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CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
REMUNERAÇÃO
REGIME DE EXCLUSIVIDADE
Sumário
Sumário: (da exclusiva responsabilidade da Relatora) I.A aplicação do disposto no referido art 19 nº2 da Lei 15/2013 de 8 de fevereiro exige a demonstração de que contrato de mediação imobiliária foi celebrado com o proprietário ou arrendatário trespassante do imóvel, que tenha sido estipulado o regime de exclusividade, e que a não realização/frustração do negócio visado no contrato de mediação seja imputável a esse proprietário/arrendatário trespassante. II.Este último aspeto pressupõe, por um lado, a demonstração de que na vigência do contrato de mediação a mediadora logrou encontrar um efetivo candidato pronto para celebrar o negócio visado, e, por outro lado, que a conduta do cliente da mediadora (proprietário/arrendatário trespassante), ao não celebrar esse negócio, seja, do ponto de vista de um homem médio, censurável, por não justificada.
Texto Integral
Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa:
I – RELATÓRIO
4 MESES – MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA., Autora melhor identificada nos autos, veio intentar a presente acção declarativa de condenação sob forma de processo comum, contra o Réu AA, também melhor identificado nos autos, peticionando o pagamento da quantia de € 23.917,08, correspondente ao valor da comissão devida, acrescida dos respectivos juros à taxa comercial,
Para o efeito, alega a Autora que, no âmbito da sua actividade comercial, celebrou um contrato de mediação imobiliária com o Réu com vista à promoção da venda do imóvel deste sito em Salvaterra, em regime de exclusividade e que, no exercício daquela prestação de serviços, angariou um interessado comprador no referido imóvel, tendo sido reduzido a escrito o respectivo contrato de promessa de compra e venda que o Réu se recusou a assinar, não obstante o mesmo já se encontrar assinado pelo comprador e o sinal ter sido transferido para a Autora.
Regularmente citado, o Réu apresentou a sua contestação alegando, em síntese, que, para além de ter perdido o interesse em vender o imóvel antes de a Autora ter angariado um interessado, o que comunicou prontamente ao consultor, a sua vida entre finais de 2022 e início de 2023 alterou-se em virtude de um grave problema de saúde na coluna vertebral, sujeitando-se a diversos tratamentos no Continente, incluindo uma intervenção cirúrgica em Fevereiro de 2023, o que levou a que o mesmo se encontrasse ausente da Ilha e sob um estado de grande debilidade e ansiedade.
Mais alega o Réu que recebeu o contrato em mãos pelo consultor, que não chegou a analisar os termos do mesmo, tendo recusado a assiná-lo, em virtude de ter denunciado o contrato de mediação e a incerteza em relação à sua mobilidade e estado de saúde no futuro, o que leva a concluir que a não concretização do negócio não se deveu a facto imputável ao Réu, ou, caso assim não se entenda, se considere a existência de uma alteração das circunstâncias para efeitos de resolução do contrato.
Por último, invoca o Réu que a Autora agiu em abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium e litigância de má-fé.
Notificada para o efeito, veio a Autora responder à matéria de exceção invocada (abuso de direito) e, bem assim ao pedido de litigância de má-fé, pugnando pela sua improcedência.
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Após tramitação processual que culminou na realização de audiência de julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto e nos termos de direito invocados, julga-se a presente acção improcedente e, em consequência:
a. a) Absolve-se o Réu AA do pedido formulado pela Autora; b) Absolve-se a Autora ..., do pedido de abuso de direito e litigância de má-fé; * Custas: na proporção do decaimento de cada parte (527.º CPC) que se fixa em 80% para a Autora e 20% para o Réu. Registe e notifique.”
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Inconformada, a Autora intentou recurso de apelação, apresentando alegações com as seguintes conclusões: I – Em ação comum em que se demanda a condenação do Recorrido no pagamento dos honorários devidos por força de contrato de mediação imobiliária celebrado com a Recorrente, considerando, que a douta sentença proferida, julgou que:… Foi celebrado contrato de mediação imobiliária entre A e Réu, em que a Autora se obrigava a conseguir interessado na compra do imóvel do Réu; o contrato foi celebrado em regime de exclusividade; o Réu obrigou-se a pagar honorários à Autora, no valor de 5% do preço do negócio efectivamente realizado, caso esta conseguisse interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato e, em regime de exclusividade, caso o negócio não se concretize por causa imputável ao cliente; a totalidade dos honorários seriam pagos quando da celebração do contrato promessa. Mais resultou provado que a autora angariou interessado comprador para o imóvel do Réu, na sequência de uma visita efectuada ao mesmo com conhecimento do Réu, tendo reduzido a escrito o correspondente contrato promessa de compra e venda, no qual o comprador interessado apôs a sua assinatura e procedeu à transferência do sinal para a Autora. ( factualidade 10 a 15 da FA) É ambígua e está em oposição com a decisão que absolveu o Recorrido, quando o faz, com a argumentação de que a este assistia causa justificativa ( doença) para não vender o imóvel que era da sua propriedade. II – Ambígua posto que confunde a obrigação de pagamento dos honorários emergente do contrato de mediação imobiliária, sendo isto que é pedido, com a obrigação outra de vender a sua habitação, obrigação que o Recorrido não chegou a assumir, pela recusa em fazê-lo. III – Existe por outro lado, oposição flagrante entre os fundamentos de facto e a decisão, justo porque, a douta sentença transpõe a que julga provada causa de justificação razoável e aceitável ( a doença) e que poderia afastar qualquer juízo de censurabilidade quando à obrigação de vender ( se alguma vez tivesse sido assumida) para obrigação outra ( pagamento da contrapartida contratada no contrato de mediação) emergente de fonte contratual diversa e cujo incumprimento é incontornavelmente imputável objectivo e subjectiamente ao Recorrido. IV – É nula a sentença que enferma do vício ancorado na alínea c) do nº 1 do art.615º do CPC. V – A análise e ponderação cuidadas dos documentos juntos pelo Recorrido ( passagens aéreas e documentação médica) onde foi bebida a fundamentação dos pontos 6),7),8) da matéria de facto exposta exigiam resposta diversa da que foi dada, devendo antes tais pontos apresentarem a seguinte redacção e ou equiparada: 6) ) Em finais de 2022, o Ré mercê de problema de saúde na coluna vertebral, surgido ao menos em Janeiro de 2022, precisou de realizar exames de diagnóstico e possível tratamento. 7) No seguimento do referido em 6) foi diagnosticada estenose coluna vertebral região lombar ( Relatório de Alta de internamento) que necessitou de tratamento cirúrgico do canal estenótico lombar L3-L4, realizado em 07.02.2023 no Hospital.... e de que teve alta de internamento em 09.02.2023. 8) Em virtude do referido em 6) e 7), no período compreendido entre Outubro de 2022 e Fevereiro de 2023 o Réu esteve ausente de ... várias vezes, algumas delas para consultas, exames e para realização daquela intervenção cirúrgica. VI - Justo porque da conjugação de tais documentos se constata que desde o início de 2022 o Recorrido vem sendo atendido nos Serviços de Urgência da área da sua residência; Não lhe foi diagnosticada qualquer hérnia discal; Fez intervenção cirúrgica que determinou o internamento por dois dias, após os quais teve alta, sem quaisquer complicações, e, cotejados tais elementos não existe correspondência entre as inúmeras viagens efectuadas e a realização de actos clínicos ali pontificados. VII- Por outro lado e da análise objectiva dos documentos médicos juntos nada evidencia que o Recorrido, em razão da doença tenha estado impedido de se ocupar de assuntos pessoais ou que da cirurgia a que se submeteu pudesse ver afectada a sua mobilidade, resultando antes o contrário, das conversações que mantinha e da expedita e pronta resposta do Recorrido aos sucessivos e.mails que lhe foram remetidos pelo consultor imobiliário e pela Coordenadora da Recorrente, acerca do negócio de mediação que se encontrava em curso. ( Cf factualidade em 18,22 e 25º da FA). VIII – Do que não é razoável sequer e muito menos aceitável o julgamento efectuado no sentido de que a situação de doença tenha qualquer nexo com o provado incumprimento do contrato de mediação e é este e só este que está em causa. Poderá ter tido a ver com a recusa em assinar o contrato promessa de compra e venda, poderá ter tido a ver com a assumida recusa em vender, mas não é esta a questão em litígio. IX – Porém e mesmo que tal se considerasse, ou seja que assistia o direito do Recorrido em se arrepender da venda, em razão da doença e que esta mesma causa seria extensível à obrigação de satisfazer a obrigação devida pelo serviço prestado,( o que decididamente se não alcança como), para operar tal causa justificativa seria necessário que fossem carreados para os autos, e não o foram, elementos de facto e circunstâncias que à luz do direito e das regras da experiência comum, permitissem concluir, com justeza, que dadas as circunstâncias forçar o Recorrido a pagar ( é isto que está em causa) seria afrontoso e mesmo desumano, como porventura seria forçá-lo a vender a casa, ou mesmo obrigá-lo a prometer vender a sua casa. X - A douta sentença ao considerar não estarem reunidas todas as condições, do ponto de vista material, atento mesmo a factualidade provada, para se determinar pela condenação do Recorrido, faz errónea aplicação do direito, posto não haver forma de poder concluir-se existir nexo causal relevante entre a doença que de facto assolou o Recorrido e que por isso decidiu já não prometer e vender a sua casa de habitação ( obrigação que nunca assumiu) e a obrigação, outra, que tinha de cumprir emergente do contrato de mediação imobiliária integralmente cumprido pela Recorrente, violando o disposto no artigo 19º da Lei da Mediação Imoniliária. Em tais termos e nos melhores de direito que V. Ex.as, como sempre doutamente suprirão deve o presente, uma vez admitido, ser julgado procedente e por conseguinte revogada a sentença recorrida sendo substituída por Acórdão que no provimento decida julgar a acção procedente e por consequência condene o Recorrido no pedido, ao que farão a que é devida JUSTIÇA.” *
A parte contrária contra-alegou, concluindo nos seguintes termos: “A. A sentença recorrida, que julgou improcedente o pedido da Autora-Recorrente, deve manter-se in totum. B. Com efeito, está aqui em causa o princípio da prova livre, consagrado no artigo 607.º n.º 5 do CPC, que mais não significa que a prova produzida é apreciada pelo juiz segundo a sua (prudente) convicção e experiência, aqui tomando em linha de conta a sua vivência de vida e do mundo que o rodeia, na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração. C. Desta forma, a sindicância à convicção do julgador de 1.ª instância apenas se mostra adequada se a mesma se apresenta manifestamente contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos, pois é o tribunal de 1.ª instância quem tem oportunidade de apreciar os vários depoimentos produzidos em audiência e os outros elementos de prova colocados à disposição pelas partes. D. No caso concreto, não existiu qualquer erro na fixação dos factos provados, afigurando-se inteiramente correta e inatacável a motivação da decisão sobre a matéria de facto. E. Em relação ao facto provado n.º 6, a fatura de 29.01.2022 não se refere a qualquer tratamento ministrado, apenas comprovando uma visita às urgências; por outro lado, a administração de injeções intramusculares, por si só, nada permite adivinhar acerca do problema de saúde do Réu- Recorrido. F. Por sua vez, no que toca ao facto provado n.º 7, consultando o Relatório Médico de 3 de março de 2024, é possível constatar que ao Réu-Recorrido foi diagnosticada uma espécie de hérnia discal; mas, ainda que o nome técnico da doença seja outro, certo é que o Réu-Recorrido foi submetido a intervenção cirúrgica, que comportava riscos sérios de dano neurológico permanente e paraplegia. G. Por fim, relativamente ao facto provado n.º 8, o Tribunal de 1.ª Instância conjugou os documentos juntos aos autos com os depoimentos prestados em audiência pelas testemunhas e pelo próprio Réu-Recorrido – que a Autora- Recorrente convenientemente olvida –, chegando à conclusão de que a doença súbita do Réu-Recorrido implicou alterações na sua vida quotidiana, ficando este impossibilitado de tratar dos seus assuntos pessoais. H. Não existe, também, qualquer nulidade da sentença recorrida, por contradição entre os fundamentos e a decisão (artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC), porquanto, ao contrário do alegado pela Autora-Recorrente, a sentença recorrida não apresentou uma justificação para o incumprimento da obrigação de outorgar contratopromessa de compra e venda e realizar a escritura de compra e venda, nem fundamentou a absolvição do pedido em tal “incumprimento”. I. Na realidade, o julgador a quo destacou a não assinatura do contrato-promessa como a causa da não concretização do negócio angariado, para depois determinar que tal causa não era imputável ao Réu-Recorrido, não tendo a mediadora, em consequência, direito a qualquer remuneração – silogismo judiciário apropriado e consentâneo com a realidade dos autos. J. Por fim, a sentença recorrida interpretou corretamente a norma do artigo 19.º n.º 2 da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro, ao considerar que só existe causa imputável ao cliente se o comportamento deste for censurável, resultando de um puro juízo arbitrário ou discricionário que rompa com a expectativa criada com a celebração do contrato de mediação. K. No caso dos autos, a recusa em celebrar o negócio angariado deveu-se ao problema de saúde que surgiu inesperadamente, afetando a base negocial sob a qual tinha celebrado o contrato de mediação. L. Nem sequer se poderá afirmar que o impedimento era meramente pontual, pois que, o Réu-Recorrido comunicou ao consultor imobiliário da Autora-Recorrente que pretendia adiar a venda da casa para uma fase em que a sua vida estivesse mais estável, e desta declaração não pode ser retirado outro sentido e alcance que não o da vontade expressa de não realizar o negócio angariado. Nestes termos, deve o presente recurso de apelação improceder na totalidade, confirmando-se integralmente a sentença recorrida, Pois, assim se fará inteira e sã JUSTIÇA.”
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O recurso foi admitido como apelação (artigo 644.º n.º1 al. a) do CPC), com subida nos próprios autos (artigo 645.º n.º1 al. a) do CPC) e com efeito meramente devolutivo.
O Tribunal a quo, nos termos e para os efeitos do artigo 617.º n.º 1 do CPC, considerou que a sentença proferida, alvo do recurso aqui admitido, não padece de qualquer nulidade.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II -Objeto do recurso:
Segundo as conclusões do recurso, as quais delimitam o respetivo objeto, as questões a apreciar são as seguintes:
- Nulidade da sentença;
- Impugnação da decisão da matéria de facto;
- Erro de Direito.
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III – Fundamentação de Facto:
A 1ª instância considerou provada a seguinte factualidade:
1) A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de mediação imobiliária;
2) Por escrito datado de 29-03-2019, denominado “Contrato de Mediação Imobiliária”, no qual figura como primeiro outorgante a Autora, ali designada como Mediadora, e como segundo outorgante o Réu, as partes declararam, entre o mais, que: “Cláusula 1.ª (identificação do imóvel) – O segundo contratante é dono e legítimo possuidor do prédio urbano, destinado a habitação, com área total de 1620 m2, sito em ..., em cuja Conservatória do Registo Predial se encontra descrito sob a ficha n.º ..., e inscrito na matriz predial urbana com o artigo ..., da respetiva freguesia de ...; Cláusula 2.ª (Identificação do Negócio) - 1- A Mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na X Compra, pelo preço de € 296.500,00 Euros (duzentos e noventa e seis mil e quinhentos euros), desenvolvendo para o efeito ações de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respetivos imóveis. 2- Qualquer alteração ao preço fixado no número anterior deverá ser comunicada de imediato e por escrito à Mediadora. Cláusula 4.ª (Regime de Contratação) - 1 - O segundo contratante contrata a mediadora em regime de exclusividade. 2- Nos termos da legislação aplicável, quando o contrato é celebrado em regime de exclusividade só a mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação durante o respetivo período de vigência, ficando o segundo contratante abrigado a pagar a comissão acordada caso viole a obrigação de exclusividade. Cláusula 5.ª (Honorários) – 1- Os Honorários só são devidos se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negocio visado pelo presente contrato, nos termos e com as exceções previstas no artigo 19.º da Lei n.º15/2013, de 8 de Fevereiro e, nos casos em que o contrato tenha sido celebrado em regime de exclusividade, o negócio não se concretize por causa imputável ao cliente, ou no caso da mediadora ter efetuado uma visita física com um dos interessados ou compradores do imóvel, nos últimos 12 meses anteriores à celebração da escritura pública de compra e venda do imóvel. 2- O Segundo Contratante obriga-se a pagar à Mediadora a título de honorários: X A quantia de 5%, calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efetivamente concretizado, acrescida de IVA à taxa legal em vigor ou a quantia de 5.000,00€ (cinco mil euros) quando aquela percentagem seja inferior a este montante, acrescendo o IVA à taxa legal em vigor. 3- O pagamento de honorários apenas será efetuado nas seguintes condições: O total dos honorários aquando da celebração do contrato-promessa. Cláusula 8.ª - (Prazo de Duração do Contrato) - O presente contrato tem uma validade de 6 Meses contados a partir da data da sua celebração, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado por qualquer das partes contratantes através de carta registada com aviso de receção ou outro meio equivalente, com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo.”
3) A Autora promoveu anunciando a disponibilidade para venda do imóvel identificado no ponto 2);
4) O imóvel identificado no ponto 2) é habitação do Réu;
5) Desde a celebração do escrito referido em 2), que o Réu sempre contactou com o Sr. BB, consultor da Autora;
6) Em finais de 2022, o Réu sofreu um problema de saúde na coluna vertebral, no qual precisou de realizar vários exames para descobrir o problema, a sua causa e possíveis tratamentos;
7) No seguimento do referido em 6), foi diagnosticada uma hérnia discal ao Réu, que precisou de ser submetido a tratamentos no Hospital...., em Lisboa, incluindo uma intervenção cirúrgica, que se realizou a 7 de fevereiro de 2023;
8) Em virtude do referido em 6 e 7), a sua vida quotidiana alterou-se e o Réu esteve ausente da ... por várias vezes e durante longos períodos de tempo, nomeadamente entre 04-11-2022 a 07-11-2022, 17-12-2022 a 26-12-2022, 03-01-2023 a 29-01-2023, 05-02-2023 a 16-02-2023, 05-03-2023 a 18-03-2023, 22-03-2023 a 27-03-2023, estando impedido de se ocupar dos seus assuntos pessoais;
9) Na sequência do referido entre 6 e 8), o Réu encontrava-se num estado de grande debilidade e ansiedade, tendo em conta que a mencionada cirurgia podia afectar a sua mobilidade.
10) Em data não concretamente apurada, mas entre finais de dezembro de 2022 e fevereiro de 2023, a Autora angariou interessado comprador para o imóvel identificado no ponto 2), pelo valor de € 350.000,00, acrescido de € 10.000,00 para aquisição do mobiliário existente;
11) No período de tempo referido em 10), o interessado comprador efectuou visita ao imóvel identificado no ponto 2) com conhecimento do Réu;
12) Em Fevereiro de 2023, a Autora reduziu a escrito um contrato promessa de compra e venda sobre o imóvel identificado no ponto 2), e remeteu-o ao interessado comprador;
13) Do escrito denominado “contrato promessa de compra e venda com sinal”, datado de 06-02-2023, no qual figura como primeiro outorgante o Réu, ali designado como Promitente Vendedor, e como segundo outorgante CC e DD, ali designado como Promitentes Compradores resulta, entre o mais, que: “Cláusula Terceira (Preço e Condições de Pagamento) 1 - O preço global do imóvel é de 360.000,00€ (trezentos e sessenta mil euros), sendo que a quantia de 350.000,00€ (trezentos e cinquenta mil euros) corresponde à aquisição do imóvel objeto de compra, e a quantia de 10.000,00€ (dez mil euros) corresponde á aquisição do mobiliário existente, quantias estas que serão pagas da seguinte forma: 2 - No ato da assinatura do presente contrato de promessa de compra e venda, os promitentes compradores entregam ao promitente vendedor, a título de sinal e principio de pagamento a quantia de 36.000,00€ (trinta e seis mil euros), sendo que: 2.1 - a quantia de 35.000,00€ (trinta e cinco mil euros) corresponde à aquisição do imóvel objeto de compra, e: 2.2- a quantia de 1.000,00€ (mil euros) corresponde a aquisição do mobiliário existente, valores que este declara ter recebido e do qual dá quitação com a assinatura deste contrato. Se o pagamento for efetuado por cheque só se torna efetivo após a sua boa cobrança. 3- Na outorga da escritura de compra e venda, os promitentes compradores liquidarão o remanescente do preço, ou seja, a quantia de 324.000,00€ (trezentos e vinte e quatro mil euros), através de cheque visado ou bancário para o efeito, sendo que 3.1 - a quantia de 315.000,00€ (trezentos e quinze mil euros) corresponde à aquisição do imóvel objeto de compra, e 3.2 - a quantia de 9.000,00€ (nove mil euros) corresponde à aquisição do mobiliário existente. (…) CLÁUSULA QUINTA - (Escritura Pública) 1- A escritura notarial de compra e venda será realizada até 15 de junho de 2023, em dia, hora e Cartório Notarial da Comarca dos ...Limítrofes que os promitentes compradores indicarão ao promitente vendedor para a morada deste acima referida, por carta registada com aviso: receção enviada com pelo menos 15 (quinze) dias de antecedência da data marcada para aquela outorga.”
14) Entre 06-02-2023 e 16-02-2023, CC e DD assinaram o contrato promessa de compra e venda referido em 12) e 13);
15) Em 16-02-2023, CC transferiu o valor do sinal referido em 13) para a conta da Autora;
16) Em 08-02-2023, pelas 19h17m, o Sr. BB, consultor da Autora, enviou mensagem escrita para o telemóvel do Réu declarando que “AA desculpa, mas já sei da operação e correu bem, ainda bem. Já falei com o comprador e apontamos uma data que acho que se consegue 15 de junho, mas ele transmitiu que se precisa de mais algum tempo não há problema, ele só me disse que queria já comprar as passagens porque quer vir cá e como tem medo de quando for a altura não conseguir vir. Diz alguma coisa pois tenho de mandar o contrato para ele assinar e meter o sinal. Obrigada e melhoras”
17) Em 14-02-2023, pelas 11h22m, o Réu enviou uma mensagem escrita para o telemóvel do Sr. BB, consultor da Autora, declarando que “Bom dia BB td bem contg desculpa não responder antes não foi possível ainda numa face difícil a mas já vai indo, sobre o negócio da casa nesta face muito difícil como te expliquei e o médico aconselha a ter muito juizo durante algum tempo pois não foi fácil e o ano 2022 para mim foi para esquecer e não consigo conciliar nesta face toda a alteração necessaria á minha vida dai tenho mesmo que adiar a venda da casa para outra face em que esteja estabilizado e com alternativa o que não tenho neste momento agradeço a teu empenho e esforço pelo objetivo seria bom mas nao aviva-se possivel abraço AA”
18) Após a intervenção cirúrgica que ocorreu em 07-02-2023, o Réu regressou à ..., entre 16-02-2023 e 05-03-2023;
19) Em data não concretamente apurada, mas durante o período referido em 18), O Sr. BB visitou o Réu, levando consigo um contrato-promessa (identificado em 13) para que o Réu o assinasse;
20) O Réu recusou assinar o contrato de promessa identificado em 13);
21) Em 18-04-2023, pelas 09h55m, a Autora, na pessoa da sua Coordenadora EE, através do endereço electrónico ... enviou o seguinte e-mail para o endereço electrónico ..., pertencente ao Réu: “Exmo. Sr. AA, Esperamos que se encontre bem. No seguimento do contrato de promessa de compra e venda em anexo, elaborado para a venda do seu imóvel, sito em ..., o qual encontra-se devidamente assinado pela promitente compradora e pago o valor relativo ao sinal previsto, vimos pelo presente solicitar a V. Ex." que informe se mantém a sua posição em não concluir o negócio. Tendo em conta o prazo já decorrido e confirmando-se a intenção de não concluir o negócio, iremos proceder à restituição da quantia entregue a título de sinal, em singelo à promitente compradora. Neste sentido, ficamos a aguardar as indicações de V. Ex.".
22) Em 18-04-2023, pelas 16h30m, o Réu através do endereço electrónico ... enviou o seguinte e-mail para o Sr. BB, consultor da Autora “Boa tarde sr. BB. Em relação aos contratos que foram feitos entre a Remax na pessoa do Sr. BB com os edifícios da empresa da estrada da ... e da ... conforma também por diversas vezes falamos verbalmente para serem retirados da circulação do catálogo Remax e da venda nesta face. Esta minha decisão como falamos não foi de agora já tem muito tempo, mas com o estado de saúde que tive desde outubro pretende seja feito o mais urgente possível e me seja informado da mesma.”
23) Em resposta ao e-mail referido em 21), o Réu, em 19-04-2023, pelas 08h29m, através do endereço electrónico ...,, enviou o seguinte e-mail para a Autora, na pessoa da sua Coordenadora EE, com o endereço electrónico ...: “Bom dia D. EE. Em relação ao exposto e como certamente tem conhecimento toda comunicação foi feita com o Sr. BB, ao qual foi informado a ele. Cumprimentos”
24) Em resposta ao e-mail referido em 23), em 20-04-2023, pelas 14h09m, a Autora, na pessoa da sua Coordenadora EE, através do endereço electrónico ... enviou o seguinte e-mail para o endereço electrónico ..., pertencente ao Réu: “Exmo. Sr. AA, No seguimento do seu e-mail, vimos confirmar que o nosso consultor BB passou todas as indicações prestadas por V. Ex.", no entanto, os contratos de mediação imobiliária nunca foram rescindidos. Relativamente ao negócio em causa, solicitamos a V. Ex." que informe se mantém a sua posição em não concluir o negócio, o que na falta de resposta vamos considerar que não o prende concluir, devendo a nossa imobiliária proceder à restituição do sinal à promitente compradora. Grata pela atenção, apresentamos os nossos mais respeitosos cumprimentos.”
25) Em resposta ao e-mail referido em 24), o Réu, em 21-04-2023, pelas 09h14m, através do endereço electrónico ...,, enviou o seguinte e-mail para a Autora, na pessoa da sua Coordenadora EE, com o endereço electrónico ...: “Bom dia D. EE. Como lhe informei no email anterior a informação foi dada ao Sr. BB que penso ser bem clara. O que pretendo com a maior brevidade o que já foi solicitado muita vez o cancelamento dos contratos que tem com a Remax o que nunca foi feito. Cumprimentos”
26) Em resposta ao e-mail referido em 25), em 22-04-2023, pelas 09h33m, a Autora, na pessoa da sua Coordenadora EE, através do endereço electrónico ... enviou o seguinte e-mail para o endereço electrónico ..., pertencente ao Réu: Exmo. Sr. AA, Considerando a sua pretensão para a não realização do negócio, somos a enviar em anexo o comprovativo da devolução do sinal à promitente compradora. De acordo com o contrato de mediação imobiliária em vigor à data do referido negócio, juntamos a nossa fatura, podendo o pagamento da comissão ser realizado por transferência bancária para o IBAN constante no canto inferior esquerdo do documento, solicitando que nos seja remetido o respetivo comprovativo de pagamento. Mais se informa que o imóvel se encontra fora de comercialização e promoção. Para quaisquer outras questões, permanecemos integralmente à sua disposição. Com elevada consideração, apresentamos os nossos mais respeitosos cumprimentos”
27) Em 22-04-2023, foi emitida pela Autora e em nome do Réu, a factura n.º 495/123, no valor global de € 20.880,00, já acrescido de IVA no valor de € 2.880,00, que se reporta a comissão imobiliária referente ao prédio sito em ... (art.º 2417);
28) Por escrito remetido em 30-06-2023, a Autora, representada pelo seu Il. Advogado, remeteu uma missiva para o Réu a comunicar o seguinte: “Fui incumbido, encontrando-me devidamente mandatado, de interpelar V. Exa. para efectuar o pagamento da importância de 18.000,00 (Dezoito mil euros) valor correspondente à comissão pela actividade de mediação na alienação de imóvel da sua propriedade, valor a que acresce IVA no montante de € 2.880.00 ( dois mil, oitocentos e oitenta euros), conforme factura 495/123 que tem já em seu poder, mas cuja cópia lhe endereço), acrescido aquele primeiro valor da importância de € 134,14 ( cento e trinta e quatro euros e catorze cêntimos) que se reporta a juros vencidos entre 22.04.2023 e a presente data à taxa legal de 4% ao ano. Em tal conformidade venho instá-lo a proceder ao pagamento da importância global de € 21.014,14 (vinte e um mil, catorze euros e 14 cêntimos) no prazo de cinco dias após o conhecimento desta, com prejuízo de recurso à via judicial a qual além do incómodo sairá sempre mais onerosa para todos. Relembro que, à luz do disposto no regime jurídico para a mediação imobiliária, designadamente o disposto no artigo 18° n° 2 b) a empresa mediadora tem direito à remuneração que lhe é devida quando o negócio se não efectiva/realiza, por facto imputável ao vendedor/cliente no contrato de mediação, resultando do caso concreto sem dúvida alguma (confira emails que lhe foram endereçados em 18, 21 e 22 de abril de 2023 e se dúvidas houvessem o seu mail de 21 de abril de 2023).”
29) Por escrito remetido em 09-08-2023, o Réu, representado pelo seu Il. Advogado, remeteu uma missiva para a Autora a comunicar o seguinte: “Fomos incumbidos pelo N/ Cliente, AA, de dar resposta à missiva que lhe foi remetida por V. Exa e a qual mereceu a N/ melhor atenção. No entanto, o N/Cliente não se reconhece devedor da quantia peticionada por V. Exa., sendo o montante peticionado pela sociedade de mediação imobiliária RE/MAX indevido e ilegítimo. Com efeito e de acordo com o n° 1 do artigo 19º da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro, que estabelece o regime jurídico da mediação imobiliária, "a remuneração é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato -promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra". Ora, como a Cliente de V. Exa. bem sabe, o N/ Cliente nunca celebrou/assinou ou sequer concordou com a celebração de qualquer contrato promessa. Alias, este só teve conhecimento que a RE/MAX teria sido celebrado um contrato promessa que visava a compra e venda do S/ imóvel, através do e-mail que V. Exa. refere de 18 de abril de 2023. Deste modo, pelo exposto, refutamos qualquer responsabilidade do N/ Cliente, seja a título de remuneração, seja a que título for, muito agradecendo que se abstenham de futura importunação com o sobredito fundamento.”
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E considerou não provada a seguinte factualidade:
a) o Réu perdeu o interesse em vender o imóvel, ainda antes da Autora ter angariado qualquer interessado;
b) O Réu comunicou ao Sr. BB a sua pretensão referida em a), pedindo-lhe que deixasse de promover e publicitar o imóvel;
c) A situação descrita em 19) dos factos provados, ocorreu antes da intervenção cirúrgica do Réu.
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IV-Fundamentação de Direito: Da nulidade da sentença:
Considera a recorrente que a sentença recorrida é nula por ser ambígua e por os fundamentos de facto estarem em oposição com a decisão.
Na sua perspetiva a sentença é ambígua por confundir a obrigação de pagamento dos honorários emergente do contrato de mediação imobiliária, sendo isto que é pedido, com a obrigação outra de vender a sua habitação, obrigação que o Recorrido não chegou a assumir, pela recusa em fazê-lo.
Por outro lado, defende a apelante a oposição flagrante entre os fundamentos de facto e a decisão, porque a sentença transpõe a que julga provada causa de justificação razoável e aceitável (a doença) e que poderia afastar qualquer juízo de censurabilidade quando à obrigação de vender ( se alguma vez tivesse sido assumida) para outra obrigação ( pagamento da contrapartida contratada no contrato de mediação) emergente de fonte contratual diversa e cujo incumprimento é incontornavelmente imputável objectivo e subjetivamente ao Recorrido.
A parte contrária discorda.
Dispõe o art. 615 nº1 al c) do CPC que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. “A nulidade ancorada na ambiguidade ou obscuridade da decisão proferida, remete-nos para a questão dos casos de ininteligibilidade do discurso decisório, concretamente, quando a decisão, em qualquer dos respectivos segmentos, permite duas ou mais interpretações (ambiguidade), ou quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento exposto na sentença (obscuridade).” – cf Ac STJ de 22.01.2019 proferido no Proc. 19/14.4T8VVD.G1.S1.
Ora, a alegada confusão entre a obrigação de pagamento dos honorários emergente do contrato de mediação imobiliária (o que é pedido), com a obrigação outra de vender a sua habitação (obrigação que o Recorrido não chegou a assumir, pela recusa em fazê-lo) não dá azo a ambiguidade da sentença, mas antes, se for caso disso, a erro de direito.
Não está em causa a clareza do sentido interpretativo do raciocínio do Tribunal a quo, mas antes a eventual existência de erro nesse raciocínio.
Por outro lado, ainda que existisse alguma obscuridade na fundamentação de direito da sentença, tal não acarretaria forçosamente a nulidade da sentença, pois seria também necessário que o próprio segmento decisório da sentença fosse equívoco. “A ambiguidade ou a obscuridade prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 615.º só releva quando torne a parte decisória ininteligível e só torna a parte decisória ininteligível “quando um declaratário normal, nos termos dos arts. 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do Código Civil, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar” – Ac do STJ de 20.05.2021 proferido no Proc. 69/11.2TBPPS.C1.S1. Em sentido idêntico, veja-se o Ac do STJ de 08.10.2020 proferido no Processo 1886/19.0T8LLE.E1.S1.
Também no Ac. do STJ de 31/03/2022 proferido no proc. n.º 812/06.1TBAMT.P1.S1se refere que: “não é qualquer ambiguidade ou obscuridade que provoca a nulidade da sentença, mas apenas aquela que torna a decisão ininteligível.”; “a ininteligibilidade relevante para efeito do art. 615.º do CPC é a da decisão da causa e não a mera ininteligibilidade de um argumento utilizado no percurso decisório.”.
Efetivamente, como se diz no Acórdão do Tribunal Constitucional de 20.02.2018, proferido no Processo n.º 1051/2017, 2ª Secção, “A simples ambiguidade ou obscuridade, que não se reflita na cognoscibilidade do sentido decisório, deixou, com o ordenamento processual civil vigente, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, de constituir fundamento de nulidade da sentença.”
Ora, o segmento decisório da sentença é inequívoco quanto à absolvição do Réu do pedido, nos exatos termos que constam desse segmento decisório.
Não há, pois, qualquer nulidade da sentença por ambiguidade.
Vejamos agora se a sentença é nula por virtude de oposição entre os seus fundamentos e a decisão.
Conforme referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís filipe Pires de Sousa, obra citada, pag 793 e 794, anot. 11, “a nulidade a que se reporta a 1ª parte da al. c) ocorre quando existe incompatibilidade entre os fundamentos de direito e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado. Situação que, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, em que as premissas devem condizer com a conclusão, também não se confunde com um eventual erro de julgamento, que se verifica quando o Juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe solução jurídica diferente”.
In casu, não se verifica contradição entre a fundamentação de direito que consta na sentença, onde se considera que o Réu logrou afastar a sua culpa pelo não cumprimento do contrato celebrado entre as partes (o contrato de intermediação), afastando a aplicação da excepção constante do n.º2 do artigo 19.º da Lei n.º15/2013, de 8 de Fevereiro, e a decisão de absolvição do Réu do pedido, que é uma consequência lógica daquela.
Se essa fundamentação de direito é ou não correta é questão diversa que apenas interessa ao mérito da ação, inexistindo a apontada nulidade.
Improcede, pois, a arguição das invocadas nulidades da sentença. Da impugnação da decisão da matéria de facto:
Dispõe o art. 640º do CPC, com a epigrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, que: 1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência proferido pelo STJ em 17.10.2023 no proc. 8344/17.6T8STB.E1-A.S1 uniformizou jurisprudência nos seguintes termos: “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.”
Assim, embora tenha que constar nas conclusões do recurso a indicação dos concretos factos incorretamente julgados, já não tem necessariamente que constar nas mesmas a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, do corpo das alegações do recurso. E também não tem que constar nas conclusões a indicação dos meios probatórios de suporte à pretendida decisão alternativa, podendo tal indicação ser efetuada no corpo das alegações.
E como deve ser feita a enunciação dos factos incorretamente julgados?
Responde a tal questão o Ac. do STJ de 12-09-2019 proferido no Proc. 1238/14.9TVLSB.L1.S2, cujo sumário se passa, em parte, a transcrever: “(…) III – Havendo recurso da decisão proferida quanto à matéria de facto, a apreciação do cumprimento das exigências de especificação feitas no art. 640º do mesmo diploma tem de ser feita à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. IV – Não impondo a lei, textualmente, que a identificação dos factos seja feita, nem pela indicação do seu número, nem pela indicação do seu teor exato, não pode deixar de se considerar suficiente qualquer outra referenciação feita pelo recorrente, desde que elaborada em termos tais que não deixem dúvidas sobre aquilo que pretende ver sindicado, assim definindo o objeto do recurso nessa parte, através da enunciação suficientemente clara da questão que submete à apreciação do tribunal de recurso.”
Ou seja, não têm tais factos que ser necessariamente identificados por remissão para o respetivo número (até porque podem não estar numerados) nem por reprodução do seu exato teor; o que importa é que resulte clara a sua indicação, ainda que por outro modo de referenciação.
Para além do cumprimento dos ónus referidos no art 640º do CPC, o recurso da decisão sobre a matéria de facto pressupõe ainda a utilidade ou pertinência da pretendida alteração da matéria de facto, de acordo com a regra prevista no art 130º do CPC, aplicável a todos os atos processuais, segundo a qual “Não é lícito realizar no processo atos inúteis.” Ou seja, a alteração pretendida deverá ser relevante para a decisão da causa.
Veja-se, a este propósito, o Ac. do STJ de 19.05.2021 proferido no Proc. 1429/18.3T8VLG.P1.S1, onde se sumaria que: “O Tribunal da Relação pode recusar-se a conhecer do recurso de impugnação da matéria de facto relativamente àqueles factos concretos objeto da impugnação, que careçam de maneira evidente de relevância jurídica à luz das diversas soluções plausíveis da questão de direito, evitando, de acordo com o artigo 130.o do CPC, a prática de um ato inútil.”
Uma última nota:
Conforme referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa in CPC Anotado, Vol. I, Almedina, 3ª ed., pag. 858, na anot. 5 ao art. 662º, desde que se mostrem cumpridos os requisitos formais que constam do art. 640º, a Relação não está limitada à reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes, devendo atender a todos quantos constem do processo, independentemente da sua proveniência (art 413º) sem exclusão sequer da possibilidade de efetuar a audição de toda a gravação se esta se revelar oportuna para a concreta decisão. Mais acrescentam os referidos Autores que tendo a Relação reapreciado os meios de prova indicados relativamente aos pontos de facto impugnados pelo recorrente, não está o Tribunal da Relação impedido de alterar outros pontos da matéria de facto, cuja apreciação não foi requerida, desde que essa alteração tenha por finalidade ou por efeito evitar contradição entre a factualidade que se pretendia alterar e foi alterada e outros factos dados como assentes em sede de julgamento.
Feito este enquadramento, passemos a apreciar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto que integra o objeto do recurso.
Está em causa a factualidade dada como provada nos pontos 6,7, e 8 dos factos provados, os quais têm o seguinte teor:
6) Em finais de 2022, o Réu sofreu um problema de saúde na coluna vertebral, no qual precisou de realizar vários exames para descobrir o problema, a sua causa e possíveis tratamentos;
7) No seguimento do referido em 6), foi diagnosticada uma hérnia discal ao Réu, que precisou de ser submetido a tratamentos no Hospital...., em Lisboa, incluindo uma intervenção cirúrgica, que se realizou a 7 de fevereiro de 2023;
8) Em virtude do referido em 6 e 7), a sua vida quotidiana alterou-se e o Réu esteve ausente da ... por várias vezes e durante longos períodos de tempo, nomeadamente entre 04-11-2022 a 07-11-2022, 17-12-2022 a 26-12-2022, 03-01-2023 a 29-01-2023, 05-02-2023 a 16-02-2023, 05-03-2023 a 18-03-2023, 22-03-2023 a 27-03-2023, estando impedido de se ocupar dos seus assuntos pessoais;
A apelante entende que devem passar a ter a seguinte redação: 6) Em finais de 2022, o Ré mercê de problema de saúde na coluna vertebral, surgido ao menos em Janeiro de 2022, precisou de realizar exames de diagnóstico e possível tratamento. 7) No seguimento do referido em 6) foi diagnosticada estenose coluna vertebral região lombar ( Relatório de Alta de internamento) que necessitou de tratamento cirúrgico do canal estenótico lombar L3-L4, realizado em 07.02.2023 no Hospital.... e de que teve alta de internamento em 09.02.2023. 8) Em virtude do referido em 6) e 7), no período compreendido entre Outubro de 2022 e Fevereiro de 2023 o Réu esteve ausente de ... várias vezes, algumas delas para consultas, exames e para realização daquela intervenção cirúrgica.
Fundamenta a sua pretensão nos documentos juntos pelo Recorrido (passagens aéreas e documentação médica) porque da conjugação de tais documentos se constata que desde o início de 2022 o Recorrido vem sendo atendido nos Serviços de Urgência da área da sua residência; Não lhe foi diagnosticada qualquer hérnia discal; Fez intervenção cirúrgica que determinou o internamento por dois dias, após os quais teve alta, sem quaisquer complicações, e, cotejados tais elementos, não existe correspondência entre as inúmeras viagens efectuadas e a realização de actos clínicos ali pontificados.
Por outro lado desses documentos nada evidencia que tenha estado impedido de se ocupar de assuntos pessoais ou que da cirurgia a que se submeteu pudesse ver afectada a sua mobilidade, resultando antes o contrário das conversações que mantinha e da expedita e pronta resposta do Recorrido aos sucessivos e-mails que lhe foram remetidos pelo consultor imobiliário e pela Coordenadora da Recorrente, acerca do negócio de mediação que se encontrava em curso. (Cf factualidade em 18,22 e 25º da FA).
A parte contrária discorda.
O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão quanto aos factos em causa nos seguintes termos: “Os pontos n.ºs 6 a 9 dos factos provados extrai-se das declarações de parte do Réu que afirmou que, em virtude de um problema de saúde na coluna vertebral, que surgiu em Outubro de 2022, esteve ausente da ... por diversas vezes e períodos de tempo, tendo ido para o Continente sujeitar-se a exames, tratamentos e internamentos, que culminaram numa intervenção cirúrgica em 07-02-2023, tendo ficado posteriormente em recuperação no Continente. Tal factualidade encontra-se corroborada pela documentação junta na contestação, nomeadamente documentos n.ºs 1 e 2, que correspondem, respectivamente, a documentação clínica do Réu e a bilhetes de avião entre ... e Lisboa, nos períodos indicados. Na sequência do problema de saúde, o Réu referiu, de forma credível e sincera que não “tinha capacidade” para tratar dos seus assuntos pessoais, nem tinha condições para “responder a contactos” por parte do Sr. BB, tendo-lhe comunicado que não tinha interesse em vender a sua casa. Atendeu-se igualmente ao depoimento prestado pela testemunha FF, filha do Réu que confirmou de forma séria, sincera e coerente que acompanhou o pai durante o processo da doença que lhe surgiu em Novembro de 2022, tendo feito vários exames, “tendo sido operado de urgência em Fevereiro de 2023”, e que após a sua alta, o Réu ficou em recuperação, até Março de 2023, na casa da testemunha no Continente. Mais afirmou que o mesmo “estava preocupado com a situação atendendo à gravidade da operação a realizar e com o seu futuro”, que poderia por em causa negócios que tem por conta própria, nomeadamente o negócio de mergulho. Quanto ao objecto do processo, a mesma referiu que “nunca assistiu a conversas, mas que houve tentativas de contacto do Sr. BB” e que o seu pai, ora Réu, “não respondia porque andava em tratamentos” Por último, teve-se em consideração o depoimento prestado pela testemunha GG, filho do Réu, que declarou de forma clara, séria e evidente que, durante o processo de tratamento da doença, o Réu “estava em baixo fisicamente e psicologicamente afectado”, sabendo apenas que “a determinada altura e no decorrer da situação, o pai acabou por desistir da venda da casa”.
Apreciando.
A pretendida alteração de redação do facto 6 não procede. Há efetivamente uma fatura do Centro de Saúde local correspondente a episodio de urgência com data de 26.01.2022, mas a mesma não refere injeções intramusculares; a que contém tal alusão data de 09.10.2022. Ora, desconhece-se qual a concreta causa das referidas injeções, mas ainda que se relacionem com o problema de saúde descritos nos pontos seguintes da matéria de facto, a respetiva data (09.10.2022) sempre seria compatível com o que consta do ponto 6.
No que respeita à alteração da redação do facto provado 7, assiste parcialmente razão à apelante.
Efetivamente, atenta a genérica e inexata redação do diagnóstico que consta na redação do facto, por confronto face ao que resulta, com exatidão, do relatório de alta clínica junto à contestação, deve-se, pois, precisar tal diagnóstico de acordo com a informação que consta nesse Relatório.
Já quanto ao demais sugerido pela Apelante, verifica-se que extravasa o âmbito do facto que foi dado como provado; efetivamente, no facto 7 não há alusão quer ao tipo ou descrição da cirurgia realizada, ou à data da alta clínica, pelo que não procede o aditamento de tais factos.
Assim, a redação do facto 7 apenas será reformulada no que respeita à identificação do diagnóstico, passando a ter a seguinte redação:
“No seguimento do referido em 6), foi diagnosticada ao Réu estenose da coluna vertebral região lombar, que precisou de ser submetido a tratamentos no Hospital...., em Lisboa, incluindo uma intervenção cirúrgica, que se realizou a 7 de fevereiro de 2023;”
Quanto ao facto 8 parece-nos que assiste razão à Apelante no que diz respeito à falta de prova documental que suporte que algumas das deslocações aí descritas decorrem do descrito nos factos 6 e 7. Designadamente as de Março de 2023, pois não foi apresentada documentação comprovativa da realização de consultas, exames ou tratamentos no continente em Março, sendo que entendemos ser necessária a presentação de documentação de suporte, pelo que terão que ser eliminadas do facto. O mesmo se diga da deslocação de 04 a 07 de Novembro e da de 17 a 26 de Dezembro de 2022 a que apelante faz expressa referencia na motivação do recurso. Já que no que respeita às de Janeiro e Fevereiro de 2023, porque existem documentos comprovativos de que no período que elas compreendem foram realizados atos clínicos no continente, entende-se que deve permanecer como provado que são decorrentes do exposto em 6) e 7). E bem assim que durante as mesmas o Réu estava impedido de se ocupar dos seus assuntos pessoais, o que, em termos de experiência comum, é consentâneo com uma situação de doença e de realização de uma cirurgia, e é também consentâneo com os depoimentos dos filhos do Réu e as declarações do próprio Réu relativamente ao seu estado psicológico.
Deve ainda ser eliminada do facto a referência a “longos períodos” que é puramente conclusiva.
Assim, o facto 8 deve ser reformulado (embora não nos exatos termos defendidos pela apelante), expurgando-se do mesmo - para além das referências conclusivas - que em virtude do referido em 6) e 7) o Réu esteve ausente da ilha de ... entre 04 a 07 de Novembro, 17 a 26 de Dezembro de 2022, 05-03-2023 a 18-03-2023, e 22-03-2023 a 27-03-2023.
Passará, pois, a ter a seguinte redação:
“8) Em virtude do referido em 6 e 7), a sua vida quotidiana alterou-se e o Réu esteve ausente da ... entre 03-01-2023 a 29-01-2023 e 05-02-2023 a 16-02-2023, estando impedido de se ocupar dos seus assuntos pessoais. “ Do erro de direito:
Tal como se refere na sentença sob recurso, e não foi posto em causa no recurso, foi entre as partes celebrado contrato de mediação imobiliária sujeito à disciplina prevista na Lei 15/2012 de 08.02.
Nos termos do disposto no nº1 do art 2º desta Lei “A atividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis.”
Está em causa saber se ocorreu erro de direito na negação à Autora da remuneração decorrente do contrato celebrado com o Réu.
Vejamos.
Dispõe o art. 2º nº1 da Lei 15/2013 de 08.02 suprarreferida que: A atividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis.
Por sua vez dispõe o art. 19º da referida Lei, com a epigrafe “Remuneração da empresa”, que: “1 - A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra. 2 - É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel. 3 - Quando o cliente for um potencial comprador ou arrendatário, a empresa, desde que tal resulte expressamente do respetivo contrato de mediação imobiliária, pode cobrar quantias a título de adiantamento por conta da remuneração acordada, devendo as mesmas ser devolvidas ao cliente caso o negócio não se concretize. 4 - O direito da empresa à remuneração cujo pagamento caiba ao cliente proprietário de imóvel objeto de contrato de mediação não é afastado pelo exercício de direito legal de preferênciasobre o dito imóvel. 5 - O disposto nos números anteriores aplica-se apenas a contratos sujeitos à lei portuguesa.”
Nos termos do art. 16º nº1 da Lei 15/2013 de 08.02 “O contrato de mediação imobiliária é obrigatoriamente reduzido a escrito.”, sendo que, nos termos do nº2 al C) do mesmo artigo constam, obrigatoriamente, do contrato, entre outros elementos, “As condições de remuneração da empresa, em termos fixos ou percentuais, bem como a forma de pagamento, com indicação da taxa de IVA aplicável”.
E a esse propósito (remuneração) a clausula 5ª do contrato de mediação prevê o seguinte: Cláusula 5.ª (Honorários) – 1- Os Honorários só são devidos se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negocio visado pelo presente contrato, nos termos e com as exceções previstas no artigo 19.º da Lei n.º15/2013, de 8 de Fevereiro e, nos casos em que o contrato tenha sido celebrado em regime de exclusividade, o negócio não se concretize por causa imputável ao cliente, ou no caso da mediadora ter efetuado uma visita física com um dos interessados ou compradores do imóvel, nos últimos 12 meses anteriores à celebração da escritura pública de compra e venda do imóvel. 2- O Segundo Contratante obriga-se a pagar à Mediadora a título de honorários: X A quantia de 5%, calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efetivamente concretizado, acrescida de IVA à taxa legal em vigor ou a quantia de 5.000,00€ (cinco mil euros) quando aquela percentagem seja inferior a este montante, acrescendo o IVA à taxa legal em vigor. 3- O pagamento de honorários apenas será efetuado nas seguintes condições: O total dos honorários aquando da celebração do contrato-promessa.
Assim sendo, a Autora terá direito a remuneração caso consiga interessado que concretize o negócio visado, ou seja, o negócio de compra e venda do imóvel do Réu.
Questão diferente é a do momento do pagamento, in casu, aquando da celebração do contrato promessa, havendo como que uma antecipação do vencimento da obrigação de pagamento da remuneração.
Ou seja, ainda que o pagamento dos honorários seja devido logo com a celebração do contrato promessa, o direito à remuneração não dispensa a realização do negócio de compra e venda do imóvel, aquele que é visado pela intermediação, realização que é constitutiva do direito à remuneração.
A este propósito veja-se o Ac. do STJ de13.02.2025 proferido no Proc. 2086/23.0T8FAR.E1.S1, cujo entendimento perfilhamos, transcrevendo-se o respetivo sumário: “I. No contrato de Mediação Imobiliária, o direito da mediadora à remuneração só nasce com a conclusão e perfeição do negócio visado, em conformidade com a regra ínsita na primeira parte do n.º 1 do art.º 19.º da lei nº 15/2013, de 08.02 (RJAMI). II. Daí que a conclusão do contrato visado com a mediação não só marca o momento em que a remuneração é devida, como também é o facto constitutivo do direito da empresa à retribuição acordada. III. Em caso de celebração de contrato-promessa, podem as partes acordar na antecipação do pagamento, total ou parcial, para o momento da sua celebração, no reconhecimento de que se trata de um marco relevante no iter negocial que se reporta ao momento, à “fase”, do pagamento da remuneração e não à aquisição ou constituição do direito da mediadora à remuneração, assinalando a vinculação das partes à celebração do contrato prometido, situação a que respeita a previsão da 2.ª parte do citado n.º 1 do art.º 19.º. IV. Ou seja, o artigo 19.º da Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro, na redação introduzida pelo DL 102/2017, de 23 de Agosto estabelece apenas o vencimento antecipado da remuneração no caso de o vendedor e o interessado celebrarem um contrato-promessa e o contrato de mediação prever o pagamento da remuneração logo nessa fase, na expectativa de que, em condições normais e com grande probabilidade, ao contrato-promessa se seguirá a celebração do contrato prometido. Daqui não resultando, portanto, que se tenha constituído o direito da mediadora à remuneração, o qual continua dependente da conclusão e perfeição do negócio definitivo. V. Assim, se, apesar de ter sido convencionada aquela antecipação do pagamento da remuneração, o contrato definitivo não se vier a realizar, a mediadora deve restituir ao cliente as quantias a esse título recebidas.”
Ora no caso dos autos, não foi celebrado qualquer contrato de compra e venda do imóvel do Réu, nem tampouco chegou a ser assinado pelo Réu o contrato promessa de compra e venda do imóvel, pelo que não é devida remuneração ao abrigo do nº1 do art. 19º da Lei lei nº 15/2013, de 08.02 .
A questão que releva é a de aferir se será devida remuneração ao abrigo do nº2 desse preceito legal, ou seja, se estamos perante um caso em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.
Comentando esta norma (art 19 nº2 da Lei 15/2013) Higina Carvalho, in Contrato de Mediação Imobiliária, DataVenia, Ano 4, nº6, de Novembro de 2016, páginas 103 e 104, refere o seguinte: “(…)Esta norma, que em substância vem dos dois regimes anteriores, introduz na disciplina contratual uma diferença significativa relativamente ao regime geral do contrato de mediação, no qual a remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação (ou de sua promessa, quando assim tiver sido acordado no contrato de mediação). No regime geral, não se celebrando o contrato visado, ainda que por causa imputável ao cliente, não nasce o direito à remuneração, pois o cliente mantém intacta a sua liberdade de contratar (balizada apenas, nos termos gerais, perante o terceiro, pelo dever de boa fé nas negociações). Tendo sido estipulada uma cláusula de exclusividade num contrato de mediação celebrado com o proprietário ou com o arrendatário trespassante, o panorama altera-se. Nestes casos, a remuneração da mediadora não depende do evento futuro e incerto constituído pela celebração do contrato visado, quando este evento não se concretize por causa imputável ao cliente. A remuneração da mediadora depende aqui quase unicamente do cumprimento da sua obrigação e do sucesso desta. De enfatizar que a aplicação da norma contida no n.º 2 do art. 19 implica a prova da efetiva obtenção de alguém genuinamente interessado e pronto a celebrar o contrato nos moldes em que foi concebido no âmbito do contrato de mediação. Provando a mediadora que efetuou com sucesso a sua prestação, o cliente poderá eximir-se à remuneração mediante a prova de que o contrato não se concretizou por causa que não lhe é imputável (porque, por exemplo, recebeu, entretanto e inesperadamente, uma ordem de expropriação, ou porque o terceiro não obteve o crédito necessário à realização do negócio).(…)”
Vejamos também alguma jurisprudência sobre esta matéria:
- Ac. do TRP de 30.06.2022 proferido no Processo 12308/21.7T8PRT.P1, com o seguinte sumário: “I - No contrato de mediação imobiliária, em princípio a remuneração do mediador só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado (artigo 19.º/1 da Lei n.º 15/2013). II - Se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária assim estiver previsto, é devida uma remuneração ao mediador logo que o contrato-promessa seja celebrado, mas, mesmo nessa situação, se o negócio prometido não chegar a ser concretizado pode haver lugar à restituição dessa remuneração. III - Excepcionalmente a remuneração é devida, apesar de o negócio visado não se ter concretizado, se as partes tiverem acordado a exclusividade e o negócio visado no contrato de mediação não se concretizar por causa imputável ao cliente, desde que o cliente seja o proprietário ou o arrendatário trespassante (artigo 19.º/2 da Lei n.º 15/2013). IV - Deve entender-se que é por causa imputável ao cliente que o contrato não se concretiza quando isso resulta da circunstância de os promitentes-compradores terem resolvido o contrato-promessa por incumprimento das obrigações do promitente-vendedor e este renuncia à impugnação da resolução e pratica actos que traduzem a aceitação e conformação com a extinção do contrato-promessa (celebra um acordo sobre os efeitos da extinção do contrato e restitui o sinal).”
- Ac. do TRP de 27-01-2022 proferido no Processo 14716/20.1T8PRT.P1, com o seguinte sumário: I - No contrato de mediação imobiliária, em princípio a remuneração do mediador só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado (artigo 19.º/1 da Lei n.º 15/2013). II - Excepcionalmente a remuneração é devida, apesar de o negócio visado não se ter concretizado, se as partes tiverem acordado a exclusividade e o negócio visado no contrato de mediação não se concretizar por causa imputável ao cliente, desde que o cliente seja o proprietário ou o arrendatário trespassante (artigo 19.º/2 da Lei n.º 15/2013). III - Por causa imputável deve entender-se não apenas o factor situado na esfera de disponibilidade do cliente, mas aquele em relação ao qual se possa afirmar que só por razões censuráveis o cliente fez com que o negócio visado não fosse concretizado, de modo que não sendo possível do ponto de vista normativo censurar o comportamento que é causa adequada da não concretização do negócio a remuneração não é devida, ainda que o comportamento esteja relacionado ou se prenda com a pessoa do cliente.
- Ac do TRC de 10.09.2019 proferido no Proc.4996/17.5T8LRA.C1, com o seguinte sumário: “I - Na vigência de contrato de mediação imobiliária, mesmo em regime de exclusividade, o comitente pode, por si próprio, vender o imóvel. II - Na previsão do nº2 do artº 19º da Lei nº15/2013 de 08.02, o direito da mediadora à remuneração da comissão apenas emerge se provados factos alicerçantes de imputação de um juízo ético jurídico de censura ao comitente e, bem assim, se provado que, não fora a atuação deste, a venda a cliente por si apresentado seria realizada no período daquela vigência.
- Ac. do TRP de 24.09.2020 proferido no Processo 5061/19.6T8LRS.L1-2, com o seguinte sumário: I – Num contrato de mediação imobiliária, pela cláusula de exclusividade, as partes determinam que o mediador terá direito à remuneração se o contrato pretendido for celebrado durante o período de exclusividade acordado; tratando-se de exclusividade “simples” isso sucederá sempre que esse contrato tenha sido celebrado em consequência da actividade de outro mediador, mas já não quando resulte da actuação da outra parte, o próprio. II - No contrato de mediação imobiliária celebrado entre a A. e a R., a cláusula de exclusividade dele constante reporta-se a um regime de exclusividade “simples”, não impedindo a R. de negociar directamente a venda do imóvel. III - A aplicação do disposto no n.º 2 do art. 19 da lei 15/2013, de 8-2, implica a prova da efetiva obtenção de alguém verdadeiramente interessado e pronto a celebrar o contrato, que haja um interessado efectivo para o negócio, aceitando as condições estabelecidas. IV – No caso dos autos a A. não fez prova de que conseguira alguém verdadeiramente interessado e pronto a celebrar o contrato nos termos previstos no contrato de mediação.
- Ac. do TRG de 16.12.2021 proferido no Processo 600/20.2T8FAF.G1, com o seguinte sumário: 1- A remuneração do contrato de mediação imobiliária encontra-se prevista de forma imperativa no nº 1 do artigo 19º do DL 15/2013: constitui-se com a celebração do contrato visado ou, nos casos em que foi expressamente acordado que independentemente da concretização do negócio visado a mesma seria devida pela celebração do contrato promessa, nesse momento. 2- São três os requisitos para que a mediadora possa exigir o pagamento da remuneração, nos termos do nº 2 do artigo 19º do DL 15/2013: 1 -- que o contrato de mediação tenha sido celebrado com o proprietário ou o arrendatário trespassante do bem imóvel; 2 -- que tenha sido acordado o regime de exclusividade; 3—e que a não concretização do negócio visado tenha causa imputável ao cliente. 3- Porque com esta norma não se pretende transferir o risco do negócio de mediação para a contraparte (o cliente da mediadora), mas defender a mesma dos comportamentos desta que violem o contrato celebrado entre ambos, também aqui, para se verificar o dever de remunerar apesar da falta de celebração do contrato definitivo, se exige a culpa da contraparte (o cliente devedor), nos termos gerais previstos no artigo 798º do Código Civil. 4- Quanto aos ónus da prova, há que considerar que quem quiser beneficiar desta norma tem que provar os seus factos constitutivos ou pressupostos, entre os quais aqueles que permitam determinar a quem é imputável a não concretização do negócio.
- Ac. do TRL de 12.01.2023 proferida no processo 76/21.7T8ABF.L1-6 , com o seguinte sumário: “I - Na vigência do contrato de mediação imobiliária celebrado em regime de exclusividade o cliente pode rescindir unilateralmente o contrato e desistir da venda almejada em qualquer altura. II - Nessa eventualidade, a remuneração acordada só será devida, caso o mediador faça prova dos seguintes factos constitutivos do seu direito [art.ºs 342.º, n.º 1, do Cód. Civil e 19.º, n.º 2, da Lei n.º 15/2013, de 8/2]: (i) que angariou e apresentou ao cliente um interessado real e genuíno na compra do imóvel; e (ii) que o negócio visado não se concretizou por causa imputável ao cliente, proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel. III - Não existe “causa imputável” ao cliente geradora do dever de remunerar o mediador imobiliário e do direito deste receber quando o cliente rescinde unilateralmente o contrato de mediação e desiste do negócio visado por motivo de força maior estranho à sua vontade e excludente da culpa, designadamente doença grave, potencialmente letal, inesperada e superveniente à celebração do contrato de mediação, pelas preocupações e incertezas que gera quanto ao futuro. IV - No caso dos autos, a resolução do contrato pela ré sempre seria de admitir à luz do n.º 2 do artigo 437.º do Código Civil, considerando a doença oncológica que lhe sobreveio na sua execução, a qual afecta de maneira anómala e imprevista a base negocial e torna intolerável a manutenção do vínculo contratual, por ser patente o desequilíbrio das prestações e a excessiva onerosidade que a manutenção do contrato, como se nada tivesse ocorrido, implicaria para a ré.”
Do exposto é possível inferir que a aplicação do disposto no referido art 19 nº2 da Lei 15/2013 de 8 de fevereiro exige a demonstração de que contrato de mediação imobiliária foi celebrado com o proprietário ou arrendatário trespassante do imóvel, que tenha sido estipulado o regime de exclusividade, e que a não realização/frustração do negócio visado no contrato de mediação seja imputável a esse proprietário/arrendatário trespassante.
Este último aspeto pressupõe, por um lado, a demonstração de que na vigência do contrato de mediação a mediadora logrou encontrar um efetivo candidato pronto para celebrar o negócio visado, e, por outro lado, que a conduta do cliente da mediadora (proprietário/arrendatário trespassante), ao não celebrar esse negócio, seja, do ponto de vista de um homem médio, censurável, por não justificada.
No caso dos autos as partes não questionam que o Réu seja proprietário do imóvel identificado no contrato de mediação que celebrou com a Autora (o Réu celebrou o contrato de mediação naquela qualidade – cf. clausula 1ª reproduzida na matéria de facto dada como provada), nem que o contrato de mediação tenha sido celebrado sob o regime de exclusividade (como aliás expressamente resulta da clausula 4ª do contrato reproduzida na matéria de facto provada).
Discutem sim a imputabilidade ao Réu da não concretização do negócio visado pelo contrato de mediação imobiliária.
O Tribunal a quo entendeu que a decisão de não concretização do negócio da venda do imóvel pelo Réu é aceitável e encontra-se justificada, atendendo aos motivos de saúde que este apresentou à Autora e que se encontram devidamente comprovados nos autos, não lhe sendo exigível outro comportamento.
Será assim?
Na vigência do contrato de mediação (em data não concretamente apurada, mas entre finais de dezembro de 2022 e fevereiro de 2023) a Ré logrou encontrar interessado sério na compra da casa do réu, por valor superior ao que havia sido estipulado no contrato de mediação, o qual efetuou visita ao imóvel com conhecimento do Réu, e assinou contrato promessa de compra e venda, entregando o valor do sinal (factos provados 10 a 15).
Em 08-02-2023, pelas 19h17m, o Sr. BB, consultor da Autora, enviou mensagem escrita para o telemóvel do Réu declarando que “AA desculpa, mas já sei da operação e correu bem, ainda bem. Já falei com o comprador e apontamos uma data que acho que se consegue 15 de junho, mas ele transmitiu que se precisa de mais algum tempo não há problema, ele só me disse que queria já comprar as passagens porque quer vir cá e como tem medo de quando for a altura não conseguir vir. Diz alguma coisa pois tenho de mandar o contrato para ele assinar e meter o sinal. Obrigada e melhoras” ; em 14-02-2023, pelas 11h22m, o Réu enviou uma mensagem escrita para o telemóvel do Sr. BB, consultor da Autora, declarando que “Bom dia BB td bem contg desculpa não responder antes não foi possível ainda numa face difícil a mas já vai indo, sobre o negócio da casa nesta face muito difícil como te expliquei e o médico aconselha a ter muito juizo durante algum tempo pois não foi fácil e o ano 2022 para mim foi para esquecer e não consigo conciliar nesta face toda a alteração necessaria á minha vida dai tenho mesmo que adiar a venda da casa para outra face em que esteja estabilizado e com alternativa o que não tenho neste momento agradeço a teu empenho e esforço pelo objetivo seria bom mas nao aviva-se possivel abraço AA” (factos 16 e 17).
E após a intervenção cirúrgica que ocorreu em 07-02-2023, o Réu regressou à ... entre 16-02-2023 e 05-03-2023, sendo que nesse período o consultor da Autora visitou o Réu, levando consigo o contrato-promessa para que o Réu o assinasse e o Réu recusou assiná-lo (factos 18 a 20)
Posteriormente em 18-04-2023, a A enviou ao Ré o seguinte mail: “Exmo. Sr. AA, Esperamos que se encontre bem. No seguimento do contrato de promessa de compra e venda em anexo, elaborado para a venda do seu imóvel, sito em ..., o qual encontra-se devidamente assinado pela promitente compradora e pago o valor relativo ao sinal previsto, vimos pelo presente solicitar a V. Ex." que informe se mantém a sua posição em não concluir o negócio. Tendo em conta o prazo já decorrido e confirmando-se a intenção de não concluir o negócio, iremos proceder à restituição da quantia entregue a título de sinal, em singelo à promitente compradora. Neste sentido, ficamos a aguardar as indicações de V. Ex.".
Nessa mesma data o Réu envia o seguinte e-mail para o Sr. BB, consultor da Autora: “Boa tarde sr. BB. Em relação aos contratos que foram feitos entre a Remax na pessoa do Sr. BB com os edifícios da empresa da estrada da ... e da ... conforma também por diversas vezes falamos verbalmente para serem retirados da circulação do catálogo Remax e da venda nesta face. Esta minha decisão como falamos não foi de agora já tem muito tempo, mas com o estado de saúde que tive desde outubro pretende seja feito o mais urgente possível e me seja informado da mesma.”
E em resposta ao e-mail da Autora de 18.04.2023, o Reu em 19-04-2023 enviou o seguinte e-mail para a Autora: “Bom dia D. EE. Em relação ao exposto e como certamente tem conhecimento toda comunicação foi feita com o Sr. BB, ao qual foi informado a ele. Cumprimentos”
E face a novo mail da Autora de 20.04.2023, onde esta solicita que informe se mantém a sua posição de não concluir o negócio, o Réu em 21.04.2023 enviou o seguinte e-mail para a Autora: “Bom dia D. EE. Como lhe informei no email anterior a informação foi dada ao Sr. BB que penso ser bem clara. O que pretendo com a maior brevidade o que já foi solicitado muita vez o cancelamento dos contratos que tem com a Remax o que nunca foi feito. Cumprimentos” (factos provados 21 a 27).
Ou seja, o Réu em 14.02.2023 (em resposta a mensagem de 08.02.2023 do consultor da Autora sobre a possível data de concretização do negócio visado) declara ter que se adiar a venda da casa para outra “face em que esteja estabilizado e com alternativa”. Isto depois de já ter sido sujeito a cirurgia, o que ocorreu em 07.02.2023.
E após ter regressado à ... entre 16-02-2023 e 05-03-2023, recusou assinar o contrato promessa, sendo que em Abril de 2023, após ter recebido mail da Autora a pedir que informe se mantém a sua posição em não concluir o negócio, o Réu declara expressamente pretender com a maior brevidade o cancelamento dos contratos que tem com a Remax.
É, portanto, claro que o contrato visado pela mediação imobiliária não foi celebrado porque o Réu recusou dar sequência ao processo inerente à compra e venda do imóvel, recusando-se a assinar o contrato promessa de compra e venda, e acabando por “cancelar” o contrato com a Remax.
E essa recusa é legitima ou é censurável?
Provou-se que em finais de 2022, o Réu sofreu um problema de saúde na coluna vertebral, no qual precisou de realizar vários exames para descobrir o problema, a sua causa e possíveis tratamentos, tendo-lhe sido diagnosticada estenose da coluna vertebral região lombar, precisando de ser submetido a tratamentos no Hospital...., em Lisboa, incluindo uma intervenção cirúrgica, que se realizou a 7 de fevereiro de 2023. Em virtude desses factos, a sua vida quotidiana alterou-se e o Réu esteve ausente da ... entre 03-01-2023 a 29-01-2023 e 05-02-2023 a 16-02-2023, estando impedido de se ocupar dos seus assuntos pessoais. Mais se provou que se encontrava num estado de grande debilidade e ansiedade, tendo em conta que a mencionada cirurgia podia afetar a sua mobilidade.
Ora, é compreensível que um problema de saúde na coluna vertebral que implique a realização de uma cirurgia que possa afetar a mobilidade de uma pessoa seja causa de ansiedade e debilidade dessa pessoa e que durante esse período de doença e eminência de realização de cirurgia se possa justificar, segundo o padrão de um homem médio, uma concomitante atitude de recusa de celebração de negócios jurídicos de relevância como é o caso da venda da casa de habitação.
Todavia, a recusa do Réu em dar continuidade ao processo de venda da casa surge já depois de realizada a cirurgia em causa, sendo certo que não se demonstrou que aquela tenha deixado qualquer sequela ao nível da mobilidade do Réu ou outra.
Efetivamente, em 14.02.2023, uma semana depois da cirurgia, quando o Réu comunica ao consultor da Autora, já após esta ter encontrado comprador, ter que se adiar a venda da casa para outra “face em que esteja estabilizado e com alternativa”, já não subsistia, objetivamente, fundamento para a atitude de recusa do Réu em prosseguir o processo de compra e venda.
O que se torna mais flagrante quando o Réu regressa à ilha de ... entre 16.02.2023 e 05.03.2023, e recusa assinar o contrato promessa, e, mais ainda, quando em Abril, após a Autora perguntar se ele mantém a intenção de não concluir o negócio, acaba por comunicar que quer cancelar o contrato com ela celebrado.
Ou seja, a atitude de recusa de celebração do negócio visado pelo contrato de mediação ocorre, não durante o período de doença anterior à cirurgia e em que o R apresentava ansiedade e debilidade relacionadas com os riscos da cirurgia, mas sim depois dessa cirurgia, quando objetivamente essa situação já não se verificava.
A situação é diferente daquela que é analisada no Ac. do TRL de 12.01.2023 suprarreferido, pois naquela o proprietário do imóvel desistiu de avançar com o negócio visado no contrato de mediação imobiliária enquanto se encontrava em plena situação de doença grave e potencialmente letal, antes de realizar os tratamentos (cf. factos provados indicados no referido Acórdão).
No caso dos autos, repete-se, a recusa de prosseguir com o negócio visado pelo contrato de mediação imobiliária tem lugar já depois da situação de doença e da realização de cirurgia, sem que se conheça a existência de qualquer sequela daquelas.
Não podemos, pois, deixar de concluir pela censurabilidade da atuação do Réu, que ocorreu quando objetivamente inexistia motivo alheio à sua vontade que justificasse a sua atitude de inviabilização do negócio visado pelo contrato de mediação imobiliária.
Procede, pois o recurso, com a consequente condenação do Réu a pagar à Autora a remuneração no valor da fatura descrita no ponto 27 da matéria de facto provada e respetivos juros de mora à taxa comercial até integral pagamento.
As custas, quer em 1ª instância, quer em sede recurso, serão suportadas pelo Réu (art. 527º do CPC).
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VI. Decisão:
Pelo exposto acordam as Juízes desta 8ª seção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente a apelação, e consequentemente, revogam a sentença recorrida na parte em que esta absolve o Réu AA do pedido formulado pela Autora, e em substituição de tal segmento decisório, condenam o Réu a pagar à Autora quantia de € 20.880,00 acrescida dos respetivos juros à taxa comercial desde a data do vencimento da mesma até integral pagamento.
c. No mais (absolvição da Autora ..., do pedido de abuso de direito e litigância de má-fé) mantêm a sentença recorrida.
As custas, quer em 1ª instância, quer em sede recurso, serão suportadas pelo Réu (art 527º do CPC).