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PLANO DE INSOLVÊNCIA
REQUISITOS
NÃO ADMISSÃO
Sumário
Sumário (do relator) – artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil I – Apesar de o CIRE reconhecer aos credores toda a liberdade para, de forma flexível, estabelecerem o conteúdo do plano (a não ser que viole normas imperativas, cabendo ao juiz controlar a legalidade do plano), de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 195º do CIRE, o plano de insolvência deve indicar, de forma clara e precisa, as alterações que dele decorram para as posições jurídicas dos credores da insolvência. II – Concretamente, deverá indicar a sua finalidade (se se destina à liquidação da massa insolvente ou à recuperação do devedor), descrever as medidas necessárias à sua execução, já realizadas ou ainda a executar, e conter todos os elementos relevantes para efeitos da sua aprovação pelos credores e homologação pelo juiz, nomeadamente os constantes das várias alíneas do nº 2 do artigo 195º do CIRE. III – O artigo 207º, nº 1, alínea a) do CIRE permite ao juiz rejeitar proposta de plano de insolvência que não contenha qualquer um dos elementos enunciado nas várias alíneas do nº 2 do artigo 195º, depois de ter convidado o respectivo apresentante a juntar os elementos em falta ou nova proposta corrigida, em prazo razoável, e este não o ter feito. IV – Deve ser rejeitada a proposta de plano de insolvência que não descreve a informação prevista nas alíneas b), c) e d) do nº 2 do artigo 195º do CIRE, e cuja não aprovação já foi assumida por um credor com 89% dos votos a emitir.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa,
1. FISIOLBASTO – OÁSIS DO CORPO, LIMITADA, pessoa colectiva nº 504795805, (…), apresentou requerimento nos termos do artigo 17º-C do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), dando início a um processo especial de revitalização, que veio a ser concluído sem a aprovação de um plano de revitalização da devedora.
Após a comunicação de encerramento do processo negocial, o Sr. Administrador Judicial Provisório, emitiu parecer no sentido de que a devedora se encontrava em situação de insolvência, requerendo a declaração de insolvência nos termos do art. 28.º do CIRE.
A devedora consignou aceitar a declaração de insolvência, pretendendo, contudo, apresentar Plano de Insolvência.
No processo especial de revitalização, que foi apenso a estes autos, a devedora fez as menções e juntou os documentos a que alude o art. 24.º, n.º 1, do CIRE.
Em 16/01/2024 (refª 159388016) foi proferida sentença que declarou a insolvência da devedora, na qual foi determinado que a administração da massa insolvente fosse assegurada pela devedora, não tendo sido designado dia para a realização da assembleia de apreciação do relatório a que alude o artigo 156º do CIRE, por ser previsível a composição da massa insolvente e por não se vislumbrar qualquer hipótese de recuperação.
Em 21/02/2024 (refª 48043817), a insolvente veio requerer a prorrogação do prazo para apresentação do plano por mais 10 dias, alegando que o seu TOC se encontrava doente.
Por requerimento de 29/02/2024 (refª 48138949) veio a insolvente juntar aos autos documento apenso que designou como “plano para que possa ser votado”.
Entretanto, em 05/03/2024 veio o Administrador Judicial juntar o relatório referido no artigo 155º do CIRE.
Notificada do requerimento junto pela insolvente em 29/02/2024, veio a credora reclamante garantida, LC ASSET 2, S.A.R.L., requerer que fosse proferido despacho de não admissão da proposta de plano de insolvência, nos termos do disposto no artigo 207º, nº 1, alínea b) do CIRE, alegando, para tanto, que o plano apresentado não respeita as exigências previstas no artigo 195º do CIRE e que, sendo o seu crédito correspondente a 89% dos créditos provisoriamente reconhecidos, não crê existir qualquer viabilidade para aprovação do documento junto pela insolvente.
Por despacho de 17/04/2024 (refª 160538481) foi ordenada a notificação da insolvente para que juntasse aos autos Plano de Insolvência e com integral cumprimento do disposto no artigo 195.º do CIRE, nomeadamente quanto ao seu conteúdo.
Volvido mais de um mês desde a notificação, sem que nada tivesse sido dito ou requerido pela insolvente, em 26/06/2024 foi proferido despacho de não admissão do plano de insolvência apresentado pela insolvente (refª 161351122), cujo teor é o seguinte: “Considerando que a insolvente, não obstante devidamente notificada para o efeito não apresentou Plano de Insolvência que cumpra os requisitos do art. 195.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, não se admite o Plano de Insolvência apresentado nos termos do art. 207.º, n.º 1, al. a) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, considerando que o mesmo viola os preceitos sobre o seu conteúdo e os vícios não foram sanados no prazo fixado para o efeito, atendendo a que a insolvente foi notificada em 20 de Abril de 2024 para suprir os vícios e não o fez, nomeadamente não descrevendo a situação financeira, patrimonial e reditícia da sociedade, bem como não consta a informação a que alude a alínea c) do n.º 2 do art. 195.º do mesmo código ou sequer a alínea d) do mesmo. De igual modo, e atendendo ao teor do requerimento com a referência 14935187, apresentado pelo credor com 89,09% dos votos a emitir, o qual já afirmou que não aprovará o Plano de Insolvência apresentado, temos que a aprovação do mesmo é manifestamente inverosímil, pelo que, nos termos do art. 207.º, n.º 1, al. b), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, não deve o Plano de Insolvência ser admitido. Em face do exposto, não se admite o Plano de Insolvência apresentado pela insolvente, nos termos do art. 207.º, n.º 1, als. a) e b) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Notifique.”
Não se conformando com este despacho veio a Requerente devedora interpor o presente recurso e deduzir as respectivas alegações, cujas conclusões ora se transcrevem:
1. “A douta sentença recorrida viola dos princípio do CIRE, quanto a situação de insolvência.
2. Cabe aos credores e não ao tribunal votar plano
3. As conclusões do tribunal são isso mesmo
4. Os credores e que votam e isso não lhe foi possibilitado
5. A sociedade sempre respondeu aos requerimentos
6. A sociedade requereu por diversas vezes ao tribunal recorrido noticias
7. Inexiste razões para esta decisão e sobretudo os seus fundamentos
8. Não deveria ter sido tribunal da Comercio, proferir tal decisão”.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
2. Como é sabido, o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes define o objecto e delimitam o âmbito do recurso (artigos 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 3 e 639º, nº 1 todos do Código de Processo Civil).
De acordo com as conclusões formuladas, a Recorrente insurge-se contra a decisão recorrida por, em suma, o tribunal não lhe ter admitido a proposta de plano de insolvência, por o tribunal a quo entender, por um lado, que aquele documento não cumpre os requisitos previstos no artigo 195º do CIRE (por omitir a situação financeira, patrimonial e reditícia da sociedade e dele não constar as informações a que aludem as alíneas c) e d) do nº 2 do artigo 195º) e, por outro, de ser inverosímil a respectiva aprovação, em razão de um credor com 89,90% dos votos a emitir já ter afirmado que não aprovará o plano apresentado.
3. Com relevância para a decisão, encontram-se provados os factos vertidos no relatório que antecede e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
4. Perante a factualidade dada como provada, cumpre agora analisar, in casu, se se verificam os pressupostos de que partiu o tribunal a quo para não admitir a proposta de plano de insolvência apresentada.
Com efeito, o despacho proferido de não admissão do plano de insolvência fundou-se nas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 207º do CIRE.
4.1. O artigo 192º, nº 1 do CIRE permite que o regime de insolvência seja alterado por um plano de insolvência, o qual poderá abranger, designadamente, o pagamento dos créditos sobre a insolvência, a liquidação da massa insolvente e a sua repartição pelos titulares dos créditos sobre a insolvência, bem como a responsabilidade do devedor depois de findar o processo de insolvência. Como refere COUTINHO DE ABREU, “é um instrumento de natureza jurídico-negocial utilizável pelos credores que contém (em documento particular) primordialmente medidas de recuperação de empresa do devedor insolvente”. Cfr. Curso de Direito Comercial, Volume I, 13ª Edição, Coimbra, 2022, pág. 335.
Podem apresentar proposta de plano da insolvência o administrador da insolvência (depois de a assembleia de credores assim o deliberar, que aprecia o seu relatório, ou por sua própria iniciativa), o devedor (quando se apresenta à insolvência ou posteriormente – artigo 24º, nº 3 do CIRE), um credor ou grupo de credores com créditos correspondentes pelo menos a 1/5 do total dos créditos não subordinados reconhecidos na sentença de verificação e graduação de créditos, ou na estimativa do juiz, se tal sentença ainda não tiver sido proferida e ainda qualquer pessoa que responda legalmente pelas dívidas da insolvência (artigo 193º, nº 1 do CIRE). Assim, também o próprio devedor pode apresentar proposta de plano de insolvência, que poderá logo acompanhar o requerimento inicial, quando se trate de apresentação à insolvência, ou posteriormente nos termos dos artigos 223º e ss. (artigo 24º, nº 3 do CIRE). Ou seja, “o devedor tem legitimidade própria para apresentação da proposta e mesmo mais do que uma proposta, não dependendo nem de deliberação da assembleia de credores, nem de autorização ou consentimento de qualquer dos demais órgãos de insolvência”. Cfr. neste sentido, TRL, Acórdão de 21/05/2024 (proc. 18752/23.8T8LSB-E.L1), relatado por Fátima Reis Silva, no qual o ora relator foi adjunto. Desconhece-se a respectiva publicação.
Apesar de o CIRE reconhecer aos credores toda a liberdade para, de forma flexível, estabelecerem o conteúdo do plano (a não ser que viole normas imperativas, cabendo ao juiz controlar a legalidade do plano), de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 195º do CIRE, o plano de insolvência deve indicar, de forma clara e precisa, as alterações que dele decorram para as posições jurídicas dos credores da insolvência. Concretamente, em consonância com o disposto no nº 2 do artigo 195º, deverá indicar a sua finalidade (se se destina à liquidação da massa insolvente ou à recuperação do devedor), descrever as medidas necessárias à sua execução, já realizadas ou ainda a executar, e conter todos os elementos relevantes para efeitos da sua aprovação pelos credores e homologação pelo juiz, nomeadamente:
i. a identificação da empresa (nome ou firma, sede, número de identificação fiscal ou número de identificação de pessoa colectiva) e do administrador da insolvência nomeado (cfr. alínea a);
ii. a descrição da situação patrimonial, financeira e reditícia do devedor (cfr. alínea b);
iii. a indicação sobre se os meios de satisfação serão obtidos através de liquidação da massa insolvente, de recuperação do titular de empresa ou da transmissão da empresa a outra entidade (cfr. alínea c);
iv. no caso de se prever a manutenção em actividade da empresa, na titularidade do devedor ou de terceiro, e pagamentos aos credores à custa dos respectivos rendimentos, o plano de investimentos, a conta de exploração previsional, a demonstração previsional de fluxos de caixa pelo período de ocorrência daqueles pagamentos, especificando, fundamentadamente os principais pressupostos subjacentes a essas previsões, e o balanço pró-forma, em que os elementos do activo e do passivo, tal como resultantes da homologação do plano de insolvência, são inscritos pelos respectivos valores (cfr. alínea d);
v. as formas de informação e consulta dos representantes dos trabalhadores, a posição dos trabalhadores na empresa e, se for caso disso, as consequências gerais relativamente ao emprego, designadamente despedimentos, redução temporária dos períodos normais de trabalho ou suspensão dos contratos de trabalho (cfr. alínea e);
vi. o impacto expectável das alterações propostas, por comparação com a situação que se verificaria na ausência de qualquer plano de insolvência (cfr. alínea f);
vii. a indicação dos credores que não são afectados pelo plano de insolvência, juntamente com uma descrição das razões pelas quais o plano não os afecta (cfr. alínea g);
viii. qualquer novo financiamento previsto no âmbito do plano de insolvência e as razões pelas quais esse novo financiamento é necessário para executar o plano (cfr. alínea h); e,
ix. a indicação dos preceitos legais derrogados e do âmbito dessa derrogação (cfr. alínea i).
Como já antes decidido por esta Relação, no já citado Acórdão de 21/05/2024 (proc. 18752/23.8T8LSB-E.L1), “a formulação do nº 2 do artigo 195º do CIRE indica que os elementos enunciados nas várias alíneas constituem um conteúdo mínimo imperativo do plano de insolvência, sendo que a falta de algum ou alguns desses elementos, com a possível excepção dos elementos referidos nas atuais alíneas a) e i), se o plano for assim admitido, votado e aprovado, é causa de não homologação, nos termos do art. 215º do CIRE – trata-se de violação não negligenciável de regra aplicável ao conteúdo do plano”.
Apresentada pelo devedor a proposta de plano de insolvência, incumbe ao juiz decidir se a mesma é ou não admitida, intervenção esta que se justifica para “evitar não só abusos, mas também perdas de tempo e de dinheiro”. Cfr. SOVERAL MARTINS, Um Curso de Direito da Insolvência, volume II, 3ª Edição, Coimbra, 2022, pág. 71.
Com efeito, o artigo 207º do CIRE permite ao juiz “rejeitar liminarmente propostas manifestamente inviáveis, independentemente da razão por que foram apresentadas, evitando assim atrasos que a discussão dessas propostas necessariamente causaria ao processo”. Cfr. MENEZES LEITÃO, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 11ª Edição, 2021, pág. 256.
Segundo o referido artigo poderá fazê-lo quando se verifique alguma das seguintes hipóteses:
a) se houver violação dos preceitos sobre legitimidade para apresentar a proposta ou sobre o conteúdo do plano e os vícios forem insupríveis ou não forem sanados dentro do prazo razoável que o juiz fixar para o efeito;
b) quando a aprovação do plano pela assembleia de credores ou a posterior homologação pelo juiz forem manifestamente inverosímeis;
c) quando o plano for manifestamente inexequível; ou
d) quando, sendo o proponente o devedor, o administrador da insolvência se opuser à admissão, com o acordo da comissão de credores, se existir, desde que, anteriormente, já tenha sido apresentada pelo devedor e admitida alguma proposta do plano.
4.2. No caso dos autos, como decorre do despacho impugnado, a proposta de plano apresentada foi rejeitada com base nas alíneas a) e b), do nº 1, ou seja, por não descrever a informação prevista nas alíneas b), c) e d) do nº 2 do artigo 195º do CIRE e por a respectiva aprovação ser manifestamente inverosímil, dada a posição já assumida pelo credor com 89% dos votos a emitir, de que não iria aprovar o plano de insolvência apresentado.
Na verdade, no que respeita aos vícios relativos ao conteúdo do plano, verifica-se que a proposta não descreve a situação financeira, patrimonial e reditícia da sociedade (alínea b)), não indica quais as medidas a tomar de forma a permitir a sua execução (alínea c)), nem indica sequer os elementos que permitiriam aferir da viabilidade económico-financeira da manutenção da actividade da empresa (o plano de investimentos, a conta de exploração previsional, a demonstração previsional de fluxos de caixa pelo período de ocorrência dos pagamentos aos credores à custa dos respectivos rendimentos e o balanço pró-forma, nem sequer são mencionados), dado ser intenção da insolvente manter a sua actividade comercial com a administração pelos respectivos órgãos sociais (alínea d)). E, apesar de a devedora ter sido notificada para juntar aos autos “plano de insolvência com integral cumprimento do disposto no art. 195º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, nomeadamente quanto ao seu conteúdo”, nada apresentou que completasse ou alterasse o que havia sido junto em 29/02/2024.
O documento junto aos autos denominado “Plano para que possa ser votado”, quase ilegível, depois de identificar o administrador judicial provisório, dedica uma página à identificação da sociedade (com NIF, capital social, localização, actividade, CAE e forma de obrigar), a que se segue uma curta relação de créditos (identificando cinco credores), uma proposta de regularização (mas sem concretizar os valores, prazos, formas de pagamento), concluindo com um “quadro com orçamento exploração”.
Ora, excluindo o que dela consta – o que, efectivamente, é muito pouco – facilmente se constata que a proposta apresentada não cumpre, pelo menos os requisitos previstos nas alíneas b), c) e d) do nº 2 do artigo 195º do CIRE, como antes se referiu. E, apesar de ter sido proferido despacho a solicitar a junção de nova proposta – até porque o documento apresentado era quase ilegível – a devedora nem sequer respondeu, sendo certo que teve muito tempo para apresentar nova proposta sem vícios. Entre a data do despacho de aperfeiçoamento (14/04/2024) e a data do despacho de não admissão da proposta (26/06/2024), decorreram mais de dois meses.
De todo o modo, dada a posição desde logo assumida pela credora LC ASSET 2, S.A.R.L. – com 89,90% dos votos a emitir – de que não iria aprovar o plano de insolvência apresentado, facilmente se concluiria que a respectiva aprovação seria manifestamente inverosímil, por não estarem reunidas as condições previstas no artigo 212º, nº 1 do CIRE.
Perante esta situação, não restava outra solução que não fosse a de recusa da proposta apresentada.
Assim, a apelação é totalmente improcedente.
5. Pelo exposto, acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação improcedente, assim confirmando na íntegra o despacho recorrido.
Custas da apelação a cargo da Recorrente (artigo 527º, nº 2 do CPC).
Lisboa, 17/06/2025
Nuno Teixeira
Renata Linhares de Castro
Elisabete Assunção