontado pelo recorrente no tocante ao montante do valor total em dívida expresso em numeral ser diferente do montante mencionado por extenso já foi alvo de apreciação na 1ª instância por despacho proferido em 30.04.2025, pelo que, nesta parte nada há a apreciar.
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Já quanto ao montante do capital em dívida constante no ponto 7. dos factos provados - €46.785,17 - na sequência do referido despacho proferido em 30.04.2025 importa rectificá-lo em conformidade de modo a que passe para o montante de €46.475,40.
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Conheceremos os fundamentos do recurso pela sua ordem lógica das consequências da sua eventual procedência e influência preclusiva.
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II.2. Sentença recorrida (que se transcreve na parte com relevo para apreciação do recurso, com a rectificação do erro supra detectado no ponto 7. dos factos provados):
“2. Dos factos
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2.1. Matéria de facto provada
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Da discussão resultaram provados os seguintes factos, que doravante se elencam por referência às peças processuais de referência nos autos, expurgadas de factualidade irrelevante para a descoberta da verdade material, bem como de juízos conclusivos ou de Direito:
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1. A "A..., Lda." é uma sociedade comercial por quotas, constituída em 19/03/18, matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Porto sob o n.º ...11, cujo objecto social se prendia com: indústria de construção civil, compra e venda de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, gestão de empreendimentos imobiliários e turísticos; actividade de mediação imobiliária, compra e venda de bens imobiliários; actividades de consultadoria para os negócios e gestão de serviços financeiros; compra, venda, aluguer, importação e exportação de veículos automóveis, máquinas e equipamentos, sua reparação e manutenção.
2. Sendo titulares das respectivas quotas os arguidos AA [quota no valor nominal de € 13.000,00 (treze mil euros)] e BB [quota no valor nominal de € 26.000,00 (vinte e seis mil euros)].
3. Obrigando-se a sociedade com a assinatura do arguido AA, o qual, desde a data da sua constituição, foi designado como gerente, cargo ao qual renunciou em 13/06/23.
4. Encontrando-se o arguido AA inscrito e qualificado como MOE na sociedade arguida, apresentando registo de remunerações nessa qualidade; o arguido CC inscrito e qualificado como trabalhador por conta de outrem, registo de remunerações nessa qualidade; a arguida BB não apresentava qualquer registo de remunerações na sociedade arguida.
5. Os arguidos AA, BB e CC eram os responsáveis pelo desenvolvimento da actividade da sociedade arguida, dando as instruções e ordens à mesma atinentes, nomeadamente no tocante aos pagamentos a fornecedores, à facturação da empresa, à contratação dos seus trabalhadores, ao processamento dos respectivos salários e à liquidação das quantias devidas à Administração Fiscal e à Segurança Social.
6. A sociedade arguida dispunha, sob a sua dependência laboral, de cerca de quarenta trabalhadores declarados à Segurança Social segundo o Regime Geral, os quais, bem como os MOE, recebiam os seus salários e estavam sujeitos à retenção na fonte das contribuições por eles devidas à Segurança Social, calculada à taxa de 11% sobre as remunerações auferidas.
7. Nos períodos compreendidos entre os meses de Abril de 2020 a Julho de 2020 e de Setembro de 2020 a Maio de 2021, a sociedade arguida, por decisão dos arguidos AA, BB e CC, deixou de cumprir com a sua obrigação de entregar à Segurança Social tais contribuições, retidas mensalmente das remunerações pagas aos trabalhadores e órgãos estatutários, no valor global de € 46.475,40 (quarenta e seis mil, quatrocentos e setenta e cinco euros e quarenta cêntimos).
8. Nem no prazo legal, nem nos 90 (noventa) dias subsequentes ao seu termo, a sociedade arguida, por determinação dos arguidos AA, BB e CC, entregou esse montante nos serviços da Segurança Social.
9. O qual igualmente não foi liquidado nos 30 (trinta) dias subsequentes à notificação que lhes foi efectuada, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 105.°, n.° 4, al. b), do RGIT.
10. Ao fazer com que a sociedade arguida não procedesse à entrega do discriminado montante, quiseram os arguidos AA, BB e CC fazê-lo daquela, diluindo-o nos respectivos meios financeiros e assim o integrando no respectivo património, ciente de não lhes pertencer e do dever de o entregar nos cofres da Segurança Social.
11. Actuando sempre no quadro de uma única solicitação externa, que os fez prosseguir com a sua conduta durante os referidos períodos, não havendo a sociedade arguida de que eram gerentes sido objecto de qualquer fiscalização ou penalização durante aqueles, o que os encorajou a persistir.
12. Sabiam que o seu comportamento era proibido e punido por lei.
13. Não obstante o que não deixaram de actuar como actuaram, agindo livre e conscientemente.
14. O arguido AA é divorciado; reside num quarto na casa da sua ex-companheira; trabalha como operário da construção civil no estrangeiro, auferimento um vencimento mensal aproximado de €1.800,00 (mil e oitocentos euros) e liquidando o montante de €650,00 (seiscentos e cinquenta euros) pelo arrendamento de uma habitação; tem três filhos, com trinta e seis, trinta e quatro e trinta e três anos de idade; completou o 6.° ano de escolaridade.
15. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.
16. A arguida BB é casada com o arguido CC; integram o seu agregado familiar a sua mulher e dois filhos, com vinte e quinze anos de idade; reside em casa pertença do seu sogro; trabalha como auxiliar de refeitório, auferimento um vencimento mensal €400,00 (quatrocentos euros); encontra-se a amortizar empréstimo contraído para a aquisição de habitação própria no montante mensal de cerca de €350,00 (trezentos e cinquenta euros), a qual se encontra arrendada pela quantia de €300,00 (trezentos euros) por mês; completou o 9.° ano de escolaridade.
17. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.
18. O arguido CC é casado com a arguida BB; integram o seu agregado familiar a sua mulher e dois filhos, com vinte e quinze anos de idade; reside em casa pertença do seu progenitor; trabalha como chefe de ferro, auferimento um vencimento mensal aproximado de €1.300,00 (mil e trezentos euros); encontra-se a amortizar empréstimo contraído para a aquisição de habitação própria no montante mensal de cerca de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros), a qual se encontra arrendada pela quantia de € 300,00 (trezentos euros) por mês; completou o 9.° ano de escolaridade.
19. É-lhe conhecido o seguinte antecedente criminal português:
- PCS n.° 2042/17.8T9VLG - Juízo ... Local Criminal de ... do Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Condenação, proferida em 30/09/19 e transitada em 30/10/19, pela prática, em Novembro de 2012, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão, cuja execução se suspendeu por igual período de tempo.
20. São-lhe conhecidos antecedentes criminais belgas, pela prática, entre 05/12/20 e 21/01/23, de dezanove crimes relacionados com o exercício da condução rodoviária.
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Mais se demonstrou:
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21. No âmbito da quantia devida à Segurança Social, foi liquidado em Abril de 2020 o montante de € 309,77 (trezentos e nove euros e setenta e sete cêntimos), correspondente às cotizações retidas e não pagas referentes a esse ano e mês.
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Não resultaram provados ou não provados quaisquer outros factos.
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2.2. Fundamentação da matéria de facto
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O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica do conjunto da prova produzida, cotejada com as regras da experiência comum e da normalidade social, tendo sopesado as declarações prestadas pelos arguidos, os depoimentos protagonizados pelas testemunhas inquiridas e os documentos juntos aos autos com pertinência para a descoberta da verdade material, nos moldes que doravante se expendem.
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Os arguidos prestaram declarações, a analisar de acordo com a sua cronologia.
A arguida BB identificou os arguidos AA e CC como os gerentes de facto da sociedade, afirmando que ambos tinham os poderes de contratação de funcionários e de decisão acerca das obras, comparecendo em conjunto no gabinete de contabilidade quando necessário; já a própria costumava permanecer em casa, apenas se deslocando às instalações da sociedade cerca de duas ou três vezes por semana, em concreto, quando carecia de efectuar os pagamentos que o arguido AA lhe determinava - o mesmo receando enganar-se na liquidação das contribuições devidas às Segurança Social, razão pela qual a observava no desempenho dessa tarefa -, assinar contratos ou inteirar-se do correio - pese embora aquela contasse com duas funcionárias administrativas. Sufragou que deixava as guias da Segurança Social de lado para que o arguido AA as visse e que este dispunha, à semelhança do arguido CC, mas também da própria, de acesso às contas e aos cartões de pagamento. Deu conta da ordem pela qual os pagamentos eram efectuados, a saber, em primeiro lugar, os funcionários, em segundo lugar, os arguidos e, em terceiro lugar, o Estado. Concretizou que todos se encontrando cientes da sua situação de incumprimento, a própria cuidando de informar o arguido CC quando ambos se encontravam em casa. Instada, respondeu que, caso um ou outro carecessem de informações, nomeadamente atinentes a facturação e clientes, quando se encontravam nas obras, as solicitavam às referidas funcionárias administrativas, que não à própria. Instada, respondeu ter dado o seu nome para a constituição da sociedade arguida dada a falência da anterior sociedade tida pelo arguido CC, o que o impediu de ser titular de outras, consentindo que essa outra era devedora da Administração Tributária e da Segurança Social.
O arguido CC assumiu ser um dos gestores de facto da sociedade arguida, conspecto em que esclareceu ter sido anteriormente condenado pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social e ter obras em curso na Bélgica, às quais importava dar continuidade e assegurar o pagamento de quem nas mesmas trabalhava, de entre os seus funcionários se encontrando o arguido AA, a quem propôs a constituição de uma sociedade com a arguida BB com esse propósito, ao que o mesmo, sabedor das dívidas da sua anterior sociedade, das quais lhe deu conta, assentiu, em suma, o tendo "convidado para ser [seu] sócio" (sic). Descreveu que ambos geriam as obras, sendo o próprio o responsável pelas realizadas na Bélgica e o arguido AA pelas levadas a cabo em Portugal, frequentavam reuniões, conferiam os pagamentos, contratavam trabalhadores e dispunham de cartões bancários, concluindo "[ser] tão patrão como [o próprio]" (sic) e que "tomava as atitudes em acordo [consigo] (sic). Afiançou que aquele "sabia de tudo" (sic), estando ciente da situação de incumprimento perante a Segurança Social desde o primeiro mês em que a sociedade arguida não logrou liquidar atempadamente as cotizações devidas. Recusou que a arguida BB gerisse a sociedade arguida, sustentando ter unicamente sido acordado que se incumbiria dos pagamentos à Segurança Social e assinava contratos de trabalho dada a sua qualidade de sócia, em razão do que passava a maior parte do seu tempo em casa, justificando as suas idas às instalações da sociedade arguida por "gostar de passar por lá para [fofocar com as funcionárias administrativas]" (sic); acrescentou que estava a par do saldo das contas bancárias, pelo que "se houvesse dinheiro para pagar à sociedade, ela pagava logo" (sic), após o que lhe dizia "amor, já paguei a Segurança Social" (sic).
O arguido AA anunciou ter sido funcionário de uma sociedade tida pelo arguido CC, tendo exercido as suas funções na Bélgica durante cerca de cinco anos, posteriormente ao que, à semelhança da arguida BB, lhe deu o nome para a constituição de uma nova sociedade, enfatizando serem amigos e confiando naquele mais do que na sua progenitora; disse que a sociedade arguida era de facto gerida pelo arguido CC, mas igualmente pela arguida BB. Veiculou terem convencionado que aquele trataria das obras na Bélgica e o próprio das obras em Portugal, aos Sábados se deslocando às instalações da empresa para se reunir com colegas, reconhecendo estarem presentes os referidos arguidos e as funcionárias administrativas, uma das quais sua filha, cujo objectivo único era o de abrirem a porta. Referiu que, tal como a arguida BB, dispunha de um cartão bancário, que utilizava para pagamentos esporádicos de combustível, afinal, para pagamentos frequentes, não apenas de combustível, mas de outras despesas, como adiantamentos de salário aos funcionários, sem prejuízo do que aquela o contactava telefonicamente a dar conta de carecer de dinheiro para certos gastos. Apontou a arguida BB como sendo quem liquidava as cotizações devidas à Segurança Social, ficando ciente do incumprimento apenas quando, em determinado mês, recebeu menos, então lhe tendo sido dito pelo arguido CC ter firmado um acordo com a Segurança Social para a liquidação faseada de uma dívida. Instado, respondeu ignorar as implicações de figurar como sócio e gerente de uma sociedade comercial quando consentiu no uso do seu nome por parte do arguido CC, do mesmo passo que relatou que o mesmo lhe prometera que ambos iriam montar uma empresa em Portugal que lhes permitisse não terem que emigrar, tendo consentido que assinou contratos de trabalho, se deslocou com aquele ao gabinete de contabilidade para entregar uma quantia em dinheiro por ocasião do Natal e esperava lucrar com a actividade da sociedade arguida. Ainda instado, retorquiu que a sociedade arguida "era dos três" (sic).
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Em sede de acusação pública, foram arrolados como testemunhas: EE, funcionária do ISS, IP em exercício de funções no respectivo Núcleo de Contribuições do Centro Distrital ...; FF, funcionária administrativa da sociedade arguida e filha do arguido AA - a qual validamente se recusou a depor; GG e HH, ambos funcionários da sociedade arguida em obras levadas a cabo na Bélgica. Sendo certo que a testemunha EE se limitou a confirmar o montante em dívida por parte da sociedade arguida à Segurança Social, que quantificou em conformidade com o libelo acusatório, anunciando, porém, um pagamento efectuado no valor de € 309,77 (trezentos e nove euros e setenta e sete cêntimos) no mês de Abril de 2020, ao passo que a testemunha HH em medida alguma auxiliou na descoberta da verdade material, tão-só logrando dar conta do seu vínculo profissional durante um período de cerca de três meses e do recebimento do seu vencimento através de transferência bancária, ignorando quem assumia a gerência de facto da sociedade arguida, já a testemunha GG prestou um depoimento mais pertinente na dilucidação dos factos em questão que, não obstante, não convenceu, mercê das hesitações e incongruências em que resvalou, no confronto com os ditames da lógica e do senso comum, que patentearam a parcialidade subjacente ao seu relato, visando claramente beneficiar o arguido AA em detrimento dos demais, donde, na perspectiva deste Tribunal, a sua falta de credibilidade. Afirmou ter trabalhado para os arguidos BB e CC entre 2017 e 2021/22 - o mesmo é dizer, por um período de pelo menos quatro anos -, reputando ambos como os seus patrões - conquanto que alardeasse concomitantemente ter sido contratado pelo arguido CC e pela sua "empregada de escritório" (sic); disse que a arguida BB só trabalhava em Portugal, sendo quem liquidava o seu salário através de transferência bancária, afinal desconhecendo se assim sucedia, afinal sendo o nome daquela o que via associado ao referido pagamento; revelou que sempre trabalhou na Bélgica e sequer ouviu falar acerca do arguido AA, ainda que o próprio haja assumido ter trabalhado naquele país durante um longo - e necessariamente coincidente, ainda que em parte - período de tempo.
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Em sede de contestações, foram arrolados como testemunhas: II, funcionário da sociedade arguida em obras nacionais e irmão do arguido AA; JJ, KK e LL, funcionários da sociedade arguida em obras nacionais. Todos consideraram serem seus empregadores os arguidos AA e CC, apenas a testemunha JJ tendo ajuizado ser apenas este último, o que, porém, não decorreu linear e inequivocamente do respectivo excurso, pois que reconheceu que aquele andava a dar ordens, não apenas a si e no âmbito de uma mesma obra em que se encontrassem a trabalhar, mas antes de obra em obra, de resto o tendo visto nas instalações da sociedade arguida nos dois Sábados em que ali se deslocou para receber, particular em que opinou dever-se a sua presença ao facto de ser "chefe de equipa" (sic).
Atentemos.
A testemunha II afirmou ter trabalhado durante cinco anos em obras realizadas em Portugal sob as ordens dos arguidos AA e CC, precisando posteriormente que as do primeiro o eram no contexto das obras, mas vindo a reconhecer que "ele também era patrão" (sic), a propósito do que concretizou que jamais lhe deu conta das dificuldades financeiras com que a sociedade arguida se deparava e que, trabalhando nas obras de Segunda a Sexta, ao Sábado se deslocava ao escritório, nomeadamente marcando presença aquando do recebimento dos salários. A testemunha KK referiu que fazia a limpeza das obras, no que contactava com uma funcionária de nome MM, que, em seguida, contactava indistintamente com qualquer um dos dois arguidos em questão. Acrescentou ter-se dirigido a ambos para efeitos da sua contratação e que apenas o seu último vencimento foi pago em dinheiro, sempre tendo recebido por meio de transferência bancária. A testemunha LL aduziu que, aquando da sua contratação, aqueles dois lhe transmitiram que a sociedade arguida lhes pertencia.
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Documentalmente, retiveram-se, no âmbito dos autos principais: o auto de notícia de fls. 3 e seguinte; a notificação de fls. 79; a certidão de matrícula da sociedade arguida e os CRC dos arguidos. Consideraram-se, no âmbito dos autos "anexos" (sic): a listagem de conta corrente de contribuinte de fls. 4 e seguinte; o mapa das quotizações em falta de fls. 6; os extractos de remunerações de fls. 17 e seguintes, de fls. 30 e seguintes, de fls. 47 e seguintes, de fls. 61 e seguintes, de fls. 72 e seguintes, de fls. 86 e seguintes, de fls. 100 e seguintes e de fls. 157 e seguintes; os recibos de vencimento de fls. 134 e seguintes, de fls. 148 e seguintes e de fls. 156 e seguintes; a notificação de fls. 283 e seguinte; a mensagem de correio electrónico de fls. 302 e seguintes, incluindo o mapa de fls. 306.
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Assim apreciada a prova produzida, vejamos.
Constituindo questão a dirimir no âmbito dos presentes autos a identidade dos gerentes de facto da sociedade arguida, podemos desde logo adiantar que o arguido CC assumia os destinos daquela no seu dia-a-dia: o próprio consentiu que assim sucedia, ao mesmo tempo que explicou por que motivo o seu nome não figurava no pacto social, o que fez com uma naturalidade que tivemos por preocupante, na precisa medida em que decorreu do seu relato ignorar o acentuado desvalor da sua conduta que atestámos corresponder já a uma sua prática, a saber, a constituição sucessiva de sociedades com o mesmo objecto social, que lhe permitem o prosseguimento das obras em curso e a manutenção dos funcionários ao seu serviço, em caso de não lograr cumprir com as obrigações decorrentes do seu normal desenvolvimento, caso paradigmático das dívidas à Segurança Social. Ainda que haja proclamado ser seu desiderato acautelar o sustento dos preditos funcionários, o expediente assim cogitado assume foros de manifesta discrepância com os ditames do Direito, sendo certo que, a não obter o mínimo de lucro para o próprio, e certamente não correria o risco de se ver envolvido em litigância judicial, de foro cível e de foro criminal, como ora sucede.
Por outro lado, dúvidas não nos mereceu a qualificação do arguido AA como gerente de facto da sociedade arguida. Com efeito, foi o próprio quem se contradisse amiúde ao longo do seu relato, mas que encarámos como dotado de lógica: sendo há muito funcionário de uma sociedade do arguido CC que operava na Bélgica, onde se encontrava, confiou na promessa que lhe foi feita por parte de quem estimava no sentido de ambos criarem uma nova sociedade, cuja obras a levar a cabo em Portugal lhes iriam permitir não mais emigrarem, com o que manifestamente concordou. Mais do que possibilitar ao arguido CC o prosseguimento da actividade que levava a cabo na sua anterior sociedade sob um outro nome, foi o arguido AA que expressamente afirmou nas suas declarações que a "a empresa era dos três" (sic), decorrendo da produção de prova que superintendia a respectiva actividade no território nacional, ao passo que o arguido CC se incumbia da sua vertente internacional. A ser um mero funcionário, não se compreenderia asserções feitas pelo próprio, exemplificativamente, adiantar vencimentos e reunir-se aos Sábados nas instalações da empresa. Pretender inculcar, conforme perfilhado em sede de alegações finais, ter o arguido AA sido, em bom rigor, burlado pelo arguido CC, não colhe de todo em todo, pois que certamente assim não se sentiria se a sociedade arguida lucrasse como expressamente declarou ser a sua expectativa. Acresce que o homem médio se encontra a par das implicações possíveis de "dar o nome" (aspas nossas) para a constituição de uma sociedade.
Por fim, e no que diz respeito à arguida BB, igualmente nos convencemos que integrava a gerência de facto da sociedade arguida assente o contexto traçado pelos demais. O mesmo é dizer, se o arguido CC tinha a seu cargo as obras da Bélgica e o arguido AA as obras de Portugal, ambos sendo concomitantemente interventores nas mesmas, tornava-se imperioso o auxílio de uma outra pessoa na gestão do quotidiano burocrático da sociedade arguida, cargo que era desempenhado por aquela. Outra ilação não podemos retirar, por exemplo, dos pagamentos que fazia, não se tratando de uma mera executora conforme quis inculcar, antes de uma gestora animada de espírito crítico e de liberdade na sua actuação, do que constitui mostra paradigmática a afirmação, por parte do arguido CC, no sentido de que, a haver dinheiro para pagar à Segurança Social, e a mesma logo diligenciaria nesse sentido. Por outras palavras: careciam os arguidos AA e CC de quem assumisse a direcção da sociedade arguida no seu interior, já que os próprios desempenhavam as suas actividades sobretudo no exterior, razão pela qual adquire pleno sentido que se reunissem aos Sábados. Note-se que, sendo o grosso da prova testemunhal constituído por funcionários da sociedade arguida cujas funções eram exercidas nas obras, não se compreenderia se apontassem a arguida BB como uma das gerentes de facto, ao que apenas a testemunha GG se atreveu, tendo o respectivo depoimento sido desconsiderado; atente-se ainda que a única testemunha arrolada que poderia ter contribuído para a descoberta da verdade material, a saber, a testemunha FF, enquanto funcionária administrativa da sociedade arguida, validamente se recusou a depor.
Cumpre, pois, proferir sentença condenatória relativamente a todos os arguidos.
(…)
3.2. Da determinação da medida concreta da pena
(…)
Sopesando todo o circunstancialismo previamente analisado e tendo presente o quanto se deixou dito quanto à medida da culpa e às razões de prevenção geral e especial, temos por justo aplicar ao arguido CC arguida a pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão
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Face à concreta pena de prisão preconizada, arredada se evidencia a aplicação dos art. 45.° e 58.° do Código Penal. Julgamos, porém, realizarem adequada e suficientemente as finalidades das penas a simples censura do facto e a ameaça da prisão,sabendo-se que, nos termos do art. 50.° do Código Penal, o tribunal suspende a execução da pena aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às circunstâncias da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, assim o concluir. Usando dos ensinamentos da jurisprudência no nosso mais alto Tribunal, a suspensão da execução da pena de prisão "constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as necessidades de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do Direito, através da advertência da condenação e da injunção que esta impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores inscritos nas normas", ao mesmo tempo que possibilita "manter as condições de sociabilidade próprias à condução da vida no respeito [por esses] valores do Direito como factores de inclusão, evitando os riscos de fractura familiar, social, laboral e comportamental como factores de exclusão" (cfr. o Ac. do STJ de 25/06/03, in www.dgsi.pt). Tratando-se de um poder-dever do Tribunal, somos a considerar que a preconizada suspensão permitirá à arguida reavaliar a ilicitude dos seus comportamentos e as consequências decorrentes dos mesmos em liberdade, possibilitando-lhe a retoma da sua vida em comunhão de valores com a sociedade que integra e a consciencialização do mal que perpetrou - por esta via,e com acrescido relevo, se lhe permitindo manter uma ocupação profissional com foros de regularidade, por forma a lograr angariar rendimentos que lhe possibilitem a amortização das quantias em dívida.
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Prevê o art. 14.°, n.° 1 do RGIT que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa.
Trata-se, portando, de uma imposição legal ao nível da suspensão da execução da pena de prisão, cuja aplicação no caso concreto se prefigura independente do juízo judiciário. Notaremos ter-se já pronunciado acerca desta temática o Tribunal Constitucional, no sentido de que "não há qualquer motivo para censurar, como desproporcionada, a obrigação de pagamento da quantia em dívida como condição da suspensão da execução da pena", sendo que "no caso destes crimes, a eficácia do sistema fiscal pode perfeitamente justificar regime diverso, que exclua a relevância das condições pessoais do condenado no momento da imposição da obrigação de pagamento e atenda unicamente ao montante da quantia em dívida", em razão do que "o objectivo de interesse público que preside ao dever de pagamento dos impostos justifica um tratamento diferenciado face a outros deveres de carácter patrimonial e, como tal, uma concepção da suspensão da execução da pena como medida sancionatória que cuida mais da vítima do que do delinquente" (cfr. o Ac. do TC n.° 256/03 de 21/05/03, in www.tribunalconstitucional.pt). Argumenta, a este propósito, a jurisprudência, com arrimo nos arestos sucessivamente prolatados pelo TC, que "continuam a ser válidas as três razões pelas quais nesta jurisprudência se afasta a objecção de que se está a impor ao arguido um dever que se sabe de cumprimento impossível e, com isso, a violar os princípios da proporcionalidade e da culpa: (i) o juízo quanto à impossibilidade de pagar não impede legalmente a suspensão; (ii) sempre pode haver regresso de melhor fortuna; (iii) e a revogação não é automática, dependendo de uma avaliação judicial da culpa no incumprimento da condição" (cfr. o Ac. do TRP de 29/04/15, in www.dgsi.pt). Igualmente a doutrina mais avalizada nota a "obrigatoriedade da imposição do dever de pagamento da prestação tributária prevista no art. 14.°, n.° 1 do RGIT, que é uma lei especial face ao Código Penal, devendo esta ser conjugada com a disposição do Código Penal quanto ao prazo de suspensão, ou seja, apenas na parte omissa" (Germano Marques da Silva, Direito Penal Tributário, Universidade Católica Editora, 2018, 133 e seguintes).
Importa, ainda, atentar na jurisprudência fixada pelo STJ no âmbito do AFJ n.° 08/2012, em cujos termos "no processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido no art. 105.°, n.° 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do art. 50.°, n.° 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o art. 14.°, n.° 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia" (in DR, I Série, 206, de 24/10/12). Pela sua singular clareza, permitimo-nos reproduzir um dos arestos que cabalmente reflecte o nosso entendimento a propósito desta questão: "quando o art. 14.° do RGIT foi aprovado, já existia o actual n.° 2 do art. 51.° do CP, pelo que a opção feita pelo legislador foi plenamente consciente, tendo entendido que o pagamento dos valores ali referidos, pelo arguido condenado por crime fiscal, nas aludidas circunstâncias e dados os interesses em causa, constitui sempre uma exigência «razoável», tratando-se, pois, de quantias cujo pagamento é sempre de exigir ao arguido, como causador do respectivo dano ao Estado"; "o que importa, acima de tudo, é que a imposição da condição do pagamento, ao abrigo do art. 14.°, está em conformidade com a lei, trata-se de opção legislativa que não atenta contra os direitos fundamentais do condenado - é o que se conclui das várias apreciações acerca da constitucionalidade da respectiva norma -, o cumprimento da obrigação de pagamento é exigível no caso concreto, correspondendo a uma obrigação de indemnizar, que recai sobre o arguido ora recorrente, pelos danos causados ao Estado com a prática do crime fiscal pelo qual foi condenado, e está tal obrigação numa relação estrita de adequação e de proporcionalidade com os fins preventivos almejados, quer na perspectiva do legislador, quer do julgador do caso ora em apreciação"; "as posições conhecidas, assumidas na doutrina bem como o afirmado no próprio acórdão de uniformização de jurisprudência, não deixam margem para quaisquer dúvidas, impondo a conclusão inequívoca de que, optando o julgador pela suspensão da execução da prisão imposta ao arguido pela prática de crime fiscal, é obrigatória a imposição da condição de pagamento da prestação tributária e acréscimos legais, nos termos do art. 14.°, n.° 1 do RGIT" (cfr. o Ac. do TRL de 05/06/18, in www.dgsi.pt).
Nestes termos, cumpre subordinar a suspensão da execução da pena cominada à condição do pagamento do montante que, a título de contribuições retidas e não liquidadas, a Segurança Social deixou de arrecadar - que se contabiliza no valor global de € 53.688,82 (cinquenta e cinco mil, setecentos e cinquenta e um euros e quarenta e dois cêntimos) -, e, enfatizando o primado da lei especial face à lei geral, permitir esse pagamento até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação (no sentido de que "sendo o RGIT um diploma especial, face ao Código Penal, e na ausência de norma expressa que revogue esta lei, deve ser respeitado o princípio de que a lei geral não derroga a lei especial", pelo que "nestes casos, a questão do período de suspensão da pena deve resolver-se, dando prevalência à lei especial" (cfr. o Ac. do TRC de 23/06/10, in www.dgsi.pt).”
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II.3. Apreciação do recurso criminal
II.3.1. Da falta de fundamentação – artigo 379/1/a) do CPP
§1. O recorrente alega quena sentença recorrida não há qualquer fundamentação em específico sobre o preenchimento das condições de punibilidade previstas no artigo 105º do RGIT, não fazendo na fundamentação qualquer menção específica à prova produzida para comprovar as notificações feitas à sociedade ou a qualquer um dos arguidos.
Invoca como norma violada o artigo 379.º, n.º 1, al. a) do CPP.
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§2. Nos termos do artigo 379º do CPP, no que para a decisão interessa: “1. É nula a sentença: a) Que não contiver as menções referidas no n.° 2 e na alínea b) do n.° 3 do artigo 374.º (...).”
Dispõe, por sua vez, o n.º 2 do artigo 374º do CPP quanto aos requisitos da sentença o seguinte: “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
O objectivo dessa fundamentação é, por um lado, o de permitir a sindicância da legalidade do acto e, por outro lado, serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça. Mas também é um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de factos e de direito da sua decisão, actuando, por isso, como meio de autodisciplina.
A garantia de fundamentação é assim indispensável para que se assegure o real respeito pelo princípio da legalidade da decisão judicial; o dever de o juiz respeitar e aplicar correctamente a lei seria afectado se fosse deixado à consciência individual e insindicável do próprio juiz. A sua observância concorre para a garantia da imparcialidade da decisão; o juiz independente e imparcial só o é se a decisão resultar fundada num apuramento objectivo dos factos da causa e numa interpretação válida e imparcial da norma de direito.
Assim, na concretização da estrutura da sentença, a fundamentação impõe que todas as questões suscitadas e decididas devem ser objeto de fundamentação (o chamado princípio da completude), embora de uma forma concisa.
Igualmente a fundamentação deve sempre ser suficiente, coerente e razoável, de modo a permitir cumprir as finalidades referidas que lhes estão subjacentes.
A violação do disposto no citado artigo 374º, n.º 2 do CPP gera a nulidade da sentença nos termos do disposto no artigo 379º, n.º 1, al. a) do CPP.
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§3. Transpondo estas breves considerações para o caso vertente,percorrida a fundamentação da decisão recorrida constata-se que o Tribunal a quo indicou de forma suficiente a prova documental em que se estribou para dar como provada a factualidade respeitante à notificação aludida no ponto 9 dos factos provados.
Na verdade, analisada a decisão recorrida constatamos que, nesta parte, ainda que não constitua um exemplo modelar no cumprimento do disposto no artigo 379º, n.º 1, al. a) do CPP, não estamos perante uma absoluta falta de fundamentação uma vez que o Tribunal a quo faz alusão aos documentos juntos nos autos (fls. 79) e no apenso (fls. 283 e ss.) que foram relevantes para a formação da sua convicção quanto à notificação efectuada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105º, nº 4, al. b) do RGIT.
Donde, a decisão recorrida é suficientemente compreensível para quem a lê, permitindo ao recorrente exercer, plenamente, o contraditório e o direito de defesa (cfr. artigo 32º, n.º 1 da CRP).
Assim, a sentença recorrida não padece de falta de fundamentação. Improcede, nesta parte, o recurso.
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II.3.2. Da verificação da condição objectiva de punibilidade – artigo 105º do RGIT
II.3.2.1. Da omissão de pronúncia – artigo 379º/1/c) do CPP
§1. O recorrente sustenta que a sentença recorridanão se debruça sobre as condições objetivas de punibilidade aludidas no artigo 105º, n.º 4 do RGIT.
Acrescenta ainda que não faz qualquer juízo de valor sobre a validade e/ou conformidade das notificações presentes nos autos.
Invoca como norma violada o artigo 379.º, n.º 1, al. c) do CPP.
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§2. O artigo 379º do CPP preceitua (na parte que aqui interessa, com sublinhado aposto) que: “1. É nula a sentença: a) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Esta sanção da nulidade, exclusivamente prevista para as sentenças (atento o princípio da legalidade em matéria de nulidades, ínsito no artigo 118º nºs 1 e 2 do CPP), visa garantir a completude ou exaustividade da decisão, de acordo com o qual, uma sentença deve conter, de forma esgotante, a apreciação dos factos e o respectivo enquadramento jurídico, mas sempre em estreita coerência com o que foi alegado pelos sujeitos processuais; com a prova produzida e com o direito aplicável, segundo as várias soluções jurídicas possíveis e segundo os seus poderes de cognição, resultantes das regras do processo ou dos temas pertinentes à decisão de mérito sobre o objecto do processo ou sobre a tramitação do mesmo, que tenham sido colocadas à apreciação do tribunal, pelos sujeitos processuais.
É fundamental aqui realçar que a expressão “questões que devesse apreciar” não se confunde com os simples argumentos, teses doutrinárias ou jurisprudenciais, razões, ou opiniões invocados pelos sujeitos processuais para sustentar a sua pretensão, reconduzindo-se antes a problemas concretos com incidência e influência directa no desfecho do processo, esteja em causa uma decisão de mérito sobre o seu objecto, ou apenas a aplicação de normas de direito adjectivo que obstem ao conhecimento do fundo da causa.
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§3. Transpondo estas breves considerações para o caso em concreto, não vislumbramos a invocada patologia atentas as questões que importavam apreciar e decidir nos presentes autos.
Na verdade, o Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade:
“7. Nos períodos compreendidos entre os meses de Abril de 2020 a Julho de 2020 e de Setembro de 2020 a Maio de 2021, a sociedade arguida, por decisão dos arguidos AA, BB e CC, deixou de cumprir com a sua obrigação de entregar à Segurança Social tais contribuições, retidas mensalmente das remunerações pagas aos trabalhadores e órgãos estatutários, no valor global de € 46.785,17 (quarenta e seis mil, setecentos e oitenta e cinco euros e dezassete cêntimos).
8. Nem no prazo legal, nem nos 90 (noventa) dias subsequentes ao seu termo, a sociedade arguida, por determinação dos arguidos AA, BB e CC, entregou esse montante nos serviços da Segurança Social.
9. O qual igualmente não foi liquidado nos 30 (trinta) dias subsequentes à notificação que lhes foi efectuada, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 105.°, n.° 4, al. b), do RGIT.”
Daqui decorre inequivocamente que da factualidade apurada verificam-se as condições objectivas de punibilidade – o decurso de mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal da entrega da prestação em dívida e que a prestação, acrescida dos juros respetivos e do valor da coima, não tenha sido paga decorridos 30 dias da notificação para o efeito –, pelo que, o Tribunal a quo não teria que se debruçar especificamente sobre a sua verificação por não estar manifestamente em causa tal questão, tendo no entanto tal factualidade sido ponderada para que o Tribunal pudesse prosseguir com a aferição do preenchimento dos elementos constitutivos do tipo legal imputado aos arguidos.
No que concerne à omissão de qualquer juízo de valor sobre a validade e/ou conformidade das notificações presentes nos autos, o Tribunal a quo não tinha de facto que se pronunciar expressamente sobre tal questão.
Efectivamente, por um lado, tendo sido dada como provada que foi efectuada a notificação nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105º, n.º 4, al. b) do RGIT (cfr. ponto 9. dos factos provados), sem qualquer ressalva quanto ao modo como a notificação foi efectuada, isto significa, ainda que implicitamente, que o Tribunal a quo considerou que a notificação foi regularmente efectuada. Por outro lado, a questão da eventual invalidade das notificações não foi suscitada por nenhum dos arguidos e, como tal, não era uma questão que se impunha apreciar pelo Tribunal recorrido.
Donde, a sentença recorrida não padece de qualquer omissão de pronúncia. Improcede também, nesta parte, o recurso.
*
II.3.2.2. Da invalidade das notificações
§1.Com relevo para a apreciação da questão aqui em causa importa ter em conta as seguintes ocorrências processuais:
i) Arguida A....Lda.
a) Em 13.08.2021 foi remetida carta datada de 12.08.2021, registada com A/R à sociedade, com vista a notificá-la na qualidade de entidade empregadora para, no prazo de 30 dias, proceder ao pagamento em dívida à SS por parte da sociedade arguida, referente ao período de 04.2020 a 07.2020 e 09.2020 a 05.2021, no valor de 46.785,17, respeitantes às cotizações retidas e não entregues, sob pena de ser instaurado procedimento criminal.
O A/R foi assinado em 17.08.2021- fls. 14-16 do apenso.
b) Em 19.07.2023, a arguida BB assinou documento intitulado “Notificação para pagamento voluntário”, através do qual a mesma foi notificada pessoalmente e na qualidade de representante legal da sociedade para proceder ao pagamento, no prazo de 30 dias, do valor de 46.785,17, relativo a quotizações retidas e não entregues, acrescidos dos respectivos juros de mora que se vencem até integral pagamento e do valor da coima aplicável, referentes aos meses de 04/2020 a 07.2020 e 09.2020 a 05.2021.
Nessa notificação foi advertida que devia fazer prova desse cumprimento, sob pena de o processo criminal prosseguir – fls. 227 do apenso (original).
c) Em 19.07.2023, o arguido CC assinou documento intitulado “Notificação para pagamento voluntário”, através do qual o mesmo foi notificado pessoalmente e na qualidade de gerente de facto da sociedade para proceder ao pagamento, no prazo de 30 dias, do valor de 46.785,17, relativo a quotizações retidas e não entregues, acrescidos dos respectivos juros de mora que se vencem até integral pagamento e do valor da coima aplicável, referentes aos meses de 04/2020 a 07.2020 e 09.2020 a 05.2021.
Nessa notificação foi advertido que devia fazer prova desse cumprimento, sob pena de o processo criminal prosseguir – fls. 79 dos autos (original).
d) Em 14.12.2023, o arguido AA assinou documento intitulado “Notificação para pagamento voluntário”, através do qual o mesmo foi notificado pessoalmente e na qualidade de sócio da sociedade para proceder ao pagamento, no prazo de 30 dias, do valor de 46.785,17, relativo a quotizações retidas e não entregues, acrescidos dos respectivos juros de mora que se vencem até integral pagamento e do valor da coima aplicável, referentes aos meses de 04/2020 a 07.2020 e 09.2020 a 05.2021.
Nessa notificação foi advertido que devia fazer prova desse cumprimento, sob pena de o processo criminal prosseguir – fls. 283 do apenso (original).
ii) Arguido AA
a) Em 13.08.2021 foi remetida carta datada de 12.08.2021, registada com A/R ao arguido AA, com vista a notificá-lo na qualidade de representante legal da sociedade para, no prazo de 30 dias, proceder ao pagamento em dívida à SS por parte da sociedade arguida, referente ao período de 04.2020 a 07.2020 e 09.2020 a 05.2021, no valor de 46.785,17, respeitantes às cotizações retidas e não entregues, sob pena de ser instaurado procedimento criminal.
O A/R foi assinado por pessoa distinta do arguido AA em 17.08.2021- fls. 11-13 do apenso.
b) Em 22.08.2023, o arguido assinou documento intitulado “Notificação para pagamento voluntário”, através do qual o mesmo foi notificado pessoalmente e na qualidade representante legal da sociedade para proceder ao pagamento, no prazo de 30 dias, do valor de 46.785,17, relativo a quotizações retidas e não entregues, acrescidos dos respectivos juros de mora que se vencem até integral pagamento e do valor da coima aplicável, referentes aos meses de 04/2020 a 07.2020 e 09.2020 a 05.2021.
Nessa notificação foi advertido que devia fazer prova desse cumprimento, sob pena de o processo criminal prosseguir – fls. 84, 96, 107 dos autos.
c) Em 14.12.2023, o arguido AA foi ouvido em auto de interrogatório, tendo sido notificado nessa diligência nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105º, n.º 4, al. b) do RGIT, tendo-lhe sido explicado que o cumprimento da presente notificação é passível de determinar o eventual arquivamento do processo de inquérito actualmente em curso, por extinção da responsabilidade criminal – fls. 278 e 280-282 do apenso;
d) Em 14.12.2023, o arguido AA assinou documento intitulado “Notificação para pagamento voluntário”, através do qual o mesmo foi notificado pessoalmente e na qualidade de sócio da sociedade para proceder ao pagamento, no prazo de 30 dias, do valor de 46.785,17, relativo a quotizações retidas e não entregues, acrescidos dos respectivos juros de mora que se vencem até integral pagamento e do valor da coima aplicável, referentes aos meses de 04/2020 a 07.2020 e 09.2020 a 05.2021.
Nessa notificação foi advertido que devia fazer prova desse cumprimento, sob pena de o processo criminal prosseguir – fls. 283 do apenso (original).
iii) Arguida BB
a) Em 19.07.2023, a arguida assinou documento intitulado “Notificação para pagamento voluntário”, através do qual a mesma foi notificada pessoalmente e na qualidade de representante legal da sociedade para proceder ao pagamento, no prazo de 30 dias, do valor de 46.785,17, relativo a quotizações retidas e não entregues, acrescidos dos respectivos juros de mora que se vencem até integral pagamento e do valor da coima aplicável, referentes aos meses de 04/2020 a 07.2020 e 09.2020 a 05.2021.
Nessa notificação foi advertido que devia fazer prova desse cumprimento, sob pena de o processo criminal prosseguir – fls. 227 do apenso (original).
b) Em 09.08.2023, a arguida BB foi ouvida em auto de interrogatório, tendo sido notificado nessa diligência nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105º, n.º 4, al. b) do RGIT, tendo-lhe sido explicado que o cumprimento da presente notificação é passível de determinar o eventual arquivamento do processo de inquérito actualmente em curso, por extinção da responsabilidade criminal – fls. 216-217 do apenso.
iv) Arguido/recorrente CC
a) Em 19.07.2023, o arguido CC assinou documento intitulado “Notificação para pagamento voluntário”, através do qual o mesmo foi notificado pessoalmente e na qualidade de gerente de facto da sociedade para proceder ao pagamento, no prazo de 30 dias, do valor de 46.785,17, relativo a quotizações retidas e não entregues, acrescidos dos respectivos juros de mora que se vencem até integral pagamento e do valor da coima aplicável, referentes aos meses de 04/2020 a 07.2020 e 09.2020 a 05.2021.
Nessa notificação foi advertido que devia fazer prova desse cumprimento, sob pena de o processo criminal prosseguir – fls. 79 dos autos (original).
ii) Em 09.08.2023, o arguido CC foi ouvido em auto de interrogatório, tendo sido notificado nessa diligência nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105º, n.º 4, al. b) do RGIT, tendo-lhe sido explicado que o cumprimento da presente notificação é passível de determinar o eventual arquivamento do processo de inquérito actualmente em curso, por extinção da responsabilidade criminal – fls. 204-205 do apenso;
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§2.A)Da notificação da arguida sociedade §2.1. O recorrente considera que é inválida ou irregular a notificação efectuada à sociedade.
Para tal, em síntese, argumenta que:
i) Quando foi efectuada a notificação em 17.08.2021 ainda não tinham decorrido os 90 dias após a data em que deveria ter sido entregue a prestação à Segurança Social relativas aos meses de Abril e Maio de 2021;
ii) Não consta da notificação feita a 17.08.2021 a menção à possibilidade de arquivamento da infração criminal com o pagamento do valor e dos respetivos juros ou a não imputabilidade a título criminal, da conduta omissiva, perpetuada até àquela data.
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§2.2. Dispõe o artigo 105º do RGIT, aplicável por força do disposto no n.º 2 do artigo 107º do RGIT (na parte em apreciação): “4- Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se: a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação; b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após a notificação para o efeito”.
Deste número e alíneas do artigo 105º do RGIT resulta que o legislador estabeleceu duas condições objectivas de punibilidade de que depende a punição dos factos previstos nos nºs 1 e 3 do mesmo preceito do RGIT.
A comunicação das declarações de remunerações pagas aos trabalhadores deve ser feita até ao dia 10 do mês seguinte àquele a que respeitam – cfr. artigo 40º do Código Contributivo dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social.
E a entrega das contribuições, nos serviços da segurança social, deve ser efectuada entre os dias 10 e 20 do mês seguinte àquele a que respeitam – cfr. artigos 42º e 43º do mesmo diploma legal.
Em matéria de nulidades vigora em processo penal, o princípio da legalidade, isto é, só constituem nulidades as expressamente previstas na lei e nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular (artigo 118º do CPP).
Ora, a notificação a que alude o artigo 105º, n.º 4, al. b) do RGIT não padece do vício de nulidade, uma vez que não consta dos artigos 119º e 120º do CPP, nem de qualquer norma avulsa, pelo que estamos perante uma mera irregularidade.
E sobre estas estabelece o artigo 123º, nº 1 do CPP que “Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado”.
E o nº 2 do mesmo preceito dispõe que, “pode ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que da mesma se tomar conhecimento quando ela puder afectar o valor do acto praticado”.
Portanto, nesta matéria vigora o princípio da relevância material da irregularidade, segundo o qual só são relevantes as irregularidades que possam afectar o valor do acto praticado.
A incorrecta notificação prevista no artigo 105º, nº 4, al. b) do RGIT constitui uma irregularidade, que consideramos ser de conhecimento oficioso por afectar o valor do acto praticado de notificação (neste sentido, os acórdãos do TRP de 26.02.2014, relatado por Vitor Morgado e de 13.05.2015, relatado por Augusto Lourenço e do TRE 21.03.2017, Martins Simão, todos disponíveis em www.dgsi.pt.).
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§2.3. Comecemos por analisar o primeiro argumento recursório.
No caso em apreço, estão em causa as contribuições respeitantes aos meses de Abril de 2020 a Julho de 2020 e de Setembro de 2020 a Maio de 2021, pelo que, o prazo para o pagamento das duas últimas contribuições em dívida (Abril e Maio de 2021) completou-se, respectivamente, em 20.05.2021 e 20.06.2021.
Assim, o termo do prazo legal para entrega das duas últimas contribuições, nos termos do artigo 105º, n.º 4, al. a) do RGIT, ocorreu, respectivamente, em 20.08.2021 e 20.09.2021.
Da resenha das ocorrências processuais acima elencada constatamos que inicialmente a sociedade foi de facto notificada em 17.08.2021, ou seja, numa altura em que ainda não tinha decorrido o prazo dos 90 dias em relação aos meses de Abril e Maio de 2021.
Ora, podendo essa irregularidade ser sanada, nada obsta a que tal notificação seja repetida. Foi o que precisamente aconteceu nos autos.
Mais tarde a sociedade foi de novo validamente notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105º, n.º 4, al. b) do RGIT através dos seus representantes legais numa altura em que já tinha claramente decorrido os 90 dias após a data em que deveria ter sido entregue as prestações à Segurança Social relativas aos meses de Abril e Maio de 2021.
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§2.4. Avancemos para a análise do segundo argumento recursório.
Conforme refere o acórdão do TRP de 24.09.2008, relatado por Maria Leonor Esteves (acessível em www.dgsi.pt) “O que o legislador teve em vista, na prossecução de objetivos de política criminal e fiscal que visavam não só a diminuição de processos, mas sobretudo uma mais rápida e fácil arrecadação de receitas, foi, tão só, dar aos agentes devedores uma segunda oportunidade de efetuarem o pagamento das quantias devidas a cada um daqueles títulos, interpelando-os para o efeito, e oferecendo-lhes como contrapartida (caso correspondam positivamente a essa interpelação), a impunibilidade criminal das respectivas condutas.”
A não punição resultará de uma atitude positiva do agente que obsta a essa consequência penal, pagando a dívida.
Importa porém realçar que a condição de punibilidade não é a notificação que deve ser feita para pagamento, mas sim a atitude que o contribuinte toma perante esse procedimento (de notificação) que agora se exige.
Independentemente do efetivo e concreto teor da notificação em causa, a mesma resulta em favor do agente e impõe a este um facere de forma a excluir por esta sua acção a punibilidade da sua anterior conduta: o pagamento da prestação em falta, acrescida dos respetivos juros e da coima aplicável.
Assim, do citado artigo 105º do RGIT, ao contrário do que defende o recorrente, não resulta a obrigatoriedade na notificação da menção “à possibilidade de arquivamento da infração criminal com o pagamento do valor e dos respetivos juros ou a não imputabilidade a título criminal, da conduta omissiva, perpetuada até àquela data.”
Sempre se dirá que dos documentos intitulados “Notificação para pagamento voluntário” assinados pelos representantes legais da sociedade acima descriminados consta a expressa advertência de que “devia fazer prova desse cumprimento, sob pena de o processo criminal prosseguir”.
O que significa naturalmente que o pagamento da prestação em falta, acrescida dos respetivos juros e da coima aplicável equivale ao não prosseguimento do processo criminal (ou seja, à impunibilidade criminal).
Conclui-se, assim, que a notificação efectuada à sociedade foi feita de acordo com os ditames legais.
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§3.B)Da notificação do arguido/recorrente §3.1. O recorrente considera que é inválida ou irregular a sua notificação.
Para tal, em síntese, argumenta que:
i) Não consta da própria notificação a menção expressa de que o pagamento do valor em dívida, acrescido dos juros e do valor das coimas, tem como consequência a não imputabilidade a título criminal, da conduta omissiva, perpetuada até àquela data;
ii) O arguido deveria ter sido notificado em momento próximo à notificação feita à Sociedade Comercial, sendo exagerado o hiato temporal entre a notificação feita à Sociedade e a notificação feita ao Arguido;
iii) A notificação não deveria ter sido feita na data de constituição de arguido e de prestação de termo de identidade e residência por ainda não ser naquele momento suspeito da prática de qualquer crime;
iv) O Arguido só foi notificado a título de representante da sociedade e não a título pessoal.
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§3.2. Comecemos por analisar o primeiro argumento recursório.
Da resenha das ocorrências processuais acima elencada constatamos que no documento intitulado “Notificação para pagamento voluntário”, assinado pelo recorrente, consta que o mesmo “foi advertido que devia fazer prova desse cumprimento, sob pena de o processo criminal prosseguir”.
Dando por inteiramente reproduzidas as considerações expendidas no ponto §2.A)§2.4, não havendo a obrigatoriedade na notificação da menção “à possibilidade de arquivamento da infração criminal com o pagamento do valor e dos respetivos juros ou a não imputabilidade a título criminal, da conduta omissiva, perpetuada até àquela data.”, impõe-se concluir que a notificação foi regularmente efectuada ao recorrente.
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§3.3. Passemos a analisar o segundo argumento recursório.
Não se compreende que espécie de valimento o recorrente pretende extrair do seu argumento recursório para a pretendida invalidade da notificação.
Na verdade, não há qualquer norma legal que imponha qualquer prazo máximo entre a notificação da sociedade e dos demais arguidos.
Mas sempre se dirá que nem sequer ocorreu realmente o hiato temporal enunciado pelo recorrente.
Senão vejamos.
Da resenha das ocorrências processuais acima descriminada ressalta que:
- os arguidos BB e CC assinaram na mesma data – 19.07.2023 – documento intitulado “Notificação para pagamento voluntário”, a primeira como representante legal da sociedade e o segundo como gerente de facto da sociedade;
- o arguido AA assinou, em 14.12.2023, documento intitulado “Notificação para pagamento voluntário”, como sócio da sociedade.
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§3.3. Avancemos para a análise do terceiroargumento recursório.
Voltamos a não alcançar o valimento que o recorrente pretende extrair do seu argumento recursório para a pretendida invalidade da notificação.
Tendo em conta o objectivo da notificação aqui em causa – impunibilidade criminal –, nada obsta que a mesma possa ser realizada já na pendência do processo criminal (como aconteceu no caso dos autos) por forma a evitar o seu prosseguimento.
Donde, temos que considerar que a notificação efectuada nos termos acima descritos é, pois, juridicamente relevante.
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§3.4. Prossigamos com a análise do quartoargumento recursório.
Trata-se de um argumento temerário.
Ora, basta uma singela leitura do documento intitulado “Notificação para pagamento voluntário”, assinado pelo recorrente, para logo constatar que o mesmo também foi notificado pessoalmente.
Assim, por razões óbvias, não se nos oferece acrescentar qualquer outra asserção, senão a da falência total da argumentação do recorrente.
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§4. Em suma:a notificação da sociedade arguida e do arguido/recorrente encontra-se regularmente efectuada, verificando-se assim as condições de punibilidade previstas no n.º 4 do artigo 105º do RGIT. Improcede, nesta parte, o recurso.
***
II.3.3. Da condição da suspensão da execução da pena de prisão
II.3.3.1. Da omissão de pronúncia – artigo 379º/1/c do CPP
§1. O recorrente alega que a sentença recorrida ignora o juízode prognose de razoabilidade acerca da possibilidade do condenado satisfazer a condição legal de pagamento da prestação em dívida à segurança social.
Acrescenta que a sentença não se debruçou sobre o facto de ter condicionado a suspensão da execução à totalidade dos montantes em dívida e, ainda, sobre o facto de a suspensão ter sido fixada no período máximo de 5 (cinco) anos.
Invoca como norma violada o artigo 379º, n.º 1, al. c) do CPP.
*
§2. Transpondo as considerações jurídicas expendidas no ponto II.3.2.1.§2 para o caso concreto, conforme resulta com clareza do texto da sentença recorrida o Tribunal a quo seguiu o entendimento que, por força do disposto no nº 1 do artigo 14º do RGIT, a suspensão da execução da pena é sempre obrigatoriamente condicionada ao pagamento da totalidade da quantia em dívida e legais acréscimos à margem da condição económica pessoal do arguido/responsável tributário, sem possibilidade de qualquer graduação ou de uma qualquer redução.
Quanto ao prazo da suspensão da execução da pena de prisão, por um lado, o Tribunal a quo explicita por que razão optou pela aplicação da lei especial e, por outro lado, compreende-se que o Tribunal recorrido tenha fixado o prazo de suspensão da execução da pena de prisão até ao limite máximo legalmente admissível por ter certamente efectuado, nesta parte, um juízo de prognose de que o arguido conseguirá reunir condições, pelo menos durante esse período, para obter os rendimentos necessários para proceder ao pagamento do montante fixado como condição da suspensão da execução da pena de prisão.
Por todo o exposto, não se descortina a invocada omissão de pronúncia. Improcede igualmente, nesta parte, o recurso.
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II.3.3.2. Da razoabilidadeda condição
§1. O recorrente entende que em sede de aplicação do artigo 14° do RGIT o Tribunal a quo deveria ter ponderado as especificidades do caso concreto para a fixação do montante da condição da suspensão da execução da pena de prisão.
Acrescenta que que não tem possibilidades económicas para suportar o montante total da prestação em dívida no período de 5 anos.
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§2. O artigo 14º do RGIT estabelece no seu nº 1 que (com sublinhado da nossa autoria) “A suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa “.
Trata-se de lex specialis relativamente às normas dos artigos 51º a 54º do Código Penal, que prevê uma especial e única modalidade de suspensão da execução da pena de prisão para as infrações fiscais.
O artigo 51º do Código Penal dispõe que:
“1 - A suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente:
a) Pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea;
b) Dar ao lesado satisfação moral adequada;
c) Entregar a instituições, públicas ou privadas, de solidariedade social ou ao Estado, uma contribuição monetária ou prestação de valor equivalente.
2 - Os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir”.
Na subordinação da suspensão da execução da pena ao cumprimento de deveres (por serem apenas estes que relevam para o caso dos presentes autos) é fundamental que não sejam desrazoáveis (“não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir”) – artigos 51º nº 2 e 52º nº 4 do Código Penal.
No entanto, o disposto nos artigos 51º nº 2 e 52º nº 4 do Código Penal vigora apenas para os delitos do direito penal clássico, sendo o direito penal fiscal direito especial relativamente ao direito penal de justiça.
Assim, no caso dos autos, deve atender-se ao nº 1 do artigo 14º do RGIT, só sendo legítimo recorrer ao disposto nas normas do Código Penal naquilo que não vier especificamente regulado no RGIT por força do disposto nos artigos 1º d) e 3º a) do RGIT (o que não sucede nos presentes autos).
Lapidarmente e com inteira aplicação na questão em análise no acórdão do TRP de 20.03.2024, relatado por Lígia Trovão (acessível em www.dgsi.pt) escreveu-se que “O AUJ do STJ nº 8/2012 de 12 de setembro de 2012 publicado no D.R. 1ª Série, nº 206, de 24/10/2012 veio dar um contributo para a interpretação do disposto no art. 14º do RGIT nas situações em que o tribunal, em face da opção entre a alternativa punitiva da pena de multa ou da pena de prisão, se decidiu pela aplicação da pena de prisão e, restando-lhe ainda decidir sobre a sua modalidade, equacionar a aplicação da pena substitutiva da suspensão da execução da pena de prisão, para o que deverá dispor das informações sobre as condições pessoais, económicas e financeiras do condenado (mas não com o objetivo de apurar se ele tem, ou não, capacidade económica para pagar as quantias que ficaram por entregar ao Estado, seu titular, e legais acréscimos), fixando a seguinte jurisprudência:
“No processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105º nº 1 do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termosdo artigo 50º nº 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14º nº 1 do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia” – destacado e sublinhado da nossa autoria.”
E escreveu-se ainda: “… o AUJ do STJ nº 8/2012 de 12 de setembro de 2012, ao estabelecer a necessidade do «juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura» não se está a referir à capacidade económica de o condenado ter ou não de pagar ao Estado a prestação tributária em dívida e acréscimos legais, já que por força do disposto no nº 1 do art. 14º do RGIT essa suspensão da execução da pena é sempre/obrigatoriamente condicionada ao pagamento da totalidade da quantia em dívida e legais acréscimos à margem da condição económica pessoal do arguido/responsável tributário, sem possibilidade de qualquer graduação ou de uma qualquer redução, mas antes a querer significar que, como se diz no texto do AUJ nº 8/2012, “a margem de liberdade do julgador situa-se no justo ponto e momento em que pode optar pela substituição, mas para o fazer tem de estar na posse do pleno das informações possíveis, de modo a bem fundamentar a opção. Feita a escolha, a adoção da medida de substituição, cessa a liberdade de punição, porque imposta é a subordinação à condição; o juiz fica subordinado, amarrado, ao incontornável passo seguinte, que é impor a subordinação ao pagamento. Mas porque assim é, será nesse primeiro momento, em que é possível o exercício de liberdade, que poderá avaliar do sucesso da medida e mesmo cogitar sobre o regresso ao estádio anterior e pensar sobre a escolha de pena que temporariamente, como mero exercício de raciocínio, não foi tida então em consideração e tomada como boa solução. Por último, o julgador sempre terá uma palavra a dizer sobre o prazo de pagamento, para mais no âmbito de uma norma especial”. (veja-se, no mesmo sentido, o acórdão do TRP de 28.04.2021, relatado por Castela Rio, reproduzido parcialmente no citado acórdão do TRP de 20.03.2024 e cujas considerações, que sufragamos, aqui se dão por inteiramente reproduzidas).
O Tribunal Constitucional teve já, por diversas vezes, oportunidade de se pronunciar sobre a norma do artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, na parte em que condiciona a suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento, pelo arguido, do imposto em dívida e respectivos acréscimos legais (veja-se, entre outros, os acórdãos n.ºs 256/03, 335/03, 376/03, 500/05, 309/06, 543/06, 587/06, 29/07 e 61/07, 327/2008, 51/2020 e 546/2024,
e as decisões sumárias n.os 276/2008, 312/2011, 522/2012, 68/2015 e 606/2016, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
E, sempre concluiu, por unanimidade ou por larga maioria, no sentido não julgar inconstitucional o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, interpretado no sentido de que a suspensão da execução da pena de prisão é sempre condicionada ao pagamento da prestação tributária, independentemente da ponderação das circunstâncias do caso concreto por tal interpretação não colidir com os princípios constitucionais da culpa, adequação e proporcionalidade.
Por esclarecedor e pertinente passamos a reproduzir um trecho retirado do citado acórdão do TRC n.º 51/2020 com o seguinte teor: “[…] 7. Defende o recorrente que a interpretação do «art. 14.º do R.G.I.T., devidamente conjugado com os arts. 50.º e 5l.º do C.P., no sentido de que a suspensão da execução da pena de prisão (…) deverá ficar obrigatoriamente condicionada ao pagamento das prestações tributárias em dívida e respectivos acréscimos legais, limitado ao pedido de indemnização civil formulado pelo Estado, sem que o Tribunal proceda a um juízo de prognose de razoabilidade acerca da possibilidade da satisfação dessa condição», «é inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, ínsitos ao Estado de Direito Democrático e consagrados pelos artigos 2.º, 13.º e 18.º da CRP». O recorrente dá ênfase à impossibilidade de proceder a um juízo de prognose sobre a possibilidade da satisfação das condições impostas pelo artigo 14.º do RGIT, para criticar a opção legislativa de condicionar a suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento das quantias em dívida ao Estado em qualquer caso – aí incluídos os casos em que os arguidos não detêm os meios necessários para satisfazer essa condição. Ora, este Tribunal já teve oportunidade de se pronunciar, em face de diversos casos, pela não inconstitucionalidade do artigo 14.º do RGIT. Desde logo, no Acórdão n.º 256/2003, em que o problema foi apreciado em face da jurisprudência constitucional sobre questões afins, o Tribunal Constitucional concluiu (cf. II – Fundamentação, n.º 10.8 e seguintes): «(…) [P]odendo a realização dos fins do Estado – dependente do cumprimento do dever de pagar impostos – justificar a adopção do critério da vantagem patrimonial no estabelecimento dos limites da pena de multa, não há qualquer motivo para censurar, como desproporcionada, a obrigação de pagamento da quantia em dívida como condição da suspensão da execução da pena. As razões que, relativamente à generalidade dos crimes, subjazem ao regime constante do artigo 51º, n.º 2, do Código Penal (supra, 10.6.), não têm necessariamente de assumir preponderância nos crimes tributários: no caso destes crimes, a eficácia do sistema fiscal pode perfeitamente justificar regime diverso, que exclua a relevância das condições pessoais do condenado no momento da imposição da obrigação de pagamento e atenda unicamente ao montante da quantia em dívida. Dito de outro modo, o objectivo de interesse público que preside ao dever de pagamento dos impostos justifica um tratamento diferenciado face a outros deveres de carácter patrimonial e, como tal, uma concepção da suspensão da execução da pena como medida sancionatória que cuida mais da vítima do que do delinquente (sobre a suspensão da execução da pena como medida que «permite cuidar ao mesmo tempo do delinquente e da vítima», veja-se Manso-Preto, “Algumas considerações sobre a suspensão condicional da pena”, in Textos, Centro de Estudos Judiciários, 1990-91, p. 173). 10.9. As normas em apreço não se afiguram, portanto, desproporcionadas, quando apenas encaradas na perspectiva da automática correspondência entre o montante da quantia em dívida e o montante a pagar como condição de suspensão da execução da pena, atendendo à justificável primazia que, no caso dos crimes fiscais, assume o interesse em arrecadar impostos. Cabe, todavia, questionar se não existirá desproporção quando, no momento da imposição da obrigação, o julgador se apercebe de que o condenado muito provavelmente não irá pagar o montante em dívida, por impossibilidade de o fazer. Esta impossibilidade, que não chegou a ser declarada pelo tribunal recorrido – pois que este analisou a questão em abstracto, sem averiguar se o ora recorrente efectivamente estava impossibilitado de cumprir (supra, 10.5.) –, não altera, todavia, a conclusão a que se chegou. Em primeiro lugar, porque perante tal impossibilidade, a lei não exclui a possibilidade de suspensão da execução da pena. Dir-se-á que tal exclusão se encontra implícita na lei, atendendo a que não seria razoável que a lei permitisse ao juiz condicionar a suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento de um dever que ele próprio sabe ser de cumprimento impossível. Todavia, tal objecção não procede, pois que traz implícita a ideia de que o juiz necessariamente elabora um prognóstico quanto à possibilidade de cumprimento da obrigação, no momento do decretamento da suspensão da execução da pena. Ora, nada permite supor a existência de um tal prognóstico: sucede apenas que a lei – bem ou mal, mas este aspecto é, para a questão de constitucionalidade que nos ocupa, irrelevante –, verificadas as condições gerais de suspensão da execução da pena (nas quais não se inclui a possibilidade de cumprimento da obrigação de pagamento da quantia em dívida), permite o decretamento de tal suspensão. O juízo do julgador quanto à possibilidade de pagar é, para tal efeito, indiferente. Em segundo lugar, porque mesmo parecendo impossível o cumprimento no momento da imposição da obrigação que condiciona a suspensão da execução da pena, pode suceder que, mais tarde, se altere a fortuna do condenado e, como tal, seja possível ao Estado arrecadar a totalidade da quantia em dívida. A imposição de uma obrigação de cumprimento muito difícil ou de aparência impossível teria assim esta vantagem: a de dispensar a modificação do dever (cfr. artigo 51º, n.º 3, do Código Penal) no caso de alteração (para melhor) da situação económica do condenado. E, neste caso, não se vislumbra qualquer razão para o seu tratamento de favor, nem à luz do princípio da culpa, nem à luz dos princípios da proporcionalidade e da adequação. Em terceiro lugar, e decisivamente, o não cumprimento não culposo da obrigação não determina a revogação da suspensão da execução da pena. Como claramente decorre do regime do Código Penal para o qual remetia o artigo 11º, n.º 7, do RJIFNA, bem como do n.º 2 do artigo 14º do RGIT, a revogação é sempre uma possibilidade; além disso, a revogação não dispensa a culpa do condenado (supra, 10.4.). Não colidem, assim, com os princípios constitucionais da culpa, adequação e proporcionalidade, as normas contidas no artigo 11º, n.º 7, do RJIFNA, e no artigo 14º do RGIT.» Ora, este juízo é inteiramente transponível para o caso dos autos. Aliás, o recorrente não aduz qualquer argumento que motive a reapreciação desta posição, que foi reafirmada nos Acórdãos n.os 335/2003, 376/2003 e em diversas pronúncias posteriormente adotadas por este Tribunal (v., entre outros, os Acórdãos n.os 309/2006, 327/2008, 587/2009 e, mais recentemente, as Decisões Sumárias n.os 312/2011, 522/2012, 68/2015 e 606/2016).[…]”.
Por último, também não assiste razão ao recorrente quando afirma que “Na prática, a sentença recorrida, condena o Arguido numa posição de incumprimento da condição da suspensão da pena e sujeita o Arguido que, alegadamente terá sido aplicada uma pena de prisão suspensa na sua execução, a uma verdadeira pena efetiva”
Esta questão vem abordada e tratada no texto do citado AUJ nº 8/2012 para o qual se remete, onde se conclui pela sem razão de tal entendimento.
Na verdade, a falta de pagamento das importâncias referidas no nº 1 do artigo 14º do RGIT tem as consequências enumeradas no seu nº 2, por ser norma especial relativamente ao disposto no art. 55º do Código Penal, daí derivando que não é automática a revogação da suspensão da execução da pena aplicada. Improcede também, neste segmento, o presente recurso.
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II.4. Apreciação do recurso civil
§1. O recorrente sustenta quea sentença recorrida não se debruça sobre o tipo de responsabilidade que é assacada a cada um dos co-demandados, nomeadamente, se a responsabilidade é solidária ou subsidiária.
Aduz que se trata de um erro que não importa uma modificação essencial, devendo ser corrigido.
Assenta a sua pretensão no artigo 380º do CPP.
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§2. O pedido de indemnização civil em processo penal, no crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, não tem por objeto a definição e exequibilidade de ato tributário, mas sim a obrigação de indemnização por danos emergentes da conduta danosa que o integra, com fundamento na responsabilidade por factos ilícitos que daí surge nos termos dos artigos 483 e segs. do Código Civil.
Na responsabilidade civil por facto ilícito o arguido gerente, como co-demandado, responde solidariamente com a sociedade arguida pelo pagamento da indemnização por danos causados à segurança social, nos termos do artigo 497.º do Código Civil, artigo 3.º do RGIT e artigos 8.° e 129.º do Código Penal.
Assim, o administrador/gerente da empresa que seja também agente do crime não responderá subsidiariamente, mas solidariamente, como solidariamente respondem todos os demais agentes nos termos do que dispõe o artigo 497.º do Código Civil.
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§3. Revertendo para o caso concreto, os co-demandados respondem, solidariamente, pelo pagamento da indemnização civil arbitrada na 1ª Instância.
Sucede que percorrida a sentença recorrida constata-se que, porventura por lapso, no seu dispositivo não consta expressamente o tipo de responsabilidade que é assacada a cada um dos co-demandados.
Assim, importa alterar em conformidade o segmento da sentença relativa ao dispositivo por forma a que passe a constar que os demandados sejam condenados solidariamente a pagar a quantia indemnizatória. Procede, neste segmento, o recurso.
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III- DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em:
a) Negar provimento ao recurso na parte criminal do arguido CC e, em consequência, confirmar nesta parte a decisão recorrida.
a) Julgar procedente o recurso na parte civil do demandado CC e, em consequência, alterar o dispositivo da sentença recorrida de modo a que na alínea B. passe a constar a condenação solidária dos demandados no pagamento da quantia indemnizatória.
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Custas criminais a cargo do recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UCS (artigo 513º, nº 1, do CPC e artigo 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III).
Sem custas cíveis.
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Porto, 25.06.2025
Maria do Rosário Martins (Relatora)
Nuno Pires Salpico (1º Adjunto)
(com declaração de voto que se segue) – ["Voto a decisão, somente considerando que o disposto no art.14º nº1 do RGIT é suscetível de interpretação diversa".].