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COMPOSSE
CONSTITUTO POSSESSÓRIO
Sumário
I - A impugnação da matéria de facto no recurso não pode proceder quando a factualidade pretendida aditar pelo recorrente é incompatível com parte essencial da restante matéria provada e não impugnada e, sobretudo, quando as alterações factuais pedidas são irrelevantes para o mérito da causa. II - A composse, traduzindo o exercício de facto simultâneo de duas ou mais pessoas sobre o mesmo bem, apenas pode ser admitida quando tenha diferente natureza ou quando seja exercida em conjunto, não sendo concebível, no plano lógico e conceptual, a presença simultânea de dois possuidores exclusivos. III - Embora a posse tenha por elemento primordial a actuação de facto sobre o bem, a sua tutela, para além de meramente provisória, não é alheia aos títulos formais através dos quais é transmitido o direito correspondente. IV - O constituto possessório representa uma forma de aquisição da posse solo consensu, ou seja, sem necessidade de acto, material ou simbólico, de entrega da coisa, onde a posse é atribuída sem a detenção e o possuidor passa a detentor, sendo a posse adquirida pelo beneficiário da operação. V - Como requisito da responsabilidade civil, o dano implica forçosamente a comprovação de uma situação de perda, deterioração ou afectação de bens juridicamente protegidos.
Texto Integral
Proc. n.º 324/22.6T8OAZ.P1
ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO (3.ª SECÇÃO CÍVEL):
Relator: Nuno Marcelo Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo
1.º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida
2.º Adjunto: Teresa Pinto da Silva
RELATÓRIO.
A..., LDA., titular do NIPC ...60, com sede na Rua ..., em ..., intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra AA, residente na Rua ..., em ..., portador do NIF ...45, e B... – CONSTRUÇÃO UNIPESSOAL, LDA., com o NIPC ...86 e sede na Rua ..., também em ....
Pediu a condenação dos RR. a) a reconhecerem que a A é proprietária e legítima possuidora com exclusão de outrem, do prédio urbano, sito em ..., ... ..., inscrito na matriz sob o art. ...42º da freguesia ..., concelho de Oliveira de Azeméis, descrito na Conservatória de Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o n.º ...22; b) a restituir em definitivo o prédio supra identificado que ilicitamente ocuparam; c) a absterem-se da prática de quaisquer atos que impeçam ou diminuam a utilização por parte da A. do prédio urbano objecto dos presentes autos; e d) a repararem a A. de todos os danos patrimoniais sofridos mediante o pagamento:
- do valor de 1.932,00€ correspondente à diferença entre o custo de construção do muro na data prevista (fevereiro de 2021) e o custo à presente data;
- do valor de 1.455,00€ pela ocupação indevida do prédio, sem que a A. usufruísse de qualquer contrapartida durante o período de 01/01/2021 a 07/04/2021;
- do valor de 1.600,00€ pelos custos de uma retroescavadora e maquinista, para verificação das obras realizadas pelos Réus entre o dia 5 e o dia 7 de abril de 2021 (movimentação de terras e colocação de manilhas);
- e do valor de 3.500,00€ pela abertura de um novo furo de água para substituir o furo existente que os Réus arrasaram, tudo com o acréscimo dos juros de mora à taxa legal anual para os juros civis, que se vençam desde a sua citação para a presente acção até efetivo e integral pagamento e a condenação dos RR. ao pagamento em sede de execução de sentença no valor que se vier apurar, caso se verifique que a colocação de manilhas e remoção/movimentação de terras pelos Réus tenha acarretado deteriorações no prédio, que necessitem de ser reparadas.
Para o efeito e em síntese, alegou que é dona e legítima possuidora do referido prédio urbano, adquirido por compra, a 26/4/2016, a BB, casado com CC, que por sua vez o haviam adquirido a DD e mulher, EE, sendo composto tal prédio, inscrito no registo a seu favor, por duas parcelas de terreno destinadas a construção urbana, uma agora inscrita na matriz sob o art. ...41º, destacada do prédio urbano descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º ...22 e a outra inscrita na matriz sob o art. ...42º, descrita na Conservatória de Registo Predial sob o n.º ...22.
Nessas circunstâncias, o R. propôs à A. a compra dos dois lotes, permitindo a segunda que aquele depositasse materiais de construção no prédio, mas das negociações apenas resultou a venda do prédio constituído por terreno de construção e inscrito na matriz sob o art. ...41º.
Como o R. continuasse a usar o terreno, a A. solicitou-lhe a desocupação, o que o primeiro informou que concretizaria até final de dezembro de 2020, o que, porém, não fez, forçando a A. a intentar procedimento cautelar, com o nº ..., que correu termos no Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira - Juiz 1, no qual foi comprovada a situação de esbulho, por decisão já transitada em julgado.
Afirmou ainda que o comportamento dos RR. deu causa aos prejuízos cuja reparação veio pedir.
Apenas o R. ofereceu contestação, na qual, em resumo, invocou que desde 1998, data em que o adquiriu, passou a utilizar o terreno em causa nos autos como estaleiro, para depósito e armazenamento das máquinas, equipamentos e materiais, o que manteve após as transmissões do imóvel, exercendo sobre ele posse como seu dono, e que estendeu à 2.ª R.; em consequência, arguiu a aquisição do dito prédio por usucapião e cujo reconhecimento, após despacho de convite ao aperfeiçoamento, fez constar em pedido reconvencional.
Impugnou ainda grande parte dos factos alegados na petição inicial.
A A. replicou, pronunciando-se pela improcedência da reconvenção.
Procedeu-se à fixação do valor da causa, em €31.507,20, ao saneamento da instância, indicação do objecto do litígio e selecção dos temas da prova.
Realizada a audiência de julgamento, em três sessões, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente: a) declarou e reconheceu a autora como proprietária e legítima possuidora do prédio urbano, sito em ..., ... ..., inscrito na matriz sob o art. ...42º da freguesia ..., concelho de Oliveira de Azeméis, descrito na Conservatória de Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o n.º ...22, mais condenando os réus a isso reconhecer; b) condenou os réus a procederem à restituição definitiva desse prédio à autora e a absterem-se da prática de quaisquer actos que impeçam ou diminuam a utilização por parte da autora quanto a esse prédio; e c) condenou os réus, enquanto devedores solidários, a pagarem à autora:
c.1) a quantia de €1932,00 correspondente à diferença entre o custo de construção do muro na data prevista fevereiro de 2021 e o custo actual;
c.2) a quantia de €905,31 pela ocupação indevida do prédio, sem que a autora usufruísse de qualquer contrapartida durante o período de 01/01/2021 a 07/04/2021;
c.3) a quantia de €1.600,00 pelos custos de uma retroescavadora e maquinista, para verificação das obras realizadas pelos réus entre o dia 5 e o dia 7 de abril de 2021 (movimentação de terras e colocação de manilhas), absolvendo os réus de eventual liquidação de outros valores em execução de sentença;
c.4) a quantia de €2.700,00 pela abertura de um novo furo de água para substituir o furo existente, tudo acrescido de juros de mora devidos à taxa legal a contabilizar desde a data de citação até efectivo e integral pagamento.
Mais, julgou o pedido reconvencional totalmente improcedente, por não provado, dele absolvendo a autora.
Dessa decisão, inconformado, o R. interpôs recurso, admitido como apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Rematou com as conclusões seguintes:
(…)
A A. ofereceu resposta ao recurso, na qual integrou as conclusões que se transcrevem de seguida sem incluir os excertos citados do recorrente:
(…)
Nada obsta ao conhecimento da apelação, a qual foi admitido na forma e com os efeitos legalmente previstos.
*
OBJECTO DO RECURSO.
Sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões, as quais, assim, definem e delimitam o objeto do recurso (arts. 635.º/4 e 639.º/1 do CPC).
Assim sendo, importa em especial apreciar, seguindo a ordem extraída das conclusões do recurso:
a) se foi validamente deduzida e é justificada a impugnação da matéria de facto quanto aos pontos 11, 13, 15, 20, 49 na parte “com autorização de DD”, e 51, no segmento “com o consentimento do seu sobrinho DD”, da matéria provada (conclusões 1 a 30);
b) se foi validamente deduzida e é justificada a impugnação da matéria de facto quanto aos pontos 34, 35, 41, 42, 43 e 44 julgados provados (conclusões 37 a 46);
c) se, em consequência das alterações à matéria de facto e à verificação dos requisitos da posse a favor do R., procede o pedido reconvencional, com o reconhecimento da aquisição do direito de propriedade por usucapião em benefício do recorrente (conclusões 31 a 36); e
d) se, em consequência das alterações à matéria de facto, deve o R. ser absolvido do pedido de pagamento das quantias indicadas na al. C do dispositivo da sentença (conclusão 47).
*
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
Em sede de factos julgados provados em primeira instância, alguns foram colocados em crise no recurso, na impugnação da matéria de facto, cuja apreciação deverá ocorrer mais adiante.
Assim, sem prejuízo da subsequente consideração dessa impugnação, estão provados os seguintes factos, de acordo com a decisão recorrida: 1) A Autora é uma sociedade por quotas, cujo objecto social é compra e venda de imóveis, compra de imóveis para revenda, arrendamento de imóveis, gestão de imóveis, gestão de condomínios, construção e venda de imóveis, prestação de serviços de construção civil, comércio por grosso e a retalho de materiais de construção, eléctricos, canalização, climatização e gás. 2) A autora é dona e legítima possuidora do prédio urbano, composto por terreno para construção, com área de dois mil duzentos e cinquenta e quatro metros quadrados, a confrontar do norte com Travessa ..., do sul com ..., do nascente com lote n.º...7 do alvará de loteamento n.º ...99, e do poente com Município ..., inscrito na matriz sob o art. ...42º da freguesia ..., descrito na Conservatória de Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o n.º ...22, sendo que, esse prédio veio à posse da autora em 26/04/2016, por procedimento de compra e venda a BB, casado com CC. 3) Por sua vez, BB adquiriu em 18/06/2013, por procedimento de compra e venda a DD e mulher, EE, um prédio urbano, composto por terreno de construção, sito em ..., freguesia ..., concelho de Oliveira de Azeméis, inscrito na matriz predial com o artigo ...73º, descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º ...22 da freguesia .... 4) O prédio supra identificado, não obstante, inicialmente, estar inscrito sob um único artigo ...73º, era composto por duas parcelas de terreno destinadas a construção urbana:
a) uma parcela com área de dois mil oitocentos e quinze metros quadrados, a confrontar do norte com Herdeiros de FF, do sul com Travessa ..., do nascente com lote n.º...3, do alvará de loteamento n.º ...99 e do poente com lote ... do mesmo loteamento, inscrito na matriz sob o art. ...41º, a destacar do prédio urbano descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º ...22, supra identificado, descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º...92;
b) uma parcela de terreno sobrante com área de dois mil duzentos e cinquenta e quatro metros quadrados, a confrontar do norte com Travessa ..., do sul com ..., do nascente com lote n.º...7 do alvará de loteamento n.º ...99, e do poente com Município ..., inscrita na matriz sob o art. ...42º, descrita Conservatória de Registo Predial sob o n.º ...22. 5) As duas parcelas de terreno foram individualizadas em dois artigos matriciais, tendo dado origem a 2 prédios urbanos compostos por terreno de construção, um deles com o artigo ...41º, outro com o artigo 1942º. 6) Adquiridos os prédios, passou a autora a tratar deles, procedendo à sua limpeza, conservação, reparação e melhoramentos, deles retirando todas as suas utilidades, pagando os respectivos impostos. 7) Há mais de 20, 30 e 40 anos que a autora por si e seus ante-possuidores, utiliza os prédios indicados, na convicção de que se trata de coisa sua, de que é dona. 8) O que aconteceu à vista de toda a gente, de forma continuada e ininterrupta, sem oposição de quem quer que fosse. 9) Após a autora adquirir os prédios supra identificados, o réu AA propôs à autora a compra dos dois prédios urbanos, identificados em 4.a) e 4.b) supra. 10) O gerente da autora BB conhecia o Réu AA com quem mantinha uma relação de amizade. 11)Enquanto durou a negociação relativa a tais prédios, BB, enquanto gerente da autora, e por mero favor, permitiu que o seu amigo, AA depositasse materiais de construção no prédio inscrito na matriz predial urbana com o artigo ...41º até à data da escritura de venda que se efectivou em 02/06/2020. 12) Das negociações, apenas se efectivou a venda do prédio urbano composto por terreno de construção, inscrito na matriz sob o art. ...41º e descrito na Conservatória de Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o n.º...92 da freguesia ..., compra que ocorreu em 02/06/2020 através da venda pela autora à sociedade “C..., Lda.”, com NIPC ...20, com sede na Rua ..., ... ..., cujo sócio gerente é GG, filho do Réu AA. 13)Em novembro de 2020 a autora teve conhecimento que o Réu AA tinha depositado, sem o seu conhecimento e autorização, uma grua, uma rulote, materiais de construção e lixo (entulho, cascalho e pedras), no seu prédio urbano inscrito na matriz sob o art. ...42º, descrito Conservatória de Registo Predial sob o n.º ...22 da freguesia ..., apenas separado pela estrada, sito em frente ao prédio que vendeu à sociedade “C..., Lda.”, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...41º. 14) Em 20/11/2020, através de carta enviada pela sua Ilustre Mandatária, a autora solicitou ao réu AA, a desocupação do respectivo prédio urbano, concedendo-lhe o prazo de oito dias. 15)O réu AA foi protelando a desocupação do respectivo prédio, tendo, mais tarde, contactado verbalmente com BB gerente da autora informando-o que desocuparia o respectivo prédio até final de dezembro de 2020. 16) A autora, acreditando que o réu AA tivesse desocupado o respectivo prédio em dezembro de 2020, no dia 10-02-2021 foi descarregar um camião de pedra no seu prédio urbano quando foi impedido pelo Réu AA que estacionou uma carrinha com matrícula ..-LL-.., ligeiro de mercadorias, marca Citroen, modelo ... de cor branca, propriedade da sociedade “B... – CONSTRUÇÃO UNIPESSOAL, LDA.””, impedindo a entrada do camião para descarregar a carga de pedra. 17) Vedando à autora o acesso ao mesmo e impedindo que esta depositasse os seus pertences (pedra) no local que pretendia (no seu interior). 18) O réu AA encontrava-se na entrada do prédio bastante exaltado, acompanhado de diversos familiares e funcionários, impedindo o acesso ao prédio, tendo o gerente da autora ficado estupefacto e intimidado com tal situação. 19) Nessa sequência, o legal representante da autora ligou ao seu filho contando-lhe que o réu AA tinha barrado a entrada do camião com uma carrinha e impedido a descarga da pedra no dito terreno e que estava acompanhado de vários familiares. 20)Mais referiu que o dito réu não tinha, igualmente, desocupado o prédio de coisas suas, conforme se comprometera. 21) Face à informação do gerente da autora o filho deslocou-se ao prédio e, quando ali chegou, verificou que a carrinha do réu se encontrava estacionada no local de entrada do prédio, impedindo/barrando a entrada do gerente da autora e do camião com as pedras. 22) A autora, na impossibilidade de entrar e usar o seu prédio, chamou a GNR, que se dirigiu a local, tendo redigido o auto de ocorrência n.º NEO 00...1/21 ...53. 23) BB, gerente da autora informou, os Srs. Militares da GNR que o prédio urbano em causa foi por si adquirido em junho de 2013 e que em abril de 2016 o vendeu à sociedade “A..., LDA.”. 24) Mais referiu que o réu AA se tinha comprometido com ele a desocupar o prédio até finais de dezembro de 2020, o que não fez, estando agora a impedir o acesso ao mesmo pela legítima proprietária. 25) O réu AA justificou à GNR a ocupação do respectivo prédio por si e pela Ré, aludindo a existência de um contrato de arrendamento celebrado, há mais de 30 anos, entre a Ré sociedade e o anterior proprietário, DD, e que pagava a este, mensalmente, o valor de 120,00€ a título de renda, não tendo documento para apresentar que comprovasse essa relação contratual. 26) A autora desconhecia a existência do invocado contrato de arrendamento celebrado entre a ré pessoa colectiva e o anterior proprietário DD, até ser notificada da oposição apresentada pelos réus no Procedimento cautelar que correu termos sob o nº ... do J1 do Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira. 27) Com efeito, a aqui autora intentou contra os aqui réus providência cautelar de restituição da posse que corre termos sob o identificado número, nela tendo sido proferida decisão (inicial) a 31.03.2021 e decisão final a 26.09.2021 de manutenção da restituição da posse do prédio urbano inscrito sob o art. ...42º e descrito sob o nº ...22 à aqui autora, decisão confirmada em sede de recurso pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto a 15.12.2021. 28) A autora e já anteriormente BB e Mulher, adquiriram o prédio inscrito na matriz sob o art. ...41º livre de ónus e encargos. 29) Os réus não deram conhecimento à autora da existência de tal contrato e não procederam ao pagamento de qualquer valor à autora a título de renda pela utilização desse mesmo prédio. 30) O aludido contrato de arrendamento não foi comunicado à Autoridade Tributária. 31) A autora pretendia proceder à construção de moradias no prédio em apreço. 32) Antes do início de tal construção a autora pretendia construir um muro de vedação em toda a frente do prédio confrontando com a via pública, com 69 metros, razão pela qual, no dia 10-02-2021, foi ali levar um camião de pedra. 33) Com a situação descrita a autora não pôde construir o dito muro, naquela data. 34)Actualmente, o preço da construção desse muro é mais elevado, quer em mão-de-obra, quer em matéria prima, assumindo um custo de €9.660,00, quando naquela data seria possível construir por um custo de €7.728,00. 35)Também com a situação descrita, a autora não pode dar outra utilização ao prédio, como proceder ao seu arrendamento, podendo assumir um valor mensal de renda sempre superior a €280,00. 36) Os réus mantiveram objectos e equipamentos seus naquele prédio durante o período compreendido entre 01.01.2021 (termo do período concedido pela autora ao réu para deixar o prédio livre de bens) e 07.04.2021 (data de cumprimento da decisão proferida em sede de procedimento cautelar acima referido). 37) No dia 05 de abril de 2021, pelas 14h00, o Sr. Agente de Execução, com a presença da GNR, foi ao imóvel objecto dos presentes autos a fim de realizar a restituição provisória da posse à autora. 38) Chegados ao local, verificou-se que o imóvel se encontrava ainda ocupado com bens móveis e materiais de construção, designadamente duas gruas, um camião e uma máquina retroescavadora, razão pela qual foi concedido aos réus um prazo de 48 horas para retirarem os seus pertences daquele local. 39) Foi agendada nova diligência para o dia 07 de abril de 2021, pelas 14h00, novamente com a presença da força policial. 40) Nesse dia, chegados ao local, verificou-se que o prédio estava devoluto de bens, à excepção do entulho. 41)Verificou-se ainda que entre o dia 5 e 7 de abril de 2021, os réus efectuaram uma escavação, movimentando terras com colocação de manilhas. 42) No prédio em causa existia um furo de água, que foi arrasado pelos réus. 43) Para verificar em que consistiram as referidas obras e da razão da realização das mesmas (escavações, movimentação de terras e colocação de manilhas) é necessário, pelo menos, dois dias de trabalho com uma retroescavadora, sendo que o valor hora do serviço de uma retroescavadora e maquinista poderá ascender os 100,00€/hora e dois dias de trabalho terão um custo aproximado a 1.600,00€ (2 dias de trabalho =16h00 x 100,00€). 44) Actualmente, a construção de um novo furo de água acarreta um custo de cerca de €30,00 por metro, a que acresce o IVA, sem bombagem, sendo habitual a perfuração de cerca de 90 metros. 45) A sociedade D..., Lda. adquiriu, em 19.11.1998, o prédio rústico inscrito na matriz sob o art. ...73º, descrito sob o nº ...22 na Conservatória do Registo Predial 46) O aqui réu era sócio gerente desta sociedade. 47) Desde a data em que essa sociedade iniciou a empreitada referente ao loteamento, esse terreno foi sendo utilizado como estaleiro para depósito e armazenamento de máquinas, equipamentos e materiais utilizados nessa obra. 48) Em 13.04.2012 a sociedade D..., Lda deu em pagamento o prédio referido em 45. a DD, sobrinho do aqui réu. 49)Com autorização de DD, o aqui réu e a sociedade D... de que era sócio-gerente continuou a utilizar o prédio referido em 45., neste armazenando máquinas, equipamentos e materiais de construção civil. 50) Em 13.02.2014 a sociedade D..., Lda foi declarada insolvente. 51) A partir dessa data, o aqui réu, com o consentimento do seu sobrinho DD, continuou a utilizar o prédio referido em 45. como depósito de restos de pedra, areia, brita, equipamentos. 52) Também a partir dessa data, essa utilização também passou a ser efectuada pela aqui ré pessoa colectiva, cujo sócio gerente era filho do aqui réu AA, esta que vinha utilizando uma parte do terreno, entretanto já dividido em duas partes por uma rua projectada no loteamento, utilizando também a parcela que veio a ser inscrita na matriz sob o art. ...42º para armazenamento de máquinas e equipamentos como gruas e escavadoras e materiais de construção civil. 53) Este loteamento dividiu o prédio referido em 45. em duas parcelas. 54) Desde Novembro de 1998 que era notório para qualquer pessoa que por ali passasse que a aqui ré utilizava o prédio referido em 45 e depois e prédio inscrito sob o art. ...42º para armazenamento dos objectos referidos em 52. 55) O que era do conhecimento da autora e do seu legal representante, pelo menos desde a aquisição desse prédio por BB a DD em Junho de 2013. 56) E essa utilização manteve-se assim até à data referida em 16 supra.
Por outro lado, foram considerados não provados estes factos: A) Desde Novembro de 1998 que o aqui réu utiliza o prédio referido em 45 e posteriormente a parcela que deu lugar ao prédio inscrito na matriz sob o art. ...42º e descrito sob o nº ...22, ali depositando e armazenando os objectos referidos em 52, como se tratando de uma coisa sua e, nessa medida, sem oposição por parte de outrem. B) Os réus sempre procederam à limpeza e conservação do prédio inscrito sob o art. ...42º, designadamente, com o consentimento e concordância de DD. D) A ré pessoa colectiva celebrou com DD um contrato de arrendamento respeitante ao prédio inscrito sob o art. ...42º.
*
SOBRE A IMPUGNAÇÃO DE FACTO DAS CONCLUSÕES 1 A 30.
Como se sabe, a admissibilidade do recurso em matéria de facto depende do cumprimento de alguns ónus.
De acordo com o disposto no artigo 640.º/1 do Código de Processo Civil, é imposto ao recorrente que especifique:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas
Enquanto o número 2 prevê que quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
A propósito da imposição de observância destes requisitos, pode dizer-se que constitui manifestação da ideia de que a impugnação traduz um pedido de reapreciação dos factos que deve transmitir de imediato algum nível de viabilidade, suficiente para justificar uma nova análise em segunda instância, que pode inclusivamente abranger todas as provas produzidas ou, dito noutro termos, que não mereça um juízo de indeferimento liminar.
Em sentido próximo, aliás, a doutrina vem preconizando que as exigências previstas no art. 640.º do CPC “devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor”, como “decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo” (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª ed., pp. 201-2).
Assim se compreendendo, pois, a alusão à necessidade de cumprimento dos indicados ónus para que a “impugnação da matéria de facto ultrapasse a fase liminar” (cfr. Abrantes Geraldes, Ob. cit., p. 202).
A esta luz, verifica-se que, no caso dos autos, ao impugnar a matéria dos pontos 11, 13, 15, 20, 49, na parte “com autorização de DD”, e 51, no segmento “com o consentimento do seu sobrinho DD”, julgados provados, pretende o recorrente, ao cabo de contas, o reconhecimento de que “está na posse do terreno desde novembro de 1998, a qual manteve até início de 2021 de forma contínua” (cfr. conclusão 36).
Na verdade, a pretensão do R. passa, muito simplesmente, pela eliminação de toda a factualidade que se refere à utilização do imóvel com a autorização ou o consentimento de outrem, o que, sendo patente quanto aos factos provados nº11, 13, 15, 20, torna-se ainda mais nítido na impugnação parcial aos pontos 49 e 51.
Nos quais, os segmentos questionados são expressamente reportados à autorização e consentimento do uso do imóvel por DD.
Deste modo, na pretensão do R., eliminadas as referências ao elemento subjectivo próprio da detenção em nome de outrem, subsistiria somente a sua actuação de facto no plano objectivo capaz de, graças à presunção prevista no art. 1252.º/2 do Cód. Civil, elevá-lo à condição de possuidor.
Todavia, como bem se salientou na resposta ao recurso, o recorrente não cuidou de colocar em crise, certamente por não discordar da comprovação de tal matéria, toda a factualidade que, constando nos pontos provados nos nº2 a 8, faz beneficiar a A. de idêntica qualidade de titular da posse sobre o terreno.
E daí que, a nosso ver, a pretensão factual do R., nas conclusões 1 a 30 do recurso, seja incompatível e contraditória com parte essencial da restante matéria provada e que não foi impugnada no recurso.
Com efeito, a aderir ao entendimento do R., teríamos verificada no plano factual matéria susceptível de caracterizar a posse plena e exclusiva sobre o imóvel a favor de duas pessoas distintas, sem que entre elas existisse qualquer actuação conjunta ou proveniência comum, próprias e exigíveis, no plano lógico e normativo, para a presença do instituto da composse.
Neste sentido, explica a doutrina que a composse não pode significar a existência de “várias posses correspondentes ao mesmo direito real sobre uma coisa, mas sim de uma posse com dois ou mais titulares porque, assim como na propriedade não se concebe a existência de dois proprietários (singulares) plenos, também a posse de um dos possuidores exclui a do outro ou outros” (cfr. A. Santos Justo, Direitos Reais, 8.ª ed., p. 180).
Para reforçar essa orientação com a indicação de que, identicamente ao que ocorre na propriedade, “relativamente à qual se não concebe a existência de dois proprietários plenos (singulares), o que seria em si mesmo contraditório, também na posse se não pode admitir, conceitualmente, a presença simultânea de dois possuidores plenos” (cfr. P. Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2.ª ed., p. 62).
Algo que também é destacado na jurisprudência, onde a posse exclusiva é tratada em contraponto ou antagonismo em relação à composse (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/10/2019, processo 5236/17.2T8CBR-D.C1, relatora Maria Catarina Gonçalves, disponível na base de dados da DGSI em linha).
Na verdade, a posse simultânea de duas ou mais pessoas sobre o mesmo bem apenas pode ser admitida quando tenha diferente natureza – a posse da propriedade, de um lado, e a posse correspondente à servidão, por exemplo – ou quando seja exercida em conjunto por essas pessoas, como sucede no caso dos cônjuges, dos co-herdeiros e dos comproprietários.
Assim se afastando, no plano lógico e conceptual, qualquer viabilidade de uma posse exclusiva pertencente simultaneamente a duas pessoas, como resultaria da procedência desta pretensão factual do recurso, pois mantendo-se provada a matéria relativa à posse da A., com ela seria manifestamente inconciliável a prova de idêntica actuação que ao R. fosse reconhecida.
Ora, a lei impõe que, na sentença, a matéria de facto seja toda compatibilizada (art. 607.º do CPC), evitando ambiguidades ou contradições que a possam inquinar de nulidade (art. 615.º/1, al. c), do CPC) ou justificar até a sua anulação oficiosa pelo tribunal de recurso (art. 662.º/2, al. c), do CPC).
Da mesma forma, e em coerência, a procedência do recurso não pode determinar a prova de factos essenciais contraditórios ou não harmonizáveis entre si, tanto mais que as normas previstas para a sentença, nomeadamente aquela que manda compatibilizar toda a matéria de facto adquirida, regem também a elaboração do acórdão de segunda instância (art. 663.º/2 do CPC).
Isto bastaria para dirigir à impugnação da matéria de facto deduzida no recurso, nesta parte, o justificado juízo de improcedência.
Acresce, no entanto, que outro motivo, e de forma ainda mais expressiva, se vislumbra para o referido efeito, radicado agora, como se verá, na completa irrelevância que assumem, para o mérito da acção e da reconvenção, os factos questionados pelo recorrente quanto ao elemento subjectivo da actuação do R. sobre o terreno em discussão.
A este respeito, como ponto prévio, é mister destacar que no recurso não se formula qualquer crítica ou reparo sobre os factos relativos às sucessivas aquisições do imóvel desde 1998, ou seja, desde a data em que o R. reclama ter passado a exercer posse sobre o imóvel como seu dono.
Assim, não se coloca em crise que, nesse ano, quem comprou o terreno foi, não o R., mas a sociedade D..., Lda. (facto nº45).
Tal como não é minimamente questionada a veracidade do facto de, a 13/4/2012, a referida sociedade, algum tempo antes de ser declarada insolvente (facto nº50), ter dado em pagamento o prédio a DD, sobrinho do R. (facto nº48), o qual, por sua vez, a 18/6/2013, transmitiu o bem a BB (facto nº3).
E que, finalmente, aquele BB, juntamente com a sua mulher, CC, transmitiram o imóvel à A., por procedimento de compra e venda de 26/4/2016 (facto nº2).
Daqui resulta, bem vistas as coisas, que na tese do R., para a afirmação da titularidade da posse sobre o terreno, na qual pretende fundar a reconvenção e na qual está fundamentado o recurso, nesta parte, são indiferentes os descritos negócios de aquisição.
Essa perspectiva, no entanto, parece-nos claramente equivocada.
Desde logo, a circunstância de o imóvel ter sido adquirido inicialmente (em 1998) pela sociedade D..., Lda., e não pelo próprio R., tem o condão de convocar ao caso o disposto no art. 1257.º/2 do Cód. Civil, segundo o qual, presume-se que a posse continua em nome de quem a começou.
Para além disso, não ficou demonstrado, sem impugnação no recurso, que desde Novembro de 1998 o R. utiliza o prédio como coisa sua, nos termos que resultam da al. A) dos factos não provados.
E a conjugação destas circunstâncias logo inviabilizaria o reconhecimento da posse do R., pelo menos até 2014, data em que a sociedade em nome de quem a posse começou foi declarada insolvente.
Algo que também determina imediatamente a inviabilização da pretendida aquisição por usucapião, certo que os prazos previstos nos arts. 1294.º e segs. do Código Civil não teriam decorrido quando foi deduzida a reconvenção no caso de se contar a posse do R. desde 2014.
Acresce que, antes desse ano, em 2012, a referida sociedade já havia dado o prédio em pagamento a DD, o qual, por sua vez, transmitiu o bem a BB a 18/6/2013.
Ora, estas transmissões, ignoradas pelo R., não são inócuas, como parece defender o recorrente, para a determinação de quem, verdadeiramente, tem a posse sobre o imóvel, âmbito no qual, como é sabido, tem prevalência a posse causal, escudada na titularidade do direito correspondente.
Importa ter presente, como nota a doutrina, que “a lei protege a posse apenas por presumir que, por detrás dela, existe, na titularidade do possuidor, o direito real correspondente”, de modo que a “protecção conferida ao possuidor traduz-se numa tutela provisória, destinada unicamente a manter determinada situação de facto, enquanto não se provar quem é verdadeiro titular do direito real” (cfr. P. Lima e A. Varela, Ob. cit., p. 49).
Por outro lado, não pode ser olvidado que a nossa lei consagra o designado princípio da consensualidade, por força do qual “quem, sem reserva de domínio ou estipulação semelhante, realiza a compra, a venda, a doação, a constituição da superfície, a consignação de rendimentos, etc., atribui ou adquire o correspondente jus in re sem dependência de qualquer acto ulterior”, certo que “o contrato que é fonte de efeitos obrigacionais é a própria fonte dos efeitos reais” (cfr. Orlando de Carvalho, Direito das Coisas, p. 215).
E é justamente na harmonização destas orientações que se filia o regime previsto no art. 1263.º/al. c), do Cód. Civil, segundo o qual, entre o mais, a posse é adquirida pelo constituto possessório.
Densificando, determina o art. 1264.º do CC que, se o titular do direito real, que está na posse da coisa, transmitir esse direito a outrem, não deixa de considerar-se transferida a posse para o adquirente, ainda que, por qualquer causa, aquele continue a deter a coisa (nº1).
Acrescentando que, se o detentor da coisa, à data do negócio translativo do direito, for um terceiro, não deixa de considerar-se igualmente transferida a posse, ainda que essa detenção haja de continuar (nº2).
O que significa, muito simplesmente, “uma forma de aquisição da posse solo consensu, ou seja, sem necessidade de ato (material ou simbólico) de entrega da coisa”, onde “a posse é atribuída sem a detenção” e “o possuidor passa a detentor, sendo a posse adquirida pelo beneficiário da operação” (cfr. A. Santos Justo, Ob. cit., p. 214).
Ou, na esteira do ensinamento da jurisprudência, que “o constituto possessório é uma forma de aquisição solo consensu da posse, tratando-se, pois, de uma aquisição derivada da posse com tradição real implícita, já que não é necessário um acto de empossamento” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7/3/2017, processo 3585/14.0TBMAI.P1.S1, relator Hélder Roque, acessível em linha na citada base de dados).
Em consequência, mesmo que o R. tenha adquirido a posse do terreno em 1998, quando a sociedade de que era titular comprou o prédio (apesar de não ter ficado provada a matéria que poderia sustentar tal conclusão, como acima se destacou, sem impugnação do recorrente), como defende, a verdade é que as sucessivas transmissões teriam sempre por efeito a cessação dessa situação possessória.
Assim, quando a sociedade D..., Lda., em 13/4/2012, deu em pagamento o prédio a DD, a este transmitiu a posse, mesmo que o R. tenha mantido respectiva a utilização (art. 1264.º do CC).
Ao passo que, mercê da venda posterior do imóvel por parte de DD a favor de BB, em 18/06/2013, o titular do direito real também transmitiu simultaneamente propriedade e a posse ao comprador, que depois as transmitiu à A., apesar de o detentor ser o R. (art. 1264.º/2 do CC).
E daqui resulta, muito claramente, que a eliminação dos factos provados relativos à utilização consentida do terreno por parte do R., nos pontos 11, 13, 15, 20, 49 e 51, na parte “com autorização de DD”, não assume qualquer relevância, em sede de mérito da acção e da reconvenção, para manter ou atribuir a posse na esfera jurídica do recorrente.
Na verdade, essa posse do R. sobre o imóvel sempre resultaria perdida, substituída pela mera detenção, em resultado das citadas transmissões, não impugnadas no recurso, vistas à luz do constituto possessório.
Como ensina a doutrina, “perde-se a posse por ausência do elemento intencional (solo animo) quando o sujeito da posse se converta em detentor”, como “acontece no constituto possessório” (cfr. M. Henrique Mesquita, Direitos Reais, Coimbra, p. 110).
Deste modo, embora a posse tenha por elemento primordial a actuação de facto sobre a coisa (art. 1251.º do CC), a sua tutela, para além de meramente provisória, não é alheia e está condicionada aos títulos formais de aquisição e de transmissão do direito correspondente (cfr. arts. 1259.º e 1268.º do CC).
Impõe-se concluir, por isso, que a impugnação da matéria de facto, relativa aos pontos 11, 13, 15, 20, 49 e 51, é irrelevante para a decisão da causa e para o desfecho do recurso.
Com efeito, vistos os factos que a recorrente pretende ver suprimidos, por um lado, e aqueles que têm de manter-se inalterados, por não terem sido objecto de qualquer censura e não justificarem intervenção oficiosa, por outro, em especial relativamente à posse da A. sobre o imóvel e às sucessivas transmissões da propriedade desde 2012 até 2016, daí resulta que nenhuma interferência tem a factualidade impugnada na questão de fundo.
Em qualquer caso, face aos restantes factos, jamais poderia resultar para o R. o reconhecimento da posse e da aquisição do direito por usucapião.
Constatação que, de acordo com as regras gerais de gestão processual e de proibição da prática de actos inúteis, consagradas nos arts. 6.º e 130.º do Código de Processo Civil, determina a inviabilidade, independentemente do cumprimento do disposto no art. 640.º do mesmo diploma, de proceder-se agora à reapreciação da prova.
É que, como tem sustentado a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, “nada impede a Relação de apreciar se a factualidade indicada pelos recorrentes é ou não relevante para a decisão da causa, podendo, no caso de concluir pela sua irrelevância, deixar de apreciar, nessa parte, a impugnação da matéria de facto, por se tratar de ato inútil” (cfr. Acórdão de 09/02/2021, tirado no processo 27069/18.3T8PRT.P1.S1, da autoria de Maria João Vaz Tomé e disponível em texto integral, em linha, no sítio jurisprudencia.pt).
Entendimento que, aliás, tem sido repetidamente defendido, mesmo em arestos mais recentes, destacando-se que “de acordo com os princípios da utilidade e pertinência a que estão sujeitos todos os atos processuais, o exercício dos poderes de controlo sobre a decisão da matéria de facto só é admissível se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporte”.
Para concluir, em conformidade, que “o dever de reapreciação da prova por parte da Relação apenas existe no caso de o recorrente respeitar os ónus previstos no art. 640.º, n.º 1 do CPC, e, para além disso, a matéria em causa se afigurar relevante para a decisão final do litígio” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3/11/2023, relatado por Mário Belo Morgado, no processo 835/15.0T8LRA e acessível na base de dados da Dgsi em linha).
Improcede, pois, o recurso da matéria de facto referente à reconvenção.
E, com ela, a questão jurídica sobre a verificação dos requisitos da posse e da usucapião a favor do R. que, nos termos do próprio recurso e das conclusões 1 a 36, da referida impugnação necessariamente dependia.
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SOBRE A IMPUGNAÇÃO DE FACTO DAS CONCLUSÕES 37 A 46.
Diversamente, a impugnação que incidiu sobre os factos provados nº34, 35, 41, 42, 43 e 44 mostra-se relevante para a sorte do recurso relativamente ao pedido de pagamento das quantias indicadas na al. C do dispositivo da sentença, pois a respectiva comprovação é essencial para a eventual manutenção da decidida condenação do recorrente.
Por outro lado, segundo entendemos, nessa parte, foram devidamente observadas as exigências previstas para o efeito no artigo 640.º/1 do Código de Processo Civil.
É certo que o recorrente não logrou indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, nos termos impostos pelo art. 640.º/2 do CPC, mas a verdade é que essa omissão não frustra o cumprimento dos requisitos legais a este respeito, certo que ela é inerente à posição, que foi a adoptada pelo R., da insuficiência ou mesmo da inexistência de meios de prova para a demonstração dos factos questionados.
Assim sendo, e também porque a questão da admissibilidade liminar da impugnação da matéria de facto está sujeita a critérios de proporcionalidade e de razoabilidade, deve proceder-se à sua apreciação, na parte atinente aos pontos nº34, 35, 41, 42, 43 e 44 da matéria julgada provada.
Para o efeito, importa tomar em consideração, atentas as indicações do recorrente e da recorrida, o depoimento da testemunha da A. HH, ouvida na primeira sessão do julgamento, realizada a 23/2/2024.
Bem assim, face às conclusões da resposta ao recurso, da testemunha II, inquirido na mesma data, e do legal representante da R., JJ, que prestou depoimento e declarações de parte na segunda sessão de produção de prova.
Para além disso, atendeu-se à motivação da sentença, que justificou o apuramento dos factos questionados também com base no depoimento de KK, testemunha da A., e com as seguintes considerações: - II, solicitador de execução que cumprimento a decisão proferida na providência cautelar, recordando que na primeira data em que se deslocou ao terreno este estava ocupado com máquinas (camião, gruas, máquinas de terraplanagem), com areia e pedra e na segunda data já não se encontravam máquinas ali (as gruas já estavam no terreno do outro lado da estrada) e as terras tinha sido mexidas, mais frisando que na segunda data viu manilhas no terreno. - HH, engenheiro civil que, com razão de ciência, esclareceu os custos aproximados da construção de um muro; do possível valor de renda do terreno 1942º; do custo de construção de um furo e do custo do apuramento da finalidade das manilhas colocadas e outros resíduos (…); - KK, comercial de electricidade e canalização, mencionou ter presente a aquisição efectuada primeiro por BB e depois pela autora, atestando ter sido pedido pela autora o acesso a energia eléctrica para o prédio ...42.... Recordou que a autora tentou depositar pedra neste prédio no início de 2021, mas foi impedida pelo réu, tendo conseguido, posteriormente, fazer esse depósito no fim do terreno. Sem embargo, aludiu que quando BB adquiriu os prédios já se encontravam no local objectos de construção civil, considerando que em 2020 ainda lá estavam gruas e outros materiais. Asseverou que existia um furo de água no prédio ...42..., desconhecendo o seu estado, acrescentando, porém, ter observado que previamente à restituição do prédio à autora, as terras foram mexidas e estavam manilhas no local. Transmitiu ter tido conhecimento que BB pediu a AA para deixar o terreno; - JJ, filho de AA e legal representante da ré, de forma singela e comprometida, declarou ter presente que o prédio ...42... pertencia a BB, assumindo desconhecer a forma de titularidade deste prédio por parte da autora. Não obstante, confessou desconhecer a existência de um contrato de arrendamento celebrado entre o seu pai e DD e, em momento algum, aludiu com segurança e certeza que o seu pai e a ré sempre foram os titulares daquele prédio, que sempre limparam o mesmo, que pagaram o respectivo imposto, admitindo que o furo de água existente naquele prédio pode ter sido destruído com a limpeza que efectuaram quando entregaram o terreno (cfr. fls. 13 e 14 da sentença).
Assim sendo, para formar a nossa convicção sobre os factos impugnados nas conclusões 37 a 46, procedemos à audição, através do sistema media-studio, da mencionada prova pessoal, tendo presente que está em causa a seguinte factualidade: 34)Actualmente, o preço da construção desse muro é mais elevado, quer em mão-de-obra, quer em matéria prima, assumindo um custo de €9.660,00, quando naquela data seria possível construir por um custo de €7.728,00. 35)Também com a situação descrita, a autora não pode dar outra utilização ao prédio, como proceder ao seu arrendamento, podendo assumir um valor mensal de renda sempre superior a €280,00. 41)Verificou-se ainda que entre o dia 5 e 7 de abril de 2021, os réus efectuaram uma escavação, movimentando terras com colocação de manilhas. 42) No prédio em causa existia um furo de água, que foi arrasado pelos réus. 43) Para verificar em que consistiram as referidas obras e da razão da realização das mesmas (escavações, movimentação de terras e colocação de manilhas) é necessário, pelo menos, dois dias de trabalho com uma retroescavadora, sendo que o valor hora do serviço de uma retroescavadora e maquinista poderá ascender os 100,00€/hora e dois dias de trabalho terão um custo aproximado a 1.600,00€ (2 dias de trabalho =16h00 x 100,00€). 44) Actualmente, a construção de um novo furo de água acarreta um custo de cerca de €30,00 por metro, a que acresce o IVA, sem bombagem, sendo habitual a perfuração de cerca de 90 metros.
Ora, ouvida tal prova, não é possível acompanhar, em boa parte, a decisão factual proferida em primeira instância.
Desde logo, quanto ao facto nº34, sobre o qual apenas se pronunciou a testemunha HH e que, na verdade, não disse o que ali consta, razão pela qual não se compreende, salvo o devido respeito, o que pode ter justificado que a decisão recorrida tenha dado como provado que, actualmente, o preço da construção desse muro é mais elevado, quer em mão-de-obra, quer em matéria prima, assumindo um custo de €9.660,00, quando naquela data seria possível construir por um custo de €7.728,00.
Com efeito, nessa parte, a referida testemunha, no essencial, apenas declarou que, face à inflacção e ao incremento dos custos da mão de obra e de material, considerava o aumento do custo de construção de um muro na ordem de, no mínimo, 3% ao ano (o que repetiu mais duas vezes).
Todavia, considerando que a A. contava iniciar a construção do muro, quando muito, a 10/2/2021, data em que pretendeu levar para o terreno pedra para o efeito (cfr. factos nº16 e 32), e que obteve a restituição da posse sobre o imóvel a 7/4/2021 (factos nº37 a 39), daí resulta uma percentagem de aumento do custo inferior a 0,5% (menos de 2 meses em 12).
Pelo que, face ao carácter irrisório de tal aumento (tendo por base que, segundo a mesma testemunha, o custo de construção inicial do muro, se fosse em blocos, poderia ser de € 40,00 por metro, num total de 69 metros, assim perfazendo € 2.760,00, de que 0,5% é € 138,00), decisivamente conjugada com a circunstância de não se saber que espécie e com que finalidade seria o muro construído, justifica-se julgar não provado o facto em causa.
No fundo, face ao descrito, a matéria alegada pela A. no art. 51 da PI não foi confirmada sequer pela única testemunha que o poderia ter feito.
Da mesma forma, ouvidas as quatro pessoas acima identificadas (II, HH, KK e JJ), formou-se a nossa convicção no sentido da ausência de prova minimamente suficiente a respeito do facto de os RR. terem arrasado o furo de água, a que se alude no ponto nº42.
O solicitador de execução ouvido, tendo dirigido a diligência de entrega do imóvel à A., no âmbito da restituição provisória da posse, nada mencionou sobre o furo de água, o mesmo ocorrendo com HH, que apenas avaliou o terreno em Outubro de 2021.
Enquanto KK, funcionário da A., apenas sabia que previamente existia um furo de água, afirmando que entretanto foi arrasado, não indicando, porém, até porque sobre isso não foi questionado, por acção de quem é que essa destruição se concretizou.
Restava, então, a possibilidade de esse facto resultar demonstrado em função do depoimento (e declarações) de parte do legal representante da 2.ª R., JJ.
No entanto, logo no início da sua inquirição, ele negou o facto, referiu que o furo ainda estava no terreno e identificou inclusivamente a sua localização, no que a il. mandatária da contraparte concedeu, passando a questionar se o furo fora, não destruído, mas ocultado ou soterrado.
Ora, considerando a plenitude deste depoimento, sobretudo esta parte inicial, não nos parece que, após insistência e entre várias outras questões, a mera admissão de que os trabalhos de limpeza poderiam (o que significa apenas uma possibilidade, a confirmar, sendo o caso e segundo pensamos, com outros elementos) ter arrasado o furo, seja fundamento minimamente bastante para, apenas por si, determinar a comprovação do facto.
Sendo claro, para nós, que essa admissão não configura confissão, tanto mais que não justificou a elaboração da assentada prevista no art. 463.º do CPC, e que esteve desacompanhada de quaisquer meios de prova diversos susceptíveis de criar a convicção deste tribunal sobre a verificação do facto.
Deste modo, é também forçoso que o ponto nº42, na sua parte essencial, transite para o elenco dos factos não provados, ficando apenas apurado do seu teor inicial que “no prédio em causa existia um furo de água”.
Finalmente, segundo se crê, é justificada a alteração da redacção do facto provado nº43, em conformidade com o depoimento de HH, o único que versou a matéria, no sentido de que “para a intervenção sobre as manilhas que permita a ligação ao saneamento público, é necessário, pelo menos, dois dias de trabalho com uma retroescavadora, sendo que o valor hora do serviço de uma retroescavadora e maquinista poderá ascender aos 100,00€/hora e dois dias de trabalho terão um custo aproximado a 1.600,00€ (2 dias de trabalho =16h00 x 100,00€)”.
Na verdade, foi isso que se ouviu a testemunha referir, depois de a questão sobre o custo da movimentação de terras não ter merecido resposta concreta, sem que se tenha vislumbrado, ou as partes tenham identificado, qualquer meio probatório que contrariasse a veracidade de tal facto.
Na parte restante, atinente à factualidade indicada nos pontos 35, 41 e 44, a nossa convicção coincide com a da primeira instância, correspondendo esta, segundo pensamos, à apreciação com rigor das provas escrutinadas.
Em especial, considerando o indicado depoimento de HH, cuja credibilidade não foi infirmada por outros elementos e que se pronunciou de forma convicta e com clareza, entre o mais, sobre o valor da renda do imóvel dos autos, face à sua utilização normal como estaleiro (para a qual, aliás, indicou o montante de € 285,00, ligeiramente superior ao respondido na sentença, mas que não é possível agora considerar, por não ter sido contrariado pela A., a parte a quem a diferença poderia prejudicar).
Não acompanhamos, pois, nesta parte, a ideia de que, quanto ao ponto 35, não foi feita qualquer prova, documental ou testemunhal, sobre o valor locatício do imóvel, que o recorrente expressou na conclusão 41.
Sendo ainda irrelevante, a nosso ver, para o apuramento desse valor, a afirmação da falta de identificação de potenciais arrendatários para o prédio, da qual aquele não depende. Em consequência, os factos que nesta parte foram questionados pelo recorrente são corrigidos nos seguintes termos, o que se decide: 35) Também com a situação descrita, a autora não pode dar outra utilização ao prédio, como proceder ao seu arrendamento, podendo assumir um valor mensal de renda sempre superior a €280,00. 41) Verificou-se ainda que entre o dia 5 e 7 de abril de 2021, os réus efectuaram uma escavação, movimentando terras com colocação de manilhas. 42) No prédio em causa existia um furo de água. 43) Para a intervenção sobre as manilhas que permita a ligação ao saneamento público é necessário, pelo menos, dois dias de trabalho com uma retroescavadora, sendo que o valor hora do serviço de uma retroescavadora e maquinista poderá ascender aos 100,00€/hora e dois dias de trabalho terão um custo aproximado a 1.600,00€ (2 dias de trabalho =16h00 x 100,00€). 44) Actualmente, a construção de um novo furo de água acarreta um custo de cerca de €30,00 por metro, a que acresce o IVA, sem bombagem, sendo habitual a perfuração de cerca de 90 metros. Considerando-se não provados os restantes factos questionados nesta parte, incluído o do ponto nº34 que a primeira instância julgara demonstrado.
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SOBRE A CONDENAÇÃO NO PAGAMENTO DE QUANTIAS.
O percurso realizado permite-nos por fim resolver a última questão colocada no recurso, assente em saber se, em consequência das alterações à matéria de facto, deve o R. ser absolvido do pagamento das quantias indicadas na al. C) do dispositivo da sentença.
Recorde-se que, na referida parte, a decisão recorrida condenou os RR. nos seguintes pagamentos:
1) da quantia de € 1932,00 correspondente à diferença entre o custo de construção do muro na data prevista fevereiro de 2021) e o custo actual;
2) da quantia de € 905,31 pela ocupação indevida do prédio, sem que a autora usufruísse de qualquer contrapartida durante o período de 01/01/2021 a 07/04/2021;
3) da quantia de € 1.600,00 pelos custos de uma retroescavadora e maquinista, para verificação das obras realizadas pelos réus entre o dia 5 e o dia 7 de abril de 2021 (movimentação de terras e colocação de manilhas), absolvendo os réus de eventual liquidação de outros valores em execução de sentença;
4) da quantia de € 2.700,00 pela abertura de um novo furo de água para substituir o furo existente.
Em atenção à alteração da matéria de facto acima decidida, de imediato se percebe que a primeira condenação não pode manter-se, visto que não ficou demonstrado, nos termos que a A. havia alegado no art. 51 da petição inicial, que o preço da construção do muro aumentou passados apenas menos de dois meses após aquela ter sido impedida de iniciar tal trabalho.
Identicamente, deve afastar-se a condenação no pagamento da quantia de € 1.600,00 em causa na terceira parte do segmento citado da sentença de primeira instância.
Com efeito, o facto de a intervenção sobre as manilhas necessária para assegurar a ligação ao saneamento público implicar um custo aproximado de € 1.600,00 não representa qualquer dano sofrido pela A. resultante da acção dos RR. susceptível de, nos termos dos arts. 562.º e segs. do Cód. Civil, obrigar os autores do facto à sua reparação.
Como refere a jurisprudência, “o dano é um requisito da responsabilidade civil conectado com o ilícito sendo o “genus” (dano em sentido lato) constituído pela “species” (prejuízos ou danos em sentido estrito) caracterizado pela deterioração ou perda de bens jurídicos (patrimoniais ou não) da esfera jurídica do lesado”, sendo que “os danos patrimoniais desdobram-se em positivos (ou emergentes) e frustrados (ou lucros cessantes)” – cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 31/5/2011, processo 851/04. 7BBGC.P1.S1, relator Sebastião Póvoas, disponível na já identificada base de dados.
Ora, é evidente que aquele facto não traduz qualquer perda, deterioração ou desvalor projectado no objecto sobre o qual a A. dispõe da propriedade, mas apenas a necessidade de conclusão de um trabalho para que o bem em causa sirva a finalidade de construção que para ele o proprietário pretende.
Alias, mesmo na redacção provinda da primeira instância, segundo se crê, o facto nº43 não se poderia confundir com a existência de um prejuízo.
Na verdade, a tarefa de “verificar em que consistiram as referidas obras (escavações, movimentação de terras e colocação de manilhas) e da razão da realização das mesmas”, com o custo aproximado de € 1.600,00, não significava uma lesão patrimonial da A. no seu direito de propriedade.
Denunciando, ao invés, se bem pensamos, que era ainda necessário avaliar sobre o préstimo das obras em causa e, portanto, que elas poderiam até aproveitar ao proprietário e valorizar o imóvel.
Para além de, nessa ou na actual redacção, a atribuição da indemnização dever considerar-se afastada pela circunstância de, tendo a A. sido restituída na posse do terreno em Abril de 2021, não se vislumbrar explicação compreensível para que, em Janeiro do ano seguinte, quando foi proposta a acção, e no período subsequente até à conclusão do julgamento em primeira instância, não tivesse ainda compreendido as consequências das obras que os RR. levaram a cabo.
Por fim, não pode igualmente subsistir a condenação no pagamento da quantia de € 2.700,00 pela abertura de um novo furo de água, já que não se provou a destruição ou danificação do anterior por acção dos RR.
Razões pelas quais, deve manter-se somente a imposição aos RR. do dever de pagar à A. a quantia de € 905,31 como contrapartida da ocupação do prédio desde 01/01/2021, data na qual as primeiras já deveriam feito a restituição, até 07/04/2021, quando o imóvel foi judicialmente restituído à dona.
Procedem, por isso, parcialmente, as conclusões 37 a 47 do recurso, com a consequente revogação da sentença de primeira instância na parte em que, relativamente aos pedidos formulados pela A., condenou as RR. nos termos constantes nos pontos acima indicados em 1, 3 e 4.
No que se refere à reconvenção, pelo contrário, o recurso é improcedente, não se justificando qualquer censura à referida decisão.
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DECISÃO:
Com os fundamentos expostos, concedendo-se parcial provimento à apelação, quanto à acção, revoga-se a decisão recorrida nos pontos c.1, c.3 e c.4, até “furo existente”, do seu dispositivo, mantendo-se no restante. Quanto à reconvenção, nega-se provimento ao recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas da acção e do recurso por A. e R. na proporção do seu decaimento, calculado de acordo com os valores atribuídos aos pedidos nos despachos de 10/7/2022 e de 25/12/2022 proferidos em primeira instância, reiterando-se a condenação do R. no pagamento das custas da reconvenção.