I - A notificação de uma parte que é advogada em causa própria, no âmbito do processo civil, deve seguir o regime das notificações para mandatários forenses.
II - É ao notificando que incumbe demonstrar em juízo, com vista à determinação do início do prazo para a prática do ato processual por ele pretendido, que a notificação ocorreu em data posterior à presumida por razões que lhe não sejam imputáveis.
III - O onerado com essa presunção, para que possa tentar ilidi-la, tem necessariamente de o fazer no momento em que pratica o ato, caso este tenha sido praticado fora do prazo fixado em função da data da notificação presumida.
IV - Mesmo nas causas de valor não superior a metade da alçada do tribunal da Relação, se o juiz, no uso do poder que a lei lhe concede, decidir dispensar a audiência prévia, pretendendo conhecer do mérito da causa, findos os articulados, sempre deverá acautelar que não está a ser preterido o exercício do contraditório e que aquela decisão final, no momento processual em que está a ser proferida, não constitui uma decisão surpresa.
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Execução do Porto – Juiz 3
Relatora: Teresa Pinto da Silva
1º Adjunto: Des. José Eusébio Almeida
2º Adjunto: Des. Manuel Fernandes
Acordam os Juízes subscritores deste acórdão, da 5ª Secção, Cível, do Tribunal da Relação do Porto
I – RELATÓRIO
Em 30 de abril de 2024, por apenso aos autos de execução ordinária para pagamento de quantia certa que AA intentou contra BB, veio a Executada, na qualidade de advogada em causa própria, deduzir embargos de executado, pedindo, a final, a suspensão da execução sem a prestação de caução, nos termos da alínea c), do artigo 733º, do Código de Processo Civil, por ter sido impugnada, no âmbito da oposição deduzida, a exigibilidade ou liquidação da obrigação exequenda, mais requerendo o levantamento do sigilo bancário das contas do Exequente à data do divórcio entre ele e a Executada, inclusive nos certificados de aforro do Exequente, junto do Banco de Portugal.
Alegou, como fundamentos, ser falso que deva qualquer quantia ao Exequente, uma vez que não foi fixada data para o pagamento das tornas, tendo a esse título pago sessenta e cinco mil euros ao Exequente, com quem acordou que nada mais lhe era devido a esse título, uma vez que o Exequente ficaria com todo o dinheiro existente nas suas contas à data do divórcio, em montante superior aos €8.881,47 que o Exequente alega que lhe é devido pela Executada.
Em 03.06.2024, o Exequente/Embargado apresentou contestação aos embargos deduzidos pela Embargante, pugnando pela sua improcedência, por não provados, e pelo prosseguimento da execução.
A final, juntou sete documentos e arrolou prova testemunhal.
A secção do Tribunal de 1ª Instância notificou a contestação com documentos à Embargante, por via eletrónica, através do sistema Citius, encontrando-se certificada, através do documento nº 460812131 daquele sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais, a data da elaboração da notificação como sendo o dia 4 de junho de 2024.
Em 30.08.2024, a Embargante veio requerer a junção aos autos de procuração outorgada a favor dos seus novos mandatários.
Em 02.09.2024, a Embargante apresentou requerimento, no qual começa por requerer que se julgue justificado o atraso na apresentação do articulado de resposta à contestação, porquanto, não obstante dever considerar-se notificada da contestação apresentada pelo Embargado no dia 7 de junho de 2024, face ao disposto no artigo 248º, do Código de Processo Civil – pelo que, independentemente de justo impedimento teria pelo menos até ao dia 17 de junho de 2024 para responder (ou até ao dia 20, correspondendo ao 3º dia útil subsequente ao prazo, com multa – art. 139º, nº5, do Código de Processo Civil), – no final de maio a Executada começou a demonstrar sintomas de doença que a impossibilitaram de exercer, em absoluto, a sua profissão, pelo menos até ao dia 15 de julho de 2024.
Para prova do alegado, junta sob doc. 1 três certificados de incapacidade temporária para o trabalho, sendo um pelo médico que se identifica como CC e dois emitidos pela médica que se identifica como DD, dos quais resulta que:
- O médico CC emitiu um certificado de incapacidade temporária para o trabalho por doença natural da Embargante, datado de 22 de julho de 2024, no qual lhe atribui um período de incapacidade inicial, assinalando como data de início 25 de junho de 2024 e data do termo 15 de julho de 2024, indicando 21 dias.
- A médica DD emitiu um certificado de incapacidade temporária para o trabalho por doença natural da Embargante datado de 2 de setembro de 2024, no qual lhe atribui um período de incapacidade inicial, assinalando como data de início 21 de maio de 2024 e data do termo em 1 de junho de 2024, indicando 12 dias.
- Com a mesma data de 2 de setembro de 2024, a mesma médica DD emitiu um certificado de incapacidade temporária para o trabalho por doença natural da Embargante, no qual lhe atribui um período de incapacidade (prorrogação) com início em 2 de junho de 2024 e termo em 24 de junho de 2024, assinalando 21 dias.
A Embargante alegou ainda que:
“8.Em virtude dessa ocorrência, perdeu o normal acesso ao seu computador, Internet, processo físico e plataforma CITIUS, com o que também nunca conseguiria adiantar o seu trabalho.
9. Não tinha nenhum Colega em quem pudesse substabelecer a elaboração de peças, dada a singularidade do processo, o adiantado da hora e a ausência dos mesmos para férias (“infeliz” conjugação do feriado de 10 junho com a antecipação das férias judiciais).
10. E ainda que algum Colega existisse que se tivesse mostrado disponível para assumir o mandato neste processo, certo é que a Executada não tinha nem a disponibilidade nem a capacidade mental para substabelecer tais poderes e inteirar outro Advogado das circunstâncias factuais do caso.
11. Terminado o seu período de incapacidade prolongada, sentindo-se ainda fragilizada e incapaz de regressar de imediato ao trabalho, logo se apressou a Executada, na medida das suas possibilidades, a contactar inúmeros escritórios de Advogados, averiguando da disponibilidade dos mesmos para a representarem.
12. Ora, apenas no dia 23 de agosto outorgou a Executada a procuração a favor dos seus atuais mandatários, que de imediato diligenciaram pelo levantamento dos processos relativos à Executada, bem como pela elaboração e submissão das peças mais urgentes e com prazos ainda pendentes.”
Termos em que requer que seja justificado o atraso na apresentação daquela resposta, com dispensa de pagamento da multa, ao abrigo do artigo 140º, do Código de Processo Civil.
Subsidiariamente, requer a diminuição da multa a pagar ou a sua significativa redução (pelo menos em metade do seu valor) para quantias que a Executada consiga suportar.
Para a hipótese de indeferimento dos anteriores pedidos, à cautela, juntou comprovativo de pagamento de multa ao abrigo do art. 139.º, n.º 5, al. a) do Código de Processo Civil, requerendo a restituição da quantia paga, em caso de justificação do atraso, por verificação do justo impedimento.
Em seguida, na mesma peça processual, apresentou resposta à contestação, impugnando parte dos factos alegados pelo Embargado, bem como os documentos por este juntos, no sentido e alcance por ele pretendidos.
Conclui nos seguintes termos:
A) Deve ser relevado o justo impedimento invocado, com dispensa de pagamento de multa (ou, subsidiariamente, com a sua redução);
B) Deve ser considerada extinta a execução, dada a iliquidez e inexigibilidade da obrigação exequenda;
C) Deve ser ordenada a quebra do sigilo bancário e a notificação do Banco de Portugal para informar em que instituições bancárias o exequente detinha contas bancárias (incluindo de títulos / certificados de aforro) no ano de 2019, e, uma vez identificadas, as mesmas instituições bancárias deverão reportar os saldos e movimentos bancários realizados pelo Exequente no período compreendido entre 01.01.2019 e 30.06.2020;
Mais requer:
D) A atribuição de efeito suspensivo à execução (art. 733.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil), sem a correspondente prestação de caução.
A final, para além do documento já acima indicado, arrolou prova testemunhal.
Em 16 de setembro de 2024, veio o Embargado pronunciar-se quanto àquele requerimento apresentado pela Embargante em 2 de setembro de 2024, pugnando pela não verificação do justo impedimento e pelo indeferimento do requerimento efetuado pela Embargante, por intempestivo seja para o fim que for, ordenando-se o seu desentranhamento.
Caso assim não se entenda, considera que apenas se deverá levar em conta o mesmo requerimento no que respeita, tão-só, à impugnação de documentos, irrelevando completamente em relação a tudo o resto que nesse requerimento se lavrou, com as legais consequências.
Juntou três documentos.
Em 30 de setembro de 2024, a Embargante veio pronunciar-se quanto aos documentos juntos pelo Embargante em 16 de setembro de 2024, impugnando-os no sentido e alcance por este pretendidos.
Por despacho de 7 de outubro de 2024, o Tribunal a quo indeferiu a suspensão da execução que havia sido requerida pela Embargante e, considerando o invocado no artigo 3º da petição inicial dos embargos, convidou a Embargante a concretizar:
- Por que forma foi realizado o invocado acordo (oral / escrito);
- Em que data;
- A que contas bancárias se refere o acordo, uma vez que da partilha realizada não consta a indicação de contas bancárias comuns, sendo certo que o regime de bens que vigorou na pendência do casamento foi o regime da comunhão de adquiridos.
Por requerimento de 15 de outubro de 2024, veio a Embargante responder àquele convite, reiterando, a final, o seu pedido já constante da petição inicial, quanto a ser ordenada a quebra do sigilo bancário e a notificação do Banco de Portugal para informar em que instituições bancárias o Exequente detinha contas bancárias (incluindo de títulos / certificados de aforro) no ano de 2019, e, uma vez identificadas, as mesmas instituições bancárias deverão reportar os saldos e movimentos bancários realizados pelo Exequente no período compreendido entre 01.01.2019 e 30.06.2020.
Em 28 de novembro de 2024, o Tribunal a quo proferiu despacho a julgar não verificado o justo impedimento invocado pela Embargada, dispensou a realização da audiência prévia e, em seguida, prolatou despacho saneador-sentença com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgo totalmente improcedentes, por não provados, os presentes embargos de executado, em consequência do que determino a prossecução da execução de que estes autos constituem um apenso.”
(…)
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões vertidas pelo Recorrente nas suas alegações (artigos 635º, nºs 4 e 5 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (artigo 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do artigo 663.º, n.º 2, in fine, ambos do Código de Processo Civil).
Não pode igualmente o Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais prévias, destinando-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não à prolação de decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo Tribunal recorrido.
Mercê do exposto, da análise das conclusões apresentadas pela Recorrente nas suas alegações decorre que no presente recurso deverão ser apreciadas, por ordem lógica, as seguintes questões:
1ª Se o despacho que julgou não verificado o justo impedimento invocado pela Embargante padece das nulidades previstas nas alíneas b), c) e d), do nº1, do artigo 615º, do Código de Processo Civil e se violou os princípios do Estado de Direito constitucionalmente consagrados e, em caso negativo,
2ª Se procede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto que o Tribunal a quo deu como provada no despacho que conheceu do justo impedimento invocado pela Embargante
3ª Se ocorreu erro de julgamento quanto à decisão de não verificação do justo impedimento invocado pela Recorrente, incluindo a inconstitucionalidade dos arts. 140º do CPC; 732º, n.º 2, 591º, 593º, 595º e 597º do CPC; 221, 394º e 395º do Código Civil na interpretação efetuada pelo tribunal a quo
4ª Se o saneador-sentença recorrido padece de alguma das nulidades previstas nas alíneas b), c) e d), do nº1, do artigo 615º, do Código de Processo Civil e, em caso negativo.
5ª Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento.
1ª Se o despacho que julgou não verificado o justo impedimento invocado pela Embargante padece das nulidades previstas nas alíneas b), c) e d), do nº1, do artigo 615º, do Código de Processo Civil e se violou os princípios do Estado de Direito constitucionalmente consagrados
As nulidades da sentença tipificadas no artigo 615º, do Código de Processo Civil, (disposição aplicável, com as necessárias adaptações, aos despachos, por remissão do disposto no nº3, do artigo 613º, do citado diploma fundamental) são vícios formais, reportando-se à estrutura, à inteligibilidade e aos limites da decisão.
Não podem ser confundidas com erros de julgamento de facto nem com erros de aplicação das normas jurídicas aos factos.
Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas e/ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto. Esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, antes ao mérito da relação material controvertida, nela apreciada, não a inquinam de invalidade.
Diferentemente, as nulidades previstas no artigo 615º, do Código de Processo Civil são aquelas que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer por essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)”[1] ou condenar ultra petitum, tendo o julgador de limitar a condenação ao que, concretamente, vem peticionado, em obediência ao princípio do dispositivo.
Os referidos vícios respeitam, por conseguinte, à “estrutura ou aos limites da sentença.
Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação) e c) (oposição entre os fundamentos e a decisão).
Respeitam aos seus limites os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum)”[2].
No caso concreto, analisadas as alegações de recurso e respetivas conclusões, a Recorrente sustenta que o despacho que julgou não verificado o justo impedimento por ela invocado padece das nulidades previstas nas alíneas b), c) e d) do nº1 do artigo 615º, do Código de Processo Civil.
Decorre do disposto na alínea b), do nº1, do artigo 615º, do Código de Processo Civil, disposição que, como já acima referimos, é aplicável aos próprios despachos por força do preceituado no nº3, do artigo 613º, do citado diploma, que a sentença é nula “quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
O estatuído na citada alínea b) é a sanção pelo desrespeito do disposto no artigo 154º, do Código de Processo Civil, que estabelece que "as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”, e que assenta no princípio constitucional da obrigatoriedade de fundamentação de todas as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente (artigo 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa).
É unanimemente entendido, na doutrina e na jurisprudência, que só a ausência absoluta de fundamentação, que não uma fundamentação escassa, deficiente, ou mesmo medíocre, pode ser geradora da nulidade das decisões judiciais.
O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, a ausência total de fundamentos de facto e de direito; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz a nulidade [3].
Nesta linha de entendimento, relativamente à fundamentação de facto, só a falta de concretização dos factos provados que servem de base à decisão conduz à nulidade da decisão.
Quanto à fundamentação de direito, “o julgador não tem de analisar todas as razões jurídicas que cada uma das partes invoque em abono das suas posições, embora lhe incumba resolver todas as questões suscitadas pelas partes: a fundamentação da sentença contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio à solução adotada pelo julgador”[4].
Alega a Recorrente que o despacho em análise padece de vício de falta de fundamentação, porque não esclarece as concretas razões que levaram à decisão de indeferimento da inquirição das testemunhas que a Recorrente havia arrolado naquele requerimento de 2 de setembro de 2024.
Sem razão, adiantamos desde já, porquanto tendo o Tribunal a quo concluído pela não verificação do justo impedimento invocado pela Embargante para a apresentação daquele requerimento apenas naquela data e ainda pela inadmissibilidade legal dessa peça processual na qual a Recorrente arrolou as testemunhas cuja inquirição reclama, necessariamente se impõe concluir que nenhuma outra razão teria de invocar para indeferir a pretendida inquirição, pois que aquele rol faz parte integrante da peça processual que o Tribunal a quo não admitiu e, nessa medida, também o rol de testemunhas não foi admitido nos autos, pelo que não há que fundamentar o indeferimento da inquirição de um rol que, para todos os efeitos, em termos processuais não se mostra validamente junto ao processo.
Por outro lado, lido o despacho recorrido constata-se que o Tribunal a quo nele procedeu à fixação dos factos provados e fundamentou juridicamente a sua decisão, pelo que, atento o exposto, improcede nesta parte a apelação.
Aliás, esta argumentação é válida também para afastar a nulidade do despacho em causa com fundamento no disposto na alínea d), do nº 1, do artigo 615º, do Código de Processo Civil. norma na qual o legislador dispôs que a sentença é nula quando “d. O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Esta norma está diretamente relacionada com o artigo 608°, n° 2, do Código de Processo Civil, segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
A dificuldade está em saber o que deve entender-se por questões jurídicas neste contexto. E quanto a esta matéria, a jurisprudência e a doutrina têm entendido que essas questões que o Tribunal pode conhecer, para além daquelas cujo conhecimento oficioso a lei permite ou impõe, identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir e com as exceções invocadas. Não serão todo os argumentos, todos os factos, todas as motivações produzidas pelas partes, mas sim os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às exceções[5].
Importa ainda ter presente que na primeira parte da alínea d) do nº1 do artigo 615º do Código de Processo Civil mostra-se contemplada a nulidade da decisão por omissão de pronúncia, enquanto na segunda parte se prevê a nulidade por excesso de pronúncia.
No caso a Recorrente sustenta que o despacho é nulo por omissão de pronúncia, por não se ter pronunciado sobre a questão da (in) adequação de produção da prova testemunhal requerida.
No entanto, analisada a decisão recorrida, conclui-se que a mesma não padece do invocado vício pois que, como decorre do acima já acima explanado, o Tribunal a quo não tinha que se pronunciar sobre a adequação ou inadequação da prova testemunhal requerida a partir do momento em que decidiu julgar não verificado o justo impedimento e concluiu pela inadmissibilidade legal da peça processual na qual a Recorrente requereu a produção de prova testemunhal.
Para além disso, não podemos deixar de salientar que, lido o requerimento apresentado pela Recorrente em 2 de setembro de 2024, não resulta do mesmo que o rol de testemunhas que ali é apresentado se relacione com a prova do justo impedimento invocado, pois que quanto a este, em termos probatórios, apenas se remete para o documento 1 (cfr. ponto 7. daquele requerimento).
Naquele requerimento a Recorrente separou claramente a parte que qualificou de “A: Do justo impedimento da advogada / executada” da parte “B. Da contestação aos embargos da executada”, e no que respeita à prova do justo impedimento apenas remeteu para o documento 1 e nada mais. Só agora, em sede de alegações de recurso, veio alegar que, afinal, as testemunhas arroladas poderiam fornecer ao Tribunal factos objetivos que confirmassem ou infirmassem o narrado naquele requerimento quanto à gravidade incapacitante da doença da Recorrente, o que configura uma questão nova e, nessa medida, afastada do conhecimento por parte deste Tribunal de recurso.
Improcede, pelo exposto, a nulidade em causa, e, pelos mesmos argumentos, a alegação da Recorrente contida no ponto 17 das conclusões de recurso, segunda a qual “o Tribunal a quo violou os princípios do estado de direito, consubstanciados na proibição do excesso ou da proporcionalidade, da adequação e da juridicidade (arts. 2 e 20 da Constituição da República Portuguesa), por não poder ser privada de aproveitar os meios de prova indispensáveis à defesa dos seus legítimos interesses e direitos”, pois que, diferentemente do alegado, tal privação não ocorreu. Aliás, convém ter presente que os princípios do estado de direito não são incompatíveis com a existência de regras no exercício dos direitos, antas as reclama, porquanto se assim não for o excesso de defesa e de direitos de uma parte pode resultar numa desproteção da parte contrária.
A Recorrente sustenta ainda que o despacho que concluiu pela não verificação do justo impedimento é nulo face ao disposto nas alíneas c) do nº1, do artigo 615º, do Código de Processo Civil, da qual resulta que a nulidade também ocorrerá quando “c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
Para sustentar este vício, alega que a decisão recorrida insinua que os documentos juntos não são, por si só, suficientes para a prova do pretendido justo impedimento, mas indefere (implicitamente, por omissão de pronúncia) a produção de prova testemunhal que, complementar daquela, poderia esclarecer os pontos essenciais para uma boa decisão da questão, incorrendo deste modo numa contradição entre os seus termos que conduz à sua nulidade, face ao disposto naquela alínea c).
Com interesse para o conhecimento desta questão diremos que a contradição entre os fundamentos e a decisão, a que alude a citada al. c), verifica-se quando a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto; pretendendo o legislador que o juiz justifique a sua decisão, esta não poderá considerar-se justificada quando colide com os fundamentos em que ostensivamente se apoia.[6]
No entanto, no caso concreto, analisada a decisão recorrida, conclui-se claramente que a mesma não padece dos invocados vícios, mostrando-se consequente com os fundamentos, não contendo qualquer ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível, pelo que não se verifica a nulidade apontada.
Aliás, em jeito de conclusão, não podemos deixar de subscrever, a propósito da invocação de nulidades em sede de recurso, as considerações tecidas por António Santos Abrantes Geraldes[7], quando afirma que: “É frequente a enunciação das alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou (e que a racionalidade não consegue explicar), desviando-se o verdadeiro objeto do recurso que deve ser centrado nos aspetos de ordem substancial. Com não menos frequência, a arguição de nulidades da sentença ou do acórdão da Relação acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades, previstas no artigo 615º, nº1”.
É justamente o que sucede no caso concreto com a alegação da Recorrente, que confunde a invocação da nulidade do despacho que julgou não verificado o justo impedimento com a arguição da existência de erro de julgamento.
O que a Recorrente vem manifestar, em concreto, é a sua discordância quanto ao decidido naquele despacho, mas esse inconformismo não conduz à sua nulidade, improcedendo nesta parte o recurso.
Regendo sobre a notificação eletrónica às partes que constituam mandatário, dispõe o nº1 do artigo 247º do Código de Processo Civil que “As notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais”, prevendo o artigo 248º, do citado diploma, a respeito das formalidades daquela notificação, que:
1 - Os mandatários são notificados por via eletrónica nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, devendo o sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais certificar a data da elaboração da notificação, presumindo-se esta feita no terceiro dia posterior ao do seu envio, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
2 - Sempre que por justo impedimento, determinado nos termos do artigo 140.º, não for possível ao mandatário aceder à área reservada do portal eletrónico onde são disponibilizadas as notificações, a notificação considera-se apenas efetuada quando for ultrapassado o justo impedimento.
No caso em análise, a notificação da contestação com documentos à Embargante foi efetuada por via eletrónica enviada no dia 4 de junho de 2024, o que significa que o terceiro dia posterior ao envio dessa notificação foi o dia 7 de junho de 2024, sendo esta a data em que se presume efetuada a notificação da contestação à Embargante.
É certo que essa presunção, decorrente da previsão do artigo 248º, nº1, do Código de Processo Civil, constitui uma presunção legal ilidível e é precisamente essa presunção que a Recorrente pretende ilidir, o que, no entanto, não logrou fazer.
Note-se que, no caso em análise, a Recorrente não questiona que lhe foi remetida a notificação por via eletrónica no dia 4 de junho de 2024, questionando sim e apenas que se deva considerar notificada na data presumida (7 de junho de 2024), argumentando, para tanto, que “ a suposta emissão de tal notificação Citius não equivale ao seu efetivo recebimento e conhecimento, não existindo nos autos qualquer comprovativo de abertura e efetiva compreensão daquela notificação Citius pela Executada.
Decorre dos normativos acima mencionados que o legislador considerou normal, por isso presumiu, até prova em contrário, que a notificação se efetua no terceiro dia posterior à data certificada pelo Citius como sendo a data da elaboração da notificação, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando aquele terceiro dia não seja dia útil.
A prova em contrário visa demonstrar que a notificação não foi realizada ou o foi em dia posterior à presumida por razões que lhe não sejam imputáveis.
É ao notificando que incumbe demonstrar em juízo, com vista à determinação do início do prazo para a prática do ato processual por ele pretendido, que a notificação ocorreu em data posterior à presumida por razões que lhe não sejam imputáveis.
Quanto ao momento em que deve ser efetuada essa prova em contrário, tem-se entendido, pacificamente, que o onerado com essa presunção, para que possa tentar ilidi-la, tem necessariamente de o fazer no momento em que pratica o ato, caso este tenha sido praticado fora do prazo fixado em função da data da notificação presumida. Caso assim não fosse, ficava o Tribunal impedido de decidir, ou quanto à admissão ou rejeição imediata do ato que se pretende praticar (no caso, a resposta à contestação dos embargos), ou quanto à produção de eventual prova que se mostrasse necessária para demonstrar a notificação tardia.[8]
Perante o referido enquadramento fáctico, normativo e interpretativo, concluiu-se que, no caso em análise, para a Recorrente ilidir a presunção de notificação da contestação dos embargos apresentada pelo Exequente, teria de ter alegado, no momento em que apresentou o requerimento de 2 de setembro de 2024, que foi notificada da contestação dos embargos em data posterior à que resulta da presunção, e que tal ocorreu por razões que não lhe são imputáveis, o que não fez.
Lido o referido requerimento, conclui-se que a Recorrente não põe em causa aquela data de notificação presumida, apenas vem invocar circunstâncias que, de acordo com o seu entendimento, permitem justificar o atraso na prática daquele ato, por verificação do justo impedimento, nos termos do artigo 140º, do Código de Processo Civil.
Não o tendo feito naquele momento, ficou precludido o seu correspondente (eventual) direito, pelo que não pode agora a Recorrente, em sede de recurso, pretender afastar aquela presunção com o argumento de que a notificação Citius não equivale ao seu efetivo recebimento e conhecimento, não existindo nos autos qualquer comprovativo de abertura e efetiva compreensão daquela notificação Citius pela Executada. Aliás, a data em que o mandatário (no caso, a Embargante em causa própria) efetivamente consulta a notificação no sistema Citius é irrelevante para determinar a data da notificação.
Assente que a Embargante se deve ter por notificada da contestação ao embargos em 7 de junho de 2024, conclui-se que:
- A peça processual de 2 de setembro de 2024, na parte que se traduz numa resposta à contestação dos embargos - qual seja, ponto B, artigos 25 a 30º daquela peça – não é admissível, por força do disposto no artigo 732º, nº2, do Código de Processo Civil, do qual decorre que após a contestação não há lugar a qualquer outro articulado. Por isso, quanto a esta parte não faz qualquer sentido a Recorrente vir invocar o justo impedimento para praticar esse ato, tendo quanto a esta parte sido correta a decisão do Tribunal a quo ao concluir pela inadmissibilidade legal daquela peça processual.
- Relativamente à parte do requerimento em que a Embargante reitera o pedido de suspensão da execução sem a prestação de caução – qual seja, ponto C, artigos 56º a 66º daquele requerimento – não vislumbramos a existência de qualquer prazo perentório para a apresentação de tal insistência e, consequentemente, carece de fundamento a invocação do justo impedimento, pois que não se mostrava esgotado qualquer prazo de que a Embargante dispusesse para apresentar aquela insistência.
- Quer isto dizer que o justo impedimento invocado pela Recorrente apenas faz sentido para permitir a esta, no caso de se concluir pela sua verificação, exercer o contraditório quanto aos documentos juntos pelo Exequente com a contestação aos embargos, e quanto ao rol de testemunhas que ali apresentou.
Atento o prazo perentório de 10 dias de que dispunha a Embargante para se pronunciar quanto aos documentos juntos com a contestação (ponderadas as disposições legais dos artigos 149º, nº1 e 427º, do Código de Processo Civil), verifica-se que esse prazo terminou a 17 de junho de 2024, podendo ser praticado ainda nos dias 18, 19 e 20 de junho de 2024, de acordo com o prazo de “tolerância” admitido no artigo 139º, nº5, do Código de Processo Civil.
A Recorrente veio exercer esse contraditório no dia 2 de setembro de 2024, ou seja, muito para além do prazo de que dispunha para o efeito.
Para tanto, invocou o justo impedimento assente na impossibilidade de, enquanto advogada em causa própria, ter praticado o ato por motivos de doença.
Prescreve o n.º2 do artigo 140.º do Código de Processo Civil que a parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.
Desta disposição legal resulta que o justo impedimento tem de ser alegado no preciso momento em que a parte se apresenta a praticar o ato fora de prazo e logo após cessar o impedimento invocado.
No caso vertente, os documentos juntos ao processo para comprovar o facto gerador do impedimento por alegada doença da Embargante, advogada em causa própria, são três certificados de incapacidade temporária:
- um datado de 2 de setembro de 2024, que atesta que se encontrou incapacitada para a sua atividade profissional, por doença, desde 21 de maio de 2024 até 1 de junho de 2024.
- um outro, também datado de 2 de setembro de 2024, que atesta que se encontrou incapacitada para a sua atividade profissional, por doença, desde 2 de junho de 2024 até 24 de junho de 2024.
- um outro datado de 22 de julho de 2024, que atesta que a mesma se encontrou incapacitada para a sua atividade profissional, por doença, desde 25 de junho de 2024 até 15 de julho de 2024.
Não foi junta qualquer outra documentação ou atestado médico que caracterize o estado de doença incapacitante.
Por isso, para o efeito pretendido, esses documentos, pelo seu teor genérico e aberto, e insuficientemente factualizados, não serve para se poder decidir, com objetividade e segurança, da existência do justo impedimento, cujo ónus da prova cabe integralmente à Recorrente. Aqueles documentos não certificam factos concretos que permitam ao tribunal concluir que estamos perante uma doença incapacitante, em termos de ser um obstáculo incontornável à apresentação de peça processual ou prática de ato processual de pronuncia quanto aos documentos juntos com a contestação dentro do prazo.
Por outro lado, e ainda que outro fosse o entendimento deste Tribunal, a invocação do justo impedimento apenas em 2 de setembro de 2024 revela-se claramente intempestiva, porquanto de acordo com aqueles certificados de incapacidade temporária a incapacidade da Recorrente terminou em 15 de julho de 2024.
É certo que a mesma veio alegar que terminado o seu período de incapacidade sentia-se ainda fragilizada e incapaz de regressar de imediato ao trabalho e por isso logo se “apressou” a contactar inúmeros advogados…
Ora, a sensação da Recorrente acerca de se sentir ou não capaz de regressar ao trabalho não pode implicar alterações de prazos que se fundamentam num interesse público que só muito excecionalmente admitem prorrogação.
A ser deferido o presente requerimento com base na situação invocada pela Recorrente, passaria esta a definir a seu bel-prazer, nos processos em que é parte, os prazos para praticar atos processuais e para beneficiar de prazos mais longos, o que seria, desde logo, uma violação da igualdade dos cidadãos perante a lei e um benefício injustificado.
Daqui se conclui que carece de fundamento a invocada inconstitucionalidade dos arts. 140 do CPC; 732, n.º 2, 591, 593, 595 e 597 do CPC; 221, 394 e 395 do Código Civil na interpretação que lhes foi dada pelo despacho recorrido, por violação expressa dos princípios do Estado de direito democrático (art. 2.º da CRP), do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva (arts. 20.º, n.ºs 1 e 4 e 202, n.º 2, da CRP) e da salvaguarda dos direitos pessoais (art. 26.º da CRP), contrariando o âmbito e sentido dos direitos fundamentais consagrados (art. 16.º da CRP), porquanto a interpretação que a Recorrente advoga das citadas normas essa sim é que se revelaria inconstitucional. Note-se que o “justo impedimento” não se basta com uma mera dificuldade ou uma dificuldade acrescida na prática do ato, exige a verdadeira e radical impossibilidade da prática do ato[9].
Pelo exposto, deve considerar-se que, no caso concreto, não foi cumprido pela Recorrente o ónus da prova do “justo impedimento” (arts. 140º, 1, e 2, do CPC, 342º, 1, do Código de Processo Civil), pelo que não pode manifestamente proceder a sua pretensão.
O Tribunal a quo entendeu dispensar a realização da audiência prévia, consignando as seguintes razões:
“Dado que o processo já reúne todos os elementos necessários para ser proferida decisão de mérito, tal decisão será proferida de imediato, ao abrigo da conjugação do disposto nos arts. 591º, nº, al. d), 593º, nº 1, 595º, nº 1, al. b) e 597º, al. c), do C.P.Civil.
Na verdade, estando o presente processo munido de todos os elementos que permitem ao tribunal proferir decisão de mérito seria inútil e mesmo violador do princípio da economia processual (vide art. 130º, do C.P.Civil) a designação de uma audiência prévia com vista a facultar às partes a decisão final proferida no processo, sendo certo que as partes já discutiram as exceções esgrimidas pela embargante no seu petitório pelo que não há necessidade de mais exercício do contraditório.
Assim sendo, ao abrigo dos citados normativos e ainda do dever de gestão processual plasmado no art. 6º, do citado código – que, para além do mais, impõe ao juiz o dever de providenciar pelo andamento célere do processo -, dispenso a realização da audiência prévia, sendo proferida de imediato decisão final.”
Já a Recorrente defende que o conhecimento do pedido, em fase de saneamento dos autos, obriga o juiz à designação da audiência prévia, ou, pelo menos, a facultar previamente às partes o contraditório sobre a possibilidade de dispensa daquela audiência e sobre o sentido da decisão a proferir, pelo que conclui que o Tribunal a quo omitiu ato ou formalidade que a lei prescreve, assim inquinando de nulidade, por excesso de pronúncia, a sentença proferida, nos termos do artigo 615.º, nº 1, alínea d), 2ª parte, do Código de Processo Civil, por ter decidido de questão de que não podia conhecer no momento processual em que o fez, constituindo o saneador-sentença proferido, sem convocação da audiência prévia, uma decisão-surpresa.
Com interesse para o conhecimento da questão suscita, diremos que no âmbito do processo comum de declaração - cujo regime é aplicável aos embargos de executado, após o termo dos articulados, por força do disposto no artigo 732º, nº 2, do Código de Processo Civil -, se instituiu, como regra, a obrigatoriedade de realização da audiência prévia - cfr. artigo 591º do mesmo diploma -, nomeadamente quando o “juiz tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa.” (cfr. alínea b), do n.º 1, do citado preceito legal).
Nos artigos 592.º e 593.º do Código de Processo Civil estipulam-se as exceções à regra acima prevista, dispondo o artigo 592.º sobre os casos em que a audiência prévia não tem lugar e definindo o artigo 593.º os casos em que a audiência prévia pode ser dispensada.
Além disso, nas ações de valor não superior a metade da alçada da Relação, o juiz marcará ou não audiência prévia tendo em conta a natureza e a complexidade da ação - cfr. artigo 597º do Código de Processo Civil.
Ora, aos presentes embargos de executado foi fixado o valor de € 10.423,9, pelo que estamos perante uma ação de valor inferior a metade da alçada da Relação [atualmente, de € 30.000 - cfr. art.º 44º, nº 1, da Lei 62/2013, de 26.08 (Lei da Organização do Sistema Judiciário) - sendo, por isso, metade de tal valor € 15.000,00].
Nestas ações, findos os articulados, é ao juiz, conforme referem Abrantes Geraldes e outros, in “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. I, Almedina, 3.ª edição, página 755, “que cabe definir quais os trâmites processuais que devem ser seguidos, tendo em conta a natureza e a complexidade da acção e a necessidade e a adequação dos actos ao seu julgamento”.
Deste modo, o juiz pode, consoante a necessidade e a adequação do ato ao fim do processo, designar audiência prévia ou, desde logo, proferir despacho, nos termos do artigo 595.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, incluindo a decisão de mérito da causa, ou proferir despacho de adequação formal do processo, nos termos previstos nos artigos 6.º, n.º 1, e 547.º, do mesmo diploma, prosseguindo de imediato para a audiência final.
Ou seja, nas causas de valor não superior a metade da alçada do Tribunal da Relação, face ao disposto no artigo 597º do Código de Processo Civil, compete ao juiz decidir sobre a convocação/realização da audiência prévia, não sendo obrigatória a sua realização. No entanto, mesmo nessas causas de valor não superior a metade da alçada do tribunal da Relação, se o juiz, no uso do poder que a lei lhe concede, decidir dispensar a audiência prévia, pretendendo conhecer do mérito da causa, findos os articulados, sempre deverá acautelar que não está a ser preterido o exercício do contraditório e que aquela decisão final, no momento processual em que está a ser proferida, não constitui uma decisão surpresa.
Pois bem, no caso presente, o Tribunal a quo, sem antes ouvir as partes (através da realização da audiência prévia ou notificando-as para exercerem o contraditório quanto à oportunidade de prolação, naquela fase processual, de decisão final), proferiu decisão final de mérito em sede de despacho saneador.
Temos, pois, que às partes não foi dada a possibilidade de se pronunciarem sobre as questões a decidir, bem como sobre a oportunidade de conhecimento do mérito findos os articulados, tendo o Tribunal a quo proferido uma decisão surpresa, violando o princípio do contraditório ínsito no artigo 3º, nº3, do Código de Processo Civil.
Importa agora definir as consequências jurídicas dessa violação.
A omissão do exercício do contraditório não constitui uma nulidade principal, pois não consta do elenco das nulidades previstas nos artigos 186º a 194º e 196º a 198º do Código de Processo Civil. Representa a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve, que cai na previsão do artigo 195º Código de Processo Civil, e por isso, configura uma irregularidade que só determina a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, estando o seu conhecimento dependente da arguição, nos termos previstos no artigo 199º Código de Processo Civil.
A lei não fornece uma definição do que se deve entender por “irregularidade que possa influir no exame e decisão da causa.” No sentido de interpretar o conceito o Professor Alberto dos Reis tecia as seguintes considerações:“[o]s atos de processo têm uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos actos de processo está satisfeito se as diligências, atos e formalidades que se praticaram garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se se praticaram ou omitiram atos ou deixaram de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e portanto a instrução, a discussão ou o julgamento dela“[10]
Daqui decorre que uma irregularidade pode influir no exame e decisão da causa se comprometer o conhecimento da causa, a instrução, discussão e julgamento.
No caso concreto, o saneador-sentença proferido acabou por conduzir à prolação de uma decisão de mérito, no caso, de improcedência dos embargos, situação que, de acordo com o nosso entendimento, não é uma situação que se insira num “caso da manifesta desnecessidade” que permitisse ao Tribunal recorrido proferi-la sem que as partes fossem ouvidas.
Na verdade, essa decisão não está de acordo com as consequências processuais a retirar da tramitação ocorrida até ao momento, tanto mais que havia sido requerido o levantamento do sigilo bancário das contas do Exequente à data do divórcio entre ele e a Executada, inclusive nos certificados de aforro do Exequente, junto do Banco de Portugal, sem que o Tribunal a quo se tenha pronunciado sobre tal questão[11].
Diante do exposto tinha, pois, o Tribunal recorrido, antes de decidir, de ouvir as partes. Ao não o ter feito, o saneador-sentença proferido mostra-se ferido de nulidade.
Não é pacífica na jurisprudência a questão de saber se a prolação de uma decisão surpresa, com violação do princípio do contraditório, constitui uma nulidade processual, nos termos do artigo 195º, nº 1, do Código de Processo Civil, ou uma nulidade da própria decisão, por excesso de pronúncia, em conformidade com o disposto no artigo 615º, nº 1, d), do Código de Processo Civil.
Como diz António Abrantes Geraldes in Recurso em Processo Civil, 7ª ed., pág. 24, “a expressão usual segundo a qual «das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se» aparenta uma simplicidade que não condiz com o que a prática judiciária revela. Importa, pois distinguir as nulidades de procedimento das nulidades de julgamento, uma vez que, nos termos do art. 615º, nº 4, quando estas últimas decorram de qualquer dos vícios da sentença assinalados nas als. b) a e) do nº 1, a sua invocação deve ser feita em sede de recurso, restringindo-se a reclamação para o próprio tribunal quando se trate de decisão irrecorrível”.
Mas se para algumas situações a resposta se apresenta como pacífica, outras há em que a solução não se apresenta tão clara. É o caso, por exemplo, “quando é cometida alguma nulidade de conhecimento oficioso ou em que é o próprio juiz que, ao proferir a sentença, omite uma formalidade de cumprimento obrigatório, como ocorre com o respeito pelo princípio do contraditório destinado a evitar decisões-surpresa (art. 3.º, nº 3). Nestes casos, em que a nulidade é revelada apenas através da prolação da decisão com que a parte é confrontada, a sujeição ao regime geral das nulidades processuais, nos termos dos arts. 195.º e 199.º, levaria a que a decisão que a deferisse se repercutiria na invalidação da sentença, com a vantagem adicional de tal ser determinado pelo próprio juiz, fora das exigências dos encargos (inclusive financeiros) inerentes à interposição de recurso. Porém, tal solução defronta-se com o enorme impedimento constituído pela regra, praticamente inultrapassável, ínsita no art, 613º, à qual presidem razões de certeza e de segurança jurídica que levam a que, uma vez proferida a sentença (ou qualquer decisão), fica esgotado o poder jurisdicional, de modo que, sendo admissível recurso, é exclusivamente por essa via que pode ser alcançada a revogação ou a modificação da decisão. Perante esta dificuldade, parece mais seguro assentar que, sempre que o juiz, ao proferir alguma decisão, se abstenha de apreciar uma situação irregular ou omita uma formalidade imposta por lei, a parte interessada deve reagir através da interposição de recurso sustentado na nulidade da própria decisão, nos termos do art. 615.º, al. d). Afinal, designadamente quando a sentença traduza para a parte uma verdadeira decisão-surpresa (não precedida do contraditório imposto pelo art. 3.º, nº 3), a mesma nem sequer dispôs da possibilidade de arguir a nulidade processual correspondente à omissão do ato, pelo que o recurso constitui a via ajustada a recompor a situação, integrando-se no seu objecto a arguição daquela nulidade”[12].
No caso concreto, entendemos que ao prolatar aquela saneador-sentença sem audição prévia das partes e, nessa medida, com violação do princípio do contraditório, o Tribunal a quo incorreu simultaneamente numa nulidade processual (prevista no artigo 195º, nº1, do Código de Processo Civil) e numa nulidade da sentença por excesso de pronuncia (prevista no artigo 615º, nº1, al. d), do Código de Processo Civil)[13]. Isto porque tal nulidade apenas se revelou com a prolação do saneador-sentença, pelo que a falta de contraditório, neste caso, constitui uma nulidade que se projeta na decisão, subsumível à previsão do art. 615º, nº 1, d) do Código de Processo Civil (nulidade da decisão por excesso de pronúncia).
É esta a posição assumida por Teixeira de Sousa quando, no comentário ao Ac. da Rel. de Évora, de 10-4-14 (www.dgsi.pt), observou que ainda que a falta de audição prévia constitua uma nulidade processual, por violação do princípio do contraditório, essa “nulidade processual é consumida por uma nulidade da sentença por excesso de pronúncia (art. 615º, nº 1, al. d), do NCPC), dado que sem a prévia audição das partes o tribunal não pode conhecer do fundamento que utilizou na sua decisão” (em blogippc.blogspot.pt, escrito datado de 10-5-14).”
Diante do exposto tinha, pois, o Tribunal recorrido, antes de decidir, de ouvir os argumentos das partes quanto à oportunidade de prolação, naquela fase processual, de decisão final. Ao não o ter feito, o saneador-sentença proferido mostra-se ferido de nulidade processual, que é consumida por uma nulidade por excesso de pronúncia - artigo 615º, nº 1, al. d), ex vi artigo 613º, nº3, ambos do Código de Processo Civil.
Concluindo, deve ser declarada a nulidade do saneador-sentença recorrido, determinando-se a consequente remessa do processo ao tribunal a quo, para que aí, a manter-se a opção pela dispensa da audiência prévia, seja assegurado o exercício do contraditório quanto ao mérito da causa, de forma a possibilitar a efetiva audição das partes.
Face à nulidade ora verificada, julgam-se prejudicadas as demais questões suscitadas em sede de alegações de recurso.
Como a apelação foi julgada procedente, mercê do princípio da causalidade, as custas serão da responsabilidade do Embargado/recorrido.
Custas a cargo do Embargado/recorrido.