I – Embora inexista norma legal expressa com tal conteúdo, resulta do nosso sistema jurídico que estando o imóvel constituído em propriedade horizontal é obrigação do condomínio diligenciar pela conservação e reparação das partes comuns do imóvel.
II – Quanto ao dever de proceder à reparação dos danos existentes no interior da fração dos Autores, está em causa uma situação suscetível de gerar responsabilidade civil extracontratual, como tal subsumível ao regime geral dos art.ºs 483º e seguintes do Código Civil.
III – Neste âmbito, a jurisprudência tem convocado a aplicação do regime do art. 493º, n.º 1 do Código Civil, por força do qual “quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar” responde pelos danos causados pela coisa, “salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”.
IV – Nos termos da mencionada disposição legal são presuntivamente responsáveis pelos danos causados pela coisa aqueles que a tiverem em seu poder e tenham, cumulativamente, o dever de a vigiar, assumindo a lei que não tomaram as medidas cautelares idóneas a evitar a lesão.
V – O referido normativo estabelece uma presunção de culpa iuris tantum, incumbindo, por isso, à pessoa encarregada dessa vigilância, in casu, o condomínio Réu, demonstrar que o dano não lhe é imputável, ou que se não ficou a dever à sua omissão.
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível da Maia – Juiz 1
Recorrentes: AA e BB
Recorrido: Condomínio ...
Relatora: Des. Teresa Pinto da Silva
1ª Adjunta: Des. Fátima Andrade
2º Adjunto: Des. José Eusébio Almeida
I – RELATÓRIO
AA e BB intentaram ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Condomínio ..., pedindo a condenação do Réu:
1º A efetuar obras nos terraços, fachadas e, ou, partes comuns do prédio onde se diagnostique deficiente impermeabilização, fissuras ou concentração de humidade e que provoque infiltrações de águas pluviais, humidades e os danos alegados na petição inicial, existentes na fração autónoma dos Autores, de modo a cessarem os danos provocados na mesma;
2º A efetuar obras de reparação dos danos alegados na petição inicial, ou em alternativa a pagar aos Autores a indemnização correspondente aos danos causados na sua fração autónoma provenientes das fissuras e, ou, deficiente impermeabilização das partes comuns do edifício do Réu, a liquidar em sede de sentença, bem como os danos que venham a decorrer das infiltrações na referida fração autónoma;
3º A pagar aos Autores a indemnização de 1.500,00 € pelos danos não patrimoniais àqueles causados.
Alegaram, para tanto, em síntese, que, como consequência das patologias verificadas no edifício, a sua fração autónoma tem sido alvo de diversas infiltrações que derivam do terraço existente por cima da fração dos Autores, que é uma parte comum.
O Réu, em 2021, fazendo jus às suas obrigações, levou a cabo obras de restauro e melhoria no prédio onde se situa a fração autónoma dos Autores.
No entanto, já depois de findas as obras, com as primeiras chuvas e intempéries, em Outubro de 2021, os Autores começaram a notar estragos em casa, havendo sinais claros de infiltração de água em dois quartos e na sala, as quais têm origem naquele terraço, factos que foram comunicados ao Réu.
Em resposta às interpelações dos Autores, a administração do condomínio imputou a responsabilidade ao empreiteiro e que “terá sido aberto um processo de seguro”, tendo vindo a resolução do problema a ser protelada no tempo, com evasivas e falsas promessas por parte do Réu, tendo os Autores, por força da situação descrita, sofrido danos psicológicos.
O Réu contestou, alegando que fez tudo quanto estava ao seu alcance e dentro das suas possibilidades e competências para acautelar e solucionar o problema das infiltrações na fração dos Autores, porquanto ainda antes das queixas verbalizadas por aqueles e agora trazidas a juízo, em 2020, após decisão tomada em Assembleia Geral em 2019, efetuou o levantamento prévio, por intermédio de empresa especializada, das deficiências e necessidades de intervenção no prédio, obtendo vários orçamentos de diversas empresas do setor e aprovando em Assembleia Geral a realização dos trabalhos e a adjudicação dos mesmos e que orçaram em quase € 128.000,00.
Fez acompanhar os trabalhos de empresa especializada de fiscalização contratada para o efeito.
Sempre respondeu aos Autores, auxiliando-os, na medida do possível, na resolução das questões surgidas no decorrer dos trabalhos, encaminhando a responsabilidade pela reparação do sinistro (inundação) ocorrido em 2 outubro de 2021 decorrente da realização das obras para o empreiteiro e este por sua vez para a sua seguradora, tendo os Autores obtido da companhia seguradora do empreiteiro a indemnização devida pela reparação dos danos sofridos com aquela inundação.
Na sequência dos atrasos na realização dos trabalhos, conjugados com outros incumprimentos por parte do empreiteiro geral, o Réu convocou Assembleia Geral Extraordinária para exposição e análise do “estado do contrato com o Empreiteiro”, tendo nessa reunião, ocorrida em 05 de Dezembro de 2022, na qual o Autor esteve presente, acompanhado de Ilustre Advogado, sido exposto a situação dos trabalhos, as questões colocadas ao empreiteiro e as respostas ou falta delas por parte do mesmo, o incumprimento dos prazos contratuais, as atitudes e decisões tomadas pela administração do condomínio junto do empreiteiro em defesa dos direitos e legítimos interesses do Condomínio, tendo essa mesma Assembleia decidido por unanimidade, incluindo portanto o voto do Autor que estava presente, rescindir por justa causa o contrato de empreitada celebrado em 1 de julho de 2021 com a empresa “A..., Ld.ª”, rescisão que já foi formalizada por carta datada de 27 de dezembro de 2022 e rececionada por aquela empresa em 28 de dezembro de 2022.
Conclui pela improcedência da ação e pela condenação dos Autores como litigantes de má fé em multa e condigna indemnização.
Responderam os Autores, impugnando os factos alegados, contrapondo que na presente ação estão a peticionar uma indemnização por danos causados na sua fração após a conclusão das obras realizadas em 2021 e não durante ou antes da execução das mesma, concluindo pela improcedência do pedido de condenação como litigantes de má fé.
Foi proferido o despacho saneador tabelar e admitidos os meios de prova.
Após a instrução dos autos, foi designada data para a realização da audiência de discussão e julgamento, que veio a realizar-se no dia 21 de junho de 2024.
Em 29 de outubro de 2024 foi proferida sentença, da qual consta o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e em consequência:
Condeno o Réu a efectuar obras nos terraços, fachadas e, ou, partes comuns do prédio onde se diagnostique deficiente impermeabilização, fissuras ou concentração de humidade e que provoque infiltrações de águas pluviais, humidades e danos na fracção autónoma dos Autores.
Absolvo o Réu do demais peticionado.
Condeno o Autor como litigante de má-fé em multa correspondente a 5 UC’s e indemnização a favor do Réu na modalidade de pagamento dos honorários ao ilustre mandatário, em valor que, atendendo à simplicidade da causa, se fixa em 2.000,00 €.
Condeno Autores e Réu no pagamento das custas da acção, em partes iguais.”
Para tanto, apresentaram alegações, concluindo nos seguintes termos:
(…)
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões vertidas pelos Recorrentes nas suas alegações (arts. 635º, nºs 4 e 5 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do Código de Processo Civil).
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais prévias, destinando-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não à prolação de decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido.
Mercê do exposto, da análise das conclusões vertidas pelos Recorrentes nas suas alegações decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:
1ª – Se foi validamente deduzida e procede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença.
2ª – Da repercussão da eventual alteração da decisão da matéria de facto na solução jurídica do caso e, independentemente disso, se ocorreu erro de julgamento do Tribunal a quo, fundamentando os factos provados e o direito decisão de procedência dos pedidos formulados nos parágrafos 2º e 3º do petitório.
3ª – Se se verificam ou não os pressupostos de condenação do Apelante como litigante de má-fé.
1ª – Se foi validamente deduzida e procede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença
Pretendem os Apelantes a reapreciação da decisão da matéria de facto, por entenderem que foi feita uma incorreta apreciação da prova pelo Tribunal a quo quanto aos pontos 1. a 9. dos factos não provados, os quais, em seu entender, em respeito pela integridade da prova produzida dos autos, deveriam ter obtido uma resposta de sentido inverso, pugnando para que se considerem tais factos como provados.
Os Recorrentes cumpriram os pressupostos de ordem formal para se proceder à reapreciação da decisão da matéria de facto, mais precisamente o ónus de impugnação a que alude o artigo 640º, do Código de Processo Civil, porquanto:
- Indicaram claramente os concretos pontos de facto constantes da decisão que consideram afetados por erro de julgamento: pontos 1º a 9º dos factos não provados.
- Fundamentaram as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios.
- Discriminaram as passagens da gravação em que fundam o seu recurso, uma vez que parte dos meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas foram gravados, procedendo à transcrição dos excertos que consideraram relevantes.
- Enunciaram qual a decisão que, em seu entender, deveria ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Mostra-se, por conseguinte, cumprido por parte dos Recorrentes o ónus que sobre si impendia ao pretenderem a alteração da matéria de facto, previsto no artigo 640º, do Código de Processo Civil, e, consequentemente, preenchidos todos os pressupostos necessários para a Relação proceder à reapreciação da prova.
Cumpre salientar que essa reapreciação deve conter-se dentro dos seguintes parâmetros:
i) O Tribunal da Relação só tem de se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelos Recorrentes (a menos que se venha a revelar necessária a pronúncia sobre facticidade não impugnada para que não haja contradições);
ii) Sobre essa matéria de facto impugnada o Tribunal da Relação tem de realizar um novo julgamento;
iii) Nesse novo julgamento, o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).
Dentro destes limites, o Tribunal da Relação está habilitado a proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelos Recorrentes, pelo que, neste âmbito, a sua atuação é praticamente idêntica à do Tribunal de 1ª Instância, apenas ficando aquém quanto à imediação.
Partindo destas premissas, passa-se a efetuar o julgamento da matéria de facto por parte deste Tribunal da Relação, para o que foram ouvidos, na sua integralidade, os registos fonográficos indicados e analisada devidamente toda a prova documental junta aos autos.
Os Recorrentes pretendem que se deem como provados os seguintes factos, que o Tribunal recorrido decidiu dar como não provados:
1. Com o passar do tempo e as chuvas fortes que têm assolado o país, há um agravamento das infiltrações na habitação dos Autores.
2. Já há locais dentro da habitação, onde têm que ser colocados recipientes para apanhar as gotas de água que caem do teto, fruto das infiltrações.
3. Começam a existir danos não só no teto e paredes, bem como nas madeiras, móveis, tapeçarias e solo.
4. A reparação dos danos na fração ascende a 5.907,00€, acrescido de IVA.
Entendem os Apelantes que face ao que resulta do relatório pericial junto aos autos por requerimento de 2 de abril de 2024, das declarações de parte do Autor, dos registos fotográficos juntos pelos Autores com a petição inicial, do email enviado pelo Autor ao Réu em 23 de novembro de 2022, às 10h04, junto com a petição inicial como doc. 4.2 e a resposta do Réu a esse email, enviada ao Autor em 24 de novembro de 2022 às 23.51, bem como do teor da missiva endereçada ao Réu pelo mandatário do Autor por correio registado, datada de 12 de dezembro de 2022, junta com a petição inicial como documento 6, e ainda tendo em consideração o orçamento elaborado pela empresa “F...”, junto aos autos, e ao depoimento prestado pelo seu gerente, DD, o Tribunal a quo deveria ter dado como provada a matéria fática constante dos referidos pontos 1, 2, 3 e 4 dos factos não provados.
Por sua vez, o Tribunal recorrido motivou a sua convicção quanto a tal factualidade dada como não provada nos seguintes termos:
“Dúvidas não subsistem, face aos factos documentados, nos termos supra expostos e dados como provados, que no dia 2.10.2021 a fração dos Autores foi objeto de uma inundação que teve por causa o terraço superior.
Dos referidos danos foi o Autor indemnizado pela E..., ao abrigo do contrato de seguro celebrado com o empreiteiro da obra, conforme reconheceu o Autor nas suas declarações de parte. Daqui os factos provados sob 22, considerados ao abrigo do disposto no artigo 5º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Civil, enquanto complemento dos factos provados sob 21 e que resultam, além do reconhecimento do Autor, do teor dos documentos juntos aos autos em 16.11.2023 e 28.11.2023.
Das declarações de parte do Autor, no que foi secundado pelo depoimento das testemunhas EE e FF, suas filhas, resultou, ainda, que, após aquela inundação e indemnização, a fração foi reparada, nomeadamente as madeiras e pintura, o que resulta, ainda, da comparação das fotos juntas com o relatório pericial, junto em 28.11.2023 e o relatório pericial elaborado no âmbito dos presentes autos e junto em 2.04.2024.
Note-se, aliás, que o orçamento junto com aquele relatório de 28.11.2023 prevê danos nos pavimentos ao passo que o orçamento junto com a petição inicial, datado de 20.12.2022, corroborado pelo seu autor, a testemunha DD, que para o efeito se deslocou à fração em data contemporânea, prevê apenas danos nas paredes e tetos.
Conforme declarou o Autor os danos visíveis na fração são resultado de novas infiltrações ocorridas depois de reparar a fração, a partir de Março/Abril de 2022, “logo com as primeiras chuvas” porque a obra foi mal executada.
Do relatório pericial, junto em 2.04.2014[1], resulta, sem dúvida, que a fração do Autor tem danos provenientes de infiltrações de água provenientes do terraço superior, cujas obras foram mal executadas e encontram-se inacabadas. Com efeito, pelas testemunhas GG, HH e CC foi reconhecido que não obstante os esforços do condomínio para executar as obras de reabilitação da cobertura e fachadas, na sequência dos incumprimentos e do abandono da obra pelo empreiteiro, as mesmas não se encontram concluídas.
Ora, resulta do exposto que sendo indubitável que as obras de reabilitação do prédio encontram-se inacabadas, que a deficiente execução das obras efetuadas são causa de infiltrações na fração dos Autores, que em consequência se encontra danificada, dúvidas não subsistem, igualmente, que tais danos não são consequentes da inundação ocorrida em Outubro de 2021, nem são um agravamento dos danos verificados então, mas novos danos provocados por novas infiltrações ocorridas já ao longo do ano de 2022. Tal vale por dizer que os danos alegados nos presentes autos têm uma causa distinta da alegada não existindo nexo de causalidade entre os danos alegados e o sinistro invocado como seu fundamento. Daqui os factos provados sob 27 (alegados nos artigos 36º e 37º, da contestação) e não provados sob 1 a 9 (alegados nos artigos 20º a 22º, 26º a 30º, 72º, 73º e 76º da petição inicial)”.
Ou seja, resulta desde logo da própria motivação do Tribunal a quo que este reconhece que se provou que a fração dos Autores apresenta danos de infiltrações de água que têm origem no terraço que fica por cima da habitação daqueles, embora depois, inexplicavelmente, em sede de motivação, teça considerações de direito para afastar a prova desses danos, considerando que os danos alegados nos presentes autos têm uma causa distinta da invocada na petição inicial. Ora, uma coisa é a motivação de facto e questão diferente tem a ver com a subsunção jurídica dos factos, sendo certo que, no caso concreto, nem sequer ocorre a invocada discrepância entre os danos alegados e a causa de pedir invocada na petição inicial.
Acresce que, analisado o relatório pericial junto aos autos por requerimento de 2 de abril de 2024, conjugado as declarações de parte do Autor, o qual descreveu as obras que realizou para reparar os danos da inundação ocorrida em 2 de outubro de 2021 após ter sido indemnizado pela seguradora do empreiteiro, nos finais de 2021, inícios de 2022, tendo, a partir de março/abril de 2022 ocorrida de novo infiltrações com origem no terraço da fração situada por cima da dos Autores, que se têm agravado com o passar do tempo e as chuvas, tendo ainda presente o depoimento prestado pela testemunha DD, sócio gerente da sociedade F..., Lda que elaborou o orçamento datado de 20 de dezembro de 2022, junto aos autos com a petição inicial, e que descreveu o estado em que encontrou o apartamento dos Autores quando ali se deslocou, em dezembro de 2022, a pedido do Autor, para elaborar o referido orçamento, concluímos que devem ser eliminados do elenco dos factos não provados os pontos 1. a 3. e aditar-se ao elenco dos factos provados os seguintes.
“28. A fração dos Autores, a partir de Março/Abril de 2022, já após os Autores terem procedido a obras de reparação dos danos emergentes da inundação ocorrida na sua fração em 2 de outubro de 2021, começou a apresentar infiltrações de água com origem no terraço da fração 6.1, que se têm agravado com o passar do tempo e as chuvas e que atingem os três quartos, a sala e a lavandaria, o que foi comunicado pelos Autores ao Réu.
29.Há locais nos quartos da habitação onde têm de ser colocados recipientes para apanhar as gotas de água que caem do teto, fruto das infiltrações.
30. Existem danos dessas infiltrações no teto dos diversos aposentos, nas paredes, nos móveis, roupeiros e no pavimento, os quais se mostram descritos e documentados no relatório pericial junto aos autos em 2 de abril de 2024.”
Os Recorrentes pretendem também que seja eliminado do elenco dos factos não provados o ponto 4 e que o mesmo seja dado como provado. No entanto, nesta parte não pode proceder a sua pretensão. Isto porque embora tenha sido junto com a petição inicial um orçamento da sociedade F..., Lda, datado de 20 de dezembro de 2022, e tenha esse orçamento sido confirmado pelo gerente dessa sociedade, a testemunha DD, analisados os trabalhos descritos nesse orçamento conclui-se que aí não está contemplada a reparação de todos os danos que são descritos no relatório pericial de 2 de abril de 2024. Enquanto este último prevê danos nas paredes, tetos e pavimentos, o orçamento junto com a petição inicial, no valor de €5907,00 acrescido de IVA, prevê apenas danos nas paredes e tetos, pelo que, na ausência de qualquer outra prova, não resultou provado o valor da reparação dos danos em causa.
Os Recorrentes pretendem também que se considerem provados os factos que o Tribunal a quo deu como não provados sob os pontos 5 a 7.
Tais factos são os seguintes.
“5. Como consequência os Autores sentem-se incomodados e envergonhados quando recebem visitas de familiares e amigos, pois não gostam de mostrar a sua casa nas condições descritas.
6. Sentem-se tristes por verem degradadas as paredes interiores da sua habitação.
7. Os Autores sentem-se desgastados com o arrastar da presente situação.”
Para fundamentar a sua pretensão alegam os Apelantes que esses factos deveriam ter sido dados como provados face às regras da experiência comum, uma vez que qualquer homem médio, colocado na situação dos Autores, não podia ficar indiferente ao estado lastimoso em que a sua habitação se encontra e que tal situação, que é objetiva, não pode deixar de criar sentimentos de tristeza, desgaste, incómodo e constrangimento. A experiência comum diz-nos que esta é a normalidade das coisas, a normalidade de viver e sentir perante situações desta natureza. Mais argumentam que o incómodo e mau estar dos Autores está patente no e-mail que o Autor dirigiu ao Réu com data de 23/11/2022 às 10:04, quando ali refere «informo a administração do condomínio que a situação está a agravar de dia após dia, começo a pensar que terei de procurar uma casa para me mudar».
Quanto a este argumentário dos Apelantes, aderindo ao que se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8 de maio de 2023, proferido no âmbito do processo nº 20379/21.0T8PRT.P1 (Relator Manuel Domingos Fernandes), diremos que “as regras da experiência não são meios de prova, instrumentos de obtenção de prova, mas antes raciocínios, juízos hipotéticos de conteúdo genérico, assentes na experiência comum, independentes dos casos individuais em que se alicerçam, com validade, muitas vezes, para além da hipótese a que respeitem, permitindo atingir continuidades, imediatamente, apreensivas nas correlações internas entre factos, conformes à lógica, sem incongruências para o homem médio e que, por isso, legitimam a afirmação de que dado facto é a natural consequência de outro, surgindo com toda a probabilidade forte, próxima da certeza, sem receio de se incorrer em injustiça, por não estar contaminado pela possibilidade física, mais ou menos arbitrária, impregnado de impressões vagas, dubitativas e incredíveis.
Ora, o apelo às regras da experiência comum só releva, para demonstração do erro notório na apreciação da prova, quando existam elementos probatórios não contestados, designadamente, documentos autênticos, ou dados do conhecimento público generalizado, que impliquem ser completamente absurdo dar-se certo facto por provado ou por não provado, o que, manifestamente, não acontece, na hipótese em apreço, para além de que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a crença subjectiva do recorrente na desconformidade entre a decisão de facto do julgador e aquela que teria sido proferida pelo próprio A.”.
Por outro lado, do teor do email acima transcrito não resulta também provada a factualidade constante dos pontos 5. a 7 dos factos não provados.
Improcede, por isso, nesta parte, a impugnação da matéria de facto.
28. A fração dos Autores, a partir de Março/Abril de 2022, já após os Autores terem procedido a obras de reparação dos danos emergentes da inundação ocorrida na sua fração em 2 de outubro de 2021, começou a apresentar infiltrações de água com origem no terraço da fração 6.1, que se têm agravado com o passar do tempo e as chuvas e que atingem os três quartos, a sala e a lavandaria, o que foi comunicado pelos Autores ao Réu.
29.Há locais nos quartos da habitação onde têm de ser colocados recipientes para apanhar as gotas de água que caem do teto, fruto das infiltrações.
30. Existem danos dessas infiltrações no teto dos diversos aposentos, nas paredes, nos móveis, roupeiros e no pavimento, os quais se mostram descritos e documentados no relatório pericial junto aos autos em 2 de abril de 2024.”
B) Factos não provados
1. A reparação dos danos na fração ascende a 5.907,00 €, acrescido de IVA.
2. Como consequência os Autores sentem-se incomodados e envergonhados quando recebem visitas de familiares e amigos, pois não gostam de mostrar a sua casa nas condições descritas.
3. Sentem-se tristes por verem degradadas as paredes interiores da sua habitação.
4. Os Autores sentem-se desgastados com o arrastar da presente situação.
5. Os referidos danos causam frio e dores corporais, nos Autores e respetivo agregado familiar, originadas pela deficiente capacidade térmica da fração originada pelas infiltrações das águas pluviais.
6. Os Autores tomam medicação diária para dormir.
Como é sabido, na propriedade horizontal o proprietário de uma fração autónoma (condómino) é titular de um direito de propriedade singular sobre a sua fração e, simultaneamente, no tocante às partes comuns e em conjunto com os demais condóminos, de um direito sobre as partes comuns, coexistindo, de modo incindível, estes dois direitos reais distintos, o primeiro um direito de propriedade singular e o segundo um direito de compropriedade (como dispõe o art. 1420.º/1 do Código Civil, “cada condómino é proprietário exclusivo da fração que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício”).
Quanto à sua fração autónoma, dispõe o condómino de todos os poderes para a gozar e administrar exclusivamente e dentro dos limites da lei, de acordo com o artigo 1305.º do Código Civil.
Diferentemente, quanto à administração das partes comuns a lei impõe a existência de dois órgãos: a assembleia dos condóminos (órgão deliberativo composto por todos os condóminos, a quem compete decidir sobre os problemas do condomínio que se refiram às partes comuns, – cf. artigos 1430.º a 1434.º do Código Civil) e o administrador de condomínio (órgão executivo e representativo do condomínio, a quem cabe a gestão dos assuntos correntes relativos às partes comuns, assim como as que lhe forem delegadas pela assembleia – cf. artigos 1435.º a 1438.º do Código Civil).
Estas regras próprias afastam o condomínio de uma simples compropriedade, conferindo ao direito de compropriedade dos condóminos sobre as partes comuns do edifício especificidades em relação ao regime geral da compropriedade, não lhe sendo aplicável o art. 985.º do Código Civil (ex vi art. 1407.º do citado diploma fundamental); ou seja, os condóminos não podem individual e isoladamente (ainda que só “na falta de convenção em contrário”) exercer os direitos inerentes à administração das partes comuns, na medida em que, quanto à propriedade horizontal, estão estabelecidos específicas formas de organização/funcionamento e de formação da vontade do grupo constituído pelos condóminos.
Quer isto dizer que simultaneamente com o direito de compropriedade sobre as partes comuns de que todos os condóminos são contitulares, cada condómino é proprietário exclusivo da sua própria fração autónoma, sendo, como tal, titular exclusivo de um direito real, de natureza absoluta, o que lhe confere o direito de exigir de qualquer terceiro, seja outro condómino, seja um terceiro ou o próprio conjunto dos condóminos, que se abstenha de atos que perturbem ou diminuam o pleno gozo e fruição da sua fração.
Com efeito, de acordo com o disposto no art. 1305º do Código Civil, o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas, sendo que esse direito, enquanto direito real absoluto, é oponível a qualquer terceiro.
Daqui decorre que, face ao estatuído no art. 483º do Código Civil, a violação desse direito subjetivo pode determinar a obrigação de indemnização, caso se verifiquem os demais pressupostos da responsabilidade civil, ou seja, desde que ocorram todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, quais sejam o facto (ação ou omissão), a ilicitude (violação de um direito subjetivo ou de qualquer disposição legal dirigida à proteção de interesses alheios), a culpa (enquanto juízo de censura), o dano e o nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano.
Cumpre, pois, determinar se sobre o Réu recai um dever geral de atuação com vista a conservar e reparar as partes comuns, cuja violação ou omissão implique o não cumprimento de um dever de agir e, como tal, ilícita, tendo em conta que, como decorre dos pontos 28, 29 e 30 dos factos provados, a fração dos Autores apresenta infiltrações em três quartos, na sala e na lavandaria, com origem numa parte comum, mais precisamente no terraço da fração 6.1 - cf. art. 1421, n.ºs 1, b) do Código Civil (sendo certo que não é discutida nos autos a natureza de parte comum do terraço).
Para responder a esta questão, transcrevemos as considerações tecidas no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16-01-2014, relator Aristides Rodrigues de Almeida, processo n.º 1046/08.6TBVLG.P1, disponível in www.dgsi.pt, com argumentação a que se adere e em relação à qual não se descortinam razões para divergir:
“Não existe na regulamentação da propriedade horizontal norma legal que directamente imponha, mesmo em relação às partes comuns, de forma clara a obrigação do condomínio de reparar as partes comuns. Por outro lado, a alínea a) do nº 2 do artigo 1422º do Código Civil, apenas impede os condóminos de prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício, ou seja, a falta de reparação só é proibida se e na medida em que tiver por consequência a afectação da segurança, da linha arquitectónica ou do arranjo estético do prédio, o que não é o que está em causa na acção. Por sua vez a alínea f) do artigo 1436º do Código Civil define como função do administrador, não propriamente a execução de obras de reparação das partes comuns, mas apenas a realização dos actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns.
Porém, em simultâneo, existem várias normas que se referem às despesas de conservação das partes comuns. É o caso do artigo 1424º, o qual dispõe sobre o critério de repartição pelos condóminos das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício, do artigo 1427º, que autoriza qualquer um dos condóminos, na falta ou impedimento do administrador, a efectuar ele mesmo as reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício, ou ainda do artigo 1411º do Código Civil, relativo directamente à compropriedade mas aqui aplicável no que concerne às partes comuns, o qual estabelece que os comproprietários devem contribuir para as despesas necessárias à conservação ou fruição da coisa comum. E pode ainda citar-se a norma do artigo 89º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, que impõe um dever geral de conservação das edificações, prescrevendo que estas devem ser objecto de obras de conservação pelo menos uma vez em cada período de oito anos.
Parece assim poder afirmar-se que embora inexista norma legal expressa com tal conteúdo, resulta do nosso sistema jurídico que estando o imóvel constituído em propriedade horizontal é obrigação do condomínio diligenciar pela conservação e reparação das partes comuns do imóvel. Tendo o condomínio, através da sua administração e por impulso da autora, ficado a saber que a conduta de águas residuais do edifício apresentava rupturas e se encontrava danificada ao ponto de se ter tornado imprestável e ter conduzido mesmo a danos numa das fracções autónomas, é evidente que se tem de considerar que sobre o condomínio impendia, por força da lei, o dever de actuação no sentido de reparar os danos daquela conduta e reposição das condições normais de utilização do edifício e das suas diversas fracções. Trata-se de uma manifestação dos chamados deveres de prevenção no tráfego jurídico que impõe a quem está em condições de os evitar que actue de forma a evitar que outrem sofra prejuízos desnecessários.
Podemos assim concluir que o condomínio estava vinculado ao dever de manter, conservar e reparar as zonas comuns do edifício, que incumpriu esse dever por omissão negligente do zelo que lhe era exigível e possível na perspectiva e segundo o critério do bom pai de família, e que por isso está obrigado a indemnizar o condómino aqui autor dos danos que este sofreu no seu património como consequência directa dessa omissão ilícita e culposa.”
Quer isto dizer que sobre o Réu, por força da lei, impende um dever de atuar no sentido de proceder às obras de conservação e reparação no terraço, parte comum, necessárias para impedir aquelas infiltrações.
Por seu lado, quanto ao dever de proceder à reparação dos danos existentes no interior da fração dos Autores, está em causa uma situação suscetível de gerar responsabilidade civil extracontratual, como tal subsumível ao regime geral dos art.ºs 483º e seguintes do Código Civil.
Neste âmbito, a jurisprudência tem convocado a aplicação do regime do art. 493º, n.º 1 do Código Civil, por força do qual “quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar” responde pelos danos causados pela coisa, “salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”.
Nos termos da mencionada disposição legal são presuntivamente responsáveis pelos danos causados pela coisa aqueles que a tiverem em seu poder e tenham, cumulativamente, o dever de a vigiar, assumindo a lei que não tomaram as medidas cautelares idóneas a evitar a lesão.
O referido normativo estabelece uma presunção de culpa iuris tantum, incumbindo, por isso, à pessoa encarregada dessa vigilância, in casu, o condomínio Réu, demonstrar que o dano não lhe é imputável, ou que se não ficou a dever à sua omissão, posto que conforme se dispõe no nº 1 do artigo 350º do Código Civil, “Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz.”
Na situação sub judice, atenta a factualidade apurada, não há dúvida que os Apelantes lograram fazer prova de que a sua fração, a partir de Março/Abril de 2022, já após os Autores terem procedido a obras de reparação dos danos emergentes da inundação ocorrida na sua fração em 2 de outubro de 2021, começou a apresentar infiltrações com origem no terraço da fração 6.1, que se têm agravado com o passar do tempo e as chuvas e que atingem os três quartos, a sala e a lavandaria o que foi comunicado pelos Autores ao Réu.
Por força do disposto no artigo 493º, nº1, do Código Civil, o Réu está obrigado ao dever de manter, conservar e reparar o referido terraço da fração 6.1..
Será que se pode concluir que o Réu condomínio incumpriu esse dever por omissão negligente de zelo, o que lhe era exigível e possível na perspetiva e segundo o critério do bom pai de família (cf. art. 487º do Código Civil) e daí concluir-se que está obrigado a indemnizar os condóminos (os aqui Apelantes) dos danos que sofreram no seu património como consequência direta dessa omissão ilícita e culposa?
Consideramos que sim, atenta a factualidade assente, porquanto não obstante se ter provado que em 1 de julho de 2021 o Réu celebrou um contrato de empreitada com a empresa “A..., Ld.ª” para a reparação dos problemas existentes ao nível da fachada do edifício e do referido terraço da fração 6.1, e que, na sequência dos atrasos na realização dos trabalhos, conjugados com outros incumprimentos por parte do empreiteiro geral, foi convocada Assembleia Geral Extraordinária para exposição e análise do “estado do contrato com o Empreiteiro”, que veio a ser realizada no dia 5 de dezembro de 2022, na qual se decidiu rescindir aquele contrato de empreitada, tendo a rescisão do contrato por justa causa sido já formalizada junto do empreiteiro A..., Lda, tendo-se ainda provado que as obras contratadas em 2021 não foram concluídas por falta de cumprimento contratual por parte do empreiteiro responsável pelas mesmas, a verdade é que entendemos que estas questões relacionadas com o incumprimento contratual por parte do empreiteiro não são oponíveis aos Autores por forma a isentarem o Réu da sua responsabilidade quanto aos danos por aqueles sofridos na sua fração, decorrentes das infiltrações de água provenientes do terraço da fração 6.1.
Podemos assim concluir que o Réu estava vinculado ao dever de manter, conservar e reparar o terraço da fração 6.1., enquanto zona comum, que incumpriu esse dever por omissão negligente do zelo que lhe era exigível e possível na perspetiva e segundo o critério do bom pai de família, e que por isso está obrigado a indemnizar os condóminos aqui Autores dos danos que estes sofreram no seu património como consequência direta dessa omissão ilícita e culposa.
Quanto a tais danos, provou-se que os mesmos respeitam a infiltrações de água no teto dos diversos aposentos da fração dos Autores, nas paredes, nos móveis, roupeiros e no pavimento, os quais se mostram descritos e documentados no relatório pericial junto aos autos em 2 de abril de 2024.
Consequentemente, conclui-se pela procedência parcial do recurso, impondo-se alterar a decisão recorrida no sentido de condenar o Réu a efetuar as obras de reparação dos danos relativos às infiltrações de água existentes no teto dos diversos aposentos da fração dos Autores, nas paredes, nos móveis, roupeiros e no pavimentos, que se mostram descritos e documentados no relatório pericial junto aos autos em 2 de abril de 2024 ou, em alternativa, a pagar aos Autores a indemnização correspondente a esses danos, relegando-se a fixação dessa indemnização para incidente de liquidação (por os elementos de facto serem insuficientes para a quantificação desses danos).
No mais, mantem-se a decisão proferida quanto à absolvição do Réu relativamente ao pedidos formulados pelos Autores na parte final do parágrafo 2º do petitório (indemnização quanto aos danos que venham a decorrer das infiltrações na referida fração autónoma), porquanto não pode este Tribunal condenar o Réu a indemnizar tais danos por antecipação, sem se demonstrarem os pressupostos da responsabilidade civil quanto aos mesmos, bem como quanto à absolvição do Réu relativamente ao pedido constante do parágrafo 3º do petitório, atenta a falta de prova dos factos suscetíveis de fundamentarem a procedência do mesmo.
Diz-se litigante de má-fé, segundo o disposto pelo artigo 542º, n.º 2 do Código de Processo Civil, «quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente, reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão».
A má-fé, de que trata o n.º 2 do art. 542º do Código de Processo Civil, pode ser substancial (ou material) ou instrumental (ou processual).
A má-fé substancial diz respeito ao fundo da causa e abrange os casos de dedução do pedido ou de oposição cuja falta de fundamento se conhece [al. a)] e a alteração consciente da verdade dos factos ou omissão de factos essenciais [al. b)]; será má-fé instrumental se a sua atuação se reconduzir a omissão grave do dever de cooperação [al. c)] ou se disser respeito ao uso reprovável do processo, ou de meios processuais para conseguir um fim ilegal, para entorpecer a ação da justiça, impedir a descoberta da verdade ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão [al. d)] e, ainda, nos termos do n.º 1 do art. 670º, se a parte «com determinado requerimento, obstar ao cumprimento do julgado ou à baixa do processo ou à sua remessa para o tribunal competente».
O art. 542º, n.º 2, do citado diploma legal, oriundo da revisão de 1995, alargou o conceito de má-fé à negligência grave, consagrando a condenação como litigante de má-fé quando a parte tenha uma atuação dolosa, mas também quando tenha uma conduta caracterizadora de negligência grave (lides temerárias e comportamentos processuais gravemente negligentes).
O elemento subjetivo da litigância de má-fé foi, por conseguinte, ampliado pelo legislador, passando a sancionar não apenas o comportamento intencional, mas também aquele que, de modo gravemente negligente, não obedece aos deveres de cuidado impostos pelo dever de correção processual, acabando por não tomar consciência de factos que, de outro modo, teria conhecimento.
A conclusão pela atuação da parte como litigante de má-fé será sempre casuística, só devendo ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que se está perante uma atuação dolosa ou gravemente negligente da parte, manifestamente reprovável.
Revertendo ao caso dos autos, e com vista à condenação do Apelante como litigante de má-fé, o Tribunal “a quo” aduziu a seguinte fundamentação:
“No caso dos presentes autos, com interesse para a questão, resultou provado que:
Em 03 Outubro de 2021, com os trabalhos a decorrer, nomeadamente no referido terraço da fracção 6.1, o Autor enviou à Ré o mail onde consta o seguinte texto:
“Caros administradores do condomínio,
Face à chuva da noite passada e em resultado da obra do terraço a minha habitação está completamente inundada, não estando cá os danos teria sido muito maiores.
Junto envio algumas imagens
Cumprimentos
AA
Por e-mail datado de 28 de Outubro de 2021 o Autor levou ao conhecimento da administração do condomínio que havia já participado a ocorrência da infiltração ao seu seguro e que este, após realização de peritagem considerava que a responsabilidade pela reparação do mesmo seria do empreiteiro da obra que estava a decorrer no prédio.
Em 27 de Novembro, na sequência de outros contactos, o Autor informou a Administração do Condomínio que já havia sido contactado pela seguradora da empresa que realizava as obras de requalificação do edifício e agendado a respectiva peritagem aos danos.
Em 05 de Janeiro de 2022, o Autor enviou ao Réu o mail com o seguinte conteúdo:
“Informo administração do condomínio que o seguro de responsabilidade civil da empresa que anda a fazer as obras de requalificação do edifício já me indemnizou dos danos causados a 3/10/2021.
Estando ao dispor para qualquer esclarecimento
Com os melhores cumprimentos
AA
Fração 5,2
Enviado do meu iPhone”
Em 23.12.2021, ao abrigo do contrato de seguro celebrado com a sociedade A..., Lda, a E... pagou ao Autor a quantia de 4.250,00 €, para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais emergentes do sinistro ocorrido na sua fração, em 2.10.2021, deduzida a franquia no valor de 1.250,00 €.
Em consequência, não resultou provado:
Com o passar do tempo e as chuvas fortes que têm assolado o país, há um agravamento das infiltrações na habitação dos Autores.
Já há locais dentro da habitação, onde têm que ser colocados recipientes para apanhar as gotas de água que caem do teto, fruto das infiltrações.
Começam a existir danos não só no teto e paredes, bem como nas madeiras, móveis, tapeçarias e solo.
A reparação dos danos na fração ascende a 5.907,00 €, acrescido de IVA.
Como consequência os Autores sentem-se incomodados e envergonhados quando recebem visitas de familiares e amigos, pois não gostam de mostrar a sua casa nas condições descritas.
Sentem-se tristes por verem degradadas as paredes interiores da sua habitação.
Os Autores sentem-se desgastados com o arrastar da presente situação.
Os referidos danos causam frio e dores corporais, nos Autores e respetivo agregado familiar, originadas pela deficiente capacidade térmica da fração originada pelas infiltrações das águas pluviais.
Os Autores tomam medicação diária para dormir.
Ora, os factos alegados como causa de pedir são a inundação sofrida na fração dos Autores em Outubro de 2021, cujos danos que fundamentam o pedido foram já ressarcidos em Dezembro de 2021, facto que é do seu conhecimento.
Assim, não tendo sido alegada outra causa de pedir e encontrando-se o Autor ressarcido dos danos sofridos não podia deduzir o pedido de indemnização nos termos formulados.
Com efeito, o Autor tem conhecimento que já foi indemnizado dos danos consequentes do sinistro invocado nos autos pelo que estando representado por mandatário não podia ignorar a falta de fundamento dos termos da ação e do pedido formulado.
Resulta, assim, que o Autor deduziu pretensão cuja falta de fundamento sabia e não podia ignorar, fazendo, além do mais, um uso reprovável do processo tanto mais que, não obstante a condenação do Réu na realização das obras de reabilitação da fachada, é do conhecimento do Autor que as mesmas se encontram em curso e quais as razões de não estarem concluídas.
Dispõe o artigo 543º, do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “conteúdo da indemnização”, no seu nº 1, que a indemnização pode consistir no reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou no reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência direta ou indireta da má-fé, optando o juiz pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má-fé, fixando-se sempre em quantia certa.
Acrescenta o nº 2 que se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização serão ouvidas as partes e fixar-se-á depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e honorários apresentados pelas partes.
Ora, atendendo à conduta do Autor e não tendo o Réu alegado quaisquer prejuízos resultantes diretamente da má-fé daquele, condeno o Autor no pagamento dos honorários ao ilustre mandatário dos Réus, em valor que, atendendo à simplicidade da causa, se fixa em 2.000,00 €.”.
No entanto, perante a procedência parcial da impugnação da decisão da matéria de facto por um lado, e atentas as considerações acima tecidas relativamente à falta de fundamento do argumentário do Tribunal a quo quando considerou que os factos alegados como causa de pedir são a inundação sofrida na fração dos Autores em Outubro de 2021, cujos danos que fundamentam o pedido foram já ressarcidos em Dezembro de 2021, facilmente se conclui que os pressupostos que determinaram a condenação do Autor como litigante de má fé deixaram de se verificar.
Nesta conformidade, entende-se que os elementos disponíveis nos autos não permitem sancionar civilmente o Apelante como litigante de má-fé.
Consequentemente, procede nesta parte a apelação, mantendo-se, no demais, a sentença recorrida.
De acordo com o disposto no artigo 527º, n.º 1 do Código de Processo Civil, a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.
Por seu lado, acrescenta o nº2, do citado preceito, que se entende que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Termos em que, perante a procedência parcial da apelação, se decide que as custas serão suportadas pelos Autores e pelo Réu na proporção de 1/5 para os Autores e 4/5 para o Réu.
Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão da 5ª Secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelos Apelantes AA e BB, com o que alteram a sentença recorrida, e, em consequência, decidem:
I) Condenar o Réu a efetuar as obras de reparação dos danos relativos às infiltrações de água existentes no teto dos diversos aposentos da fração dos Autores, nas paredes, nos móveis, roupeiros e no pavimentos, que se mostram descritos e documentados no relatório pericial junto aos autos em 2 de abril de 2024 ou, em alternativa, a pagar aos Autores a indemnização correspondente a esses danos, relegando-se a fixação dessa indemnização para incidente de liquidação (por os elementos de facto serem insuficientes para a quantificação desses danos).
II) Revogar a condenação do Autor / Apelante como litigante de má-fé na multa correspondente a 5 Uc´s e indemnização a favor do Réu no valor de €2.000,00.
III) No mais, confirmar a sentença recorrida.
Custas por Autores e pelo Réu na proporção de 1/5 para os Autores e 4/5 para o Réu.