ALTERAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
UTILIDADE PARA A DECISÃO
Sumário

Sumário: (da exclusiva responsabilidade da Relatora)
I. A instrução da causa deve atender às várias soluções plausíveis do pleito, não devendo, pois, ser desde logo negado o pedido de junção de um documento que possa relevar para efeitos de uma dessas soluções possíveis.
II. Embora nos processos de jurisdição voluntária só sejam admitidas as provas que o juiz considere necessárias (cf art. 986º nº2 do CPC), tal não significa que possam ser indeferidas in limine as diligencias probatórias requeridas pelas partes que sejam suscetíveis de ter alguma utilidade para a decisão da causa, mas tão só aquelas que, tendo em causa o fim do processo, se mostrem notoriamente desnecessárias ou supérfluas.

Texto Integral

Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório:
AA, melhor identificado nos autos, instaurou contra BB, também melhor identificada nos autos Acção Tutelar Comum, nos termos dos artigos 42.º e ss. do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro, com vista à ALTERAÇÃO do exercício das responsabilidades parentais, desde já requerendo MEDIDAS PROVISÓRIAS URGENTES, adequadas à manutenção dos menores CC e DD no Colégio ..., que ambos frequentam, formulando o seguinte pedido:
“Nestes termos e nos demais de direito, sempre com o douto suprimento de V. Exa. requer-se muito respeitosamente a alteração do decidido, por os fundamentos acolhidos não subsistirem, tendo-se alterado, podendo assim os menores CC e DD continuar a frequentar o Colégio de ..., em Lisboa, usando da bolsa que lhe foi atribuída, sem que seja devido pagamento, não havendo razão para que não seja o requerente o encarregado de educação, atenta a relação de proximidade.
Para tanto, requer-se que autuados os presentes por apenso, V. Exa. se digne a designar dia e hora para a conferência a que alude o artigo 35.º do RGPTC (ex vi artigo 42.º, n.º 5, do mesmo diploma legal), seguindo-se na falta de acordo, o que mais for de direito.
Atendendo a que os menores estão inscritos no Colégio ..., têm vaga e para não interromper o seu percurso escolar devem os menores manterem- se a estudar no Colégio de ..., o que se requer de imediato se determine provisoriamente, atendendo a que a manter-se o decidido, provocar-se-ão, desnecessariamente, grandes e graves alterações na vida escolar e não só dos menores, sem que haja fundamento relevante para tal.”
Citada a requerida, a mesma opôs-se, pugnando que o processo, por manifestamente infundado, deve ser arquivado.
Após realização de conferência de pais, junção de documentos, audição do menor CC, e pronúncia do Ministério Público, foi em 10.07.2024 proferido o seguinte despacho:
“Questão Prévia
AA apresentou esta acção de alteração de regulação do exercício de responsabilidades parentais tendo como Requerida BB. Pretende o Requerente, em suma, que as crianças DD e CC voltem a frequentar a Escola ..., que frequentaram até ao transacto ano lectivo.
Um primeiro ponto a ter em conta é de natureza processual. Na verdade, o Requerente apresenta os autos como sendo de alteração da RERP. Todavia, e como bem refere a Ex.ma Procuradora da República, estamos perante a decisão de questão de particular importância, estando em causa, de novo, a escolha da escola a frequentar pelos dois filhos do casal. Trata-se, pois, de matéria a ser tramitada nos termos do art. 44º do RGPTC.
Deste modo, determina-se, desde já, a alteração á distribuição em conformidade com o acima consignado, mantendo-se os autos, naturalmente neste J.
*
Sem prejuízo do antecedente cumpre proferir decisão nos termos do art.28º do RGPTC.
Da excepção de caso julgado
Desde já cumpre referir que a questão suscitada pelo requerente não está abrangida por qualquer excepção de caso julgado face ao anteriormente decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa. E isto porque em bom rigor é questão nova, estando em causa a frequência pelas crianças da Escola ... no próximo ano lectivo (e subsequentes até ao termo do ciclo que frequentam) alicerçada num facto novo, a saber, a concessão de bolsa de estudo as às duas crianças por parte da escola em apreço, até ao final dos respectivos ciclos de estudo.
Nos termos do art. 581.º do CPC verifica-se a excepção de caso julgado quando há identidade de sujeitos, pedido e à causa de pedir.
No caso dos autos, não existe identidade de causa de pedir, pois o Requerido vem agora invocar que os filhos poderão frequentar a escola acima indicada sem qualquer custo, uma vez que beneficiam de bolsa de estudos até ao final dos respectivos ciclos lectivos.
Ora, a oposição da aqui Requerida à manutenção das crianças na escola privada assentava em razões de natureza económica. É certo que invoca também algum mal-estar que sentia na sua relação com a escola, mas os factos em que alicerçou essa sua afirmação não se demonstraram.
Das diligências de prova levadas a cabo resultou que:
1.O DD e o CC frequentaram, por decisão dos progenitores ainda durante a constância do casamento, o Colégio ...
2.No passado ano lectivo os dois frequentaram estabelecimentos de ensino públicos na sequência de decisão judicial proferida nesse sentido.
3.O CC manifestou desde sempre a sua preferência pelo colégio ..., onde tem os seus amigos e estava bem integrado.
4.A Escola ... concedeu bolsas de estudos aos dois irmãos, mantendo-se estas até cada um deles terminar os ciclos lectivos em que se encontram neste momento.
5.O pai das crianças é professor na indicada escola.
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A convicção do Tribunal alicerçou-se na ponderação crítica e conjugada da prova documental apresentada, nas declarações prestadas pelos pais na conferência e também na audição feita a CC, sendo certo que o mesmo pediu a confidencialidade daquela. Sem pôr em causa essa confidencialidade sempre se dirá que a criança se mostra consciente do conflito parental quanto a esta matéria, não pretendendo tomar posição expressa, por respeito e amor a ambos os progenitores.
Mostrou-se. adaptado à nova escola sendo uma criança dotada de resiliência, revelando boa recordação dos colegas e do ensino da escola privada. Alias, este permitiu-lhe encarar com grande confiança o ano lectivo transacto, com o que se mostrou satisfeito. No que à prova documental diz respeito assumiram particular relevo as declarações da Escola... atinentes à concessão de bolsas de estudo aos dois irmãos.
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Cumpre apreciar e decidir.
Como acima se disse a objecção da progenitora quanto à frequência da Escola... pelos filhos DD e CC assentou no custo económico para si decorrente desta opção. Não pôs em causa em momento algum a excelência do ensino e a boa adaptação das crianças àquele. Também o CC quando ouvido pelo Tribunal demonstrou sempre gosto no colégio, onde tem amigos e cujo ensino valoriza.
Dos elementos trazidos aos autos resulta agora que está assegurada a frequência por parte dos dois meninos do estabelecimento escolar em apreço, aliás, permitindo dotá-los da mesma preparação académica que foi dada às duas irmãs mais velhas, já maiores. Tal frequência será feita sem qualquer encargo financeiro para a mãe, uma vez que as crianças beneficiam de bolsa de estudos. Acresce que tal bolsa de estudos está garantida para a integralidade dos ciclos de estudos que cada uma das crianças se encontra a frequentar. Este facto não é despiciendo, pois a continuidade de um projecto educativo e a inerente estabilidade do mesmo são um factor que contribui, desde logo, para o sucesso escolar.
Importa referir que ainda que o Tribunal entende que as bolsas de estudo se reportam a todas as despesas decorrentes da frequência do estabelecimento escolar pelos irmãos (incluindo, alimentação escolar, fardas, acompanhamento educativo ou psicopedagógico e passeios e visitas de estudo em contexto escolar) e é nesse pressuposto que decide.
Assim sendo, nos termos do art. 28º do RGPTC decide-se:
a) Determinar que EE e FF frequentem no próximo no lectivo (2024/2025) a Escola..., ali permanecendo no decurso dos ciclos de estudos que cada um frequenta na actualidade enquanto se mantiver a Bolsa de Estudos que foi concedida a cada um, mantendo- se sem qualquer custo para os seus progenitores.
*
Após cumprimento do agora determinado decidir-se á do ulterior processado.”
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Em 30.09.2024 foi proferido o seguinte despacho:
“Verifica-se que a decisão proferida nestes autos a título provisório não teve qualquer reacção processual.
Deste modo, e considerando que a mesma esgota o objecto dos autos, notifique os progenitores para informarem se aceitam que a mesma seja convertida em decisão definitiva (ao abrigo de princípios de economia e celeridade processual, tendo ainda em atenção o disposto no art. 44º do RGPTC).
Em caso negativo, deverão indicar que diligências probatórias pretendem ver realizadas nos autos.
Prazo: 10 dias.”
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Em 16.10.2024 o Autor apresentou o seguinte requerimento:
“AA, requerente nos autos à margem identificados, notificado do despacho de V. Exª, vem informar que tendo dado cópia da decisão provisória proferida nos autos, o Colégio informou que a bolsa apenas isenta os menores de pagamento das propinas mensais.
Há desconto para o apoio ao estudo, desconto para utilização dos serviços de refeitório, apenas no valor de € 53,00, quanto ao menor DD e não estão englobadas a parte não sujeita a desconto do apoio ao estudo, as visitas de estudo, alimentação e livros escolares, vide declaração e facturas emitidas pelo colégio (doc. 1, 2 e 3).
A mãe dos menores, quando estes frequentaram a escola pública, contra a vontade destes, ou lhes preparava as refeições, quando era a semana da responsabilidade dela ou providenciava dinheiro para as refeições.
Igualmente, a mãe ia levar e buscar o menor DD à Escola pública.
Actualmente, o menor DD que tem 7 anos de idade, é apenas acompanhado nos transportes pelo menor CC, com 13 anos de idade, na semana em que estão sob responsabilidade da mãe.
Face à recusa da progenitora em efectuar as marmitas de alimentação nas semanas que lhe competem, dado que o colégio não assume esse item como englobado, tem sido o requerente a efectuar as marmitas diariamente, assim como a assumir integralmente os custos da alimentação – o que não se afigura justo, nem certamente querido pelo tribunal, visto que o requerente ganha cerca de 1/3 do rendimento da requerida (a qual nunca chegou a apresentar o IRS seu e do seu marido, já que estão ambos casados.
Perante a recusa da progenitora em comparticipar os valores de livros e material escolar, o requerente assumiu tais custos, na parte em que não conseguiu providenciar livros e material em segunda mão. O mesmo sucedeu com as visitas de estudo. Ora, a requerida pagava a parte que lhe competia em livros e material escolar e visitas de estudo, quando os menores frequentaram a escola pública.
Assim, ao contrário do pressuposto da decisão proferida, as bolsas de estudo englobam somente as propinas.
Saliente-se que os menores estão radiantes de felicidade no Colégio, sendo que o menor DD deixou de registar problemas comportamentais e tem estado a beneficiar de apoio educativo, porquanto o mesmo apresentava dificuldades na escrita e na leitura, que não estão ao nível de um aluno que transitou para o segundo ano de escolaridade básica, tendo necessidade de apoio ao estudo.
A progenitora não pode eximir-se às suas responsabilidades parentais de suportar os custos que são devidos com a alimentação, livros e material escolar, visitas de estudo, sem motivo justificativo, visto que se verifica que as bolsas não englobam tais itens.
A requerida tem capacidade económica para suportar, na proporção dos seus rendimentos, as despesas que tenha de incorrer em alimentação e de preparar as marmitas dos filhos quando sejam as semanas em que os menores estejam a seu cargo.
Também não é admissível que a progenitora, em retaliação, não leve os menores ao colégio, sobretudo o menor DD que tem somente 7 anos de idade, quando o levava à escola pública.
Em conformidade com o exposto, requer-se a V. Exª, em face do exposto se digne noficar a requerida para apresentar o IRS seu e do seu marido, relavo ao ano de 2023, a fim de se verificar se a mesma tem possibilidades de economicamente suportar o valor que lhe compete na alimentação, caso não queira efectuar as marmitas nas semanas em que os menores estão sobre a sua responsabilidade, assim como as despesas com livros, material escolar e outros itens que não estejam englobados.
O requerente protesta juntar o seu IRS, a fim de se verificar a proporção de rendimentos.
Assim, todas as despesas que não sejam englobadas pelas Bolsas, devem ser suportadas pelos progenitores, na proporção dos seus rendimentos.
Por outro lado, o menor CC, com 13 anos de idade, não deve ser responsável pelo seu irmão de 8 anos, de o acompanhar nos transportes, não sendo seguro que o faça, do que a requerida deve ser adverda, devendo adoptar outra alternava.”
Em 28.10.2024 a requerida respondeu nos seguintes termos:
“BB, Requerida nos presentes autos e aí melhor identificada, vem abrigo do principio do contraditório, responder ao Requerimento apresentado pelo Requerente, nos termos e com os seguintes
FUNDAMENTOS:
1.º
O Requerente deu entrada do presente apenso, requerendo autorização para que os menores voltassem a frequentar o Colégio... onde trabalha, justificando que “A continuação da frequência do Colégio não implicará, pois, o dispêndio de qualquer valor pela requerida ou pelo requerente.” – Art.º 9.º do Requerimento inicial.
2.º
Tendo este Tribunal decidido – contrariando o que havia já sido deliberado no acórdão da
Relação de Lisboa – com base no pressuposto que “(…) as bolsas de estudo se reportam a todas
as despesas decorrentes da frequência do estabelecimento escolar pelos irmãos (incluindo,
alimentação escolar, fardas, acompanhamento educativo ou psicopedagógico e passeios e
visitas de estudo em contexto escolar”.
3.º
Mas, afinal não…ao fim de mais de três meses de ter sido proferida a decisão e quando o prazo de recurso já se encontrava ultrapassado, vem agora o Requerente informar que afinal as bolsas incluem as mensalidades mas…excluem tudo o resto!!!
4.º
Mais…fá-lo de forma ardilosa quando os menores já começaram as aulas e se encontram a meio do primeiro semestre, tornando praticamente impossível reverter a situação escolar dos menores este ano!
5.º
Não se pode deixar censurar, veementemente, a conduta do Requerente ao levianamente dar entrada dos presentes autos sem se certificar, como a isso estava obrigado, de que
correspondia a verdade o que veio afirmar para justificar a alteração dos menores das escolas onde estavam por decisão do Tribunal da Relação de Lisboa.
6.º
Induzindo, quer a Requerida quer o próprio Tribunal em erro.
7.º
Resulta muito claro do despacho proferido por este Tribunal, que foi apenas no pressuposto
que a mudança dos menores para o Colégio … não traria quaisquer custos aos pais,
porquanto a bolsa englobaria “alimentação escolar, fardas, acompanhamento educativo ou
psicopedagógico e passeios e visitas de estudo em contexto escolar” que o tribunal decidiu no sentido do despacho de 10 de Julho.
8.º
Se o Requerido tivesse, desde logo, sido claro quanto aos custos, a questão não poderia sequer ter sido apreciada por este tribunal, porquanto estaríamos na presença da excpeção de caso julgado nos termos do Art.º 581.º do CPC, havendo nessa circunstancia identidade da causa de pedir.
9.º
Não se compreende ainda a insistência na, alegadamente, superior capacidade económica da Requerida…mas também sobre isso já se pronunciou o Tribunal da Relação de Lisboa “a gestão dos recursos económicos de um determinado progenitor se organize de acordo com o seu pensamento sobre a melhor utilização desses recursos, isto é, respeitando-se (O Estado, na sua intervenção) a liberdade de cada progenitor na gestão dos recursos disponíveis, no caso em que existam”
10.º
A isto acresce que não ficou provado, em nenhum momento, que o superior interesse dos
menores estivesse mais salvaguardado na escola privada do que na pública.
11.º
Por fim sempre se dirá que a Requerida não quer os filhos a estudar naquela escola, pelos
motivos já aduzidos e que ora de dão por integralmente reproduzidos.
12.º
O Requerente aproveita ainda para desmerecer e diminuir a Requerida no seu papel de mãe,
insinuando que a mesma como retaliação, não leva os filhos ao Colégio. Questão que se
impõe…retaliação contra quem? Contra os próprios filhos?
13.º
Mas desde já se diga que é falso! A Requerente continua a levar os filhos de carro à escola, à
sexta-feira, quando o CC precisa transportar todos os seus livros para a casa do pai, e vai
busca-los à escola às segundas, quartas, quintas e sextas-feiras.
14.º
Nos restantes dias e porque considera que a utilização dos transportes públicos (4 estações de metro sem necessidade de mudar de linha) é mais cómoda e rápida para os filhos, a Requerente autoriza e incentiva que os filhos DD de 8 e o CC de 14 façam este trajecto juntos, recorrendo a este meio de transporte.
15.º
Só por má fé, se pode o Requerido servir deste facto para, como sempre, diminuir, manchar,
denegrir e desmerecer a Requerida enquanto mãe.
16.º
A verdade é que, contra a vontade da Requerida, os menores estão inscritos e a frequentar o
Colégio …, por uma decisão tomada por este Tribunal com base num pressuposto
oferecido pelo Requerente, que nunca existiu.
17.º
Devendo ser o Requerente responsabilizado por esta situação.
18.º
Responsabilização essa que deverá passar por ser o Requerente a suportar na totalidade todos
os custos com o Colégio, o que desde já se requer.
19.º
O que não será de todo injusto, até porque existe um acerto de contas a fazer entre os pais
relativamente às despesas dos filhos, uma vez que foi a Requerida quem custeou todas as
despesas de alimentação e material escolar e visitas durante o ano lectivo de 2023/2024, de
ambos os irmãos – mesmo nas semanas do pai - bem como todas as despesas de dentista do
DD, CC, GG e HH, sem qualquer comparticipação do Requerente.
Pede e espera, respeitosamente, deferimento.”
*
Em 30.10.2024 foi proferido o seguinte despacho:
“Tomei conhecimento do estado dos autos.
*
Tenha-se em atenção a procuração agora junta pela Requerida.
*
Em primeiro lugar, cabe referir que a decisão proferida nestes autos não contraria o decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em apenso diverso, clarificação que se faz para cabal esclarecimento das partes e Il. Mandatárias.
Na verdade, o acórdão proferido no apenso B pronuncia-se sobre a frequência escolar do CC e do DD num contexto fáctico (pagamento inteiramente da responsabilidade da progenitora) e a decisão proferida nestes autos tem subjacente contexto fáctico distinto. Aliás, a decisão proferida nestes autos expressamente se pronuncia sobre a existência ou não de excepção de caso julgado.
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Da alteração do regime fixado a título provisório
Nos presentes autos o Requerente veio informar que as crianças poderiam frequentar o Colégio ..., beneficiando de bolsas de estudo, o que não sucedia durante a tramitação e decisão do apenso B. Daí que se tenha entendido que atento o indicado pressuposto facto existia fundamento para nova apreciação da causa.
Vem agora o Requerente dizer que a escola o informou que há despesas, como a alimentação das crianças, que não estão incluídas na bolsa.
Ora, tal informação não foi dada a este Tribunal no momento adequado, isto é, antes da prolação da decisão já proferida nos autos. Aliás, foi dada informação em sentido contrário, pois no art. 9º da petição inicial o Requerente diz: “A continuação da frequência do Colégio não implicará, pois, o dispêndio de qualquer valor pela requerida ou pelo requerente.” E no petitório escreve: “(…) podendo assim os menores CC e DD continuar a frequentar o Colégio de ..., em Lisboa, usando da bolsa que lhe foi atribuída, sem que seja devido pagamento”
O Requerente, que é, aliás, professor na instituição escolar em causa está em situação privilegiada para recolher a informação sobre o que engloba a bolsa de estudos concedida aos filhos.
Todavia, só após a prolação da decisão judicial veio dar nota do que integra ou não a indicada bolsa.
Indefere-se, pois, o requerido quanto à junção aos autos da declaração de IRS pela Requerida nesta fase processual.
No demais, quanto às questões suscitadas de alimentação e transporte das crianças as mesmas extravasam o âmbito destes autos.
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Ulterior tramitação dos autos:
Verifica-se que não será possível lançar mão dos princípios de celeridade e adequação processuais conforme indicado no despacho antes proferido nos autos.
Assim, cumpra o disposto no art. 39º do RGPTC.”
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Inconformado, o Autor intentou recurso de apelação, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
“1) Ao contrário do referido na decisão de 10/11/24, recorrente não sonegou qualquer informação ao Tribunal , anteriormente à decisão tomada em 10/07/2024;
2) Era do expresso conhecimento da recorrida o que abrangiam as bolsas aos menores- era do conhecimento expresso da recorrida, vide requerimento apresentado em 20/10/2023, refª citius 3734438, que as bolsas de estudo não englobavam propinas:
3) Quando o tribunal notificou o recorrente, da decisão proferida em 10/07/24 este não se encontrava trabalhar e o Colégio encerrou os seus serviços, apenas reabrindo em setembro, altura em que o recorrente pediu a informação, relativamente ao que as Bolsas abrangiam;
4) O recorrente, quando lhe foi dada a informação pelo Colégio, informou o Tribunal que as bolsas apenas abrangiam, efectivamente, as propinas;
5)Relativamente às despesas extrabolsa, tal como a alimentação, viagens, actividades extracurriculares, etc. cada progenitor deve ser responsável, quer pela confecção de refeições, quer pelo pagamento de despesas relativas a tudo o que não esteja abrangido, de acordo com os rendimentos disponíveis, sob pena de violação das disposições legais e constitucionais supra referidas - artigo 13 e 36.º n.º 5 da Constituição, artigo 1874.º,1878 e 2004 do C.C., artº 28 do RGPTC.
- Manter a decisão, não a revendo está causar uma desigualdade substancial entre progenitores, agravando substancialmente a parte economicamente mais frágil, sem que haja fundamento para esse tratamento.
Termos em que deve ser alterada a decisão provisória, por forma a que os autos prossigam também, para averiguação dos rendimentos dos progenitores, para que os mesmos repartam as demais despesas, não incluídas na referida bolsa e que a requerida suporte as despesas com a alimentação e demais despesas não incluídas nas bolsas concedidas,
Com o que se fará a devida justiça.”
A requerida contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:
“1 – O Requerente deu entrada do presente apenso, requerendo autorização para que os menores voltassem a frequentar o Colégio... (onde trabalha), justificando que “A continuação da frequência do Colégio não implicará, pois, o dispêndio de qualquer valor pela
requerida ou pelo requerente.” – Art.º 9.º do Requerimento inicial.
2 – A decisão ora em crise foi tomada com base no pressuposto que “(…) as bolsas de estudo se reportam a todas as despesas decorrentes da frequência do estabelecimento escolar pelos irmãos (incluindo, alimentação escolar, fardas, acompanhamento educativo ou psicopedagógico e passeios e visitas de estudo em contexto escolar”.
3 - Ao fim de mais de três meses de ter sido proferida esta decisão e quando o prazo de recurso já se encontrava ultrapassado (tendo esta deixado de ser provisória e se tornado definitiva) veio o Requerente informar que afinal as bolsas incluem as mensalidades mas…excluem tudo o resto.
4- se o Requerente tivesse esclarecido em que condições as bolsas eram prestadas e que tal iria implicar um custo para a mãe, nem o Tribunal a quo teria tomado aquela decisão, nem a
requerida a teria aceite, porquanto já o Tribunal da Relação de Lisboa se havia pronunciado, por decisão transitado em julgado, sobre esta mesma questão, estando por isso na presença do caso julgado.
5 - o Requerente afirmou sempre e de forma categórica, que a inscrição dos menores não traria quaisquer custos para os pais, tudo como forma de justificar a alteração dos menores das escolas públicas onde estavam (por decisão do Tribunal da Relação de Lisboa,) criando uma convicção quer no Tribunal, quer Requerida que não tinha correspondência com a realidade.
6 - Não se compreende a insistência do Requerente em querer ter conhecimento do IRS da
Requerida, afirmando a superior capacidade económica desta…mas também sobre isso já se
pronunciou o Tribunal da Relação de Lisboa “a gestão dos recursos económicos de um determinado progenitor se organize de acordo com o seu pensamento sobre a melhor utilização desses recursos, isto é, respeitando-se (O Estado, na sua intervenção) a liberdade de cada progenitor na gestão dos recursos disponíveis, no caso em que existam”.
7 - A Requerida não quer os filhos a estudar naquela escola, pelos motivos já por diversas vezes aduzidos e que ora de dão por integralmente reproduzidos, não tendo ficado provado em nenhum momento, que o superior interesse dos menores estivesse mais salvaguardado naquela escola do que na pública, ainda assim, os menores estão inscritos e a frequentar o Colégio …, por uma decisão tomada pelo tribunal a quo com base num pressuposto oferecido pelo Requerente que não correspondia à verdade.
8 - O Requerente tem de ser responsabilizado pela forma leviana com que deu entrada do presente apenso, responsabilização essa que deverá passar por ser este a suportar na totalidade todos os custos com o Colégio.
9 - Decidir-se de outra forma é premiar um comportamento do Requerente processualmente inaceitável.”
O Ministério Público contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:
“1-Assiste razão ao Recorrente quando refere que a mãe está obrigada a suportar a alimentação das crianças quando estas estão a seu cargo. Aliás, foi isso que as partes acordaram ao fixar um regime de residência alternada, no qual cada progenitor suportará, na sua semana, as despesas relativas aos menores, nomeadamente com alimentação, vestuário e calçado.
2- Outra coisa, é pretender que a decisão provisória seja alterada, a fim de nela ficar a constar que sobre a mãe impende a obrigação de pagar a alimentação dos filhos no Colégio, ou ser compelida a mandar a alimentação.
3 –Quando o Recorrente solicitou o suprimento do consentimento da mãe das crianças para
inscrever as crianças no Colégio..., alegando que foi concedida uma bolsa às crianças não esclareceu se a bolsa incluía ou não a alimentação.
4 - Estamos em crer que o não fez por má fé, pois, quer as crianças frequentem a escola pública, quer frequentem a escola privada, têm que se alimentar, cabendo a ambos os progenitores suportar a despesa com a alimentação quando as crianças estão a seu cargo.
5 - E não se diga que o pagamento das refeições na escola privada é superior ao da escola pública, pois, se assim for, tal diferença não será significativa. Todavia, se for esse o caso, poderá sempre a progenitora preparar a refeição dos filhos, os quais far-se-ão acompanhar da mesma, como acontece com tantas crianças, mesmo nas escolas privadas.
6 - Não pode é a progenitora eximir-se, por mero capricho, a não providenciar pela alimentação dos seus filhos, na semana em que os mesmos residem consigo, só por que não concorda que frequentem o Colégio.
7 - Não o fazendo, poderá o Recorrente, querendo, solicitar a alteração do exercício da regulação das responsabilidades parentais, pugnando por fixação de uma pensão de alimentos, uma vez que está a arcar com a alimentação das crianças, mesmo nas semanas em que estão com a progenitora.
8 - O recurso não merece provimento, uma vez que não foi violada qualquer disposição legal, designadamente aquelas que são invocadas pelo recorrente.
Todavia,
Vª. Exas., melhor dirão,
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Em 10.03.2025 foi proferido despacho que admitiu o recurso, com subida de imediato, em separado e com efeito meramente devolutivo.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II – Objeto do recurso:
Segundo as conclusões do recurso, as quais delimitam o respetivo objeto, as questões a apreciar são as seguintes:
- Aferir se importa averiguar os rendimentos dos progenitores para efeitos de repartição das despesas escolares não incluídas na bolsa de estudo de que beneficiam os menores, e alteração da decisão provisória a fim de que a requerida suporte as despesas com a alimentação e demais despesas não incluídas nas bolsas concedidas.
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III – Fundamentação de Facto:
Os factos relevantes para a decisão são os que constam do relatório supra.
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IV- Fundamentação de Direito:
Está em causa no recurso, segundo as conclusões do mesmo, aferir se importa averiguar os rendimentos dos progenitores para efeitos de repartição das despesas escolares não incluídas na bolsa de estudo de que beneficiam os menores, e alteração da decisão provisória a fim de que a requerida suporte as despesas com a alimentação e demais despesas não incluídas nas bolsas concedidas.
A decisão recorrida foi prolatada na sequência do requerimento apresentado pelo ora Autor, no qual este peticiona que o Tribunal se “digne noficar a requerida para apresentar o IRS seu e do seu marido, relavo ao ano de 2023, a fim de se verificar se a mesma tem possibilidades de economicamente suportar o valor que lhe compete na alimentação, caso não queira efectuar as marmitas nas semanas em que os menores estão sobre a sua responsabilidade, assim como as despesas com livros, material escolar e outros itens que não estejam englobados.”
Requerimento no qual o Autor também pugna no sentido de “todas as despesas que não sejam englobadas pelas Bolsas, devem ser suportadas pelos progenitores, na proporção dos seus rendimentos.”
Este requerimento do Autor surge na sequência do convite feito pelo Tribunal às partes para se pronunciarem sobre uma eventual conversão da decisão provisória em decisão definitiva.
E não para se pronunciarem sobre uma eventual alteração da decisão provisória.
Tanto assim é que no seu requerimento o Autor não requer expressamente qualquer alteração da decisão provisória, limitando-se a pugnar no sentido da repartição entre os progenitores das despesas não englobadas nas Bolsas, na proporção dos rendimentos. O que, na falta de menção a qualquer decisão provisória nesse sentido, se deverá interpretar como se reportando à decisão definitiva que almeja.
Desconhece-se, obviamente, qual vai ser o teor da decisão definitiva.
Mas consideramos que poderá ser útil para a respetiva prolação, uma vez que a bolsa de estudo de que beneficiam os menores no Colégio que o progenitor pretende que eles frequentem não cobre todas as despesas, apurar se tais despesas são suportáveis pelos pais.
A instrução da causa deve atender às várias soluções plausíveis do pleito, não devendo, pois, ser desde logo negado o pedido de junção de um documento que possa relevar para efeitos de uma dessas soluções possíveis.
Assim, deverão ser realizadas as diligências probatórias que relevem tanto para a solução defendida por um dos progenitores como para a defendida pelo outro.
Embora nos processos de jurisdição voluntária, como o presente (cf. ar 12º do RGPTC) só sejam admitidas as provas que o juiz considere necessárias (cf art. 986º nº2 do CPC), tal não significa que possam ser indeferidas in limine as diligencias probatórias requeridas pelas partes que sejam suscetíveis de ter alguma utilidade para a decisão da causa, mas tão só aquelas que, tendo em causa o fim do processo, se mostrem notoriamente desnecessárias ou supérfluas.
A este propósito veja-se o Ac do TRP de 10.07.2019 proferido no PRoc. 20114/17.7T8PRT-C.P2, do qual se retira o seguinte trecho:
“(…)Como dissemos, estamos face a um processo de jurisdição voluntária (art.ºs 3º, al. c) e 12º do RGPTC e art.º 986º do Código de Processo Civil), valendo aqui as considerações que, a este propósito, já tecemos anteriormente. Deve apenas destacar-se para análise desta questão que o tribunal pode investigar livremente os factos, coligir provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, só sendo admitidas as provas que o juiz considere necessárias. Eis a essência da jurisdição voluntária, tal como resulta do art.º 986º do Código de Processo Civil, de onde emana categoricamente, a preponderância do princípio do inquisitório, assim, o reforço dos poderes do juiz quando comparados com o processo civil onde continua a imperar o princípio do dispositivo não obstante, entre o mais, os poderes de gestão processual do juiz e da consideração de factos não alegados, nos termos dos art.ºs 5º e 6º).
O reforço dos poderes do juiz não significa a atribuição de poderes discricionários ou de arbítrio, mas de poderes orientados, vinculados pela prossecução do fim último do processo, que é a justa composição do litígio e que, nos autos aqui em causa, é a prossecução da defesa do superior interesse da criança, descobrindo a verdade dos factos e fixando os alimentos --- quanto ao mais já foi obtido acordo e a sua homologação por sentença --- na justa medida e segundo o critério legal.
O juiz tem aqui um papel decisivo na aceitação e rejeição de meios de prova, só devendo admitir as provas que considere necessárias. Isto é, deve rejeitar as provas impertinentes, desnecessárias, inúteis, supérfluas, de modo a que a instrução seja, tanto quanto possível, simples (art.º 4º, nº 1, al. a), do RGPTC).(…)”.
Conforme resulta do supra exposto, a diligência probatória que visa recolher elementos sobre a capacidade económica dos progenitores de suportar as despesas não incluídas na bolsa de estudos oferecida pelo Colégio cuja frequência pelos menores está em causa nos autos não se mostra notoriamente despicienda para a tomada de decisão final.
Por outro lado, o apuramento dos rendimentos dos progenitores, e dessa forma, a avaliação da respetiva capacidade para suportar as despesas não cobertas pelas bolsas, poderá ainda relevar para o Tribunal a quo melhor poder reanalisar, se for caso disso, a decisão provisória que proferiu. Neste momento não nos parecem existir suficientes elementos para esse efeito.
Em suma, entende-se que o apuramento dos rendimentos dos progenitores poderá ser relevante para a boa decisão da causa.
O progenitor já protestou juntar o seu IRS, requerendo a junção do último IRS da Progenitora.
Entendemos não ser efetivamente necessária a junção da última declaração de IRS, até porque as declarações de IRS podem ser apresentadas em conjunto com pessoas que não sejam partes no processo.
Pode, pois, a última declaração de IRS da progenitora ser substituída pela última declaração da respetiva entidade patronal para efeitos de IRS (da progenitora), ou até pelo último recibo de vencimento da progenitora, à escolha desta.
No mais, não assiste razão ao apelante.
Por um lado, no seu requerimento de 26.10.2024 (sobre o qual recaiu o despacho recorrido) não requereu expressamente qualquer alteração da decisao provisória, conforme já se disse. E mesmo não estando o Tribunal a quo dependente de tal pedido para, se o entender conveniente, alterar tal decisão provisória (cf. art. 28º do RGPTC), não nos parece, também como já se disse, existirem para já elementos suficientes para esses efeito.
Por outro lado, a quem cabe a preparação das refeições dos menores para estes levarem para a escola ou, em alternativa, o pagamento das refeições na Escola é questão que extravasa o objeto dos autos (objeto que se prende apenas com a autorização para a frequência, pelos menores, do Colégio indicado na p.i.), podendo ser enquadrada à luz do que se encontra definido na regulação das responsabilidades parentais relativamente à alimentação dos menores durante os períodos de permanência com cada um dos progenitores.
O recurso procede parcialmente, com custas por apelante e apelada em partes iguais (art. 527 nº1 e 2 do CPC).
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VI. DECISÃO:
Pelo exposto acordam as Juízes desta 8ª seção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente a apelação apresentada pelo Autor/recorrente, nos seguintes termos:
1 - Revogam a decisão recorrida na parte em que indeferiu o pedido de junção aos autos da declaração de IRS pela Requerida, e em substituição desse segmento, determinam a notificação da requerida para, em dez dias, juntar aos autos, à sua escolha, um dos seguintes documentos: última declaração de IRS que apresentou; ou última declaração da sua entidade patronal para efeitos do seu IRS; ou último recibo do seu vencimento.
2 – No mais mantêm a decisão recorrida.

Custas por apelante e apelada em partes iguais.
Notifique.

Lisboa, 26.06.2025
Carla Matos
Fátima Viegas
Carla Figueiredo