ACÇÃO COMUM
APENSO A INSOLVÊNCIA
CASO JULGADO
LEGITIMIDADE PROCESSUAL
Sumário

1. O caso julgado material visa impedir a reapreciação da relação ou situação jurídica material que foi já definida por sentença transitada, e, quando operado através da exceção (dilatória) do caso julgado, pressupõe a verificação cumulativa da tríplice identidade de sujeitos, pedidos e causas de pedir (artigo 581.º do CPC).
2. Quando numa ação comum, intentada por apenso a um processo de insolvência, é pedido o reconhecimento da qualidade de locatária num contrato de locação financeira, com fundamento num alegado contrato de cessão de posição contratual válido e eficaz, e consequências daí resultantes, e em embargos de terceiro, deduzidos contra a decisão de entrega do imóvel locado, se formula aquele mesmo pedido, também o sustentando na alegada cessão, temos de concluir que, em ambas as situações, a pretensão visada emerge dos mesmos factos jurídicos, impondo-se, por ser assim, que a decisão proferida, e já transitada em julgado, naqueles embargos de terceiro, faça caso julgado nos presentes autos, impedindo que o tribunal novamente os aprecie.
3. A legitimidade processual afere-se pela titularidade da relação material controvertida tal como a mesma é configurada pelo autor na petição inicial, e é nestes termos que tem de ser apreciada, sendo a ré parte legítima nos autos, se, do ponto de vista processual, tem interesse em contradizer a ação em face do prejuízo que lhe possa advir com a procedência da mesma.
4. Saber se o direito invocado existe é questão relacionada com o mérito do pedido. O facto de o tribunal recorrido entender que os factos alegados em sede inicial são insuficientes para sustentar a pretensão deduzida contra tal ré, não acarreta, por si só, a ilegitimidade processual passiva da mesma.

Texto Integral

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I-/ Relatório
1. Fine Facility Services, Lda., instaurou a presente ação de processo comum, por apenso aos autos principais de insolvência de J.R. Costa - Gestão Global de Negócios, S.A., contra a Caixa Leasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, S.A. (substituída pela Caixa Geral de Depósitos, S.A., em conformidade com o despacho de 07-11-2023, por força da sua incorporação por fusão nesta última, mediante operação de transferência global de patrimónios), a Massa Insolvente de J.R. Costa - Gestão Global de Negócios, S.A. e a Administradora de Insolvência, peticionando, que:
«Pedido principal:
A. Ser declarado pelo tribunal e condenadas as rés a reconhecerem que a autora possui a qualidade de locatária no contrato de locação financeira nº …787 celebrado entre a sociedade insolvente J.R. Costa – Gestão Global de Negócios, S.A. e a Caixa Leasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, S.A., por ser válido e eficaz entre a autora e rés o contrato de cessão de posição contratual em contrato de locação celebrado a 31 de março de 2015.
B. Ser a comunicação feita pela 2º ré à 1ª ré de desinteresse no cumprimento do contrato de locação com o nº …787 e, bem ainda, em consequência desta comunicação a declaração de resolução feita pela 1ª ré quanto ao aludido contrato, declaradas ineficazes quanto à autora.
C. Ser a 1ª ré condenada, mediante o pagamento do valor em falta para cumprimento antecipado e integral do contrato de locação imobiliária, a outorgar escritura de compra e venda do imóvel objeto da locação a favor da aqui autora.
Caso improcedam,
Pedido subsidiário:
D. Serem as aqui 2ª e 3ª rés condenadas solidariamente ao pagamento de indemnização à autora no montante de € 228.103,60 correspondentes a perda do objeto da locação.
E. Serem ainda condenadas ao pagamento de todos os custos em que a autora venha a incorrer com a perda de rendimento que venha a ser ditada pela perda de atividade decorrente da perda do locado, acrescidas das despesas em que a autora incorra para alteração do local de laboração, a serem liquidadas em execução de sentença».
Para tanto, alegou, em síntese, que foi reconhecido nos autos principais de insolvência, à 1.ª Ré, Caixa Leasing, um crédito no montante de 80.781,72 euros, com fundamento num contrato de locação financeira, celebrado em 15/04/2008, pelo prazo de 180 meses, tendo como objeto as frações autónomas designadas pelas letras AB, AC e AD de um prédio urbano sito em Vila Nova de Gaia. Em 31/03/2015, por contrato, a Insolvente cedeu à Autora a sua posição contratual no contrato de locação financeira identificado, com efeitos imediatos, passando então a Autora a assumir a posição de locatária naquele contrato, com inerentes direitos e obrigações. A dita cessão não foi formalmente comunicada e aceite pela locadora, 1.ª Ré, mas foi e é objeto do seu conhecimento e aceitação, ainda que tácita, pois que é a Autora que, desde então, procede ao pagamento das rendas devidas. No âmbito do processo de insolvência em curso, foi solicitado à 3.ª Ré que comunicasse formalmente à 1.ª o interesse formal na manutenção do aludido contrato de locação financeira e no da cessão de posição contratual a favor da aqui Autora, garantindo a mesma a liquidação imediata dos valores do contrato, podendo assim escriturar o imóvel a seu favor. A AI pôs tal questão à consideração dos credores e, pese embora nenhum deles se tivesse oposto, a mesma, de forma absolutamente inexplicável, em desrespeito do contrato e totalmente ao arrepio dos interesses da massa e dos seus credores, manifestou o desinteresse da 2.ª Ré, Massa insolvente, na manutenção do cumprimento do aludido contrato, com efeitos imediatos no incumprimento do próprio contrato de cessão de posição contratual celebrado com a Autora. Consequentemente, a 1ª Ré, em desrespeito pela substituição de sujeitos operada, considerou resolvido o contrato de locação financeira objeto de cessão, apesar de este se encontrar a ser pontualmente cumprido pela Autora, que foi então confrontada com o pedido de entrega do aludido imóvel.
Com tal conduta, a 3ª Ré não adotou, enquanto representante da 2.ª Ré, os deveres de cautela e de respeito pela cessão celebrada, emitindo declaração negocial que bem sabia não poder fazer por falta de legitimidade para tal, atuando a 1.ª Ré em claro abuso de direito quando aceita a comunicação da 2.ª Ré, representada pela 3.ª, e promove a resolução do contrato de locação, quando havia autorizado tacitamente a cessão de posição contratual operada entre a insolvente e a Autora, sabendo que é esta que, enquanto locatária, cumpre todos deveres contratuais desde 2015.
Deve assim o tribunal considerar ineficaz a declaração negocial emitida pela 3ª Ré, em nome da 2ª, e bem assim a resolução operada no contrato de locação por parte da 1ª Ré.
Sem prescindir, a título subsidiário, e analisando as descritas condutas das 2ª e 3ª Rés, uma vez que, fruto da atuação de ambas, a Autora será impedida de desenvolver atividade no locado, com inerentes prejuízos, deverão as mesmas ser responsabilizadas no pagamento da indemnização peticionada, pois que agiram em clara violação do contrato celebrado, bem como dos deveres funcionais exigidos, incorrendo em responsabilidade civil. A 2.ª Ré incorre em responsabilidade civil contratual (ao incumprir o dever contratual de garantir a existência da posição contratual transmitida, pois que firmou com a autora o contrato de cessão, o qual, ainda que pudesse não ter sido formalmente aceite pela 1ª Ré, não deixou de produzir todos os seus efeitos entre as partes que o outorgaram), e a 3.º Ré em responsabilidade civil extracontratual, por violação dos deveres que sobre si impedem (ao não ter cuidado de, em representação da 2ª Ré, e em respeito pelas regras do processo de insolvência e da salvaguarda dos interesses dos credores, à luz do artigo 102.º do CIRE, ou  recusar o cumprimento do contrato (de cessão), nomeadamente por entender que o mesmo era contrário ao interesse dos credores, o que não fez, ou optar pelo seu cumprimento, sobretudo se tal cumprimento fosse do interesse dos credores, o que inviabilizou, bem sabendo que o contrato de locação estava a ser cumprido pela Autora, tomando assim decisão potencialmente lesiva dos interesses dos credores),  sendo ambas solidariamente responsáveis pelos prejuízos causados à aqui Autora, cabendo-lhes repará-los.
2. Regulamente citadas, a Caixa Geral de Depósitos, S.A. contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação, arguindo a exceção de litispendência com o processo 10662/20.7T8LSB-A, do Juízo Local Cível de Lisboa, Juiz 23, referente a embargos de terceiro deduzidos pela aqui Autora (na sequência da providencia cautelar instaurada pela aqui Ré para entrega das ditas frações e que veio a ser decretada). Alegou, para tanto, decorrer da petição de embargos em causa que a matéria em discussão e os pedidos formulados são coincidentes com a matéria dos presentes autos. Impugnou, no mais, a matéria alegada.
3. Na sequência desta contestação, veio a Autora, por requerimento de 25/02/2021, responder à matéria de exceção, pugnando inexistir qualquer situação de litispendência, e pedindo a condenação da Ré Caixa Geral de Depósitos, S.A. como litigante de má-fé.
4. Por seu turno, a Ré Massa Insolvente contestou, ressaltando a relação especial existente entre Autora e a insolvente, a circunstância de a cessão nunca ter sido comunicada e o facto de a putativa aceitação tácita do contrato de cessão por parte da locatária ser alheia à Massa, que não se deve envolver em processos que protelem ou visam impedir o normal prosseguimento do processo.
5. Por fim, a 3ª Ré, administradora de insolvência, também contestou, requerendo a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros Hiscox Insurance Company Limited, Sucursal em Portugal, o que foi deferido por despacho de 31/05/2023.
6. Nessa sequência, veio esta interveniente, Hiscox, S.A., apresentar contestação, arguindo desde logo a exceção de ilegitimidade passiva (substantiva) da 3ª Ré, sua segurada (na medida em que os factos que a Autora lhe imputa prendem-se exclusivamente com a atuação por parte desta enquanto administradora de insolvência e sempre nessa qualidade) e, consequentemente, a sua própria. Sobre esta matéria de exceção, a Autora exerceu o seu direito ao contraditório por via do requerimento junto aos autos a 02/10/2023.
7. Por requerimento de 07/09/2023, a Caixa Geral de Depósitos, S.A. veio informar os autos ter ocorrido o trânsito em julgado da decisão proferida nos embargos de terceiro nº 10.662/20.7T8LSB-A, por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que decidiu que a cessão em causa não é válida nem eficaz em relação à locadora por ausência de forma devida e inexistência de consentimento desta. Pugnou, assim, verificar-se atualmente uma situação de caso julgado, posição partilhada pela interveniente Hiscox, S.A., em conformidade com os seus requerimentos de 19/08/2024.
8. Desta posição discordou a Autora, por via do requerimento junto aos autos a 26/09/2024, nos termos do qual afirmou não estarem verificados os pressupostos de caso julgado e haver de qualquer forma de considerar o pedido subsidiário que foi formulado.
9. Indagada sobre se teria sido antecipado o juízo da causa no processo 10.662/20.7T8LSB, veio a Caixa Geral de Depósitos, S.A., por requerimento de 11/04/2024, informar que a instância nesses autos foi declarada extinta por inutilidade superveniente da lide decorrente da entrega voluntária do imóvel em 05/12/2022.
10. Por entender estar já em condições de conhecer das exceções de ilegitimidade da 3ª Ré, e da exceção de caso julgado que foi invocada, reunindo os autos todos os elementos para o efeito, o tribunal da 1ª instância, em despacho saneador, datado de 08/03/2025, decidiu que:
«Em face do exposto:
A) Julgo verificadas exceções dilatórias de:
• ilegitimidade passiva da ré AI e da interveniente principal Hiscox, S.A., e, consequentemente, absolver as mesmas da instância;
• caso julgado e, consequentemente, absolvo as demais rés igualmente da instância.
B) Julgo improcedente o pedido de condenação da ré Caixa Geral de Depósitos, S.A. como litigante de má-fé e, em consequência, absolvo a referida ré deste pedido.
C) Condeno a autora no pagamento das custas do processo, por força do seu decaimento, nos termos do artigo 527º, nº 1, do Código de Processo Civil».
11. Inconformada com tal decisão veio a Autora interpor recurso, cujas conclusões, por longas e prolixas, aqui se sintetizam, da seguinte forma:
(i) A 3ª Ré é parte legitima na presente ação, pois que foi demandada na qualidade de administradora de insolvência, peticionando a Autora o pagamento de uma indemnização pelo facto de, no processo de insolvência no qual aquela foi nomeada (que constitui os autos principais dos quais os presentes são apenso), ter, com sua decisão, determinado a resolução do contrato de locação financeira celebrado entre a Caixa Leasing (1ª Ré) e a Insolvente, no qual a Insolvente cedeu a sua posição contratual à aqui Autora;
(ii) A indemnização peticionada, a título subsidiário nos presente autos, resulta do facto de poder vir a sofrer prejuízos em virtude de o imóvel deixar de ser o seu local de laboração, cuja responsabilidade se imputa à 3ª Ré, que, com a sua atuação, enquanto administradora de insolvência e nessa qualidade, violou os deveres legais que sobre si impedem, atuando em claro abuso de direito, sofrendo a Autora o dano de não continuar a ocupar o imóvel locado para a sua atividade. Sendo manifesta a sua legitimidade, igualmente o é a da sua seguradora, que foi chamada nos autos;
(iii) A decisão tomada pela sentença proferida no âmbito do processo 10662/20.7 T8LSB (apenso A, de Embargos de Terceiro) não constitui caso julgado, impeditivo do conhecimento dos pedidos formulados nestes autos pela aqui Autora (na ação comum intentada), em face dos pedidos ali formulados e a decisão então proferida;
(iv) E ainda que se considere estabilizada na ordem jurídica que a cessão aqui em causa foi considerada ineficaz em relação à Embargada/Locadora, sempre importaria apreciar e decidir tudo o demais aqui alegado e peticionado e, designadamente, o alegado e peticionado enquanto “pedido subsidiário”;
(v) Analisando o comportamento das 2ª e 3ª Rés, à luz do que se expôs em sede de petição inicial, pois que, sem prescindir do que se deixou dito, em sede de “pedido principal”, se tal contrato e posterior cessão operada não foi formalmente aceite pela locadora Ré, não deixou tal contrato de produzir todos os seus efeitos entre as partes que o outorgaram;
(vi) Cabendo à aqui 3.ª Ré, AI, em representação da 2.ª Ré massa insolvente, e em respeito pelas regras do processo de insolvência e da salvaguarda dos interesses dos credores, ou recusar o cumprimento do contrato (de cessão), nomeadamente por entender que o mesmo era contrário ao interesse dos credores - o que não fez - ou optar pelo seu cumprimento, sobretudo se tal cumprimento fosse do interesse dos credores - o que resulta manifesto.
(vii) Tanto assim é que, partindo da premissa da validade de tal contrato e da sua confirmação (tácita) e após interpelação para o seu cumprimento por parte da aqui Autora, esta 3ª Ré pôs à consideração da comissão de credores (em representação da generalidade dos credores) a possibilidade de optar pelo cumprimento do contrato de locação junto da 1ª Ré e consequentemente de cumprir (as demais obrigações) do contrato de cessão celebrado com a Autora.
(viii) Tendo depois a AI, 3ª ré, contra a opinião dos credores, e em claro prejuízo destes, comunicado à 1ª Ré Caixa Leasing o desinteresse no cumprimento do contrato de locação, com isso inviabilizando o integral cumprimento do contrato de cessão da posição contratual na aludida locação a favor da aqui Autora, o que não se compreende (dado tratar-se de bem imóvel com um valor de mercado bem superior a 200.000,00 euros, quando faltavam pagar cerca de 30.000,00 euros).
(ix) A aqui Autora sempre cumpriu o que para si resultava da cessão que outorgou, pagou as rendas pontualmente e cuidou do locado, vendo agora, fruto da atuação culposa das 2ª e 3ª Rés, defraudada a sua expectativa quanto ao resultado daquela cessão, impossibilitada de desenvolver atividade no locado e de adquirir o objeto locado para dele fruir.
(x) Isto, para dizer que, ainda que se entendesse já ter sido apreciado e decidido o pedido principal, com que não se concorda, sempre se importaria apreciar o Pedido Subsidiário, no limite e, assim, sempre, prosseguirem os autos».
11. Em contra-alegações, a Ré Caixa Geral de Depósitos e a chamada Hiscox S.A., tomaram posição e pugnaram pelo indeferimento do recurso e manutenção a decisão recorrida.
12. Admitido o recurso, nos moldes e efeito adequados, subiram os autos a este tribunal, cumprindo agora proferir decisão, a que nada obsta, recolhidos que estão os vistos legais.
*
II-/ Objeto do recurso
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objeto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem, não servindo os mesmos para criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.
Assim, em face das conclusões apresentadas importa decidir:

(i) Da alegada legitimidade da 3.ª Ré, Administradora de Insolvência, e sua seguradora;
(ii) Da alegada não verificação dos pressupostos do caso julgado.
*
III-/ Fundamentação de facto:
Foram dados por provados na 1ª Instância os seguintes factos:
1) Os presentes autos foram instaurados pela FINE FACILITY SERVICES, LDA. a 29-05-2020, contra as rés CAIXA LEASING E FACTORING – INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A., MASSA INSOLVENTE DE J.R. COSTA – GESTÃO GLOBAL DE NEGÓCIOS, S.A. e ADMINISTRADORA DE INSOLVÊNCIA, citadas a 28-12-2020 as duas primeiras e a 25-11-2022 a terceira, tendo formulado a autora os seguintes pedidos:
 «Pedido principal:
A. Ser declarado pelo tribunal e condenadas as rés a reconhecerem que a autora possui a qualidade de locatária no contrato de locação financeira nº …787 celebrado entre a sociedade insolvente J.R. Costa – Gestão Global de Negócios, S.A. e a Caixa Leasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, S.A., por ser válido e eficaz entre a autora e rés o contrato de cessão de posição contratual em contrato de locação celebrado a 31 de março de 2015.
B. Ser a comunicação feita pela 2º ré à 1ª ré de desinteresse no cumprimento do contrato de locação com o n.º …787 e, bem ainda, em consequência desta comunicação a declaração de resolução feita pela 1ª ré quanto ao aludido contrato, declaradas ineficazes quanto à autora.
C. Ser a 1ª ré condenada, mediante o pagamento do valor em falta para cumprimento antecipado e integral do contrato de locação imobiliária, a outorgar escritura de compra e venda do imóvel objeto da locação a favor da aqui autora.
Caso improcedam,
Pedido subsidiário:
D. Serem as aqui 2ª e 3ª rés condenadas solidariamente ao pagamento de indemnização à autora no montante de € 228.103,60 correspondentes a perda do objeto da locação.
E. Serem ainda condenadas ao pagamento de todos os custos em que a autora venha a incorrer com a perda de rendimento que venha a ser ditada pela perda de atividade decorrente da perda do locado, acrescidas das despesas em que a autora incorra para alteração do local de laboração, a serem liquidadas em execução de sentença».
2) A ré CAIXA LEASING E FACTORING – INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A. foi incorporada por fusão na CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A. mediante a transferência global dos patrimónios, ativo e passivo – cfr. certidão permanente junta como Doc. 1 da Contestação apresentada por CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A. a 25-01-2021.
3) A 21-05-2020 a CAIXA LEASING E FACTORING – INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A., instaurou procedimento cautelar de entrega judicial de bem locado, que correu termos no Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 23, sob o número de processo 10662/20.7T8LSB, contra J.R. COSTA – GESTÃO GLOBAL DE NEGÓCIOS, S.A., requerendo a apreensão judicial das frações autónomas AB, AC e AD do prédio urbano situado na Avenida (…) Vila Nova de Gaia, descrito sob a ficha nº (…), e inscrito na matriz predial sob o artigo (…), e a sua entrega à requerente representada pela Ferrol Serviços, Lda., com sede em Leiria, bem como que, decretada a providência cautelar, fosse antecipado o juízo sobre a causa principal nos termos do nº 7 do artigo 21º do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de junho, tendo alegado, para tanto, que no exercício da sua atividade comercial celebrou com a requerida o Contrato de Locação Financeira Imobiliária nº …787, que tinha por objeto as frações indicadas, tendo, após declaração de insolvência da requerida, a Sra. Administradora de Insolvência comunicado à requerente a sua opção pelo não cumprimento do contrato, pelo que nessa sequência foi comunicada pela requerente a resolução do contrato, mas os bens não lhe foram entregues – cfr. requerimento inicial apresentado no identificado processo, com autorização de seguimento por parte dos presentes autos.
4) Por decisão proferida no processo aludido a 15-06-2020, foi julgado procedente o procedimento cautelar e, em consequência, determinado se procedesse à entrega dos identificados imóveis – cfr. decisão constante do identificado processo 10662/20.7 T8LSB, com autorização de seguimento por parte dos presentes autos.
5) A 10-07-2020, a FINE FACILITY SERVICES, LDA. instaurou, por apenso ao procedimento cautelar identificado, com o nº 10662/20.7 T8LSB, Embargos de Terceiro contra a CAIXA LEASING E FACTORING – INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A., notificada dos mesmos para deduzir oposição a 27-07-2020, e J.R. COSTA – GESTÃO GLOBAL DE NEGÓCIOS, S.A., notificada a 15-08-2020, formulando os seguintes pedidos:
“Termos em que requer sejam os Embargos recebidos, atenta a probabilidade séria da existência do direito invocado pela embargante, determinando a suspensão imediata dos termos do processo em que se inserem, quanto aos bens a que dizem respeito, mantendo a posse da embargante, atentos os direitos acima referidos, sendo que os presentes embargos de terceiro são deduzidos, a título preventivo, antes de realizada, mas depois de ordenada, a diligência a que se refere o artigo 342º, não podendo a diligência ser efetuada antes de proferida decisão na fase introdutória dos embargos e, sendo estes recebidos, continuará suspensa até à decisão final.
§ Mais deve, como se requer, serem os embargados condenados a reconhecer que a embargante possui a qualidade de locatária no contrato de locação financeira nº …787 celebrado entre a sociedade insolvente J.R. COSTA – GESTÃO GLOBAL DE NEGÓCIOS, S.A. e a CAIXA LEASING E FACTORING – INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A., por ser válida e eficaz entre embargante e embargadas o contrato de cessão de posição contratual em contrato de locação celebrado a 31 de março de 2015, ser a comunicação feita, de desinteresse no cumprimento do contrato de locação com o nº …787 e bem ainda em consequência desta comunicação a declaração de resolução feita pela embargada quanto ao aludido contrato, declaradas ineficazes quanto à aqui embargante, sendo a 1ª ré condenada mediante o pagamento do valor em falta para cumprimento antecipado e integral do contrato de locação imobiliária a outorgar escritura de compra e venda do imóvel objeto de locação a favor da aqui autora.
§ E, caso improcedam estes pedidos, ser a aqui embargada Caixa condenada ao pagamento de indemnização à embargante no montante de € 228.103,60 correspondentes a perda do objeto de locação. Ser ainda condenada ao pagamento de todos os custos em que a embargante venha a incorrer com a perda de rendimento que venha a ser ditada pela perda de atividade decorrente da perda do locado, acrescidas das despesas em que a autora incorra para alteração do local de laboração, a serem liquidadas em execução de sentença.” - cfr. requerimento inicial dos Embargos de Terceiro, Processo 10662/20.7T8LSB-A, Juízo Local Cível de Lisboa, Juiz 23, com autorização de seguimento por parte dos presentes autos.
6) A 27-10-2022 foi proferido Acórdão, transitado em julgado, pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo 10662/20.7T8LSB-A, de Embargos de Terceiro, do Juízo Local Cível de Lisboa - Juiz 23 -, em que consta como embargante a FINE FACILITY SERVICES, LDA. e como embargadas CAIXA LEASING E FACTORING – INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A. e J.R. COSTA – GESTÃO GLOBAL DE NEGÓCIOS, S.A., que manteve o decidido no Acórdão da Relação, o qual, por sua vez, proferido a 07-04-2022, julgou totalmente improcedentes os embargos de terceiro – cfr. Acórdãos constantes do processo seguido 10662/20.7T8LSB-A, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos.
7) Considerou, nesse acórdão, o Supremo Tribunal de Justiça, designadamente:
«Mas não vemos que a embargante esteja em condições de se defender validamente contra o aludido ato judicialmente ordenado de ... entrega do bem, por ofensa duma eventual sua posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular.
E simplesmente porque a cessão da posição contratual não pode considerar-se válida e eficaz em relação à locadora/embargada Caixa Leasing.
Em sede de resolução do contrato de locação financeira, dispõe os arts. 17° e 18° do D.L. n° 149/95, de 24 de junho, que o contrato pode ser resolvido por qualquer das partes, nos termos gerais, com fundamento no incumprimento das obrigações da outra parte e, ainda, com fundamento na dissolução ou liquidação da sociedade locatária e/ou verificação de qualquer dos fundamentos de declaração de falência do locatário.
Foi o que aconteceu no caso sub judice: face à opção de incumprimento do contrato de locação financeira por banda da Massa Insolvente, a embargada locadora procedeu à resolução do mesmo contrato (cfr. arts. 434° e 801°/2 CC).
A Massa Insolvente é constituída por "todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo", ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos (cf. arts. 46°, 36° n°1, al. g), e 149° do CIRE).
Assim, portanto, os bens que integram a massa insolvente (cfr. artigo 46.° n.º 1 CIRE) são, desde logo, os bens do devedor. O que quer dizer que o bem imóvel objeto da presente providência, porque não integra o conjunto de bens pertencentes ao insolvente - pertencendo, ao invés, à sociedade locadora - não pode ser apreendido a favor da massa insolvente.
Como tal, "Quanto ao património do devedor não incluído na massa insolvente, o devedor pode deles dispor e administrar com total liberdade (sem prejuízo do regime estatuído no n.° 8 e de eventuais ações judiciais levada a cabo pelos credores)"21.
Explicando a articulação entre os artigos 102° e 108° do CIRE, diz MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO22 que "por força do art. 108°, n° 1, a declaração de insolvência não suspende o contrato de locação em que o insolvente seja locatário. Contrariamente ao princípio geral do art. 102°, n° 1, em que o contrato fica suspenso até que o administrador da insolvência decida o seu destino, nos contratos de locação tal não é possível. De facto, uma vez que o locatário continua a usufruir do gozo do bem, deverá continuar a pagar a respetiva renda ou aluguer, como crédito sobre a massa (art. 51°, n° 1, als. e) e f))"23.
Mas o locatário não é possuidor do bem.
Com efeito, como se diz na sentença, "É, pois, da essência da locação financeira o gozo temporário e oneroso de uma coisa pelo locatário, com eventual possibilidade de este comprar ao locador nos moldes contratualmente acordados, pelo que, assim, o locatário é titular de um direito de gozo, não possuindo a posse, mas mera detenção (possuidor em nome alheio) Fernando Gravata de Morais, Manual de Locação Financeira, mas que a lei protege para efeitos  de dedução de embargos, mas que seriam improcedentes perante a invocação de exceptio domiini, que, aliás foi invocada pelo embargado locador".
Entendeu, porém, a sentença que, apesar de a Embargada/locadora ter invocado tal exceptio dominii, tal não vingava contra a Embargante, dado ter havido uma transmissão da posição contratual do primitivo locatário para si (Embargante) e que essa cessão era válida porque tinha sido reconhecida pelo próprio locador/Embargada.
Ora, é precisamente aqui que falta razão à sentença: não teve lugar tal reconhecimento da cessão da posição contratual no contrato de locação financeira imobiliária dos autos, o que o torna ineficaz relativamente à locadora Embargante.
(…)
Entendeu o Ac. recorrido que inexiste cessão válida da posição contratual no contrato de locação financeira, por duas razões:
1. Porque o contrato não é formalmente válido;
2.  Porque a locadora/Embargada não deu o necessário consentimento para a cessão.
E assim é, de facto, no nosso ver.
Sobre a transmissão das posições jurídicas do contrato de locação financeira, reza o art° 110 do DL n° 149/95, de 24.06:
«1- Tratando-se de bens de equipamento, é permitida a transmissão entre vivos, da posição do locatário, nas condições previstas pelo artigo 115° do Decreto-Lei n° 321-B/90, de 15 de Outubro, e a transmissão por morte, a título de sucessão legal ou testamentária, quando o sucessor prossiga a actividade profissional do falecido.
2- Não se tratando de bens de equipamento, a posição do locatário pode ser transmitida nos termos previstos para a locação.
3- Em qualquer dos casos previstos nos números anteriores, o locador pode opor-se à transmissão da posição contratual, provando não oferecer o cessionário garantias bastantes à execução do contrato.
4- O contrato de locação financeira subsiste para todos os efeitos nas transmissões da posição contratual do locador, ocupando o adquirente a mesma posição jurídica do seu antecessor.".
Assim se vê que nada há que impeça a cessão da posição contratual em contrato de locação financeira sub judice.

Da inobservância da forma do contrato
Como supra se observou, artigo 425.9 do CC é claro ao dispor que: "A forma da transmissão, (...), definem-se em função do tipo de negócio que serve de base à cessão".
Isto é, a forma da cessão é a mesma do negócio jurídico que lhe serve de base ou causa, ou em que assenta; a mesma que é imposta por lei para o negócio subjacente, do qual resulta a posição cedida. É que, como supra ficou dito, a cessão tem na sua base o negócio causal em que a cessão se integra, donde nasceu a posição (complexo de direitos e deveres) que um dos contraentes (cedente) transmite a terceiro. Negócio causal esse, portanto, que vai servir de "guia" para a cessão no que tange aos requisitos formais da cessão, a capacidade de dispor e de receber, a falta e vícios da vontade e as relações entre as partes.
O mesmo é dizer que a cessão da posição contratual deve observar a forma imposta por lei para o negócio subjacente, do qual resulta a posição cedida27.
Ora, sobre a forma dos contratos de locação financeira rege, desde logo, o artigo 3.9 do D.L. n° 149/95, de 24 de Junho, que dispõe:
"1 - Os contratos de locação financeira podem ser celebrados por documento particular.
2- No caso de bens imóveis, as assinaturas das partes devem ser presencialmente reconhecidas, salvo se efectuadas na presença de funcionário dos serviços do registo, aquando da apresentação do pedido de registo.
3- Nos casos referidos no número anterior, a existência de licença de utilização ou de construção do imóvel deve ser certificada pela entidade que efectua o reconhecimento ou verificada pelo funcionário dos serviços do registo.
4- A assinatura das partes nos contratos de locação financeira de bens móveis sujeitos a registo deve conter a indicação, feita pelo respectivo signatário, do número, data e entidade emitente do bilhete de identidade ou documento equivalente emitido pela autoridade competente de um dos países da União Europeia ou do passaporte.
- A locação financeira de bens imóveis ou de móveis sujeitos a registo fica sujeita a inscrição no serviço de registo competente".
Escreveu-se, com acerto, no acórdão recorrido:
«Ora, no caso dos autos, o documento junto pela embargante para titular a cessão não contém reconhecimento presencial das assinaturas dos ali dados como intervenientes que, de acordo com o que se lê de tal documento, inclusivamente, declararam prescindir de uma tal formalidade.
Este aspeto, porque em contravenção à prescrição normativa e ao que resulta do disposto no artigo 425.º do CPC levaria, caso se comprovasse a cessão, a concluir pela nulidade do negócio correspondente (cfr., nesta linha, o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08-11­-1999, P° 9950958, rel. ANTÓNIO GONÇALVES).
Mas, para além desta previsão normativa, importa atentar naquilo que consta, em termos de sujeição a forma convencional, no contrato de locação financeira constante dos autos, aspeto que não poderia ser olvidado por quem se aprestasse a pretender celebrar um negócio de cessão da posição contratual, tendo por objeto a posição de locatária de tal contrato.
De facto, a cláusula 7ª das condições gerais deste contrato tem o seguinte teor:
"7"- Cessão de Posição Contratual e Sublocação
1. O Locatário não poderá ceder a sua posição contratual, sublocar ou permitir, por qualquer forma ou título, a utilização total ou parcial do imóvel por terceiros, sem o prévio consentimento escrito do Locador e sem que o imóvel se encontre devidamente licenciado (...)"


Ora, não resulta de qualquer elemento dos autos que a ora recorrente tenha autorizado, por escrito e em momento anterior à de ocorrência da invocada cessão (31-03-2015), alguma transmissão, aspeto que, por si só determinaria a ineficácia de tal negócio, caso o mesmo se tivesse apurado.
Mas, para além disso, não se comprovou qualquer reconhecimento por parte da embargada contestante, sobre a embargante, que a pudesse configurar como locatária da locação financeira dos autos e de onde pudesse derivar a eficácia de tal invocada cessão.
Não se conclui, pois, ao contrário do juízo formulado na decisão recorrida, no sentido de que o ato de entrega judicialmente determinado se possa considerar, de qualquer modo, ofensivo dos direitos da embargante, pela simples razão de que não logrou esta demonstrar ser titular de uma posição subjetiva que lhe permita opor à locadora e ora recorrente algum motivo que obste à efetivação da entrega do imóvel que foi objeto da locação financeira dos autos.
De facto, não pode encontrar-se algum fundamento de oposição por embargos na comprovação dos depósitos e transferências apurados, os quais, no contexto da contratação de locação financeira em questão não podem basear qualquer pretensão juridicamente relevante, designadamente, no sentido de ter ocorrido um tácito consentimento relativamente a uma cessão, pois, desde logo, seria necessário que, para uma cessão da posição contratual fosse eficaz relativamente à segunda embargada, a celebração da mesma - ou seja, antes de a cessão ter ocorrido fosse consentida por escrito por esta, elemento de que os autos não dão qualquer conta.
Não se sufraga, pois, o entendimento do Tribunal recorrido no sentido de que a embargante podia "confiar que, enquanto cessionária cabia a si a posição de locatária", dado que, como se viu, não tendo a cessão da posição contratual que invocou produzido quaisquer efeitos relativamente à segunda embargada, não poderia a embargante pretender obter tal tutela jurídica. ».
Assim, portanto, em matéria de forma do contrato, a alegada cessão da posição contratual não obedeceu ao estatuído no D.L. n° 149/95, de 24 de Junho: "documento particular", com "assinaturas das partes... presencialmente reconhecidas".

Da necessidade do consentimento da cedida/locadora/Embargada Caixa Leasing
Para além do estatuído no referido artigo 3.9 do D.L. n° 149/95, de 24 de Junho - a exigir reconhecimento presencial das assinaturas dos outorgantes na cessão - , consta do próprio contrato de locação financeira, no que tange à cessão da posição contratual, a obrigatoriedade de consentimento e de o mesmo ser prestado por escrito.
Com efeito, reza, como vimos, a cláusula 7a das condições gerais do contrato:
"7" - Cessão de Posição Contratual e Sublocação
1. O Locatário não poderá ceder a sua posição contratual, sublocar ou permitir, por qualquer forma ou título, a utilização total ou parcial do imóvel por terceiros, sem o prévio consentimento escrito do Locador e sem que o imóvel se encontre devidamente licenciado (...)»28.
Ora, não resulta de qualquer elemento dos autos que a ora recorrente tenha autorizado, muito menos por escrito, e em momento anterior à de ocorrência da invocada cessão (31-03-2015), alguma transmissão. Aspecto que, por si só determinaria a ineficácia de tal negócio, caso o mesmo se tivesse apurado.
A propósito do consentimento do locador, escreve FERNANDO GRAVATO MORAIS29: «pode enunciar-se quanto à transferência inter vivos da situação jurídica do locatário a seguinte regra: essa transmissão ocorre de acordo com as normas vigentes em sede de mera locação (art. 11°, n° 2 DL 149/95). Esta cessão, como expressa o art. 1059°, n 2 CC, "está sujeita ao regime geral dos artigos 424.8 e seguintes". Destes preceitos emerge que tal transferência necessita sempre do consentimento do locador financeiro, não sendo, portanto, a cedência da posição contratual do locatário forçada ou imperativa em relação àquele. O princípio enunciado encontra-se em consonância com as disposições do regime jurídico da locação financeira (..). Se o locatário transferir a sua posição jurídica sem a respectiva aquiescência do locador, estamos perante uma situação de incumprimento do contrato de locação financeira que pode acarretar a sua resolução por parte do locador (art. 17.- DL 149/95 e arts. 432.- ss. CC)".

Escreveu-se, com toda a pertinência, no acórdão recorrido:
«Como resulta dos autos, a embargante (terceiro relativamente ao contrato de locação financeira) veio alegar que ocorreu uma cessão da posição contratual do primitivo locatário (a segunda embargada) para si, cessão que o locador (a ora recorrente e primeira embargada) teria invocadamente reconhecido.
Ora, sucede que, conforme resultou da decisão tomada em sede de apreciação da impugnação sobre a matéria de facto, não se validou o juízo tomado pelo Tribunal recorrido no sentido de que tal cessão da posição contratual teve lugar e, designadamente, com data de 31-03-2015, elementos que caberia à embargante demonstrar, o que não fez (cfr. facto não provado constante da alínea d)).
Tanto basta para a improcedência da pretensão deduzida pela embargante e, consequentemente, para a revogação do decidido.».
Ou seja, mesmo que se considerasse ter ocorrido a alegada cessão da posição contratual, sempre este negócio, para ser eficaz em relação à locadora Caixa Leasing (isto é, para produzir efeitos em relação a ela, primeira Embargada), teria de ser por esta consentido (e por escrito - 3.9 do D.L. n° 149/95, de 24 de Junho), consentimento que não resultou comprovado.
(…)
Mas mesmo que por hipótese se admitisse não ser exigível o consentimento escrito para a cessão (que, porém, o era, como vimos, dado o plasmado na cia 7a das condições gerais do contrato), nada nos factos provados permite concluir ter a Locadora dado o seu assentimento à cessão.
E nem, sequer podemos ler na conduta da locadora/Embargada Caixa Leasing um hipotético consentimento tácito ou anuência tácita à alegada cessão da posição contratual.
(…)
"... como é que a Recorrente quer fazer valer crer que fazia os pagamentos das rendas enquanto locatária no contrato durante supostamente 5 anos, o que não se aceita, mas em momento algum pediu que as faturas fossem emitidas a seu favor.
... Ao invés da sua emissão a favor da J. R. Costa, como sempre ocorreu.
... Como decorre das faturas juntas com a contestação aos embargos de terceiro, como Docs. 3 e 4, datadas de 10-20-2020 e 10-03-2020 que foram emitidas a favor da Locatária J. R. Costa.
Demonstrando que era a essa entidade a que ora Recorrida reconhecia a qualidade de locatária.
(…)
Ou seja, a Recorrente, pessoa coletiva que se supõe ter a contabilidade organizada, faria os pagamentos desde 2015, o que não sei aceita, mas em momento algum pede que seja emitido em seu nome documentação que permita justificar esses mesmos pagamentos.
O que na verdade acaba por ser explicador de toda esta situação: a Recorrida Caixa Geral de Depósitos” - que sucedera à Locadora Caixa Leasing e Factoring — "não sabia desse alegado contrato de cessão da posição contratual, recebendo os pagamentos e emitindo as faturas a favor daquela que considerava a entidade pagadora, a 1 R. Costa, e a Recorrente tinha pleno conhecimento disso, nunca tendo solicitado a emissão de faturas a seu favor.".
Concorda-se inteiramente.
O que reforça a conclusão de que a Recorrida não teve conhecimento da cessão da posição contratual trazida à liça pela Recorrente.
Face à apontada ausência da forma devida e, outrossim, à inexistência do consentimento da locadora, não pode concluir-se que tenha tido lugar uma cessão válida de eficaz da posição contratual da Embargada/locatária J. R. Costa, Gestão Global de Negócios, S.A., para a Embargante Fine Facility Services, Lda..
O que torna a cessão, de todo, ineficaz em relação à Embargada/Locadora- cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no Processo 10662/20.7T8LSB-A, Juízo Local Cível de Lisboa, Juiz 23, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
8) A sociedade J.R. COSTA – GESTÃO GLOBAL DE NEGÓCIOS, S.A. foi declarada insolvente nos autos principais dos quais os presentes constituem apenso por sentença proferida a 18-04-2018 – cfr. sentença proferida no processo principal de insolvência nº 6362/18.6T8LSB, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
9) Por requerimento junto aos autos principais a 13-02-2020 pela Sra. Administradora de Insolvência, veio a mesma comunicar a sua opção pelo não cumprimento do contrato de locação nº …787 celebrado entre a insolvente e a CAIXA LEASING E FACTORING – INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A., cujo objeto são as Frações autónomas designadas pelas letras AB, AC e AD do prédio urbano situado (…) Vila Nova de Gaia, descrito e inscrito na matriz predial sob o artigo (…) - cfr. requerimento junto a 13-02-2020 aos autos principais de insolvência dos quais os presentes constituem apenso.
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IV-/ Enquadramento jurídico:
Da leitura das conclusões recursivas verifica-se que a Recorrente imputa à decisão recorrida um erro de julgamento relativamente a duas questões.
Em primeiro lugar, insurge-se contra a declaração de ilegitimidade da 3ª Ré, e sua seguradora, chamada nos presentes autos, e, em segundo lugar, contra a decisão que considerou existir caso julgado, argumentando que as aludidas exceções não se verificam, e que, fosse como fosse, os autos sempre teriam que prosseguir, pelo menos no que concerne ao pedido subsidiário formulado, impondo-se ao tribunal que analise a conduta assumida pelas 2.ª e 3.ª rés, causadora de danos à Autora que devem ser ressarcidos, à luz do instituto da responsabilidade civil contratual e extracontratual.

Apreciemos, então, separadamente, cada umas das apontadas questões, cuja ordem iremos alterar, por razões de raciocínio e encadeamento lógico, mas sem prejuízo de apreciação de ambas na economia do presente recurso, pois que, contrariamente ao arguido pela Recorrida Hiscox, estão suficientemente integradas as questões jurídicas suscitadas em recurso, conforme decorre do estatuído no artigo 639.º do CPC, nada impedindo este tribunal de conhecer do objeto do recurso interposto, nenhuma razão existindo para o imediatamente rejeitar.

Da exceção do caso julgado
No que a esta matéria respeita, estipula o art.º 628.º do CPC que «A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação»; regulando depois o art.º 619.º n.º 1 do CPC que «1- Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º»; e o art.º 620.º, n.º 1 do mesmo código, que «1- As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo».
Da leitura dos normativos em causa resulta então, em moldes globais, que o caso julgado tem como finalidade evitar que o juiz possa reapreciar e decidir algo que estava já definido por anterior decisão, vinculativa para as partes e também para o próprio juiz; o que determina que, transitada uma decisão, a mesma passe a ter «força obrigatória dentro do processo» (caso julgado formal - questões processuais) e «dentro e fora dele», quando julgue o mérito ou fundo da causa (caso julgado material).
O caso julgado impõe-se depois por duas vias, na vertente negativa (exceção de caso julgado) e na positiva (autoridade de caso julgado). Exceção de caso julgado e autoridade de caso julgado não se confundem entre si e são coisas distintas, como, de resto, citando Castro Mendes, o dizem José Lebre de Freitas, Armindo Mendes e Isabel Alexandre (no CPC anotado, Almedina, Vol. 2.º, 4ª ed., pág. 599), assim consignando que «… a exceção de caso julgado não se confunde com a autoridade do caso julgado; pela exceção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão e mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão e mérito».
Apelando ainda nesta matéria aos ensinamentos do Prof. Rui Pinto (no artigo “Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias”, na Revista Julgar Online, novembro de 2018), diremos também que importa atentar que a imutabilidade da decisão que decorre do trânsito em julgado, permite que a mesma se estabilize e fixe os seus efeitos jurídicos. Explica este autor, no citado artigo, que «Nas decisões proferidas na sequência de um pedido ou requerimento podemos distinguir, em razão do seu sentido, entre caso julgado positivo e caso julgado negativo. O caso julgado é positivo quando a decisão julga procedente o pedido do autor; o caso julgado é negativo quando a decisão julga improcedente o pedido do autor», esclarecendo depois que «Usamos o termo “autor” em sentido amplo, de modo a abranger qualquer sujeito que deduza um pedido ao tribunal, sobre o qual este decida com valor de caso julgado. Portanto, cabem aqui o autor, o exequente, o requerente, seja este último uma parte ou um terceiro requerente.
Assim, adianta (na pág. 43 do artigo) «Ao autor vencido não está vedado que repita o mesmo pedido, mas com diferentes causas de pedir: o que transitou foi que pelo primeiro e concreto fundamento o autor não tem o direito que alega, mas não transitou que ele não possa ter direito por qualquer outro fundamento fáctico não deduzido».

Revertendo agora aos autos, vemos que concluiu a decisão recorrida que «Quanto à causa de pedir: em ambos os processos as pretensões deduzidas pela autora procedem do mesmo facto jurídico qual seja a cessão da posição contratual da insolvente J.R. Costa – Gestão Global de Negócios, S.A. no Contrato de Locação Financeira Imobiliária nº …787 celebrado com Caixa Leasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, S.A. Consequentemente, conclui-se que a presente causa configura uma repetição dos Embargos de Terceiro, para efeitos do disposto nos artigos 580º e 581º do Código de Processo Civil, julgando-se verificada a exceção do caso julgado».

Vejamos se assim é.
No âmbito do processo de embargos de terceiro (Processo 10662/20.7T8LSB-A, Juízo Local Cível de Lisboa, Juiz 23), movidos pela aqui Autora e Recorrente, ali embargante, contra a aqui recorrida e ali embargada, Caixa Leasing e ainda contra a sociedade insolvente (que, à data dos aludidos embargos, havia já sido declarada insolvente),  a embargante, invocando a celebração de um contrato de cessão de posição contratual válido, celebrado em 31/03/2015, com a insolvente, através do qual ocupou a posição de locatária que aquela havia assumido com a recorrida Caixa Leasing no contrato de locação financeira entre ambas firmado, pedia, em suma, que (i) os embargados fossem condenados a reconhecer que a embargante possui a qualidade de locatária no contrato de locação financeira nº …787 celebrado entre a sociedade insolvente J.R. COSTA – GESTÃO GLOBAL DE NEGÓCIOS, S.A. e a CAIXA LEASING E FACTORING – INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A., (ii) que a comunicação feita, de desinteresse no cumprimento daquele contrato de locação e consequente declaração de resolução feita pela embargada quanto ao aludido contrato, sejam declaradas ineficazes quanto à embargante, sendo a 1ª ré condenada, mediante o pagamento do valor em falta para cumprimento antecipado e integral do contrato de locação imobiliária, a outorgar escritura de compra e venda do imóvel objeto de locação a favor da aqui autora; e, caso improcedam estes pedidos, (iii) ser a aqui embargada Caixa condenada ao pagamento de indemnização à embargante no montante de € 228.103,60 correspondentes a perda do objeto de locação. (…)

Nestes autos de ação comum, movidos por apenso ao processo de insolvência, a Recorrente, invocando novamente, a existência de um contrato de cessão válido e eficaz, deduz contra a Caixa Leasing (substituída pela Caixa Geral de Depósitos), a Massa Insolvente de J.R. Costa - Gestão Global de Negócios, S.A. e a Administradora de Insolvência, o mesmo pedido formulado naqueles autos de embargos; a saber, e em suma, no que concerne ao pedido principal: que (i) as rés sejam condenados a reconhecer que a autora possui a qualidade de locatária no contrato de locação financeira nº …787 celebrado entre a sociedade insolvente J.R. COSTA – GESTÃO GLOBAL DE NEGÓCIOS, S.A. e a CAIXA LEASING E FACTORING – INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A., (ii) que a comunicação feita, de desinteresse no cumprimento daquele contrato de locação, feita pela 2ª ré à 1ª e consequente declaração de resolução feita pela 2ª ré quanto ao aludido contrato, sejam declaradas ineficazes quanto à autora, sendo a 1ª ré condenada, mediante o pagamento do valor em falta para cumprimento antecipado e integral do contrato de locação imobiliária, a outorgar escritura de compra e venda do imóvel objeto de locação a favor da aqui autora.
Da leitura de ambas as ações, seus articulados, causas de pedir e pedidos acima indicados, rapidamente verificamos que as questões colocadas são as mesmas e foram já decididas por acórdão do STJ, transitado em julgado, não podendo já este tribunal apreciar novamente tais questões, vedado que se encontra por força do caso julgado operado.
Com efeito, ali foi julgado, e assim consolidado na esfera jurídicas das partes envolvidas em ambos os processos (autora/recorrente, Caixa Leasing/recorrida e insolvente) que não existiu uma cessão válida e eficaz da posição contratual da locatária insolvente para a embargante e aqui Recorrente, Fine Facility Services, Lda., o que torna a aludida cessão ineficaz em relação à embargada/locadora e aqui recorrida, Caixa Leasing.
Donde, concluímos então:
- As partes, num e noutro processo, são as mesmas (com exceção da Massa Insolvente da J.R.  Costa - Gestão Global de Negócios, S.A., e da sua AI, o que, de forma alguma, prejudica a identidade de sujeitos, sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica). Como dizem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa - no CPC Anotado, Volume I, pág. 686, ponto 4 da anotação ao art.º 581º - «… ocorre identidade dos sujeitos quando os mesmos são portadores do mesmo interesse substancial quanto à relação jurídica em causa (STJ 9-7-15, 896/09) …». É, sem margem para quaisquer dúvidas, o caso dos autos;
- A causa de pedir procede do mesmo facto jurídico invocado, isto é, a cessão da posição contratual da insolvente no contrato de locação financeira celebrado com a Caixa Leasing;
- E o pedido em ambas formulado é o mesmo, ou seja, o do reconhecimento da qualidade de locatária à Recorrente, no aludido contrato de locação, o reconhecimento da validade e eficácia do invocado contrato de cessão de posição contratual e a declaração de que a comunicação feita - de desinteresse no cumprimento do contrato de locação- com a sua consequente resolução - sejam declaradas ineficazes quanto à aqui Autora.
Por conseguinte, forçoso se torna concluir, como, de resto, se concluiu na decisão recorrida, que a presente causa configura uma repetição dos Embargos de Terceiro, do Processo 10662/20.7T8LSB-A, Juízo Local Cível de Lisboa, Juiz 23, para efeitos do disposto nos artigos 580.º e 581.º do CPC, julgando-se verificada a exceção do caso julgado.
Mas tal exceção, e efeitos do caso julgado, dizemos nós, terá de se restringir ao pedido formulado a título principal na presente ação.
Não se olvide que na mesma, e para o caso de tal pedido improceder – como improcede por força da exceção de caso julgado – a Autora deduziu um pedido subsidiário, agora apenas contra a 2ª Ré - Massa Insolvente - e 3ª Ré - AI - pedido que não foi deduzido nem objeto de apreciação naqueles embargos, agora pedindo que «… e, caso improcedam estes pedidos, (iii) serem as 2ª e 3ª rés, condenadas ao pagamento de indemnização à autora no montante de € 228.103,60 correspondentes a perda do objeto de locação. (…)».
Por ser assim, tem razão a Recorrente quando diz que, mesmo que se se considere estabilizada na ordem jurídica que a cessão em causa é ineficaz em relação à locadora (1ª Ré), sempre importaria apreciar e decidir tudo o demais alegado e peticionado, no que concerne ao “pedido subsidiário”.
E, nessa parte, tem razão. Com efeito, naqueles embargos de terceiro foi apenas apreciado o pedido de reconhecimento da Autora como locatária e os pedidos de ineficácia da resolução do contrato de locação financeira e bem assim o pedido de indemnização por alegada perda do bem locado deduzida apenas contra a ali embargada e aqui 1ª Ré.
O pedido subsidiário formulado nestes autos não foi apreciado naqueles embargos e não está assim englobado no caso julgado que se formou com aquela decisão.
Donde, e sem mais, confirma-se a decisão recorrida, no que concerne à proclamada exceção de caso julgado, ainda que restringida ao pedido principal formulado nestes autos contra as Rés Caixa Leasing (substituída pela Caixa Geral de Depósitos, S.A.) e Massa Insolvente.
*
Da exceção de ilegitimidade da 3ª Ré e da sua seguradora:
Não obstante, no que concerne à 3ª Ré, AI, entendeu-se na decisão recorrida, sem mais, que a mesma era parte ilegítima na ação, por na mesma ser demandada na qualidade de administradora de insolvência, peticionando-se o pagamento de uma indemnização pelo facto de, no processo de insolvência no qual foi nomeada (que constitui os autos principais dos quais os presentes são apenso), ter considerado resolvido o contrato de locação financeira celebrado entre a Caixa Leasing (1ª Ré) e a Insolvente J.R. Costa - Gestão Global de Negócios, S.A, no qual, alegadamente, a Insolvente cedeu a sua posição contratual à aqui Autora. E, neste enquadramento, afirmando a existência de uma exceção dilatória, absolveu a 3.ª Ré, e, consequentemente, a sua seguradora, dos presentes autos.
Vejamos então.
Nos termos do artigo 30.º do Código de Processo Civil, o réu considera-se parte legítima quando tem interesse direto em contradizer, exprimindo-se este pelo prejuízo que advenha para o réu da procedência da ação, sendo que, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor. Nas palavras de Teixeira de Sousa (na obra “As partes, o objeto e a prova na ação declarativa”, p. 47) «.. a legitimidade processual é assim a suscetibilidade de ser parte numa ação, aferida em função da relação dessa parte com o objeto daquela ação (...) Visa assegurar que o autor e o réu são os sujeitos que podem discutir a procedência da ação. E esses sujeitos são aqueles que podem ser beneficiados com a decisão de procedência ou de improcedência da causa».
A falta da legitimidade para a ação (ilegitimidade) configura então uma exceção dilatória de conhecimento oficioso - cfr. artigos 577.º, alínea e), e 578.º do CPC - que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância - cfr. artigo 576.º, n.º 2, do mesmo diploma legal.

Revertendo tais ensinamentos aos autos, vemos que, nos mesmos, e em resumo, alega a Recorrente que a 3ª Ré, no âmbito do processo de insolvência, e em representação da 2ª Ré, Massa Insolvente, optou pelo não cumprimento de contrato de locação financeira em causa nos autos, provocando assim a sua resolução pela 1ª Ré, não obstante a concordância dos credores no sentido de ser dado cumprimento ao aludido contrato.
Com essa conduta, argumenta, a 3ª Ré incumpriu a sua função de representar o interesse coletivo dos credores, e não atuou com a diligência expetável de um gestor criterioso e ordenado ao emitir declaração de vontade contrária ao parecer da comissão de credores, quebrando a relação de confiança existente com os credores, agindo em prejuízo destes e da aqui Autora, a quem provocou inúmeros prejuízos em virtude de o imóvel deixar de ser o seu local de laboração. Alega então, que a mesma violou os deveres profissionais de zelo e diligência, tomando decisão lesiva dos interesses dos credores em virtude do agravamento do passivo da massa insolvente decorrente do incumprimento do contrato de locação financeira e acionamento de cláusula penal e do contrato de cessão de posição contratual com a aqui Autora e efeitos indemnizatórios daí resultantes. Apelando ao artigo 59.º do CIRE e ao regime da responsabilidade civil aquiliana, afirma que o ato de manifestação de vontade pelo incumprimento do contrato de locação financeira e, consequentemente do contrato de cessão de posição contratual, ficou a dever-se a um ato ilícito e culposo da Sra. Administradora da massa insolvente 3.ª Ré: por um lado, por omissão do dever de informar a aqui Autora da recusa de cumprimento do contrato de cessão de posição contratual, dever inerente ao exercício da sua função nos termos do artigo 102.º do CIRE; por outro lado, por desrespeito e incumprimento desse contrato de cessão, violando os direitos contratuais da Autora e a expetativa de aquisição do locado, bem sabendo que tal contrato existia e era pontualmente cumprido, agindo assim em claro abuso de direito.

Diz-se na sentença recorrida que todos os factos que a Autora imputa à 3ª Ré prendem-se exclusivamente com a atuação por parte desta enquanto administradora de insolvência e sempre nessa qualidade, ou seja, por ter atuado em nome e representação da Massa Insolvente (2ª Ré), não se lhe imputando quaisquer factos que pudessem consubstanciar uma qualquer violação de um dever que específica e pessoalmente coubesse à administradora de insolvência e que esta tivesse violado. E, por ser assim, ali se concluiu, a 3ª Ré é parte ilegítima na presente ação.

Não cremos que assim seja.
Com efeito, e como vimos, ao apuramento da legitimidade processual, apenas revela a causa de pedir invocada e o pedido nela formulado, independentemente da prova dos factos alegados e do seu mérito. Está consolidado na doutrina e na jurisprudência que a legitimidade processual é aferida pela titularidade da relação material controvertida tal como a mesma é configurada pelo autor em sede inicial, e é nestes termos que tem de ser apreciada. Saber se o direito invocado existe, pode ter a configuração jurídica invocada ou uma outra, é questão relacionada com o mérito da ação, nada tendo que ver com questões processuais.
Ora, nos autos, bem ou mal, o que se assume como questão de mérito, a Autora alegou os factos que, no seu entender, devem gerar uma responsabilidade civil extracontratual da 3ª Ré, sustentando que a mesma violou os deveres profissionais de zelo e diligência, tomando decisão lesiva dos interesses dos credores também em virtude do incumprimento do contrato de cessão de posição contratual, desde logo pelo facto de ter omitido um dever que sobre si impedia, isto é, de, à luz do artigo 102.º do CIRE, ter tomado posição sobre o cumprimento ou incumprimento do contrato de cessão de posição contratual com a Autora. Não o fez e, como consequência desta omissão, aliada ao facto de ter manifestado desinteresse no cumprimento do contrato de locação, foram causados danos à Autora que devem por aquela ser ressarcidos.
Tanto basta para que, do ponto de vista processual, seja afirmada a legitimidade da aludida Ré, e, consequentemente, da sua seguradora.
 Aliás, e em bom rigor, a chamada seguradora, ao contestar, invocou a ilegitimidade passiva substantiva (mérito), e não processual, da 3ª Ré e, na decisão recorrida, pese embora afirmando a ilegitimidade processual passiva da mesma, justifica-se tal decisão com o facto de a Autora se limitar a invocar preceitos gerais «…. assentando as suas conclusões em situações abstratas …. rematando que a 3ª Ré incorre em responsabilidade civil extracontratual. Ora, a invocação de tais preceitos, de teor genérico e não densificado conjugados com factos que a Autora imputa à 3ª Ré sempre na qualidade de representante da Massa Insolvente, são claramente insuficientes para imputar responsabilidade civil profissional à 3ª Ré.» (sublinhado nosso).
Se os factos alegados são insuficientes (o que pode, até, no limite, determinar um convite ao aperfeiçoamento), como ali se diz, não é uma questão de legitimidade processual, ou falta dela, mas antes uma questão de mérito da ação. 
O dano que a Autora invoca -  em virtude de não continuar a ocupar o imóvel locado para a sua atividade - no entender daquela resulta de uma omissão e de um ato da 3ª Ré, praticado na qualidade de administradora de insolvência e em representação da massa insolvente, mas em violação dos deveres que sobre si impendiam, desde logo, a omissão de pronúncia quanto ao contrato de cessão, cuja violação, alega, é passível de gerar a sua responsabilidade pessoal, desde logo à luz do art.º 59.º do CIRE.
No convocado preceito estabelece-se um regime especial de responsabilidade do administrador da insolvência pelos danos causados ao devedor / insolvente e aos credores da insolvência e da massa insolvente pela inobservância culposa dos deveres que lhe incumbem.
As perdas e danos que a Recorrente imputa à AI, com fundamento no instituto da responsabilidade civil/aquiliana, no qual expressamente suporta o direito de crédito que a título de indemnização reclama, apenas poderá soçobrar se a ação for julgada improcedente, não com fundamento em ilegitimidade processual da aludida ré, mas sim pela inexistência e falta de demonstração do direito que a Autora reclama, pela não demonstração dos factos que a fundamenta ou, entendendo-se que, mesmo que todos eles estejam demonstrados, não preencheriam os pressupostos da responsabilidade civil aquiliana que a Autora imputa à AI, e que, por isso, não se constituiu e não existe o direito à indemnização reclamada.
Acresce que, nas palavras da decisão recorrida «Ainda que se viesse a concluir que a Autora teria direito ao valor de indemnização de que se arroga, em virtude da resolução do contrato de locação, só à Massa Insolvente (2.ª Ré), poderia a Autora imputar a respetiva responsabilidade e não pessoalmente à sua representante, ora 3ª Ré».
Donde se concluiu, por um lado, em face da forma como a Autora configura a presente ação, que inexiste qualquer ilegitimidade processual da 3ª Ré, perante o pedido subsidiário deduzido, e, por outro lado, que nada foi decidido nos autos quanto à indemnização pedida à 2.ª Ré, questão que, por um lado, não foi tratada nos aludidos autos de embargos de terceiro, não estando assim abrangida pelo caso julgado que com aquela decisão se formou, e, por outro lado, não foi abordada pela decisão recorrida, que a não apreciou. Antes pelo contrário, pois que afirmou a ilegitimidade processual da 3ª Ré, justificando que a indemnização pedida apenas o poderia ser à 2ª, nada depois decidindo, no que concerne ao aludido pedido subsidiário contra a aqui 2ª Ré. Questões que não foram tratadas nos autos, salvaguardando todas as soluções plausíveis de direito, e que obstam a que, por ora, este Tribunal, munido de todos os elementos e salvaguardando um segundo grau de recurso, possa conhecer, devendo assim, consequentemente, prosseguir os autos para apreciação do mérito do pedido subsidiário formulado contra a 2.ª Ré (Massa Insolvente), a título de responsabilidade civil contratual e contra a 3ª Ré (AI), a título de responsabilidade civil extracontratual, nos termos que o tribunal recorrido entenda e julgue adequados.
***
V-/ Decisão:
Em face do exposto, julgando parcialmente procedente por provado o presente recurso, os juízes que integram este Tribunal Coletivo, decidem que:
a) No que concerne ao pedido principal formulado nestes autos, encontra-se verificada a exceção de caso julgado, assim se confirmando o decidido pelo tribunal da 1ª Instância, com a inerente absolvição dos Rés da instância;
b) No que concerne ao pedido subsidiário formulado, revoga-se a decisão recorrida, de ilegitimidade processual passiva da 3.ª Ré, e da sua seguradora, devendo assim os autos prosseguir para apreciação do mérito do pedido subsidiário formulado contra as 2.ª e 3ª Rés, apreciando-se igualmente a responsabilidade da chamada.
As custas serão apenas suportadas por apelante e apelada seguradora, na proporção de 2/3 e 1/3.
Registe e notifique.

Lisboa, 17/06/2025
Paula Cardoso
Nuno Teixeira
Elisabete Assunção