MANDATO JUDICIAL
PROCURAÇÃO
MORTE DO MANDANTE
EXTINÇÃO DA RELAÇÃO DE MANDATO
EXTINÇÃO DA PROCURAÇÃO
Sumário

Sumário (do relator) – artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil
I – De acordo com o disposto no artigo 44º, nº 1 do CPC, o mandato conferido pela parte atribui poderes ao mandatário para a representar em todos os actos e termos do processo principal e respectivos incidentes, mesmo perante os tribunais superiores, sem prejuízo, porém, das disposições que exijam a outorga de poderes especiais por parte do mandante.
II – Tendo em conta que a impugnação da lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos se insere na tramitação regular da verificação de créditos, nos termos do preceituado no nº 1 do artigo 44º do CPC as procurações que haviam sido juntas aos autos aquando da dedução da reclamação de créditos conferiram ao mandatário judicial dos reclamantes os poderes necessários para os representar nesse acto processual.
III – Consequentemente, se não ocorre falta de procuração, também não se verifica, no caso, qualquer dos vícios do patrocínio judiciário previstos no artigo 48º do CPC, não se justificando a intervenção do juiz nos termos previsto no nº 2 daquele artigo.
IV – Apesar de o mandato caducar por morte do mandante ou do mandatário, como preceitua o artigo 1174º, alínea a) do Código Civil, o mandatário deve continuar com a execução do mandato, tanto quanto necessário, para evitar prejuízos aos herdeiros do mandante, se a causa da caducidade tiver sido a morte deste.
V – Assim, se a morte dos mandantes não determina a extinção do mandato – que é o negócio jurídico que constitui a relação jurídica que serve de base à procuração outorgada (artigo 265º, nº 1 do Código Civil) – também nunca determinaria a extinção da procuração.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa,

1. Por apenso aos autos de declaração de insolvência do BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A. (BES), vieram os respectivos credores reclamar os seus créditos.
Entre os credores reclamantes contavam-se R1 e R2, que, juntamente com a sua reclamação, apresentaram, cada um, a sua procuração, ambas outorgadas em 29/02/2016, mediante as quais constituíram seus bastantes procuradores os Srs. Drs. (…), advogados, na qualidade de sócios da “F. & ASSOCIADOS – SOCIEDADE DE ADVOGADOS, RL” e os Srs. Drs. (…), advogados, todos com escritório na cidade do Porto.
Findo o prazo das reclamações, o administrador da insolvência juntou aos autos a lista de credores reconhecidos e não reconhecidos.
Por cartas de 30/05/2019, foram os supra identificados credores notificados, na pessoa do seu mandatário, Dr. AA. , nos termos do artigo 129º, nº 4 do CIRE, de que constavam da lista de credores não reconhecidos, dos procedimentos para exame das reclamações, bem como para procederem à impugnação da lista de credores, nos termos do artigo 130º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante CIRE), indicando, nomeadamente, o prazo para o efeito.
Notificados naqueles termos, vieram os credores, em 02/09/2019, ao abrigo do disposto no artigo 130.º do (CIRE), apresentar requerimento de impugnação à lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos, subscrito pelo seu mandatário, Dr. AA..
Junta aos autos a referida impugnação, o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:
“R1 e R2 (vol. 1101)
Compulsados os autos constata-se que, lamentavelmente, R1 faleceu em 22 de junho de 2018 e R2 faleceu em 3 de maio de 2019.
Por força do seu falecimento caducou automaticamente o mandato forense outorgado por aqueles a favor do Ilustre Advogado AA. – artigo 1174.º al. a) do Código Civil –, o que se consigna para todos os demais efeitos.
Assim sendo, o mesmo não tinha poderes de representação forense para, em setembro de 2019, em nomes das pessoas epigrafadas apresentar impugnação à lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos.
Ou seja, verifica-se uma falta de procuração ab origine da instância da impugnação, insuprível nos termos do n.º 2 do artigo 48.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 17.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, por força do falecimento dos alegados interessados.
Destarte, pelo exposto, consigna-se para os devidos efeitos que o Tribunal não pode considerar validamente apresentada a impugnação em apreço, razão pela qual não a irá apreciar.
Custas pelo Ilustre Advogado – cf. artigos 48.º, n.º 2 e 527.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, artigo 17.º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas e artigo 7.º, n.º 4 e Tabela II do Regulamento das Custas Processuais.
Notifique a Comissão Liquidatária e o Ilustre Advogado.”
Inconformados com esta decisão vieram os ora Recorrentes, (…),  todos por si e na qualidade de herdeiros de R1 e de R2, deduzir incidente de habilitação de herdeiros, bem como  interpor recurso, cujas alegações terminam com as seguintes conclusões:
I. Para efeitos do mandato, basta que o mesmo seja conferido uma única vez no mesmo processo, seja no principal, seja em qualquer dos seus apensos ou incidentes, para que se considerem validamente conferidos os necessários poderes de representação forense.
II. O mandato, uma vez conferido, mantém-se durante todo o processo, quer em duração, quer em extensão (ou seja, em todos os actos de todo o processo, principal, apensos e incidentes), até que se extinga, nos termos previstos na Lei.
III. In casu, os mandatos foram conferidos em 2016, como resulta das procurações juntas com as reclamações de créditos, tendo os mandantes falecido, ambos, na pendência do processo, após a apresentação da reclamação de créditos.
IV. A impugnação de créditos, nos termos do art.º 130º do CIRE, não corresponde a um novo processo, a algo que processualmente é ex novo relativamente a todo o processado anterior, sendo um apenso do processo de insolvência, que se insere na tramitação normal do processo de execução universal em que o mesmo se traduz, na chamada tramitação regular de verificação de créditos no processo de insolvência.
V. A impugnação insere-se no âmbito da tramitação regular de verificação de créditos, não tendo autonomia própria.
VI. Existe um procedimento iniciado pela declaração de insolvência, pela respectiva sentença, que determina o prazo para a apresentação das reclamações, pelo respectivo anúncio e sua publicitação, pela apresentação das reclamações de créditos, da elaboração e publicitação das listas de créditos reconhecidos e não reconhecidos, pela impugnação dessas listas, pela oposição à impugnação, pela resposta às excepções deduzidas, pela eventual audiência prévia ou despacho saneador e subsequente instrução, até à audiência de julgamento, prolação da sentença e subsequentes eventuais recursos. Foi no decurso deste procedimento que os Credores faleceram, fazendo caducar o mandato, no decurso do processo.
VII. A impugnação da lista de credores não é similar a uma petição inicial e, quanto muito essa correspondência teria de ser efectuada com referência à reclamação de créditos inicialmente apresentada.
VIII. In casu, não ocorreu falta de procurações ab origine, na medida em que as procurações foram conferidas e juntas aos autos com a primeira intervenção dos mandantes credores reclamantes no processo.
IX. Consequentemente, é aplicável o disposto no nº 2 do art.º 48º do CPC, devendo o Tribunal fixar prazo dentro do qual deve ser suprida a falta do mandato - como fez, de resto, em inúmeras outras situações de falecimento de mandantes no decurso do processo, como se vê, até, no douto despacho de que se recorre.
X. Uma vez que se mostra já promovida a habilitação dos herdeiros credores, mostra-se inútil fixar o prazo previsto no art.º 48º n.º 2 do CPC, bastando decidir o incidente de habilitação, considerando serem juntas adiante procurações de todos os herdeiros, ratificando todo o processado desde o falecimento de seus Pais.
XI. A falta de procuração decorrente da caducidade do mandato no decurso do processo é suprível nos termos do nº 2 do art.º 48º do CPC.
XII. A habilitação dos herdeiros dos credores originários mostra-se requerida e juntas aos autos procurações dos herdeiros ratificando todo o processado anterior, pelo que a situação se encontra regularizada.
XIII. O douto despacho recorrido violou, entre outros, o disposto no art.º 44º, nº 1 e 48º, nº 2 do CPC, bem como nos art.º 128º a 130º do CIRE (no sentido de considerar que a impugnação da lista de créditos não integra o processo de insolvência como um dos seus incidentes ou apensos).
XIV. O Tribunal deveria ter fixado prazo para habilitação de herdeiros e ratificação do processado, nos termos do nº 2 do art.º 48º do CPC.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Foi proferido despacho que admitiu correctamente o recurso interposto como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo.
Quanto ao incidente de habilitação de herdeiros, foi determinado que os autos ficassem a aguardar a decisão a ser proferida por esta Relação.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

2. Como é sabido, o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes define o objecto e delimitam o âmbito do recurso (artigos 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 3 e 639º, nº 1 todos do Código de Processo Civil).
Assim, atendendo ao teor das alegações apresentadas pelos Recorrentes, a única questão a apreciar versa sobre a (in)admissibilidade do despacho de não validação da apresentação do requerimento de impugnação da lista de credores reconhecidos e não reconhecidos, por o mandato forense outorgado pelos reclamantes a favor do seu mandatário ter caducado, em razão de ambos terem falecido.

3. Para além dos factos que constam do relatório que antecede, dos documentos juntos aos autos, designadamente dos procedimentos simplificados de habilitação de herdeiros, resulta ainda provado o seguinte:
a) R1 faleceu no dia 22 de Junho de 2018, no estado de casado com R2, que, por sua vez, veio a falecer no dia 3 de Maio de 2019, no estado de viúva daquele.
b) Sucederam-lhes, como seus herdeiros legitimários os seus cinco filhos, ora Recorrentes.

4. Os Recorrentes entendem que o Tribunal a quo, ao não considerar validamente apresentada a impugnação dos credores reclamantes já falecidos, pais dos ora Recorrentes, violou o disposto nos artigos 44º, nº 1 e 48º, nº 2 do CPC, bem como o disposto nos artigos 128º a 130º do CIRE, em virtude de não ter ocorrido falta de procurações ab origine (na medida em que as procurações foram conferidas e juntas aos autos com a primeira intervenção dos mandantes credores reclamantes no processo), sustentando ainda que a falta de procuração decorrente da caducidade do mandato no decurso do processo é suprível nos termos do nº 2 do artigo 48º do CPC.
Com efeito, o despacho recorrido assentou no pressuposto de que, por força do falecimento dos credores reclamantes e do que determina o artigo 1174º, alínea a) do Código Civil, o mandato judicial que haviam outorgado ao seu mandatário, Dr. AA., caducou automaticamente, verificando-se, consequentemente, uma falta de procuração ab origine da instância da impugnação, falta essa que considerou insuprível nos termos do nº 2 do artigo 48º do CPC.
Cremos, no entanto, que a situação relatada nos autos não resulta nem numa falta de procuração – na medida em que havia sido outorgada antes do falecimento dos mandantes –, nem do falecimento destes  proveio a caducidade do mandato judicial, como se refere no despacho recorrido.
4.1. No que respeita às partes, uma das condições legais para se exigir ao juiz que profira decisão sobre o pedido formulado, é a verificação de patrocínio judiciário, que, na maior parte das acções, passa pela constituição obrigatória de advogado (artigo 40º do CPC). Essa constituição de advogado faz-se normalmente através do mandato judicial conferido pela parte, ou por contrato celebrado entre a parte e o seu advogado, ou por procuração. Ao passar procuração, a parte pratica um acto unilateral, através do qual confere ao respectivo mandatário judicial o poder de praticar actos judiciais em seu nome, podendo praticá-los ainda num determinado processo se a juntar a este.
De acordo com o disposto no artigo 44º, nº 1 do CPC, o mandato conferido pela parte atribui poderes ao mandatário para a representar em todos os actos e termos do processo principal e respectivos incidentes[1], mesmo perante os tribunais superiores, sem prejuízo, porém, das disposições que exijam a outorga de poderes especiais por parte do mandante.[2]
Ora, tendo em conta que a impugnação da lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos se insere na “tramitação regular da verificação de créditos”[3], nos termos do preceituado no nº 1 do artigo 44º do CPC as procurações que haviam sido juntas aos autos aquando da dedução da reclamação de créditos conferiram ao mandatário judicial dos reclamantes os poderes necessários para os representar nesse acto processual. Daí que, como dissemos, não se verifique uma falta de procuração.
Consequentemente, se não ocorre falta de procuração, também não se verifica, no caso, qualquer dos vícios do patrocínio judiciário previstos no artigo 48º do CPC. Com efeito, estes, ou resultam da inexistência de advogado constituído, em caso de patrocínio obrigatório (artigo 41º e 577º, alínea h) do CPC), ou quando exista mandatário judicial meramente aparente, porque o mandato não foi validamente conferido, foi revogado, quer ainda porque a sua extensão não justifica a acção do mandatário ou este mandatário não age como gestor de negócios. São estas as situações  previstas no artigo 48º do CPC, nele designadas por falta, insuficiência ou irregularidade do mandato judicial.
Porém, a situação dos autos não se insere em nenhuma das previstas na norma, sendo certo que só se justificaria a intervenção do juiz de modo a diligenciar pela regularização do patrocínio judiciário, caso alguma delas se verificasse. Especificando, não se verifica a falta pura e simples de procurações, porque elas existem e foram juntas aos autos com a reclamação de créditos, nem se verifica a insuficiência ou irregularidade do mandato conferido por falta de poderes para o acto de impugnação da lista dos créditos reconhecidos e não reconhecidos ou por falhas relativas à outorga de poderes, tendo em conta que o teor das procurações outorgadas documenta os amplos poderes conferidos ao mandatário constituído.
Deste feita, não se justificava a intervenção do juiz nos termos previsto no nº 2 do artigo 48º do CPC, que, assim, não se mostra infringido.
4.2. De todo o modo, temos como certo que, após a apresentação da sua reclamação de créditos e antes da impugnação da lista dos créditos reconhecidos e não reconhecidos já os credores reclamantes haviam falecido.
Será que por força do seu falecimento o mandato forense caducou, resultando numa falta de procuração ab origine, como se afirma na decisão recorrida?
Cremos que não.
Na verdade, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 265º do Código Civil, as causas específicas de extinção da procuração aí previstas são a revogação, a resolução por justa causa e a caducidade por cessação da relação subjacente.[4] Exclui-se, pois a morte do dominus como causa de extinção da procuração. Nesta o legislador optou por uma solução diferente da escolhida para outros negócios, como, por exemplo, no mandato em que “ a lei distingue conforme se trate de um mandato no interesse exclusivo do mandante ou de um mandato também no interesse do mandatário ou de terceiro. No primeiro caso o mandato caduca com a morte do mandante, mas mantém-se em vigor nos demais.”[5]
Com efeito, determina o nº 1 do artigo 1175º do Código Civil que “a morte do mandante (…) não faz caducar o mandato quando este tenha sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro.” Por sua vez, no mandato puro e simples, no exclusivo interesse do mandante, a morte só faz caducar o mandato, “a partir do momento em que sejam conhecidas do mandatário, ou quando da caducidade não possam resultar prejuízos para o mandante ou seus herdeiros” (cfr. nº 2 do artigo 1175º do Código Civil).
 Assim, apesar de o mandato caducar por morte do mandante ou do mandatário, como preceitua o artigo 1174º, alínea a) do Código Civil – o que se justifica face à natureza tipicamente intuitu personae deste contrato, que não admite a transmissão por morte, da posição do mandante ou do mandatário para os respectivos herdeiros – “o mandatário deve continuar com a execução do mandato, tanto quanto necessário para evitar prejuízos aos herdeiros do mandante, se a causa da caducidade tiver sido a morte deste.”[6] Nas palavras de PEDRO LEITÃO PAIS DE VASCONCELOS, “o mandato que era suposto caducar, não caduca se a caducidade for prejudicial para o mandante ou seus herdeiros. Assim, morrendo o mandante, (…) este não caduca enquanto dessa caducidade puder resultar prejuízo para o mandante ou seus herdeiros.”[7] Mesmo que o facto  determinante da caducidade seja do conhecimento do mandatário, da suspensão da respectiva actividade podem advir prejuízos para o mandante e seus herdeiros. Pense-se, por exemplo, no domínio dos actos processuais, o caso de o mandante ter outorgado procuração a mandatário, com o objectivo deste propor acção cujo prazo de caducidade esteja prestes a findar. Caso aquele venha a falecer, deve o mandatário “continuar” com a execução do mandato, pese embora o não tenha de completar, se tal não for necessário para evitar a verificação de danos.[8]
Nestas situações, o mandato simplesmente não caduca, mantendo-se integralmente em vigor até que seja possível extingui-lo sem que tal importe prejuízos para o mandante ou seus herdeiros.[9]
Ora,  a situação dos autos enquadra-se bem na previsão da 2ª parte, do nº 2 do artigo 1175º do Código Civil. Com efeito, resulta dos autos que quando os credores reclamantes foram notificados, nos termos do disposto no artigo129º, nº 4 do CIRE, de que constavam da lista dos credores não reconhecidos e, consequentemente, para impugnarem a lista de credores, já ambos haviam falecido[10], pelo que se impunha ao seu mandatário, constituído aquando da outorga da procuração junta logo com a reclamação de créditos, apresentar o requerimento de impugnação de créditos dentro do prazo legal (artigo 130º, nº 2 do CIRE), sob pena de actuar o efeito cominatório da falta de impugnação, ou seja, de ficar precludida a possibilidade de aqueles credores apresentarem impugnação num momento processual posterior[11] e, consequentemente, perderem a possibilidade de o seu crédito ser incluído na sentença de verificação e graduação de créditos. Por esta razão, a morte dos mandantes nunca poderia levar à extinção do mandato por caducidade, tal como determina o artigo 1174º, alínea a) do Código Civil, porque importaria sempre prejuízos para os seus herdeiros, os ora Recorrentes.[12] Daí que não possa manter-se o despacho recorrido, desde logo porque infringe a 2ª parte do nº 2 do artigo 1175º do Código Civil.
Assim, se a morte dos mandantes não determina a extinção do mandato – que é o negócio jurídico que constitui a relação jurídica que serve de base à procuração outorgada (artigo 265º, nº 1 do Código Civil) – também nunca determinaria a extinção da procuração. Aliás, se, porventura, a morte dos mandantes levasse à extinção do mandato, a procuração extinguir-se-ia, não em razão da morte deles, mas “antes devido à extinção do negócio que constitui a relação subjacente nos termos do artigo 265º, nº 1 do Código Civil.”[13]
Desta feita, procedem as alegações de recurso, pese embora com fundamentação diferente.

5. Pelo exposto, acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o presente recurso de apelação, pelo que, revogando o despacho recorrido, ordenam o prosseguimento dos autos.
Sem custas esta apelação.

Lisboa, 17/06/2025
Nuno Teixeira
Elisabete Assunção
Ana Rute Costa Pereira
_______________________________________________________
[1] A referência aos incidentes do processo principal envolve também os processos que são tramitados por apenso (cfr. neste sentido, ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e FILIPE DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume I, 2ª Edição, Coimbra, 2020, pág. 81).

[2] Cfr. JOÃO DE CASTRO MENDES e MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Manual de Processo Civil, volume I, Lisboa, 2022, pág. 330.

[3] Cfr. TRL, Acs, de 04/09/2023 (18588/16.2T8LSN-EC.L1-1), e de 21/06/2022 (18588/16.2T8LSB-DU.L1-1), TRC, Ac. de 06/12/2016 (1540/14.0T8ACB-B.C1) e TRG, Ac. de 29/05/2014 (329/12.5TBBRG-J.G1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.

[4] O preceito em causa não esgota, porém, todas as causas de extinção da procuração, o que também acontece com os artigos 1170º e 1174º do Código Civil relativamente às causas de extinção do mandato (cfr., dando exemplos, RAUL GUICHARD, CATARINA BRANDÃO PROENÇA e ANA TERESA RIBEIRO, “anotação ao artigo 265º” in Comentário ao Código Civil. Parte geral [coord. de CARVALHO FERNANDES e BRANDÃO PROENÇA], Lisboa, 2014, pág. 646.

[5] Cfr. PEDRO LEITÃO PAIS DE VASCONCELOS, A Procuração Irrevogável, 2ª Edição, Coimbra, 2023, pág. 298.

[6] Cfr. MANUEL JANUÁRIO DA COSTA GOMES, “Contrato de Mandato”, in Direito das Obrigações, 3º volume [coord. de ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO], 2ª Edição, AAFDL, Lisboa, 1991, pág. 392. Para este autor trata-se de “um caso de pós-eficácia das obrigações, mantendo-se a vinculação do mandatário, apesar da caducidade do mandato.” (cfr. Em tema de revogação do mandato civil, Coimbra, 1989, pp. 34-36).

[7] Cfr. “anotação ao artigo 1175º” in Comentário ao Código Civil. Direito das Obrigações. Contratos em Especial [coord. de ANTÓNIO AGOSTINHO GUEDES e JÚLIO VIEIRA GOMES], Lisboa, 2023, pág. 706.

[8] Exemplo dado por PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume II, 4ª Edição, Coimbra, 1997, pág. 819.

[9] Cfr. PEDRO LEITÃO PAIS DE VASCONCELOS, Comentário ao Código Civil. Direito das Obrigações. Contratos em Especial, pág. 706, que propõe a seguinte interpretação da segunda parte do nº 2 do artigo 1175º: “a caducidade opera após correr um prazo que permita ao mandante ou seus herdeiros adoptar as providências necessárias face à extinção”. Pensamos que nestas providências se poderá incluir a habilitação de herdeiros, com a outorga de nova procuração ao mesmo ou outro mandatário.

[10] Não resulta dos autos a data em que o mandatário dos credores reclamantes, Dr. Vítor Martins de Freitas, tomou conhecimento do decesso daqueles.

[11] Cfr. neste sentido, TRE, Ac. de 19/12/2013 (proc. 3927/12.3TBSTB-C.E1), disponível em www.direitoemdia.pt.

[12] Acresce que, por morte do reclamantes, não haveria lugar à suspensão da instância nos termos do artigo 270º, nº 1 do CPC, face à norma constante do artigo 8º, nº 1 do CIRE, aplicável por força do disposto no artigo 9º, nº 3 do DL nº 199/2006, de 25 de Outubro (diploma que regula a liquidação de instituições de crédito e sociedades financeiras com sede em Portugal e suas sucursais criadas noutro Estado membro).

[13] Cfr. PEDRO LEITÃO PAIS DE VASCONCELOS, A Procuração Irrevogável, cit., pág. 211.