I - Verificando-se deficiências na gravação da prova oralmente produzida (declarações e depoimentos) que a tornem impercetível, mesmo que, apenas, em parte, sendo a mesma essencial para a apreciação do recurso em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, ficando o Tribunal da Relação impossibilitado de efetuar a reapreciação da prova com os mesmos elementos com que o tribunal recorrido se defrontou, não pode o recurso deixar de improceder, nessa parte, por nenhum erro na apreciação da prova poder resultar.
II - Naquela situação, os apelantes, que omitiram o dever de se certificarem da conformidade da gravação com a prova produzida em audiência e não arguiram a nulidade, não podem, ante tal incumprimento e omissão, deixar de ver a decisão da matéria de facto, baseada na livre convicção do julgador fundada na apreciação conjunta e conjugada de toda a prova produzida, mantida, soçobrando a pretensão recursória.
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto
Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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Recorrentes: A..., Lda, B..., Lda e AA
Recorrido: Condomínio Edifício ..., sito na Rua ... e Rua ..., ..., Porto
A..., Lda, B..., Lda e AA propuseram ação declarativa de impugnação de deliberação do condomínio, com processo comum, contra o Condomínio Edifício ..., sito na Rua ... e Rua ..., ..., Porto, pedindo a anulação das deliberações aprovadas na assembleia de condóminos realizada no dia 11/7/2022, relativas à aprovação das contas dos exercícios de 2020 e 2021 e de aprovação do orçamento do ano de 2022, bem como o reconhecimento do seu direito a pagar apenas o valor das despesas das escadas rolantes em razão da permilagem das respetivas frações.
Alegam, para tanto e resumidamente, serem condóminos do edifício ... e que as despesas relativas às escadas rolantes foram imputadas nas contas dos exercícios de 2020 e 2021 e no orçamento para o ano de 2022, aprovados na assembleia de condóminos realizada na mencionada data, e apenas para os condóminos com frações no rés-do-chão e primeiro andar quando as mesmas são utilizadas ou beneficiam todos os demais condóminos.
O Réu contestou defendendo-se por exceção, ao invocar a falta de legitimidade ativa da 2ª Autora, e por impugnação, sustentando que o uso das escadas rolantes, de acordo com o título constitutivo da propriedade horizontal, se encontra atribuído apenas às frações do rés-do-chão e primeiro andar.
Foi proferido despacho saneador, tendo a referida exceção sido julgada improcedente, definido o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Procedeu-se à audiência final, com a observância das formalidades legais.
CONCLUSÕES:
(…)
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos, por ordem lógica, as questões objeto do recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº3 e 4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, ressalvado o estatuído no artigo 665º, de tal diploma legal.
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1. Se a sentença padece do vício de nulidade previsto na al. c), do nº1, do art. 615º, do CPC, por contradição entre a fundamentação e a decisão.
2. Da reapreciação da decisão da matéria de facto:
2.1. Da verificação do erro na apreciação da prova/consequências da deficiente gravação;
3. Da reapreciação da decisão de mérito: Se as despesas das escadas rolantes devem ser suportadas por todas as frações.
1. FACTOS PROVADOS
Foram os seguintes os factos considerados provados com relevância para a decisão pelo tribunal de 1ª instância (transcrição):
1. A A..., Lda. [doravante 1ª Autora] é dona e legítima proprietária da fração designada pela letra DX, do edifício construído em propriedade horizontal sito na rua ..., ... Porto, prédio esse inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...67 e descrito na Conservatória do Registo Civil sob o nº ...18.
2. A Autora B..., Lda. [doravante 2ª Autora] é legítima possuidora das frações designadas pelas letras DN e DO do edifício descrito no ponto 1) dos factos provados.
3. O Autor AA [doravante 3º Autor] é legítimo usufrutuário das frações designadas pelas letras DU, DV e DW, do mesmo edifício descrito no ponto 1) dos factos provados.
4. As frações DN e DO situam-se no rés-do-chão do edifício; as frações DX, DU, DV e DW localizam-se no 1º andar do edifício.
5. Foi convocada para 20/6/2022 assembleia geral de condóminos, tendo a mesma sido alterada para o dia 11/7/2022, pelas 18h30, na sala do condomínio.
6. Os Autores fizeram-se representar.
7. Era a seguinte a ordem de trabalhos desta assembleia:
- ponto 1: “Aprovação das novas regras de funcionamento do regime da propriedade horizontal, designadamente, quanto à possibilidade de uso de correio electrónico (convocatórias e actas)”;
- ponto 2: “Rectificação da acta n.º 26, relativa à Assembleia realizada em 29.06.2020”;
- ponto 3: “Aprovação das contas do exercício de 01 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2020”, que contemplavam como orçamento o valor de € 155.748,36 e o valor de € 129.249,28 a título de despesas apresentadas e pagas;
- ponto 4: “Eleição da Administração do Condomínio para o biénio 2021/2022”;
- ponto 5: “Aprovação das contas do exercício de 01 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2021”, que contemplavam como orçamento o valor de € 144.897,44 e a quantia de € 120.848,64 a título de despesas;
- ponto 6: “Aprovação do orçamento para o ano de 2022”, que previa de despesas a quantia de € 165.000;
- ponto 7: “Ractificação da autorização concedida à fracção correspondente ao edifício onde se situa a Euronext para efeitos de modificação do arranjo estético da fachada do respectivo edifício”;
- ponto 8: “Informação acerca da realização de obras de instalação de um sistema de refrigeração no Edifício, bem como da quotização extraordinária a pagar por cada Condómino e respectivo prazo de pagamento”;
- ponto 9: “Análise e deliberação de propostas de orçamento para a realização de obras de adaptação de acesso ao 1.º piso do Edifício através de elevador e consequente retirada das escadas rolantes existentes (proposta apresentada pelo Condómino Dr. BB)”.
8. Estiveram presentes, na referida Assembleia, todos os condóminos, diretamente ou representados, que constam da ata, num total de 44,60% do valor total do capital investido no edifício, com o seguinte resultado [no que aos autos diz respeito]:
i. aprovação das contas do exercício de 1/1 a 31/12/2020, com 25,49% do valor total do prédio de votos favoráveis, com 12,33% do valor total do prédio de votos contra, nomeadamente dos condóminos proprietários das frações DX, DN, DO, DU, DV e DW com 6,78% do valor total do prédio de abstenções;
ii. aprovação das contas do exercício de 1/1 a 31/12/2021, com 25,49% do valor total do prédio de votos favoráveis, com 12,33% do valor total do prédio de votos contra, nomeadamente dos condóminos proprietários das frações DX, DN, DO, DU, DV e DW com 6,78% do valor total do prédio de abstenções;
iii. aprovação do orçamento para o ano de 2022 com 32,27% do valor total do prédio de votos favoráveis e com 12,33% do valor total do prédio de votos contra, nomeadamente dos condóminos proprietários das frações DX, DN, DO, DU, DV e DW.
9. Os Autores não aprovaram e votaram contra as deliberações relativas aos pontos 3, 5 e 6 [do ponto 7) dos factos provados].
10. As frações dos Autores apresentam as seguintes permilagens:
i. fração DX: 6,57;
ii. fração DN: 3,45;
iii. fração DO: 13,13;
iv. fração DU: 5,54;
v. fração DV: 4,27;
vi. fração DW: 2,22.
11. O que importa o pagamento trimestral dos seguintes montantes:
i. fração DX: € 810,29;
ii. fração DN: € 437,41;
iii. fração DO: € 1.588,30;
iv. fração DU: € 661,72
v. fração DV: € 515,57; e
vi. fração DW: € 255,48.
12. No 1º piso encontra-se, também, uma casa de banho de serviço, com acesso público, cuja utilização se destina a qualquer pessoa desde lojistas, clientes, funcionários do Réu (seguranças e senhoras de limpeza) e mesmo aos proprietários das diversas frações.
13. O edifício onde se situam as frações é composto por vários andares.
14. O piso térreo, que se encontra ao nível da entrada, pelo nº 55 da Rua ..., apresenta dois acessos distintos: através dos degraus e/ou por uma rampa, uma vez que o prédio se encontra num plano mais elevado relativamente à via pública, nos termos da fotografia que consta da petição inicial como documento nº 14 e que aqui se reproduz:
15. Após a entrada no prédio, onde se encontra a primeira porta do edifício, existe um primeiro hall geral, acessível a todos os que acedem ao prédio e, imediatamente a seguir, um segundo hall, separado por outras portas de vidro, nos termos das fotografias que constam da petição inicial como documento nºs 15 e 16 e que aqui se reproduzem:
16. Após a entrada nesta primeira porta, se se tomar a direção da esquerda, para além da entrada para um estabelecimento comercial, vislumbram-se escadas rolantes em sentido ascendente e com acesso até ao 1º piso; se se tomar a direção oposta, da direita, após a entrada na primeira porta, encontra-se o acesso às escadas rolantes em sentido ascendente e uma entrada para um estabelecimento comercial, nos termos das fotografias que constam da petição inicial como documentos nºs 18 e 19 e que aqui se reproduzem:
17. Já o segundo hall é separado por duas portas de vidro, estando uma delas, após o primeiro hall geral, sempre aberta, servindo os que se dirigem aos escritórios, através dos elevadores, a partir do piso térreo até ao 8º piso, salvo o 1º piso.
18. O acesso a todas as frações do edifício, exceto as do 1º piso, pode ser realizado pelos elevadores.
19. As escadas rolantes permitem o acesso desde o piso térreo até 1º piso.
20. Os elevadores funcionam desde os aparcamentos, nos pisos -3, -2 e -1 do edifício, até ao 8º piso, tendo como única exceção o 1º piso e o 9º piso.
21. Os funcionários do condomínio (seguranças e senhoras da limpeza) fazem uso da casa de banho de serviço localizada no 1º piso.
22. O que também sucede com os clientes dos diversos condóminos do edifício.
23. Há pessoas que entram no edifício e que acedem às escadas rolantes, assim se deslocando ao 1º piso.
24. Para se utilizar a casa de banho do condomínio que se situa no 10º piso, é necessário entrar pelo 9º piso, já que o elevador não sobe até ao 10º piso.
25. No 10º piso do edifício encontram-se as casas das máquinas, uma instalação sanitária e a sala do condomínio, onde são realizadas as Assembleias de Condóminos.
26. As frações DX, DN, DO, DU, DV e DW possuem as suas próprias instalações sanitárias.
27. De acordo com as “afectações especiais de uso e fruição” (página 8 da certidão permanente do edifício), “às frações DJ-DK-DL-DM-DN-DO-DP-DQ-DR-DS-DT-DU-DV-DW-DX-DY: cais de cargas e descargas na 1ª cave com monta-cargas de serviço do rés-do-chão e 1º andar; escadas rolantes; áreas de circulação no rés-do-chão e 1º andar; instalações sanitárias no 1º andar (…)”.
Todos os restantes factos resultaram não provados, designadamente que as frações DX, DU, DV e DW, que se localizam no 1º piso, são apenas acedidas pelas escadas rolantes e que quem faça uso da casa de banho situada no 1º piso obrigará ao acionamento das escadas rolantes, num primeiro momento de forma ascendente e depois de forma descendente.
1. Da nulidade da sentença.
Arguem os Apelantes, no recurso que apresentaram, a nulidade da sentença por padecer do vício previsto na al. c), do nº1, do art.º 615.º, do Código de Processo Civil, diploma a que nos reportamos na falta de outra referência, por o Tribunal a quo ter fundamentado a decisão no sentido de as despesas com as partes comuns do edifício deverem ser suportadas pelos condóminos que tenham a possibilidade de utilizar o serviço, independentemente da utilização efetiva que desses serviços façam e ter concluído, depois, de forma antagónica, pela necessidade de se verificar efetiva utilização.
O recorrido sustenta ser a sentença unívoca, inexistindo qualquer oposição entre aquilo que o Tribunal a quo concluiu em face da prova produzida e o decidido, constatando-se não terem os Apelantes apreendido o sentido da decisão.
Analisemos, em primeiro lugar, da invocada nulidade, pois que a mesma contende com a própria validade da decisão.
Começa por se referir que as “Causas de nulidade da sentença”, vêm taxativamente consagradas no referido preceito que estabelece na invocada al. c) que é nula a sentença quando “c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
E como a relatora afirmou já em acórdãos que relatou, as nulidades da sentença são, tipificados, vícios formais, intrínsecos de tal peça processual, reportando-se à estrutura, à inteligibilidade e aos limites, sendo vícios do silogismo judiciário inerentes à sua formação e à harmonia formal entre as premissas e a conclusão, que não podem ser confundidas com erros de julgamento (error in judicando) de facto ou de direito. Trata-se de um error in procedendo, nada tendo a ver com os erros de julgamento (error in judicando).
E, como vícios intrínsecos daquela peça processual, as nulidades da sentença são apreciadas em função do texto da sentença e do discurso lógico que nela é desenvolvido, não podendo ser confundidas com erros de julgamento de facto nem com erros de aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento, estes, a sindicar noutro âmbito. Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas e/ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto. Esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, antes o mérito da relação material controvertida, nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in judicando atacáveis em via de recurso.
Os vícios da sentença são, portanto, aqueles que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)” ou condenar ultra petitum, tendo o julgador de limitar a condenação ao que, concretamente, vem peticionado, em obediência ao princípio do dispositivo.
Os referidos vícios respeitam à “estrutura ou aos limites da sentença. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação), c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum)”.
Analisemos o invocado vício, que se reporta à estrutura, exarando-se, desde já, que, a mesma não contém ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível.
Quanto ao vício consagrado na al. c), os fundamentos estarem em oposição com a decisão ou ocorrer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, cumpre referir que “Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial (art. 186-2-b)”.
Verificando-se contradição entre os fundamentos e a decisão quando no raciocínio do julgador existe vício tal que apontando a fundamentação num sentido a decisão segue em sentido oposto, pelo menos diferente, constata-se que, no caso, a decisão se orienta no mesmo sentido da fundamentação.
A diferente interpretação da factualidade e a diferente conclusão dos apelantes relativamente à posição do tribunal não é suscetível de gerar nulidade da sentença.
A apontada nulidade não se verifica no caso, pois que nenhuma oposição entre os fundamentos e a decisão se verifica, antes os fundamentos aduzidos conduzem, necessariamente, à decisão, que de ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível não padece, antes a mesma tem um só sentido e é clara, evidente e bem percetível, prendendo-se a questão suscitada, antes com o mérito, a ser objeto de reapreciação.
Não padece, pois, a decisão do apontado vício formal, que improcede.
Impugnada a decisão da matéria de facto e resultando cumpridos os ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1 als. a), b) e c), pois que os Apelantes fazem referência aos concretos pontos da matéria de facto que consideram incorretamente julgados, indicam os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por eles propugnados, a decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida e indicam, ainda, as passagens da gravação em que funda o recurso (nº 2 al. a) do citado normativo), cumpre conhecer do objeto do mesmo, reapreciando os concretos meios probatórios relativamente aos pontos de facto impugnados, como a lei impõe.
O nº1, do art. 662º, ao estabelecer que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, que vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto.
O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, deve, pois, conter-se dentro dos seguintes parâmetros:
i) o Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente;
ii) sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento;
iii) nesse novo julgamento o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).
Dentro destas balizas, o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro tribunal de substituição, que é, está habilitado a proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que, neste âmbito, a sua atuação é praticamente idêntica à do Tribunal de 1ª Instância, apenas ficando aquém quanto a fatores de imediação e de oralidade.
Na verdade, este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode deitar por terra a livre apreciação da prova, feita pelo julgador em 1ª Instância, construída dialeticamente e na importante base da imediação e da oralidade.
A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova[1] (consagrado no artigo 607.º, nº 5) que está atribuído ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também, elementos que escapam à gravação vídeo ou áudio e, em grande medida, na valoração de um depoimento pesam elementos que só a imediação e a oralidade trazem.
Com efeito, no vigente sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objeto do julgamento, com base apenas no juízo adquirido no processo. O que é essencial é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado[2].A lei determina expressamente a exigência de objetivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4).
O princípio da livre apreciação de provas situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis[3].
E na reapreciação dos meios de prova, o Tribunal de segunda instância procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção - desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria - com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância. Impõe-se-lhe, assim, que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação (seja ela a testemunhal seja, também, a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser, também, fundamentada).
Ao Tribunal da Relação competirá apurar da razoabilidade da convicção formada pelo julgador, face aos elementos que lhe são facultados.
Porém, norteando-se pelos princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e regendo-se o julgamento humano por padrões de probabilidade, nunca de certeza absoluta, o uso dos poderes de alteração da decisão sobre a matéria de facto, proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, pelo Tribunal da Relação deve restringir-se aos casos de desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados[4], devendo ser usado, apenas, quando seja possível, com a necessária certeza e segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Assim, só deve ser efetuada alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam para direção diversa e impõem uma outra conclusão, que não aquela a que chegou o Tribunal de 1ª Instância.
Na apreciação dos depoimentos, no seu valor ou na sua credibilidade, é de ter presente que a apreciação dessa prova na Relação envolve “risco de valoração” de grau mais elevado que na primeira instância, em que há imediação, concentração e oralidade, permitindo contacto direto com as testemunhas, o que não acontece neste tribunal. E os depoimentos não são só palavras; a comunicação estabelece-se também por outras formas que permitem informação decisiva para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras da experiência comum e que, no entanto, se trata de elementos que são intraduzíveis numa gravação.
Por estas razões, está em melhor situação o julgador de primeira instância para apreciar os depoimentos prestados uma vez que o foram perante si, pela possibilidade de apreensão de elementos que não transparecem na gravação.
Em suma, o Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto se formar a convicção segura da ocorrência de erro na apreciação dos factos impugnados.
E o julgamento da matéria de facto é o resultado da ponderação de toda a prova produzida. Cada elemento de prova tem de ser ponderado por si, mas, também, em relação/articulação com os demais. O depoimento de cada testemunha tem de ser conjugado com os das outras testemunhas e todos eles com os demais elementos de prova.
Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjetivas - como a prova testemunhal e declarações de parte -, a respetiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e o tribunal de 2.ª instância só deve alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando, efetivamente, se convença, com base em elementos lógicos ou objetivos e com uma margem de segurança elevada, que houve erro na 1.ª instância.
Em caso de dúvida, deve, aquele Tribunal, manter o decidido em 1ª Instância, onde os princípios da imediação e oralidade assumem o seu máximo esplendor, dos quais podem resultar elementos decisivos na formação da convicção do julgador, que não passam para a gravação.
Ao proceder-se à audição da prova produzida oralmente em audiência de julgamento e gravada a fim de reapreciar a decisão, constatamos deficiência na gravação que a torna não completamente percetível, no que concerne a partes da prova produzida na sessão de dia 11 de setembro de 2024.
2.1 - Da deficiente gravação da prova oralmente produzida e das suas consequências na reapreciação da decisão da matéria de facto
Constata-se estarem os depoimentos prestados na sessão de dia 11/9/2024 parcialmente impercetíveis, o que prejudica e, mesmo, impede a apreciação da impugnação da matéria de facto.
E perante a impossibilidade de aceder a todas as provas a que o Tribunal de 1ª instância recorreu, para, então, se poder aferir do acerto da decisão da matéria de facto, nos termos supra expostos, não pode, por facto imputável a quem se pretende fazer valer da gravação, dado nada se ter apresentado, no momento próprio a suscitar, deixar de improceder esta parte do recurso.
Na verdade, como já se decidiu, no Ac. desta Relação de 24/9/2020, proc. nº. 4704/12.7TBMTS.P1, em que a ora Relatora foi adjunta: “I- A Lei 41/2013 de 26/06 (que aprovou o novo CPC) introduziu uma relevante alteração no regime de arguição da falta ou deficiência da gravação, expressamente determinando que esta tem de ser invocada no prazo de dez dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada – vide artigo 155º nº 4 do CPC. Disponibilização que deve ocorrer no prazo de dois dias a contar do respetivo ato”, “II- Porque a disponibilização da gravação deve ocorrer no prazo de dois dias [e salvo se esta disponibilização não respeitar este prazo, caso em que a parte deverá suscitar tal questão perante o tribunal a quo] recai sobre a parte o ónus de neste prazo e sempre até aos 10 dias subsequentes requerer a entrega da gravação e verificar a regularidade da mesma, para que e sendo o caso, no mencionado prazo de dez dias possa arguir a respetiva nulidade. Assim não o fazendo violará o dever de diligência que sobre si recai, com a consequência de ver precludido o direito a arguir a nulidade decorrente deste vício” e “III. Na medida em que esta falta cometida pode influir no exame da causa [como sempre o será quando a parte invocar que tal vício obsta ao exercício do seu direito de impugnação da matéria de facto que pretende exercer], configura a mesma uma nulidade secundária. Nulidade que assim deverá ser arguida perante o tribunal a quo para que desde logo e sendo verificada, possa ser sanada mesmo antes de serem os autos remetidos em recurso”.
Aí se fundamenta, com a nossa inteira concordância, que “A Lei 41/2013 de 26/06 (que aprovou o novo CPC) introduziu uma relevante alteração no regime de arguição da falta ou deficiência da gravação, expressamente determinando que esta tem de ser invocada no prazo de dez dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada – vide artigo 155º nº 4 do CPC (diploma legal a que faremos referência, salvo se em contrário for expressamente indicado).
Gravação esta que deve ser disponibilizada às partes no prazo de dois dias a contar do respetivo ato (nº 3 do mesmo artigo).
Na medida em que esta falta cometida pode influir no exame da causa [como sempre o será quando a parte invocar que tal vício obsta ao exercício do seu direito de impugnação da matéria de facto que pretende exercer], configura a mesma uma nulidade secundária.
Para o efeito dispondo a parte dos já referidos 10 dias (nº 4 já referido) quando logo no ato se não aperceba da deficiência de gravação. Dez dias contados desde a disponibilização da gravação [sendo disponibilização, diferente de entrega, já que esta pressupõe uma atuação do interessado que promove a entrega e aquela respeita a um ato da secretaria que coloca a gravação disponível à parte que na mesma esteja interessada para lha entregar se esta o requerer] esta a ocorrer no prazo máximo de dois dias, tal como decorre do já referido nº 3 do artigo 155º.
Ao remeter o legislador a arguição da falta ou deficiência da gravação para o regime das nulidades (nulidades secundárias, cujo regime está regulado nos artigos 195º e segs. do CPC) resulta do artigo 199º que a mesma deverá ser arguida logo no ato, se de tal se aperceber a parte. Ou então, a partir do momento em que tomou conhecimento da mesma, ou dela pudesse conhecer agindo com a devida diligência (vide nº 1 deste artigo 199º).
Porque a disponibilização da gravação deve ocorrer no prazo de dois dias [e salvo se esta disponibilização não respeitar este prazo, caso em que a parte deverá suscitar tal questão perante o tribunal a quo] recai sobre a parte o ónus de neste prazo e sempre até aos 10 dias subsequentes requerer a entrega da gravação e verificar a regularidade da mesma, para que e sendo o caso, no mencionado prazo de dez dias arguir a respetiva nulidade.
Assim não o fazendo violará o dever de diligência que sobre si recai, com a consequência de ver precludido o direito a arguir a nulidade decorrente deste vício.
Nulidade que assim deverá ser arguida perante o tribunal a quo para que desde logo e sendo verificada, possa ser sanada mesmo antes de serem os autos remetidos em recurso.
Preceitua o nº 3 do artigo 199º - artigo que regula as regras gerais da arguição destas nulidades secundárias – que se o processo for expedido em recurso antes de findar o prazo para a arguição da nulidade (o já referido de 10 dias), poderá a arguição ser feita perante o tribunal superior, contando-se o prazo desde a distribuição.
Porém e pela natureza da nulidade em causa, entende-se claramente afastada esta opção. Basta para tanto atentar no facto de após o encerramento da audiência de discussão e julgamento, ser o processo concluso para proferir sentença no prazo de 30 dias.
Só após esta e respetiva notificação, correndo o prazo para a interposição do recurso e subsequente prazo para as contra-alegações.
Tanto é quanto baste para concluir pela inviabilidade de a expedição do processo em recurso poder ocorrer antes do referido prazo ter decorrido.
A justificar o entendimento que cremos maioritário de ter sido afastada a possibilidade de a arguição da nulidade da gravação – ao contrário do que na vigência do anterior CPC chegou a ser defendido – ser invocada apenas em sede de recurso[5] .
Antes se defendendo que a mesma deve ser arguida perante o tribunal a quo para que desde logo e sendo verificada, possa ser sanada mesmo antes de serem os autos remetidos em recurso[6].”.
Assim, constituindo a deficiência da gravação dos depoimentos prestados em audiência uma irregularidade que pode influir no exame e na decisão da causa, devendo tal nulidade ser arguida pela parte, no prazo de 10 dias a contar da disponibilidade dos registos pelo tribunal, nos termos do nº4, do artº 155º, bem se conhece, também, a posição assumida jurisprudencialmente no sentido de, no entanto, poder o tribunal da Relação, “conhecer oficiosamente dessa nulidade, ao abrigo do artº 9º do DL nº 39/95, de 15.2 e do artº 156º, “in fine” do CPC”, dado que este artigo “não se encontra revogado (expressamente) pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, que aprovou o atual CPC, nem de forma tácita pelo preceituado no art.º 155º do mesmo código, constituindo, pelo contrário, aquele normativo um “caso especial em que a lei permite o conhecimento oficioso” (da nulidade processual) a que alude o art.º 196.º, in fine, do atual CPC”, Ac. RG de 28/3/2019, proc. 3268/17.0T8BRG.G1[7].
Ora, assim não se entende, considerando-se que os interesses que estão em causa são interesses eminentemente privados, das partes, na repetição dos depoimentos deficientemente gravados, relacionados com o direito ao recurso, certo sendo que ao próprio direito de recorrer, são impostos limites, não sendo um direito absoluto, e bem podendo a parte não o exercer.
Nada permite considerar serem interesses públicos, na descoberta da verdade material, que estão em jogo, estando-o, tão só, o direito da parte ao duplo grau de jurisdição quanto à decisão da matéria de facto, sendo à reapreciação fáctica que se destina a gravação, já que a prova foi produzida, em audiência contraditória, perante o julgador em 1ª instância, que bem a ouviu, com imediação (a ele se não destinando a gravação).
Não estando, diretamente, interesses de ordem pública em causa, mas, primordialmente, particulares, não cabe conhecer oficiosamente da nulidade, a qual tinha de ser suscitada, pelo interessado, no momento próprio, querendo, e não o tendo sido, precludido se mostra o direito à sua arguição.
Com efeito, pode a Relação ordenar, oficiosamente, a repetição de provas que se encontrem impercetíveis, sempre que tal se mostre (no seu, fundado, entendimento, e após audição da prova gravada), essencial ao apuramento da verdade, de molde a poder formar a sua autónoma convicção face à globalidade da prova relevante, no contexto da impugnação da decisão de facto, mas já o não pode se nenhuma razão houver para afirmar tal essencialidade, existindo, como no caso, tão só, meras opiniões e convicções da parte interessada. Esta, a pretender impugnar a decisão de facto, devia ter atuado no sentido de arguir a nulidade em causa e o não fez.
Assim, a Relação pode ordenar, por sua iniciativa, a repetição das provas que se encontrem impercetíveis, sempre que isso se revele, no seu entendimento, essencial ao apuramento da verdade, mas já o não pode fazer se nenhuma justificada razão existir para tal, mas mero interesse do apelante.
E, sem ouvir, integralmente, os depoimentos, não estão reunidas as condições para se poder proceder à análise da prova, segundo o princípio da livre apreciação das provas, fixado no nº1, do art. 655º, não podendo, por isso, o Tribunal da Relação modificar o julgado em 1.ª instância, antes, na improcedência da impugnação, tem de manter o decidido.
Não se trata de dar prevalência a soluções de justiça material sobre a formal, pois que no processo, há já uma convicção formada sobre a substância e nada justifica a necessidade de formação de uma outra, que no caso, como veremos, até se revelaria destituída de utilidade, por não conduzir a decisão de mérito diversa.
Não é a reapreciação essencial ao apuramento da verdade material, nada nos permitindo concluir pela necessidade ou conveniência da repetição da prova, ao invés inútil se mostrando, por a outra solução de mérito não poder conduzir, e precludido está para as partes o direito de arguirem o vício, por extemporaneidade.
Não havendo, no caso, dúvida de a gravação dos depoimentos e declarações prestadas no dia 11 de setembro de 2024 se mostrar não completamente percetível, sendo a sua audição essencial para apreciação do recurso da matéria de facto, pois só revisitada a prova produzida na sua plenitude se poderia apreciar da existência de erro na sua apreciação, nenhuma alteração à decisão da matéria de facto pode ser introduzida.
Ora, destinando-se a gravação a possibilitar a reapreciação da prova no recurso e sendo, até, o próprio direito de recorrer, que envolve interesses particulares, limitado, não satisfazendo os recorrentes os ónus impostos para a impugnação da matéria de facto nunca esta pode ser reapreciada, improcedendo esta parte do recurso, dada a não demonstração do invocado erro.
Impugnada a matéria de facto, na reapreciação desta, a modificação da decisão de facto é um dever para a Relação, mas somente se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou a junção de documento superveniente (admitido) impuserem diversa decisão (cfr. nº 1 do artigo 662ºdo CPC).
E cabe ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis, sendo o princípio da livre apreciação das provas, como vimos, a base da decisão, quando estão em causa depoimentos das testemunhas e declarações de parte (cfr. art.os 341º. a 396º. do Código Civil e nº4 e 5 do art. 607.º e n.º3, do art. 466.º, do CPC).
Importa, ainda, considerar que é ónus dos recorrentes apresentarem a sua alegação, com conclusões, a indicar os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – nº1, do artigo 639º -, estas a delimitar o objeto do recurso, conforme estatui o n.º 3 do artigo 635º. Analisadas as conclusões formuladas pelos recorrentes, resulta que os mesmos, invocando erro na apreciação da prova, pretendem a alteração da decisão da matéria de facto quanto à matéria referida nas conclusões supra exaradas e para justificar o erro de julgamento convocou a prova gravada.
Ora, os depoimentos gravados no dia 11/9/2024 são de muito difícil audição e, mesmo, parcialmente inaudíveis, conforme verificámos pela audição da gravação.
Só a total percetibilidade da prova gravada nos permitiria apreciar se a decisão recorrida merece crítica e formar a nossa livre convicção, certo sendo, ainda, incumbir aos recorrentes invocar, motivar e demonstrar o erro na apreciação da prova que imputa à decisão recorrida.
Como se entendeu no citado Ac. da TRL de 30/05/2017, “Sendo a inquirição (parcialmente impercetível) essencial para a apreciação do recurso na parte em que ocorre impugnação da decisão de facto, fica o Tribunal da Relação impossibilitado de efetuar a reapreciação da prova pretendida pelo apelante porquanto a reapreciação da prova tem de ser feita com os mesmos elementos com que o tribunal recorrido se defrontou.” (negrito nosso).
Também no recente Acórdão de 27/1/2025, Proc. n.º 59425/23.5YIPRT.P1(Relator: José Eusébio Almeida) se decidiu: “A deficiência da gravação, quando não conduza à nulidade do ato, e não estando em causa qualquer vício de conhecimento oficioso, impede a reapreciação da prova, sendo processualmente irrelevante que o impugnante haja cumprido o ónus previsto no artigo 640 do CPC. Com efeito, o Tribunal da Relação tem de poder (re)apreciar a prova com os mesmos elementos com que a primeira instância a apreciou e isso deixa de ser possível quando a gravação da prova não permita a compreensibilidade de todos os depoimentos prestados”.
Refira-se, ainda, o Ac. proferido no processo nº 2046/21.6T8PNF.P1 (Relator: Carlos Gil) a considerar: “O Tribunal da Relação não está legalmente em condições de sindicar os juízos probatórios do tribunal recorrido formulados com base em provas sujeitas à livre apreciação do julgador, formando a sua própria e autónoma convicção probatória, sempre que não tem ao seu dispor todo o manancial probatório que o tribunal a quo teve para formar a sua convicção probatória, razão pela qual, nesse circunstancialismo, deve ser indeferida a reapreciação da prova sujeita à livre apreciação do tribunal”.
Uma vez que a nulidade da deficiente gravação não foi, tempestivamente suscitada para que pudesse ser conhecida e sanada, impossibilitado está este Tribunal de efetuar a reapreciação da prova e, consequentemente de conhecer da impugnação da matéria de facto para a alterar, improcedendo o recurso nesta parte.
O apelado sustenta não deverem ser introduzidos os referidos itens aos factos provados pois, para além de não resultar provada a referida matéria e mesmo resultar que para aceder ao 1.º piso é possível utilizar as escadas de incêndio, tal realidade não foi, sequer, alegada na petição inicial, pelo que jamais poderia vir a ser dada como provada e que resultou até provado que “há pessoas que entram no edifício e utilizam as escadas rolantes para aceder ao 1.º piso”, podendo a elas aceder, mais sustentando ser a matéria que os apelantes pretendem ver aditada irrelevante por não poder implicar alteração ao sentido da decisão proferida.
Ora, na verdade, para que a ampliação pudesse ter lugar era, desde logo, necessário que tal matéria fosse relevante, o que não sucede, nenhuma relevância tendo tal matéria e provado se encontra, na verdade, serem as escadas utilizadas para ir do R/C ao 1º piso, este de lojas e acedido por pessoas, designadamente, para utilização de casa de banho de serviço, não tendo este piso acesso a qualquer outro do edifício.
Assim, irrelevante é a referida matéria e, sendo inócua, nunca seria de aditar mesmo que provada se pudesse considerar, o que não sucede como supra decidido.
Comecemos por referir que resulta provado que as escadas rolantes permitem acesso desde o piso térreo até ao 1º piso (cfr. f.p. nº19), piso de lojas que não dá acesso a qualquer outro e que no referido piso 1º se encontra, também, uma casa de banho de serviço, com acesso público, cuja utilização se destina a qualquer pessoa desde lojistas, clientes, funcionários do Réu (seguranças e senhoras de limpeza) e mesmo aos proprietários das diversas frações (cfr. f.p.nº12).
O Tribunal a quo, citando o artigo 1424º, do Código Civil, a estatuir no nº3 “As despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem” e no nº4 “Nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas fracções por eles possam ser servidas” e convocando, designadamente, o Acórdão desta Relação de 11/10/2001, publicado em www.dgsi.pt com o nº 0131262, a referir “Em propriedade horizontal, a obrigação de contribuir para as despesas com as partes comuns não depende da utilização efetiva que delas se faça, mas da possibilidade de as utilizar ao serviço da fração”; e em igual sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24/2/2005, do Tribunal da Relação de Lisboa de 23/9/2010, do Tribunal da Relação de Guimarães de 19/9/2019 e do Tribunal da Relação de Évora de 15/9/2022, publicados em www.dgsi.pt, respetivamente, com os nºs 05B094, 5879/08.5 TBCSC.L1-8, 525/18.1 T8BRG.G1 e 2715/19.0 T8FAR.E1”, considerou não padecerem as deliberações impugnadas de vício por as escadas rolantes existentes no edifício apenas permitem o acesso na galeria, ao 1º piso, a partir do rés-do-chão, inexistindo fundamento para imputar aos condóminos dos demais pisos as despesas inerentes às ditas escadas que concretamente não servem as suas frações, mas lojas (frações daqueles pisos – R/C e 1º andar). Mais entendeu que a existência da casa de banho, no 1º piso, livremente acessível a todos, incluindo ao público, a pessoas que aí se desloquem, não assume relevância para afastar este entendimento, por todos poderem utilizar a casa de banho de serviço.
Tratando os referidos nºs 3 e 4, do art. 1424º, da repartição de despesas em condomínios, especificamente das referentes a partes comuns que servem exclusivamente alguns condóminos, temos que as despesas relativas a partes comuns que servem exclusivamente um ou mais condóminos ficam a cargo desses condóminos. Tais preceitos constituem regras especiais face aos nºs 1 e 2 do mesmo artigo, sendo que o nº3 permite que se extraia dele uma regra mais ampla, segundo a qual as despesas correntes inerentes à utilização das partes comuns que só sirvam alguns condóminos são suportadas apenas por eles[8].
Ora, resultou provado que “As escadas rolantes permitem o acesso desde o piso térreo até 1º piso”, servindo frações aí existentes, lojas, sendo utilizadas por pessoas que pretendam aceder do R/C ao 1º andar, não a outro piso, a nenhum mais, superior ou inferior, dando acesso. Acresce referir que tal 1º piso não é servido por elevador mas existe um monta-cargas de serviço do R/C e 1º andar (cfr. f.p. 27).
Improcedendo a pretendida alteração da factualidade objeto da impugnação da decisão da matéria de facto, não pode, de igual modo, a restante pretensão dos apelantes deixar de soçobrar. Não tendo havido lugar a alteração de decisão de facto e na falta de justificados fundamentos aduzidos para revogação da decisão recorrida deve concluir-se pela improcedência do recurso, também, quanto à decisão de mérito.
O facto de no piso 1º existir casa de banho de livre acesso a qualquer pessoa que lá se desloque não retira serem os condóminos do R/C e 1º andar - as lojas aí existentes - os únicos servidos pelas escadas rolantes, bem resultando a falta de acesso deste andar a outros andares do edifício.
Assim, sempre se diga que bem resultando a prova de as escadas rolantes não servirem outras frações, que não as lojas, nas despesas com as mesmas só participam, nos termos do estatuído no nº 3 e 4, os condóminos cujas frações por elas podem ser servidos, não as frações de outros andares (que não o R/C e o 1º andar), aos quais as escadas rolantes não dão acesso.
Sendo estas escadas de especial afetação de uso - exclusivo das lojas destes pisos – não podia a pretensão dos Autores deixar de improceder.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pelos apelantes, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
Porto, 26 de junho de 2025
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Fátima Andrade
Teresa Fonseca
_________________________________
[1]Acórdãos RC de 3 de Outubro de 2000 e 3 de Junho de 2003, CJ, anos XXV, 4º, pág. 28 e XXVIII 3º, pág 26
[2] Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 348.
[3] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, vol II, pag.635.
[4] Acórdão da Relação do Porto de 19/9/2000, CJ, 2000, 4º, 186 e Apelação Processo nº 5453/06.3
[5] Vide neste sentido CPC Anot. Lebre de Freitas, edição Coimbra Editora, Vol. I, p. 311 em anotação ao artigo 155º; Abrantes Geraldes in Recursos no Novo CPC, ed. 2014, p. 136.
[6] Na jurisprudência, vários têm sido os arestos que sobre esta questão têm sido proferidos, dos quais faremos uma breve resenha, elucidando o que se nos afigura ser o entendimento maioritário quanto à posição por nós assumida:
- Assim no TRP, vide Ac. de 30/04/2015, Relator José Amaral; Ac. 17/12/2014, Relatora Judite Pires; Ac. de 13/02/2014, Relator Aristides Rodrigues de Almeida, no qual e fazendo uma análise comparativa entre o novo e o anterior regime, se pode ler no respetivo sumário:
“I - Na vigência do anterior CPC a irregularidade da gravação dos meios de prova prestados na audiência constituía uma nulidade processual secundária, que devia ser arguida no prazo de 10 dias a contar do dia em que a parte interveio no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, desde que, neste último caso, devesse presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou podia ter tomado conhecimento dela, agindo com a necessária diligência.
II - A parte goza da faculdade de minutar as suas alegações de recurso até à data limite para a sua apresentação e, como tal, pode aperceber-se da falha da gravação apenas nesse último momento, razão pela qual podia invocar a irregularidade apenas nas alegação de recurso, exceto se se demonstrasse que teve conhecimento do vício mais de dez dias antes do termo desse prazo.
III - O art. 155.º do novo CPC consigna agora de forma expressa que o prazo de arguição do vício da deficiência da gravação é de 10 dias a contar da disponibilização da gravação, a qual, por sua vez, deve ocorrer no prazo de 2 dias a contar da realização da gravação.”
- No TRL vide Ac. de 19/05/2016, Relator Jorge Leal e Ac. 30/05/2017, Relator Luís Filipe de Sousa em cujo sumário se pode ler: “I-A deficiência da gravação de inquirição de testemunha tem de ser arguida pela parte no tribunal a quo, no prazo de dez dias a partir do momento em que a gravação é disponibilizada (Artigo 155º, nº4, do Código de Processo Civil).
II-Decorrido esse prazo sem que seja arguido o vício em causa, fica o mesmo sanado, não podendo oficiosamente ser conhecido pela Relação, nem podendo tal nulidade ser arguida nas alegações de recurso.”;
- no TRC, vide Ac. de 10/07/2014, Relator Teles Pereira;
- no TRG, vide Ac. de 12/03/2015, Relatora Helena Melo; Ac. 11/09/2014, Relator Heitor Gonçalves;
- No TRE vide Ac. de 12/10/2017, Relator Vítor Sequinho dos Santos.
Vide ainda Ac. de 05/05/2016, Relator Canela Brás (neste se fazendo também ua resenha histórica das posições antes assumidas no âmbito do anterior CPC) no qual e ainda que neste se tenha defendido ser de contar o prazo dos 10 dias apenas após a disponibilização – entendida a disponibilização como “entrega” da gravação ao interessado que invoca a nulidade da gravação - retirando à parte o ónus de requerer essa mesma entrega da gravação dentro do prazo do artigo 155º nºs 3 e 4 a contar do fim da audiência, do que discordamos, seguiu o entendimento de que a nulidade tem de ser arguida nos 10 dias subsequentes, afastando assim a possibilidade de tal nulidade ser arguida em sede de alegações de recurso da decisão final.
[7] Aí se considera “Assim se decidiu também no Ac. RL de 12/11/2013 (também disponível em www.dgsi.pt) no qual se considerou que “…as anomalias na gravação das provas se podem considerar como uma irregularidade especial a que se aplica um regime de igual modo especial e particularmente expedito e oficioso, que de resto se impõe à luz do manifesto interesse de ordem pública que visa alcançar-se com a gravação da audiência. A especialidade mais saliente deste regime legal traduz-se justamente na circunstância da Relação poder ordenar por sua iniciativa a repetição de provas que se encontrem impercetíveis, sempre que isso se revele, no seu entendimento, essencial ao apuramento da verdade; no seu entendimento, sublinhe-se, que não no da parte apelante, necessário se mostrando que para formar a sua convicção, a Relação proceda à prévia audição da gravação…”.
Há, de facto, um claro interesse púbico nesta matéria (e não apenas interesses privados, das partes, na repetição dos depoimentos deficientemente gravados), ligado ao duplo grau de jurisdição, que visa a descoberta da verdade material, e que ficaria comprometida pela negligente gravação da prova, tarefa cuja realização não cabe às partes mas ao tribunal.
Ora, os interesses de ordem pública em questão exigem, em nosso entender, a possibilidade de conhecimento oficioso da nulidade em apreciação.
Por isso, cremos que foi de caso pensado que o legislador de 2013 manteve plenamente em vigor o art.º 9.º do DL n.º 39/95, de 15-02, o qual, lido conjugadamente com o citado artº 196º (parte final) do CPC, permite que a nulidade do ato de gravação deficiente seja de conhecimento oficioso pelo tribunal – quer na primeira, quer na segunda instância.
Assim sendo, à luz do disposto, conjugadamente, no artº 9.º do DL n.º 39/95, e nos artºs 195.º n.º 1, 196.º “in fine”, e 662.º n.º 2 al. c), todos do CPC, e vista a filosofia que subjaz a este novo Código - dando prevalência a soluções de justiça material em detrimento da mera justiça formal -, é de perfilhar o entendimento jurisprudencial no sentido de as anomalias na gravação da prova consubstanciarem uma irregularidade especial, com aplicação de um regime também especial, particularmente expedito e oficioso, justificado por um interesse de ordem pública, que visa alcançar-se com a gravação da audiência, permitindo a efetivação do duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto.
Nesse âmbito, pode a Relação ordenar, oficiosamente, a repetição de provas que se encontrem impercetíveis, sempre que tal se mostre, no seu entendimento, após audição da gravação, essencial ao apuramento da verdade, de molde a poder formar a sua autónoma convicção face à globalidade da prova relevante, no contexto da impugnação da decisão de facto.
Se o recurso assenta, desde logo, na impugnação da decisão de facto, com invocação de provas gravadas, e o tribunal de recurso não logra ter acesso a parte desses meios de prova, por inaudibilidade da gravação, impossibilitando uma decisão conscienciosa da impugnação e, por consequência, do recurso, deve este tribunal, oficiosamente, socorrendo-se dos dispositivos legais aludidos, anular o julgamento, na parte afetada, e a decisão recorrida, com vista ao suprimento do vício existente.
Continua a manter acuidade nesta matéria o decidido no Ac. STJ de 16/12/2010 (disponível em www.dgsi.pt), de que o “…art. 9.º do DL 39/95, de 15-02, aponta no sentido de se poder considerar as anomalias na gravação das provas como uma irregularidade especial, a que se aplica um regime de igual modo especial e particularmente expedito e oficioso, que de resto se impõe à luz do manifesto interesse de ordem pública que visa alcançar-se com a gravação da audiência (…).
A especialidade mais saliente deste regime legal traduz-se, justamente, na circunstância de a Relação poder ordenar por sua iniciativa a repetição das provas que se encontrem imperceptíveis, sempre que isso se revele, no seu entendimento, essencial ao apuramento da verdade (…).
A inaudibilidade de um ou mais depoimentos – facto que sempre terá de ser constatado pela 2.ª instância – equivale praticamente, quando esteja em causa reapreciar as provas em sede de apelação, à inexistência da prova produzida; e se a inaudibilidade for influente no exame da causa, ela é impeditiva da real concretização do duplo grau de jurisdição, em sede de matéria de facto (que, no caso, foi precisamente o direito que os recorrentes pretenderam exercer na apelação levada à Relação) (…).
Sem ouvir os depoimentos e proceder à sua análise crítica, segundo o princípio da livre apreciação das provas fixado no art. 655º n.º 1 do CPC, a Relação não pode optar com inteira segurança por manter ou modificar o julgado em 1.ª instância…”.
No mesmo sentido se pronunciou também o citado Ac. RL de 12/11/2013, no qual se refere que “Em conformidade, cabe a este Tribunal proceder à reapreciação da prova, com a mesma amplitude de poderes que tem a 1.ª instância, fazendo assim, de forma autónoma, o seu próprio juízo de valoração, que pode ser igual ou diferente do já produzido, procedendo à análise crítica das provas indicadas como fundamento da impugnação, quer testemunhal, quer documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível.
Configura-se, deste modo, que para tanto, deverá este tribunal ter acesso à prova produzida, na exata medida da sua produção, habilitando-o com todos os elementos probatórios que foram, ou podiam ter sido atendidos, por disponíveis, para a formulação da necessária convicção autónoma, sem prejuízo da maior ou menor abrangência da reapreciação a realizar…”.
Ora, na senda da jurisprudência citada, concordamos – à luz do disposto nos artºs 9.º do DL n.º 39/95, 195º nº 1, 196º parte final, e 662º, nº 2, al c), todos do actual CPC, e vista a filosofia que lhe está subjacente, dando prevalência a soluções de justiça material -, que as anomalias na gravação das provas produzidas consubstanciam uma irregularidade processual especial, a que se deve aplicar também um regime especial, que se impõe à luz do manifesto interesse de ordem pública que visa alcançar-se com a gravação da audiência.
Assim sendo, é nosso entendimento que pode a Relação ordenar, por sua iniciativa, ou seja, oficiosamente, a repetição de provas que se encontrem impercetíveis, sempre que isso se revele, no seu entendimento, após audição da gravação, essencial ao apuramento da verdade, de molde a poder formar a sua autónoma convicção, mesmo que se mostre já precludido para as partes o direito de arguirem o vício existente, nomeadamente por extemporaneidade (como aconteceu, no caso dos autos).
Reportando-nos agora novamente ao caso dos autos, como se referiu acima, não há dúvida de que a gravação dos depoimentos prestados pelas testemunhas se mostram imperceptíveis (dado o ruído de fundo existente na gravação), sendo a audição daqueles depoimentos essencial para apreciação do recurso da matéria de facto, de que a recorrente lançou mão.
Ou seja, temos como seguro que, dada a relevância daquelas provas (registadas em gravação inaudível), a sua reapreciação é essencial ao apuramento da verdade material, não podendo neste momento este tribunal de recurso aceder ao que foi afirmado, para poder exercer plenamente a sua função de reapreciação da prova.
Resta pois determinar, oficiosamente, a repetição daqueles depoimentos, de molde a suprir a impercetibilidade existente, anulando-se, em conformidade, o julgamento, bem como a sentença subsequentemente proferida” .
[8] Ac. da RL de 21/1/2020, proc. 316/19.2T8FNC.L1-7, acessível in dgsi.pt