CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RESTITUIÇÃO DA COISA LOCADA
MORA
CULPA DO LOCATÁRIO
REALIZAÇÃO DE OBRAS
Sumário

I - É de seguir a seguinte interpretação do artigo 1045º do CC, consentânea com a corrente jurisprudencial predominante:
i- do fim do contrato resulta a exigibilidade de restituição da coisa locada por força do previsto no artigo 1038º al. i) do CC e a obrigação para o locatário de proceder ao pagamento da renda estipulada entre as partes a título de indemnização, atenta a relação contratual de facto que se mantém até à entrega efetiva (esta obrigação decorrente ainda do contrato não cumprida), denominada na doutrina como “simples mora” ou não restituição simples.
Assim só não ocorrendo
. se a não restituição for de imputar ao senhorio, havendo fundamento para a consignação em depósito (última parte do nº 1), caso em que nada é devido ou
. se a não restituição se dever a qualquer outra causa não imputável ao locatário/inquilino (primeira parte do nº 1), permitindo então qualificar esta não restituição como um ato lícito, justificando o pagamento em singelo do valor estipulado pelas partes como o devido para a vigência da relação contratual locatícia, ou seja, o da renda que vigorava à data da cessação da relação contratual.
ii- verificada mora na restituição do locado pelo locatário por causa ao mesmo imputável, é então devida a indemnização por ato ilícito prevista no nº 2 do artigo 1045º, correspondente ao pagamento do valor da renda em dobro. A justificação para esta indemnização em dobro, encontra o seu fundamento na atuação voluntária e culposa imputável ao inquilino.
II - Entre as situações que afastam a culpa do locatário são apontadas aquelas em que se verifique a existência de uma situação controvertida entre as partes, não provocada pelo locatário e enquanto não for solucionada, nomeadamente pendência de ação judicial de nulidade ou anulação; ação de resolução ou situação de caducidade; litígio relativo a um reivindicado direito de retenção pelos inquilinos; divergência quanto à data de cessação do contrato ou validade da oposição à renovação.
III - Resultando da factualidade provada a não restituição do imóvel locado aquando da cessação da relação contratual e que subjacente a tal não restituição está a não realização de obras de que o locado carecia e de que o inquilino estava ciente ter de realizar para a sua entrega, está demonstrada uma atuação voluntária e culposa do inquilino conducente à indemnização por facto ilícito nos termos do nº 2 do artigo 1045º do CC.
IV - Apenas é possível qualificar as obras realizadas pelo inquilino como úteis, necessárias ou voluptuárias por referência ao previsto no artigo 216º do CC para efeitos indemnizatórios, se tiver sido alegada e apurada factualidade que permita enquadrar as mesmas dentro de um dos tipos ali previstos.

Texto Integral

Processo nº. 1338/21.9T8PRT.P1

3ª Secção Cível

Relatora – M. Fátima Andrade

Adjunta – Ana Paula Amorim

Adjunto – Carlos Gil

Tribunal de Origem do Recurso – T J Comarca do Porto – Jz. Central Cível do Porto

Apelante / Município ...

Apelados /AA e BB

Sumário (artigo 663º n.º 7 do CPC).

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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório

AA e BB instauraram ação declarativa sob a forma de processo comum contra Município ..., alegando em suma:

- terem dado de arrendamento ao aqui R. o prédio de sua propriedade identificado em 1º da p.i..

- ter o R. denunciado, por carta de 28/11/2017, o contrato de arrendamento com efeitos a 31/01/2018.

Ao que a A. AA respondeu, dando nota de dever o locado ser devolvido no estado em que foi arrendado.

Não tendo o R. devolvido o locado na data indicada, nem até à presente data, sendo que a última renda paga aos autores data de janeiro de 2018;

- Não obstantes das reuniões desde tal data ocorridas, o R. não entregou o locado nem realizou as obras necessárias à reposição do estado em que o mesmo se encontrava quando arrendado.

Situação que acarretou para os AA. danos nos termos que elencaram e descreveram.

Assim, terminando peticionando, pela procedência da ação:

“A condenação a ré a

a) Restituir aos autores o prédio supra descrito, devoluto de pessoas e bens, e no seu estado originário;

b) Pagar aos autores, a título de indemnização, pelos prejuízos decorrentes da não entrega do locado, na sequência da denúncia do contrato de arrendamento, a quantia mensal de Eur. 2.000,00 (dois mil euros), desde Janeiro de 2018, inclusive, até efetiva entrega do mesmo, sendo que o valor em dívida na presente data, ascende a €74.000,00 (setenta e quatro mil euros);

Ou, em alternativa,

Indemnizar os autores pelo atraso na restituição da coisa – nos termos prescritos no art. 1045º do Código Civil – no valor mensal de Eur. 1.711,52 (Eur. 855,76x2), desde 31 de janeiro de 2018 inclusive e até à entrega efetiva do locado, acrescido de juros de mora à taxa legal, sendo que o valor indemnizatório na presente data ascende a Eur. 63.326,24 (sessenta e três mil trezentos e vinte e seis euros e vinte e quatro cêntimos).

c) Pagar aos autores a quantia de €224.075,36 (duzentos e vinte e quatro mil setenta e cinco euros e trinta e seis cêntimos) (IVA incluído), quantia necessária para a execução das obras no locado de forma a repor o seu estado originário.

Ou, em alternativa

Executar as obras necessárias e elencadas no presente articulado, por forma a restituir o locado no estado em que se encontrava à data do contrato de arrendamento, com fiscalização por perito nomeado pelos autores e cujo custo deverá ser suportado pela ré, fixando-se o prazo de 60 dias para a execução das mesmas.

d) Pagar à autora AA a quantia de Eur. 10.000,00 (dez mil euros), acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa legal anual, desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento, a título de danos não patrimoniais.

e) Pagar aos autores a quantia diária de Eur. 200,00 (duzentos euros), a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso na entrega do locado e/ou realização das obras.

O R. contestou impugnando o alegado em parte. E, entre o mais, alegando terem sido os AA. quem se recusou a receber o locado. Argumentando ainda ser o valor das obras necessárias a realizar não superior a € 167.293,93.

Mais deduziu pedido reconvencional, alegando ser dos AA. credor pela realização de obras por si efetuadas num outro locado, também pertença dos autores, no valor de € 63.500,00, a deduzir no montante em dívida aos autores.

Concluindo dever ser julgada parcialmente improcedente a ação, absolvendo-se o R. do pedido parcialmente.

E pela total procedência da reconvenção, reconhecer-se o direito do R. a receber dos AA. o valor de € 63.500,00.

Os AA. responderam, impugnando o alegado, pugnando pela inadmissibilidade da reconvenção e sempre pela sua improcedência.

A R. apresentou tréplica.

A reconvenção foi admitida, na sequência de decisão proferida em sede de recurso (apenso A).


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Foi realizada audiência prévia e oportunamente proferido despacho saneador, com identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.

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Os AA. apresentaram ampliação do pedido relativamente ao por si peticionado sobre a al. C), no sentido da a R. ser condenada a pagar aos autores “Eur. 320.707,46 (…) quantia correspondente ao valor necessário para a execução das obras no locado e por forma a colocar as frações no seu estado originário.”

Ampliação admitida por decisão de 13/06/2022.

Foi admitida e realizada prova pericial.


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Agendada e realizada audiência de discussão e julgamento, foi após proferida sentença e decidido:

“1) Condena-se o réu a entregar aos autores os andares locados, livre e devolutos de pessoas e bens (cumprindo o estipulado no ponto 2) infra e entregando aos autores as chaves do prédio e frações locadas).

2) Condena-se o réu na realização das obras descritas no ponto 26 dos factos provados (no prazo de 150 dias) ou em alternativa a indemnizar os autores pelo valor de €243.387,02 (duzentos e quarenta e três mil, trezentos e oitenta e sete euros e dois cêntimos), acrescido de IVA à taxa em vigor (no total de €299.357,03), correspondente ao valor necessário para execução das obras.

3) Condena-se o réu a indemnizar os autores pelo valor mensal de €1.711,54 (mil, setecentos e onze euros e cinquenta quatro cêntimos, correspondente ao valor da renda elevado ao dobro), desde 01-02-2018 e até efetiva entrega do locado (tida como efetuada quando entregue o imóvel com as obras referidas em 2, ou quando entregue o valor aí mencionado e decorrido o prazo também supra tido como necessário à realização das obras), no valor à data de propositura da ação (ou seja calculados até ao fim do mês de Dezembro de 2020) de €59.903,90 (cinquenta e nove mil euros, novecentos e três euros e noventa cêntimos).

4) Condena-se o réu a indemnizar a autora pela quantia de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), acrescida de juros à taxa legal de juro civil, desde a prolação da presente sentença.

5) Absolve-se o réu do mais peticionado.

6) Absolvem-se os autores do pedido reconvencional.”


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Do assim decidido apelou o R. oferecendo alegações e formulando as seguintes

Conclusões:

1. A lei aplicável ao presente processo e a da data da celebração do contrato, ou seja, o código civil de 1966.

2. O Recorrente só se constitui em mora após notificação dos Recorridos para a entrega do locado, nunca tendo este facto acontecido;

3. A indeminização devida pelo aqui Recorrente, é nos termos do art. 1045º nº 1 do CC, uma vez que é uma indeminização devida pela não restituição do locado findo o contrato de arrendamento, sendo assim uma indeminização correspondendo aos valores das rendas em singelo, não existindo um quadro de mora do Recorrente;

4. A interpretação e a aplicação da norma constante no Art. 1045º nº 2 do Código Civil ofende os princípios constitucionais da legalidade democrática e da igualdade ínsitos no Art. 2º e 13º da Constituição da República Portuguesa

5. A Senhora Juiz “a quo” ao julgar a reconvenção improcedente viola os seus direitos mormente em este ter de igualdade, justiça em tempo útil, contraditório, dispositivo, verdade material, ónus de alegação das partes e consequentemente influi no exame ou na decisão da causa.

6. O arrendatário aqui Recorrente, tem sempre direito a ser indemnizado pelas obras licitamente realizadas;

7. Conclui-se assim que o pedido reconvencional tem de ser dado como procedente, condenando-se os AA no pagamento ao Reu/Recorrente do valor de 63.500,00€”.

Nestes termos, Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto, Norte deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em conformidade, revogar-se parcialmente a douta decisão recorrida, com todas as consequências legais, assim se fazendo, como sempre, sã e inteira JUSTIÇA”

Contra-alegaram os AA., pugnando pela total improcedência do recurso, face ao bem decidido pelo tribunal a quo.


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O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo, na sequência da prestação de caução para o efeito julgada validamente prestada.

Foram colhidos os vistos legais.


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II- Âmbito do recurso.

Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelo apelante serem questões a apreciar: se ocorreu errada subsunção jurídica dos factos ao direito, uma vez que a decisão de facto não vem impugnada, tendo por referência o decidido pelo tribunal a quo nos pontos 3 e 6 do segmento decisório.


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III- Fundamentação

Foram julgados provados os seguintes factos:

“1. Descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º ..., e com a respetiva propriedade aí definitivamente inscrita a favor dos autores, sem determinação de parte ou de direito, encontra-se o prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito à Rua ..., da freguesia ..., Gondomar, composto por rés-do-chão, 1º e 2º andares e logradouro.

2. Por contrato, celebrado a 28 de Julho de 1970, os autores, representados pelo seu pai, BB, deram de arrendamento ao réu, Município ..., o 1º e o 2º andares do prédio descrito no antecedente artigo pelo prazo de 1 (um) ano, com início em 1 de Agosto de 1970, sem termo, prorrogável por períodos sucessivos de um ano, renovando-se automaticamente, no fim do prazo, por igual período, se não denunciado por qualquer das partes, conforme documento que sob o n.º 3 é junto com a petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

3. O valor inicial da renda anual era de Esc. 82.000$00 (oitenta e dois mil escudos), pagável no 1º dia útil do mês anterior àquele a que dissesse respeito e, por aplicação do coeficiente legal de atualização vigente em cada ano, a renda mensal ascendia em Janeiro de 2018 a Eur. 855,77 (oitocentos e cinquenta e cinco euros e setenta e sete cêntimos.

4. Tal contrato de arrendamento prescreve ainda o seguinte:

a. Cláusula quarta: “A Câmara não poderá fazer obras nos andares arrendados, sem autorização do senhorio dada por escrito. No caso das obras serem autorizadas a Câmara obriga-se, no final do contrato, a repor os andares arrendados no seu primitivo estado, se o senhorio o exigir."

b. Cláusula quinta: "A Câmara nunca terá direito de retenção ou indemnização por quaisquer obras por si feitas."

c. Cláusula sexta: "Como os andares são arrendados pela primeira vez encontram-se todas as dependências que os constituem em impecável estado, a Câmara obriga-se a proceder às necessárias obras de conservação periódicas no interior do prédio, obras estas que ficam já autorizadas, comprometendo-se no final do arrendamento a entregar o mesmo prédio ao senhorio como o recebeu e, assim, em perfeito estado de conservação."

d. Cláusula sétima: "Se a inquilina introduzir modificações nas instalações interiores do abastecimento de água e energia elétrica, como se prevê, deverá, no final do contrato, repor estas instalações tal como se encontram no momento presente e que foram executadas de acordo com o projeto aprovado".

e. Cláusula oitava: “A substituição de quaisquer vidros partidos ou danificados existentes no segundo e terceiro pisos, bem como a porta principal e respetiva caixa de escadas, compete à Câmara Municipal (…)”

5. Por carta datada de 28 de Novembro de 2017, o réu Município ... denunciou o contrato de arrendamento supra referido, com efeitos a 31 de Janeiro de 2018.

6. Por carta de 6 de Dezembro de 2017, e na sequência dessa carta de denúncia do contrato remetida pelo réu, a autora remeteu ao réu carta registada, com aviso de receção, a dar conta de que o locado “deverá ser entregue no mesmo estado em que foi arrendado, nomeadamente com as divisões que compõe o prédio tal e qual constam no processo aprovado nessa Câmara”.

7. O réu não entregou o locado no dia 31 de Janeiro de 2018, nem até à presente data, não entregando até à data, as chaves do tocado, com exceção da entrada do prédio que lhe foi devolvida pela autora.

8. A última renda paga pelo réu aos autores remonta a Dezembro de 2017, correspondendo à renda do mês de Janeiro de 2018.

9. A autora fez vários contactos para o Município ..., por forma a obter a entrega do locado no estado em que fora arrendado.

10. Em data não concretamente apurada, a autora conseguiu reunir com o vereador da ré, Dr. CC, com o qual visitou o locado, acompanhada pela funcionária da ré, Dna. DD, constatando o estado - nesse momento - em que o imóvel se encontrava.

11. Os meses foram passando, e nenhuma obra foi efetuada.

12. Pelo que, os autores, por si e através de advogado, tentaram o resolver a situação junto do Município ..., através de contactos telefónicos e várias insistências para o agendamento de uma reunião.

13. Em 21 de Janeiro de 2019, os autores, através da sua Mandatária, e reiterando a necessidade de resolução da situação, remetem à ré carta registada, com aviso de receção, transmitindo, inclusive, os prejuízos que toda a situação vinha acarretando, conforme documento que sob o n.º 7 é junto com a petição inicial e que aqui se dá por reproduzido.

14. Em 13 de Fevereiro de 2019 ocorreu uma reunião, nas instalações do réu, entre a autora, sua advogada, e as representantes da ré, Sr.ª Dr.ª EE e Sr.ª Vereadora FF.

15. Assim, os autores a expensas próprias procederam à contratação de técnico especializado que procedeu ao levantamento e registo de perdas e danos arquitetónicos no imóvel, decorrente das alterações efetuadas pela ré, discriminando as obras a executar, os materiais a aplicar, bem como o custo total da empreitada.

16. O referido relatório - "caderno diagnóstico" correspondendo ao documento n.º 8 junto com a petição inicial que aqui se dá por integralmente reproduzido - foi entregue ao réu.

17.Após estudo e análise do mesmo, o réu, por carta datada de 28 de Julho de 2020, reconheceu a necessidade de proceder à realização das obras elencadas no documento entendendo, no entanto, que o valor orçamentado deveria ser reduzido para o montante de Eur. 167.293 93 (cento e sessenta e sete mil duzentos e noventa e três euros e noventa e três cêntimos), acrescido de IVA à taxa legal.

18. Após o recebimento da citada missiva, os autores, por si e através do técnico que elaborou o "caderno de diagnóstico" tentaram estabelecer, embora sem êxito, contactos (pelo menos via email) com o réu.

19. Em 16 de Novembro de 2020, realiza-se nas instalações do réu uma reunião entre a autora, o Sr. Arquiteto GG, a Sr.ª Vereadora Dr.ª FF, a Sr.ª Dr.ª EE e o Ex.mo Advogado dos autores, na qual foi entregue ao réu o "caderno de diagnóstico" revisto, na sequência do orçamento elaborado pelo Departamento de Obras Municipais da Autarquia, conforme documento n.º 9, junto com a petição inicial que aqui se dá por reproduzido.

20.As frações arrendadas (duas frações por piso) são as infra relacionadas e possuem as seguintes características:

a. Fração "C” - área bruta privativa: 84,2000m2; área bruta dependente: 7,0000m2; tipologia: T3; valor patrimonial: Eur. 57,826141;

b. Fração "D” - área bruta privativa: 75,1000m2; área bruta dependente: 7,0000m2; tipologia: T3; valor patrimonial: Eur. 51.726,48;

c. Fração "E” - área bruta privativa: 84,2000m2; área bruta dependente: 7,0000m2; tipologia: T3; valor patrimonial: Eur. 57.826,41;

d. Fração " F": área bruta privativa: 75,1000m2; área bruta dependente: 7,0000m2; tipologia: T3; valor patrimonial: Eur. 51 .726,48;

21. O imóvel situa-se em zona privilegiada na cidade ..., ou seja, mesmo no centro da cidade, junto aos Paços do Concelho.

22. O valor de uso das frações C, D, E e F, definido pelo mercado de arrendamento (valor locativo do imóvel), ascende pelo menos a Eur. 2.000,00 (dois euros) por mês, correspondente ao valor de Eur. 500,00/mês por cada fração.

23. O réu modificou totalmente as frações arrendadas, destruindo as divisões existentes, alterando a composição interna das frações, entre outras alterações, destruindo paredes, pavimentos, fachadas, canalizações de água e esgotos, instalações elétricas, casas de banho, portas, de tal forma que o estado atual das frações não corresponde minimamente ao estado das mesmas à data da celebração do contrato de arrendamento existindo uma total desconformidade entre a edificação atual e o prédio construído de acordo com o projeto camarário, instruído e aprovado pela Câmara Municipal ....

24.Apresentando o imóvel as seguintes desconformidades:

a. Os revestimentos: rebocos no geral, apresentam-se em mau estado, quer no interior e exterior do edifício, verificando-se, fendilação dos revestimentos, manchas de humidade resultantes de infiltrações a partir das caixilharias, por ascensão capilar, agravado pelas furações várias, resultantes da colocação de equipamentos de tratamento do ar, (AVAC) outros equipamentos e acessórios, sobrecarregado pela ausência de impermeabilização, manutenção e limpeza.

b. As varandas: apresentam crescimento de espécies vegetais, envolvendo as soleiras e parapeitos, com pontos de grau de infiltrações e fugas, agravado pela ausência de manutenção e limpeza, encontrando-se zonas de tetos, paredes e pavimentos interiores com maior deterioração, sendo visível, sinais de apodrecimento nos soalhos/tacos, nos rebocos/estuque, das paredes dos compartimentos interiores.

c. Os vãos: exteriores e interiores encontram-se degradados, empenados, adulterados, e decompostos, agravado pela ausência de manutenção, má utilização, apresentando zonas com maior deterioração das pinturas e ferragens, sendo visível, sinais de apodrecimento, arrombamentos, e verificando-se adulteradas as ferragens (puxadores fechaduras, etc..) e sem chaves, apresentandose deteriorados, ou melhor que não funcionam.

d. As divisórias: compartimentos interiores, apresentam-se com fissuras, adulterados decompostos, fendilhados, derivado das modificações das redes de infraestruturas, alterações significativas do layout/apartamento, face a construção inicial de origem modificadas, encontrando-se, demolidos no caso dos compartimentos, quartos de banho completo e quarto de banho de serviço

e. As infraestruturas: abastecimento de rede de água, rede de esgotos, rede da instalação elétrica, apresentam-se totalmente adulterados, face a construção inicial, e desarticulados das exigências de conforto, segurança e das boas práticas da construção.

25. No seu estado originário eram as seguintes as características das frações e do imóvel onde se integram:

a. Fração “C” — Uma habitação no 1 º piso esquerdo, com acesso pelo n º ... da Rua ..., freguesia ..., concelho de Gondomar, constituída por: três quartos, uma sala, uma cozinha, um quarto de banho completo, um quarto de banho de serviço, uma despensa, hall de distribuição e uma varanda no alçado posterior. A área da habitação é de 84.20m2 + 7.00m 2 das varandas — 91.20m 2.

b. Fração “D” — Uma habitação no 1º piso direito, com acesso pelo n.º ... da Rua ..., freguesia ..., concelho de Gondomar, constituída por: três quartos, uma sala, uma cozinha, um quarto de banho completo, um quarto de banho de serviço, uma despensa, hall de distribuição e uma varanda no alçado posterior. A área da habitação é de 75.10m 2 + 7.00m 2 das varandas 82.10m2.

c. Fração “E” — Uma habitação no 2º piso esquerdo, com acesso pelo n.º ... da Rua ..., freguesia ..., concelho de Gondomar, constituída por: três quartos, uma sala, uma cozinha, um quarto de banho completo. um quarto de banho de serviço, uma despensa, hall de distribuição e uma varanda no alçado posterior. A área da habitação é de 84.20m 2 + 7.00m 2 das varandas = 91 .20m 2.

d. Fração “F” — Uma habitação no 2 0 piso direito, com acesso pelo n ... da Rua ..., freguesia ..., concelho de Gondomar, constituída por: três quartos, uma sala, uma cozinha, um quarto de banho completo, um quarto de banho de serviço, uma despensa, hall de distribuição e uma varanda no alçado posterior. A área da habitação é de 75.10m 2 + 7.00m 2 das varandas = 82.10m 2.

e. Zonas comuns às frações “C”, “D”, “E” e “F” - com entrada pelo n.º ..., constituído pelo patamar da entrada e caixa de escadas do prédio de acesso às habitações.

f. Áreas comuns a todas as frações - alicerces, paredes exteriores, cobertura, rede saneamento, rede água, rede telecomunicações, rede/sistema elétrico e restantes partes estruturais do prédio.

g. Acabamentos interiores finais de origem das áreas privativas e dependentes (frações): tetos alvenaria de betão armado, em estuque/estanhado, pintura, ornamentos tetos com molduras saliente gesso estanhado, pintura, paredes/divisórias tijolo cerâmico estanhadas e pintura, revestimentos paredes em azulejo cerâmico 10x10cm/remate lambrim/branco/brilho, portas batente em madeira de derivados - mognos envernizados, aros das portas em madeira de derivados - mognos envernizado, rodapés em madeira maciças - mognos envernizados, pavimentos em "tacos" de madeira de pinho envernizados (vestíbulo, salas, quartos), pavimentos em marmorite, resinas - argamassas naturais coloridos (cozinhas), pavimentos em mármore decorativo - junta seca (quarto de banho, W.C serviço), mobiliário das cozinhas em móveis de madeiras de derivados envernizados, armários despensa com prateleiras de madeira - mognos envernizados.

h. Acabamentos interiores finais de origem das áreas comuns de circulação, entrada/caixa de escadas: tetos de alvenaria de betão armado em estuque/estanhado, pintura, ornamentos de tetos com molduras saliente gesso/estanhado, pintura, paredes/divisórias em tijolo cerâmico estanhadas e pintura, portas batente de entrada das habitações de madeira maciça - mogno envernizado, aros das portas em madeira maciça - mogno, envernizado, pavimentos em marmorite, resinas - argamassas naturais coloridas (patamares, degraus), pavimentos em mármore decorativo - junta seca (patamar entrada edifício), armário do contador em madeira de derivados mogno envernizados.

i. Acabamentos exteriores finais de origem nas fachadas orientadas a Sul e a Norte e fachadas empenas laterais: paredes em pastilha vidrada/grés "Sinca", 2,5x2,5 cm (fachada sul), em reboco hidráulico areado fino, pintado (fachada Norte e empenas Nascente e Poente), caixilhos de correr com portas e janelas em madeira maciça de mogno, e vidro simples, persianas exteriores enroláveis de plástico, caixa de ar opaco, sistema manual, guarda corpos em perfis de ferro, corrimão madeira mogno, pintura/verniz, porta de entrada em perfis de ferro, vidro simples, pintura esmaltada.

26.As obras a executar por forma a repor a situação, os materiais e custos são os que constam, do Mapa de trabalhos, Quantidades e Medições Descrição Estado Geral do Imóvel, junto aos autos em 22-04-2022 e que aqui se dá como reproduzido.

27. Na presente data, o custo da mão de obra e materiais orça em €243.387,02, acrescido de IVA à taxa em vigor.

28.A autora sente-se desgastada com a situação.

29. Tendo recorrido a acompanhamento médico.

30.A autora apresenta um quadro depressivo, com a afetação da atenção e concentração, e com consequências a nível pessoal e profissional.

31. Necessita, ainda, de recorrer a tratamento medicamentoso.

32.A autora vive nervosa, perturbada, bastante ansiosa com toda a situação.

33. Os autores nunca aceitariam a entrega sem que o réu fizesse as obras que estes consideram necessárias à utilização do locado, ou em alternativa os indemnizasse de forma a estas obras poderem ser realizadas.

34. O réu, incumbiu o departamento das obras municipais de elaborar um relatório sobre as obras a elaborar e o valor a atribuir às mesmas, relatório este junto com a contestação como documento n.º 1 cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido

35. O réu tomou de arrendamento o rés do chão do mesmo prédio com entrada pelo nº ..., também propriedade dos autores, conforme contrato de arrendamento para fins não habitacionais, junto com a contestação como documento n.º 2 e cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

36. Este contrato foi celebrado pelo prazo de 15 anos, tendo o seu início em Janeiro de 2010.

37. Nos termos da clausula 5º deste contrato de arrendamento, o réu ficou autorizado a realizar as obras de adaptação e de conservação do local arrendado, tendo em vista o desiderato a prosseguir no âmbito das competências que lhe estão cometidas por lei.

38.Também ficou estipulado que as instalações de água, luz, saneamento e sanitárias deveriam ser mantidas em bom estado de conservação (Clausula 6ª).

39. Neste espaço o réu, promoveu a realização da empreitada designada “Novas Instalações da Câmara Municipal ... na Rua ..., ... – Adaptação para loja Social”, com o preço contratual de 63.500,04 € com a data de receção provisoria de 28/02/2011 e definitiva de 01/03/2016.

40. Sendo a tais obras que se reporta o doc. nº3 junto com a contestação cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

41.A 28 de Novembro de 2017, o réu comunicou aos proprietários a cessação deste contrato de arrendamento com efeitos a partir de 31 de Março de 2018.”

O tribunal a quo julgou ainda não provada a seguinte factualidade:

“42. Recebendo reiteradamente como resposta, por parte dos representantes do réu, de que “a situação estava a ser resolvida".

43. O réu, através do referido Vereador, assumiu na reunião que: (i) o Município iria efetuar obras no locado, por forma a repor as frações no estado em que se encontravam à data da celebração do contrato de arrendamento; (ii) seria paga uma compensação aos autores pela não entrega do locado; (iii) o Senhor Eng. HH, funcionário do réu, iria diligenciar pela orçamentação e execução das obras.

44. Na reunião de 13-02-2019 ficou acordado que os autores efetuariam o levantamento dos prejuízos/anomalias, bem como indicariam as obras a executar e o respetivo custo, por forma a que o Município, após análise, procedesse ao pagamento do montante necessário para a execução da empreitada.

45. Ficou acordado entre os presentes, que os autores remeteriam à ré proposta (definitiva)

46. Os imóveis para venda elou arrendamento, - na cidade ..., com as características das frações em apreço, - escasseiam, pelo que são bens objeto de grande procura.

47. Na presente data, o custo da mão de obra e materiais – face ao primitivo orçamento, junto aos autos como doc. 12, - tem um acrescido de 43,12%, assim discriminado:

a. Total da arte de pedreiro: incremento de 36,8% - custo: Eur. 23.210,39

b. Total da arte de trolha: incremento de 42,8% - custo: Eur. 44.738,26

c. Total da arte de gessos cartonados: incremento de 47,26% - custo: Eur. 8.318,82

d. Total da arte de carpinteiro: incremento de 47,03% - custo: Eur. 58.839,08

e. Total da arte de vidraceiro: incremento de 44,8% - custo: Eur. 1.810,00

f. Total da arte de serralheiro: incremento de 38,8 % - custo: Eur. 5.219,00

g. Total da arte de pintor: incremento de 49,54% - custo: Eur. 41.075,60

h. Total da arte de Picheleiro: incremento de 39,28% - custo: Eur. 43.736,64

i. Total da arte de eletricidade/iluminação /telecomunicações: incremento de 37,95% - custo: Eur. 31.650,00

j. Total da arte de instalações eletromecânicas: incremento de 52,8% - custo: Eur. 2.140, 00

48.A autora, como consequência do exposto comportamento do réu, necessita de acompanhamento médico constante.

49.A partir de 31 de Janeiro de 2018, houve várias tentativas furtadas de entrega das chaves aos autores.

50. Que apesar de diversas vezes terem levado as chaves consigo, inclusive para fazer o relatório das obras a realizar, o facto, é que posteriormente as entregavam nas instalações do réu.

51. Os autores insistiam pela não receção das chaves, tendo como único intuito o pedido das rendas vencidas posteriormente à denuncia do contrato.

52. O valor das obras referidas em 26 é de 167.293.93 €.”


*

Do erro na aplicação do direito.

Em função do acima enunciado e tendo presente que a decisão de facto não foi impugnada, pelo que se tem por assente, cumpre apreciar se ocorreu erro na subsunção jurídica dos factos ao direito.

Tendo presente que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, não obstante e sem prejuízo do limite imposto pelo artigo 609º quanto ao objeto e quantidade do pedido, não estar o tribunal vinculado às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito [vide artigo 5º nº 3 do CPC], estão em causa as seguintes questões:

- se a condenação do R. no pagamento da indemnização pela não entrega do locado deve ser por referência ao valor em singelo das rendas devidas ou pelo seu dobro de acordo com o previsto no artigo 1045º nº 2 do CC, tal como consta do ponto 3 do segmento decisório [vide conclusões 1 a 4];

- se o pedido reconvencional deve ser julgado procedente pela realização de obras licitamente realizadas pelo recorrente, ao contrário do decidido no ponto 6 do segmento decisório [vide conclusões 5 a 7].

Começando pela questão relativa à indemnização pela não entrega do locado, suscita o recorrente em primeiro lugar a questão da lei aplicável ao contrato, celebrado que foi em 1970.

Uma vez que a norma que é convocada – o disposto no artigo 1045º do CC – não sofreu qualquer alteração desde a redação inicial conferida pelo DL 47344/66 de 25/11 (o que aliás é reconhecido pelo recorrente nas suas alegações), é esta uma falsa questão sobre a qual não se justifica qualquer análise, por inócua.

Afastada esta primeira questão, relembremos o que dispõe o artigo 1045º do CC:

“1. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, exceto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.

2. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro.”

Por referência ao previsto neste normativo, entendeu o tribunal a quo resultar da factualidade provada que o ora recorrente incorreu em mora para efeitos do disposto no nº 2 do citado artigo, do que o recorrente discorda.

Defende o recorrente que a indemnização por si devida é a prevista no nº 1 do artigo 1045º do CC, porquanto em causa está a indemnização pela não restituição do locado findo o contrato de arrendamento. Não existindo um quadro de mora a si imputável (vide conclusão 3).

A pertinência do alegado tem de ser aferida à luz do que tem sido a interpretação da constituição em mora a que se reporta o nº 2 deste artigo.

Interpretação que no confronto entre o previsto no nº 1 e nº 2 deste artigo 1045º tem suscitado várias posições na doutrina.

Na análise desta questão são habitualmente convocadas as seguintes posições doutrinais[1]:

«… Pedro Romano Martinez, in “Direito das Obrigações (Parte Especial) Contratos”, 2ª ed., Almedina, p. 202-203: “O vencimento da obrigação de entrega da coisa não se dá, de imediato, no momento em que termina o contrato. / Extinto o contrato de locação, se o locatário não restituir imediatamente a coisa locada, nos termos do art. 1045º, n.º 1 CC, deve continuar a pagar a renda ou aluguer ajustadas. Por conseguinte, prevê-se que, extinta a relação contratual, se o locatário não restituir a coisa locada, subsiste uma relação contratual de facto que lhe impõe o dever de continuar a pagar a renda ou aluguer ajustado, como se o contrato continuasse em vigor. / Contudo, se o locador interpelar o locatário para este proceder à entrega da coisa, não a restituindo, entra em mora. Assim, o locatário, extinto o contrato de locação, só entra em mora, relativamente à obrigação de restituir a coisa, depois de ter sido interpelado para a entregar. Extinto o contrato, torna-se necessário que o locador interpele o locatário, após o que, se este não restituir a coisa, entra em mora e tem de pagar o dobro da renda ou aluguer devido contratualmente (art. 1045º, n.º 2 CC)”.

… Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. II, 3ª ed. revista e atualizada, Coimbra Editora, 1986, p. 406, “se findo o contrato, não houver mora do locatário quanto à obrigação de restituição da coisa locada (…), o contrato prolonga-se até à entrega da coisa, devendo o locatário continuar a pagar, agora a título de indemnização, a renda ou aluguer convencionado. Indemnização justa, visto que ele continua a usar a coisa em prejuízo do locador – mas indemnização de natureza claramente contratual.”. Havendo mora do locatário, continuam os Autores, “a sua responsabilidade aumenta, fixando a lei como indemnização o dobro da que resultaria no caso previsto no número anterior”, ou seja, “o dobro da retribuição”.

… na obra “Leis do Arrendamento Urbano Anotadas”, Coordenação de António Menezes Cordeiro, 2014, Almedina, p. 81-82, é chamada a atenção para a distinção entre a situação “de não-restituição simples” e a situação de “mora na restituição”: o nº 1 do preceito reporta-se à não restituição simples, ou seja, aqueles casos em que a falta de restituição ocorre por causas não imputáveis ao locatário, o que poderá suceder: (a) quando o locatário ilida a presunção de culpa pela não-restituição, (b) caso o locador, a título de mera tolerância, admita a manutenção do gozo, na esfera do locatário, (c) quando exista uma situação controvertida (ação de nulidade ou de anulação, ação de resolução ou situação de caducidade), não provocada pelo locatário e enquanto ela não se solucionar, (d) quando a restituição não possa ter lugar por causa imputável ao locador e, não obstante, o locatário continue no gozo da coisa, sem recorrer à consignação em depósito; e o nº 2 tem lugar quando a falta de restituição ocorra por culpa do locatário, configurando-se então a mora deste, independentemente de interpelação, por via do art. 805º, nº 2, al. a) do Cód. Civil, não sendo necessária qualquer interpelação uma vez que há prazo certo.

… Pereira Coelho, in “Arrendamento – Lições ao Curso do 5º ano de ciências jurídicas de 1986/87”, p. 192, apud Acórdão do STJ de 12/06/2012, Relator Nuno Cameira, acessível em www.dgsi.pt, há três hipóteses a considerar, conforme a causa da não restituição pontual do locado: (i) tratando-se de causa imputável ao inquilino, este constitui-se em mora, nos termos do art. 804º, nº 2, e fica obrigado a pagar o dobro da renda até ao momento da restituição: é a hipótese do citado nº 2; (ii) tratando-se de causa imputável ao senhorio, há fundamento para a consignação em depósito do prédio, conforme o art. 841º, nº 1: é a hipótese prevista na parte final do nº 1 do citado artº 1045º, caso em que o inquilino nada deve ao senhorio a título de indemnização pelo atraso na restituição do arrendado; (iii) devendo-se a não restituição do imóvel a qualquer outra causa, aplica-se a solução da 1ª parte do nº 1 do art. 1045º: o locatário é obrigado a continuar a pagar a renda acordada, “a título de indemnização”, até ao momento da restituição do prédio.”

Seguindo um caminho interpretativo diverso, Jorge Pinto Furtado in “Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano”, 2ª edição revista e atualizada de 2020 (págs. 172 e segs.), defende aludir o preceito em análise a duas moras distintas do locatário que não restitui a coisa locada no termo do contrato:

«a mora na entrega da coisa locada, que se encontra claramente prevista na disciplina do nº 1; e a mora do nº 2, que, sendo expressamente aí referida a “indemnização”, só poderá ser, estritamente, a do próprio pagamento da renda ou aluguer em singelo, a que o nº 1 alude.

Ou seja: a mora, de quantitativo igual à renda ou aluguer em singelo, do nº 1; e a mora no pagamento dessa quantia, em que “a indemnização é elevada ao dobro”».

Assim alinhados os diversos posicionamentos que sobre o artigo 1045º do CC têm recaído, afigura-se-nos ser de seguir a seguinte interpretação do artigo 1045º do CC, consentânea com a corrente jurisprudencial predominante:

i- do fim do contrato resulta a exigibilidade de restituição da coisa locada por força do previsto no artigo 1038º al. i) do CC e a obrigação para o locatário de proceder ao pagamento da renda estipulada entre as partes a título de indemnização, atenta a relação contratual de facto que se mantém até à entrega efetiva (esta obrigação decorrente ainda do contrato não cumprida), denominada na doutrina como “simples mora” ou não restituição simples.

Assim só não ocorrendo

. se a não restituição for de imputar ao senhorio, havendo fundamento para a consignação em depósito (última parte do nº 1), caso em que nada é devido ou

. se a não restituição se dever a qualquer outra causa não imputável ao locatário/inquilino (primeira parte do nº 1), permitindo então qualificar esta não restituição como um ato lícito, justificando o pagamento em singelo do valor estipulado pelas partes como o devido para a vigência da relação contratual locatícia, ou seja, o da renda que vigorava à data da cessação da relação contratual.

ii- verificada mora na restituição do locado pelo locatário por causa ao mesmo imputável, é então devida a indemnização por ato ilícito prevista no nº 2 do artigo 1045º, correspondente ao pagamento do valor da renda em dobro. A justificação para esta indemnização em dobro, encontra o seu fundamento na atuação voluntária e culposa imputável ao inquilino.

Entre as situações que afastam a culpa do locatário são apontadas aquelas em que se verifique a existência de uma situação controvertida entre as partes, não provocada pelo locatário e enquanto não for solucionada, nomeadamente pendência de ação judicial de nulidade ou anulação; ação de resolução ou situação de caducidade (situações apontadas por A. Menezes Cordeiro, acima citado); ainda litígio relativo a um reivindicado direito de retenção pelos inquilinos (caso do Ac. do STJ de 12/12/2023); divergência quanto à data de cessação do contrato (caso do Ac. TRP de 23/03/2023 supra citado) ou validade da oposição à renovação (caso do Ac. TRP de 28/01/2025, também supra citado).

Revertendo ao caso sub judice, temos uma situação em que, na sequência de denúncia do contrato de arrendamento pelo inquilino, os senhorios aqui AA. comunicaram ao inquilino, ora R., a pretensão de obter a entrega do arrendado no estado em que foi arrendado tal qual consta do ponto 6 dos factos provados.

Após a interpelação mencionada em 6 dos factos provados à entrega do locado no seu estado primitivo, evidencia a factualidade provada que a partir de então várias foram as diligências com vista a obter um entendimento entre as partes quanto à entrega que os recorridos exigiam fosse efetuada em respeito pelo estado do imóvel à data em que fora entregue para arrendamento, o que implicava a realização de obras – veja-se por exemplo o teor da missiva mencionada em 13 dos factos provados. Onde é também mencionada a pretensão de um valor indemnizatório pelos prejuízos causados até à entrega que os recorridos pretendiam fosse fixada por acordo.

A exigência de entrega do locado no estado em que fora arrendado com a realização das implícitas necessárias obras é algo que ao inquilino logo foi comunicado pelo senhorio, após este tomar conhecimento da denúncia contratual operada pelo inquilino aqui R.

O mesmo é dizer que o inquilino ficou ciente da sua obrigação de restituir o locado no estado em que estava à data em que fora entregue para arrendamento e como tal estava obrigado a efetuar as diligências a tal necessárias até à data em que sabia tinha de restituir o locado.

Obras que aliás o inquilino viria a reconhecer como devidas.

Sendo o motivo da discórdia o valor das mesmas e que nestes autos se veio a discutir.

Evidencia pois a factualidade provada, de um lado que a entrega não ocorreu no fim do prazo contratual [vide facto provado 7] e de outro, que os recorridos senhorios exigiram tempestivamente, logo após tomar conhecimento da denúncia contratual, a restituição do imóvel com as obras já realizadas, obras que o R. inquilino ficou ciente estar obrigado a realizar nos termos contratuais, como veio mais tarde a reconhecer [vide facto provado 17].

O mesmo é dizer que o R. inquilino entrou em mora pela não restituição do imóvel no fim do prazo contratual previamente estipulado entre as partes. Mora essa independente de interpelação para tal, pois em causa está uma obrigação com termo certo - artigo 805º nº 2 al. a) do CC.

E estando em mora, não afastou o mesmo a presunção de culpa que sobre si recaía quanto às causas da não tempestiva restituição.

Resultando da factualidade provada a não restituição do imóvel locado aquando da cessação da relação contratual e que subjacente a tal não restituição está a não realização de obras de que o locado carecia e de que o inquilino estava ciente ter de realizar para a sua entrega, está demonstrada uma atuação voluntária e culposa do inquilino conducente à indemnização por facto ilícito nos termos do nº 2 do artigo 1045º do CC.

Nestes termos improcede a pretensão da recorrente, sendo de manter o decidido na sentença recorrida.

Uma vez julgada improcedente a pretensão da recorrente seguindo a interpretação do artigo 1045º nº2 do CC também seguida pelo tribunal a quo, cumpriria apreciar em seguida e sobre esta mesma questão a arguida inconstitucionalidade desta interpretação - vide conclusão 4ª cujo teor aqui se recorda:

“A interpretação e a aplicação da norma constante no Art. 1045º nº 2 do Código Civil ofende os princípios constitucionais da legalidade democrática e da igualdade ínsitos no Art. 2º e 13º da Constituição da República Portuguesa.”

Analisado o articulado das alegações, do mesmo resulta sobre esta questão ter apenas a recorrente alegado/convocado a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 1045º nº 2 do CC na interpretação seguida pelo tribunal a quo nos exatos termos que reproduziu na conclusão 4ª, o mesmo é dizer sem que sobre tal alegação tenha apresentado uma qualquer justificação sobre as razões que conduzem a uma suposta violação dos princípios constitucionais que convoca.

E mais, sem sequer concluir pelo pedido de declaração de inconstitucionalidade da norma.

Note-se que por referência ao previsto no artigo 2º e 13º da CRP, invoca a recorrente a violação dos princípios constitucionais da legalidade democrática e da igualdade. No entanto não alega/concretiza de forma objetiva e/ou fundamentada em que termos e por que motivos são estes princípios violados.

A questão da constitucionalidade tem de ser suscitada não só durante o processo, como igualmente de modo processualmente adequado, impondo-se ao recorrente o ónus de delimitação e especificação perante o tribunal da norma objeto de recurso (vide artigo 72º nº 2 da LTC – Lei 28/82 de 15/11).

É entendimento reiterado do Tribunal Constitucional o de que o cumprimento do ónus processual de suscitação processualmente adequada perante o tribunal recorrido (in casu, este tribunal ad quem) «não se basta com o enunciado da única interpretação que se considera conforme à Constituição, ou sequer na explicitação das razões pelas quais se consideram outras interpretações inconstitucionais. Cabe ao recorrente enunciar, com clareza, o exato sentido ou conteúdo da norma que reputa de inconstitucional (…)»

Não se entendendo como cumprido este ónus de “delimitação e especificação pela positiva (…) pela simples «indicação da [alegada] única interpretação tida por constitucionalmente possível, para assim se excluir todas as demais»[2]

Analisada a singela invocação da inconstitucionalidade da norma convocada pela recorrente, limitou-se a mesma a dirigir em suma a sua crítica à decisão recorrida e ao modo como o tribunal a quo aplicou o direito infraconstitucional, sem que tenha feito uma concreta e precisa enunciação do sentido ou conteúdo da norma que reputa inconstitucional.

Concluindo, não foi validamente arguida uma qualquer inconstitucionalidade na interpretação da norma seguida pelo tribunal a quo de que cumpra em concreto conhecer.

Quanto à segunda questão, relativa à improcedência do pedido reconvencional, justificou o tribunal a quo o decidido nos seguintes termos:

“Falta apenas analisar o pedido reconvencional formulado pelo réu.

Pretende este exercer a compensação perante os autores, com um crédito de €63.500,04, que sustenta perante eles deter.

Para o efeito invocando ter realizada, enquanto inquilino de outra fração dos autores, benfeitorias de tal valor.

A esse respeito apenas se provou que o réu tomou de arrendamento o rés do chão do mesmo prédio com entrada pelo nº ..., também propriedade dos autores, conforme contrato de arrendamento para fins não habitacionais, junto com a contestação como documento n.º 2 e cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

Tal contrato foi celebrado pelo prazo de 15 anos, tendo o seu início em Janeiro de 2010.

Nos termos da cláusula 5º deste contrato de arrendamento, o réu ficou autorizado a realizar as obras de adaptação e de conservação do local arrendado, tendo em vista o desiderato a prosseguir no âmbito das competências que lhe estão cometidas por lei.

Neste espaço o réu, promoveu a realização da empreitada designada “Novas Instalações da Câmara Municipal ... na Rua ..., ... – Adaptação para loja Social”, com o preço contratual de 63.500,04 € com a data de receção provisoria de 28/02/2011 e definitiva de 01/03/2016.

Sendo a tais obras que se reporta o doc. nº3 junto com a contestação cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

Sendo que a 28 de Novembro de 2017, o réu comunicou aos proprietários a cessação do contrato de arrendamento com efeitos a partir de 31 de Março de 2018.

Nos termos do artigo 1046º, do CCivil, fora dos casos previstos no artigo 1036.º/1 (que se reportam a situações de reparações e outras despesas urgentes), salvo estipulação em contrário, o locatário é equiparado ao possuidor de má fé quanto a benfeitorias que haja feito na coisa locada.

Precisando o art. 1074º/5, para o arrendamento urbano, que “Salvo estipulação em contrário, o arrendatário tem direito, no final do contrato, a compensação pelas obras licitamente feitas, nos termos aplicáveis às benfeitorias realizadas por possuidor de boa fé”.

A este respeito, dispõe o artigo 216º do Código Civil, que “1. Consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa. 2. As benfeitorias são necessárias, úteis ou voluptuárias. 3. São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante.”.

No que toca às benfeitorias necessárias e úteis o art. 1273º do CCivil dispõe que ”1. Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela. 2. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.”.

Já no que diz respeito às benfeitorias voluptuárias preceitua o art. 1275º que “1. O possuidor de boa fé tem direito a levantar as benfeitorias voluptuárias, não se dando detrimento da coisa; no caso contrário, não pode levantá-las nem haver o valor delas. 2. O possuidor de má fé perde, em qualquer caso, as benfeitorias voluptuárias que haja feito”.

Assim relativamente àquele primeiro tipo de benfeitorias o seu autor tem direito à indemnização, a calcular nos termos gerais do direito, quer seja possuidor de boa fé quer seja possuidor de má fé. O que se compreende, porque visando-se com tais benfeitorias evitar o detrimento da coisa, elas não podem deixar de ser vistas como realizadas no interesse do seu legítimo dono. Mas, em contrapartida o possuidor, de boa ou má fé, tem direito a ser indemnizado nos termos gerais do direito.

Quanto às benfeitorias úteis dispõe a lei que o seu autor tem o direito a levantá-las, desde que o possa fazer sem detrimento da coisa, quer seja possuidor de boa fé quer seja possuidor de má fé. E que, caso se não possa fazer o levantamento das benfeitorias úteis sem detrimento da coisa, o titular da coisa beneficiada adquire a benfeitoria tendo então, quer o possuidor de boa fé quer o possuidor de má fé, o direito a ser indemnizado, segundo as regras do enriquecimento sem causa.

Já no que respeita às benfeitorias voluptuárias tem o possuidor de boa fé o direito a levantá-las, quando não haja detrimento para a coisa. Se houver detrimento da coisa, o possuidor de boa fé não pode levantá-las e o titular da coisa adquire as benfeitorias. Se o possuidor estiver de má fé, nunca pode levantá-las e o proprietário adquire sempre as benfeitorias voluptuárias. E em qualquer destas hipóteses, nunca há lugar ao pagamento de indemnização (cfr, neste sentido o Ac. da RL de 03-07-2003, em www.dgsi.pt, que se tem vindo a seguir de perto).

Acontece que, no caso dos autos o réu não curou de descrever as obras que levou a cabo, nem as mesmas resultam do documento parta o qual remete.

Ficando, assim, o tribunal sem factos alegados que lhe permitam classificar as obras feitas como benfeitorias úteis, necessárias ou voluptuárias.

Ora para se prevalecer do direito a ser indemnizado pelas mesmas o réu teria que ter alegado factos de onde resultasse a necessidade das mesmas.

Ou pelo menos a sua utilidade e impossibilidade de serem levantadas sem detrimento do locado.

Não se mostrando provados (por não alegados) tais factos, tem a reconvenção que improceder.”

A fundamentação do decidido é clara, está conforme à factualidade apurada e que se encontra nos autos definitivamente assente, sendo a necessária consequência da aplicação dos normativos legais citados nesta mesma decisão.

Tendo existido autorização para a realização de obras, são as mesmas lícitas nos termos previstos no artigo 1074º do CC [vide factos provados 37) a 40)].

Deste normativo resulta o direito de o arrendatário ser compensado pelas obras licitamente realizadas, nos termos aplicáveis às benfeitorias realizadas pelo possuidor de boa-fé. Para o efeito regulam os artigos 1273º e 1275º do CC citados na decisão recorrida.

Apenas é possível qualificar as obras realizadas pelo inquilino como úteis, necessárias ou voluptuárias por referência ao previsto no artigo 216º do CC para efeitos indemnizatórios, se tiver sido alegada e apurada factualidade que permita enquadrar as mesmas dentro de um dos tipos ali previstos.

Nada tendo sido alegado e assim apurado nesse sentido, não era possível ao tribunal a quo, tal como não o é a este tribunal, integrar as obras realizadas em qualquer um dos tipos de benfeitorias previstos no artigo 216º do CC, inviabilizando nesta medida a procedência do formulado pedido reconvencional.

Pelo que neste segmento não merece qualquer censura o decidido pelo tribunal a quo.


***

IV. Decisão.

Em face do exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo R. recorrente, consequentemente se mantendo na integra a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.

Notifique.


***
Porto, 2025-06-26
Fátima Andrade
Ana Paula Amorim
Carlos Gil
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