Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
LIBERDADE CONDICIONAL
DOIS TERÇOS DA PENA
Sumário
(da responsabilidade do Relator) I. Para avaliar se há condições para ser concedida liberdade condicional em face dos mais de 2/3 da pena já cumpridos pelo recluso, deve ser tida em conta a gravidade do crime cometido, por força da remissão feita no n.º 3 do art. 61.º do Código Penal. II. O recluso cumpre pena pela primeira vez, em resultado da sua primeira condenação criminal e o seu comportamento não revela infracções disciplinares registadas no EP. o que é exigível a qualquer recluso e deverá ser o padrão comportamental. III. Não há factos que permitam concluir por algum especial empenho do recluso na sua integração profissional, social ou linguística no país que o acolheu. IV. O recluso pretende reintegrar em liberdade o agregado familiar que mantinha à data da prisão e não foi suficiente para o afastar da prática de crimes graves; V. Quando em liberdade, sob o ponto de vista profissional, não apresenta um projecto claro. VI. Perante a indefinição no seu projecto de vida, não se mostram reunidos os requisitos materiais para que seja concedida a liberdade condcional ao recluso.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
I. Relatório:
No âmbito do presente processo da liberdade condicional relativa ao recluso AA foi decidida a não concessão da liberdade condicional.
II- Fundamentação de facto:
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes os factos: “Cumprimento da pena e antecedentes criminais:
1. Encontra-se a cumprir a pena de 4 anos e 2 meses de prisão (após um ano de perdão), pela prática de crimes de detenção de arma proibida, sequestro, roubo qualificado e gravações e fotografias ilícitas (proc. 1449/21.0...).
2. Cumpriu metade das penas em 15/03/2024, os 2/3 em 25/11/2024 e tem termo previsto para 15/04/2026.
3. Não regista antecedentes criminais.
4. Cumpre pena pela primeira vez.
5. Não beneficiou de medidas de flexibilização da pena.
6. Não tem infrações disciplinares registadas no EP. Perspetivas pós-reclusão:
7. O recluso pretende reintegrar o agregado familiar composto pela mãe, pelo tio e o primo (BB), sendo este o enquadramento familiar que mantinha à data da prisão.
8. Quando em liberdade, o recluso perspetiva trabalhar no negócio familiar, mais precisamente na frutaria do tio.
9. Pretende tratar da sua regularização no território nacional (que ainda não está efetivada), mencionando que a sua mãe estará a reunir a documentação para o efeito, perspetivando, após ter esse processo concluído, trabalhar numa empresa de .... Personalidade do recluso e evolução durante o cumprimento da pena:
10. O recluso declara estar arrependido, pese embora centrando o impacto negativo da condenação, essencialmente, em si e na esfera familiar.
11. O recluso licenciou-se na China (na área de Engenharia).
12. Em cenário de reclusão, é um indivíduo com atitudes reservadas que, embora não consiga falar corretamente a língua portuguesa, não se isola da população reclusa, demonstrando algum controlo na comunicação com percetividade e encaixe no respeito.
13. Não obstante a progressiva interiorização do desvalor da sua conduta criminal, importa que continue a consolidar o seu percurso prisional e beneficie de medidas de flexibilização da pena que permitam avaliar a sua capacidade de adaptação ao meio livre.”
III- Recurso
O recluso recorreu, concluindo as alegações nos termos que se transcrevem: A. Decidiu o tribunal de execução de penas, que “(...) não é viável formular o desejado juízo de prognose indiciador de que, se colocado em liberdade, se reintegrará na sociedade pautando a sua vida em sintonia com o direito, sem voltar a cometer crimes (...)” B. Cremos que carece de razão o M. Juiz, porquanto se até à prática dos factos pelos quais foi condenado, o mesmo apresentava um registo criminal sem mácula e uma vida sem qualquer incidente com a justiça, por si só, já é indiciador que em liberdade continuará a viver a sua vida de cidadão sem praticar crimes. c- M Juiz “a quo”, fundamentou a sua decisão também num relatório social, fruto de conhecimento pontual do arguido, tendo admitido a subscritora do referido relatório, “(...) as suas limitações na comunicação em língua portuguesa, constituiu um constrangimento à recolha de informação para a elaboração do documento atual.”
d. Mais concretamente, a dificuldade de comunicação, prende-se com o facto de o arguido não falar português, só chinês, e não tendo a subscritora do relatório social sido acompanhada por interprete, de forma a entenderem-se mutuamente.
e. De forma que o arguido se pudesse expressar claramente e a senhora técnica pudesse aferir com substância a postura do mesmo quanto aos factos, sua interiorização e fundamentação.
f. Em suma, as conclusões plasmadas no relatório enfermam de grande precariedade, sem fundamentação, ficando-se sem perceber em que factos concretos se estribou para concluir, o que concluiu, nomeadamente, por que é que conforme transcrito no relatório social “centra o impacto negativo da condenação em apreço, essencialmente, na esfera familiar, distanciando-se do dano causado à vítima.”
g. Em que factos concretos o relatório se fundamentou para concluir que se distância do dano causado à vítima e centra o impacto da condenação essencialmente na esfera familiar
h. o arguido uma pessoa pacata e integrada, como foi dado como provado no art.º 59 da matéria de facto dada como provada no acórdão da condenação, sendo ele primário, não existindo noticia de comportamentos violentos no presidio.
i. No acórdão referente ao processo em que foi condenado, o qual após as diversas sessões de julgamento, dá como provado situações diferentes do que as plasmadas neste relatório social de ... de ... de 2025, ou seja, condições pessoais, conforme art.º 58:e 59, transcritas na motivação para onde se remete.
j. Conclui-se no relatório social, sufragado pela M. Juíza, que apesar de em ambiente prisional, o recluso manter um comportamento adequado aos normativos institucionais, sendo fundamental que consolide a sua motivação para adquirir estratégias pessoais que lhe permitam reforçar o sentido crítico face às suas escolhas comportamentais e a adotar um padrão de relacionamentos adaptado, nomeadamente através da utilização de estratégias alternativas ao comportamento violento”.
k. Apesar da precariedade da entrevista do arguido com a senhora técnica, sempre se dirá quando esta afirma que aquele tem um comportamento reservado,
l. que poderá ser interpretado como um comportamento reservado para um latino, poderá ser o normal para um asiático, mais concretamente chinês, razão pela qual a forma como exteriorizam os seus estados de alma terão de ser enquadrados e interpretados de forma distinta.
m. Aquele facto que poderá denunciar uma não interiorização do acto, para o técnico, poderá ser para este, arguido, a única forma de expressão, que tem para expressar numa língua que não é a sua, não se sabendo se percebeu claramente o que lhe perguntaram!
n. cumpre esclarecer que o arguido não se distância do dano causado à vítima, porquanto o mesmo reconhece a gravidade da sua conduta criminal, gravidade essa que se estendeu da vítima a toda a sua família, tendo tido origem no processo que está a correu termos pela 4ª secção do DIAP, com o nº de processo 6826/21.4... LSB.
o. processo esse em que é arguido a vítima CC por ter divulgado fotografias íntimas via internet da sua prima e outras indiciações.
p. O arguido ao verbalizar o seu arrependimento o faz também em relação à família, atendendo ao desgosto que lhes causou com a prisão dele, de sua tia, o ocorrido a sua prima e o ter agido quanto à vítima, do que já há muito tempo se arrependeu.
q. Dever-se-á concluir que este facto, pelo qual cumpre pena de prisão, foi um acto pontual na vida do arguido, devidamente interiorizado pelo mesmo, tendo sido a primeira vez que entrou numa prisão e respondeu em juízo. s. O que afasta o receio de cometimento de crimes, quando sair em liberdade, porque tal nunca foi o seu modo de vida, estando, pois, assegurado o juízo de prognose.
t. A sua condenação e cumprimento de 2/3 de pena são factos bastante dissuasores, que não se deve tentar fazer justiça pelas próprias mãos, existindo tribunais para tal.
u. Refere também a decisão que: carecendo de consolidação no que tange à interiorização do desvalor da sua conduta e das repercussões da sua atuação na vítima, necessitando igualmente de ser testado em meio livre antes de lhe vir a ser concedida, sendo caso disso, a liberdade condicional.”
v. Cremos que sem razão, porquanto os dois terços da pena foram atingidos em 25/11/2024.
w. Sendo que o terminus da pena vai ocorrer em 15/04/2026, altura em que poderá ser novamente apreciada a medida de liberdade condicional.
x. Ou seja, a mesma não irá ser reapreciada, porque, entretanto, o arguido termina a sua pena na totalidade.
y. A preparação para a ressocialização do arguido, contrariamente ao referido na sentença, penúltimo paragrafo antes do dispositivo, não vai acontecer,” necessitando igualmente de ser testado em meio livre antes de lhe vir a ser concedida, sendo caso disso, a liberdade condicional.”, porque atingirá o termo da pena.
z. Ao arguido deveria ter sido concedida a liberdade condicional para que pudesse ficar em regime de prova, no sentido de se atestar se o mesmo era ou não credor dessa liberdade. aa. Ao não ser concedida, atendendo ao termo da pena, estes cuidados que agora se colocam deixam de existir, ficando o arguido entregue a si próprio sem que dê à sociedade as satisfações da bondade da sua liberdade, ou seja como é que vai usufruir da mesma. bb. O juízo de prognose ou outro qualquer deixam de ter razão de ser. cc. Poder-se-à questionar qual a razão pela qual existe o regime de prova com as condições a que deve ser sujeita a concessão da liberdade condicional. dd. Ou seja, nas suas conclusões refere o relatório da senhora técnica de rein-serção social: . “não obstante a progressiva interiorização do desvalor da sua conduta criminal, importa que continue a consolidar o seu percurso prisional e beneficie de medidas de flexibilização da pena que nos permita avaliar a sua capacidade de adaptação ao meio livre” ff. Com todo o respeito, permita-se questionar que tipo de previsão é esta plasmada no relatório social e sentença, quando no caso concreto esta prognose vai ser letra morta. gg. sabem perfeitamente as entidades, que na altura em que for marcada a au-diência para apreciação da eventual concessão de liberdade condicional, terão sim de tratar da emissão de mandados de libertação para o termo da pena. hh. Sendo que foram atingidos os 2/3 da pena em 25 de novembro de 2024, ou seja, há 5 meses e o termo da pena será daqui a 12 meses, pelo que, será agora a altura ideal, para que não se faça letra morta do regime de prova ii. Porquanto assinala o relatório social, a folha 3 e 4, que: no âmbito da execução da medida de liberdade condicional, a DGRSP irá proceder ao acompanhamento do arguido, de acordo com as medidas ali descritas. jj. Ou seja, a forma de o preparar para a liberdade definitiva sem nunca o deixar sózinho, acompanhando de perto a e sua evolução. kk. O que não acontecerá deixando-o totalmente à deriva, com esta decisão objecto do presente recurso ll. Na sentença diz-se afinal que, “para efeitos de renovação da instância, deve atender-se à data de 06/03/2026, (...) “sabem perfeitamente, quer o Conselho Técnico quer o Tribunal, que na altura em que for marcada a audiência para apreciação da eventual concessão de liberdade condicional, terão sim de tratar da emissão de mandados de libertação para o termo da pena, a ocorrer a 15 de abril. mm. sendo que foram atingidos os 2/3 da pena em 25 de novembro de 2024, ou seja, há 5 meses e o termo da pena será daqui a 12 meses, será agora a altura ideal, para que não se faça letra morta do regime de prova. nn. deveria ter sido concedida a liberdade ao arguido, ao abrigo da modalidade obrigatória de regime de prova, sugerido no relatório social, porquanto estaria ainda a cumprir a pena e também sujeito a um controlo, que não será possível exercer quando impreterivelmente solto, como irá acontecer. oo. quando está em causa a concessão da liberdade condicional respeitante ao cumprimento de 2/3 da pena de prisão, acentuam-se essencialmente razões de prevenção especial, seja negativa, de que o condenado não cometa novos crimes, seja positiva, de reinserção social, pp. seja, para decidir da concessão da liberdade condicional, deve o julgador considerar se o condenado está preparado para se reintegrar na sociedade e prosseguir a sua vida sem cometer novos crimes. qq. O tempo de prisão sofrido, já lhe serviu de suficiente advertência, além de que o seu passado é irrepreensível. rr. o recorrente reúne todos os requisitos do artigo 61.º do CP, para que lhe possa ser concedida a liberdade condicional. ss. São factos concretos que levam a concluir quer no plano subjetivo quer objetivo, que o arguido em liberdade irá manter uma conduta positiva dentro dos padrões comportamentais e de interação social. tt. Em suma, os fatores ponderados para afastar a concessão da liberdade condicional, são alheios à evolução do arguido no sentido da reinserção social e são contraditórios com o quadro favorável que quanto a si é demonstrado. uu. a ausência de antecedentes criminais na altura da prática dos factos e o seu comportamento posterior, deverão levar a concluir pelo juízo de prognose que o condenado, uma vez em liberdade conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável sem cometer crimes. vv. pelo que face ao exposto, mal andou o tribunal ao não ter aplicado a medida graciosa de liberdade condicional, devendo por isso, a decisão ser revogada e substituída por outra que aplique essa medida ao recorrente, sob pena de violação do preceituado nos artigos 3º, 47º do CEPMPL e 40º nº 1, 61º e 64º do CP, de forma que ainda possa ir a tempo, de lhe ser aplicado o regime de prova!.”
O Ministério Público apresentou resposta ao recurso apresentado, concluindo as respectivas alegações nos seguintes termos:
1. “É certo que o recluso é de origem chinesa, não conhece nem domina a língua portuguesa e tal circunstância dificulta o tratamento penitenciário do mesmo, o que não podemos ser alheios.
1. Mas também não nos podemos esquecer que tal circunstância não pode ser imputável ao Estado Português, porquanto foi o próprio recluso que se colocou nessa situação.
2. Não pode porém o recorrente resguardar-se na circunstância de não dominar a língua portuguesa para referir não aderir ao tratamento penitenciário, porquanto, no EP ... é usual a língua inglesa entre reclusos e também com muitos dos técnicos e tal poderia ter sido aproveitado pelo recorrente, que também fala inglês, e tal não se verificou.
3. Há que considerar que efectivamente tal pouca adesão por parte do recorrente está antes associada ao não reconhecimento da gravidade dos factos praticados e à desnecessidade de tratamento penitenciário e comporta um perfil com aptidão para recurso à violência e ultrapassagem dos limites inerentes a uma criminalidade mais recorrente ou de menor gravidade, em comunidades orientais, pese embora, a coabitarem em território nacional.
4. São elevadas as exigências de prevenção especial atendendo ao tipo de crime e aos factos dados como provados da decisão condenatória que o levaram à reclusão e para os quais o condenado não tem genuíno sentido crítico sobre os seus comportamentos desviantes, não estando ainda munido de um inibidor ou mecanismo contentor da reincidência, não oferecendo garantias minimamente fiáveis de que não reincidirá,
6. Devem prevalecer as exigências repressivas em detrimento do risco a impor à sociedade com uma liberdade antecipada baseada apenas no bom comportamento prisional e numa suposta perspetiva de vida normativa que não tem suporte probatório nos elementos instrutórios, mormente na avaliação dos técnicos que acompanham a execução da pena.
6. A decisão recorrida fez correta aplicação do direito, mormente, do art. 61.° n.° 3, com referência ao n.12 2 al. a), do Código Penal, devendo ser mantida.”
Nesta instância, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer com adesão ao posicionamento constante da resposta do Ministério Público na 1.ª instância, aditando relevante jurisprudência deste Tribunal Superior.
O recluso, notificado nos termos do disposto no art. 417.º, n.º 2 do CPP, veio reafirmar os fundamentos do recurso por si interposto, manifestando o seu desacordo perante a posição do Ministério Público nesta instância.
IV- Questões a decidir:
Resulta do art.º 412.º n.º 1 do Código de Processo Penal (e do Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 19/10/1995, DR I-A Série, de 28/12/1995) que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sequência da respetiva motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido por si formulado, de forma a permitir o conhecimento das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida, sem prejuízo, das questões de conhecimento oficioso, que eventualmente existam.
A questão colocada pelo recorrente é a seguinte: saber se estão reunidos os pressupostos formais e materiais para lhe ser concedida a liberdade condicional.
V. Fundamentos de direito:
A decisão recorrida tem a seguinte fundamentação: “A liberdade condicional traduz-se numa fase de transição entre a reclusão e a liberdade, correspondendo, desejavelmente, à última fase de execução da pena. A finalidade subjacente à sua existência prende-se com a necessidade de ressocialização do recluso (cfr. artigo 42.º, n.º 1 do Código Penal) e ocorre num momento do seu percurso penitencial em que se justifica, mediante a verificação dos respetivos pressupostos formais e materiais, o fim da reclusão em estabelecimento prisional. Assim, a liberdade condicional tem como objetivo “criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão” (in O Código Penal, de Leal-Henriques e Simas Santos, Vol. I, págs. 336 e 337). Pelo exposto, o legislador concebeu este instituto jurídico não como uma recompensa por boa conduta prisional, mas sim como um auxílio e incentivo ao condenado que lhe permita uma adaptação gradual à nova realidade e a consequente adequação da sua conduta aos padrões sociais vigentes (vd. nomeadamente o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21/02/2018, proc.º 300/11.4TXCBR-J.C1, Rel. Vasques Osório). A liberdade condicional requer um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do recluso em liberdade, sendo esse juízo efetuado com base nos seguintes pressupostos cumulativos. – Pressupostos de natureza formal:
i. O consentimento do condenado (cfr. artigo 61.º, n.º 1 do Código Penal);
ii. O cumprimento metade da pena com o mínimo absoluto de seis meses;
iii. O cumprimento de 1/2, 2/3 ou 5/6 da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas; – Pressupostos de natureza material:
i. O juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado quando colocado em liberdade, fazendo-se apelo às perspetivas de ressocialização e consciencialização para a não reincidência sob o prisma da prevenção especial de acordo com as circunstâncias do caso em concreto, nomeadamente os antecedentes, percurso evolutivo durante a execução da pena em contexto prisional e a personalidade (cfr. artigo 61.º, n.º 2, al. a) do Código Penal);
i. O juízo de prognose favorável sobre o reflexo da libertação do condenado na sociedade (prevenção geral positiva), dito de outro modo, sobre o seu impacto nas exigências de ordem e paz social (cfr. artigo 61.º, n.º 2, al. b) do Código Penal), sendo este pressuposto apenas aplicável na apreciação da concessão da liberdade condicional a meio da pena (cfr. artigo 61.º, n.º 3 do Código Penal a contrario sensu). Cumpre ainda referir que, nos casos em que a pena de prisão seja superior a seis anos, o condenado é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena (cfr. artigo 61.º, n.º 4 do Código Penal). A liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena (cfr. artigo 61.º, n.º 5 do Código Penal). Feito o devido enquadramento, volvendo ao caso em apreço verifica-se que os requisitos formais estão preenchidos, porquanto o recluso está preso há mais de seis meses e já superou o marco do meio da pena, mais tendo declarado que consente na concessão da liberdade condicional. Por sua vez, na aferição dos pressupostos materiais, e pese embora o comportamento respeitador do recluso em contexto prisional, não é possível ao tribunal formular um juízo de prognose favorável no sentido de que o condenado irá, de futuro, após colocado em situação de liberdade, nortear a sua vida de acordo com o direito, sem voltar a praticar novos crimes. Vejamos. Conforme bem propugna o Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão de 02/07/2024, proc. 591/20.0TXPRT-L.L1-5, Rel. Sandra Oliveira Pinto, “O pressuposto dito substancial ou material, previsto na alínea a) do nº 2 do artigo 61º do Código Penal, aplicável por remissão do nº 3 do mesmo preceito legal, assegura uma finalidade de prevenção especial, de socialização. A concessão da liberdade condicional, neste caso, depende, assim, no essencial, da formulação de um juízo de prognose favorável especial-preventivamente orientado, assente na ponderação de razões de prevenção especial”. O tribunal mantém reservas na integral assimilação, por parte do recluso, do desvalor da sua conduta e da sua capacidade de resolução pacífica de conflitos ou adversidades que venham a surgir em contexto de liberdade, em adequação às regras de direito vigentes, não sendo possível escamotear nem secundarizar a gravidade e violência dos atos que conduziram à sua condenação, tendo atuado em grupo visando uma vítima com premeditação, frieza e castigos corporais intensos e reiterados. Ademais, note-se que se trata de um recluso com capacidades intelectuais, boa comunicação e licenciado, pelo que a natureza da sua conduta criminógena terá sido uma escolha sua com conhecimento prévio e aceitação da sua gravidade, permitindo concluir que a sua personalidade comporta um perfil com aptidão para recurso à violência e ultrapassagem dos limites inerentes a uma criminalidade mais recorrente ou de menor gravidade. Por fim, cumpre ainda relevar que o recluso não tem a sua situação no país regularizada e ainda não beneficiou de qualquer LSJ, pelo que ainda não foi testada a sua reintegração em meio livre. Assim, em síntese, não é viável formular o desejado juízo de prognose indiciador de que, se colocado em liberdade, se reintegrará na sociedade pautando a sua vida em sintonia com o direito, sem voltar a cometer crimes, carecendo de consolidação no que tange à interiorização do desvalor da sua conduta e das repercussões da sua atuação na vítima, necessitando igualmente de ser testado em meio livre antes de lhe vir a ser concedida, sendo caso disso, a liberdade condicional. Por isso, creio ser de acompanhar o entendimento unânime do Conselho técnico e douto parecer do M.P., no sentido de que não estão reunidas condições para que seja concedida ao condenado a liberdade condicional.”
O caso concreto não suscita dúvidas quanto à verificação dos pressupostos formais para a concessão da liberdade condicional (o decurso do tempo de cumprimento da pena e o consentimento do condenado, previsto pelo artigo 61.º, n.º 1 do Código Penal), pelo que cumpre avaliar o preenchimento dos respectivos requisitos de natureza material, os quais, dada a presente fase da execução da pena, são os estabelecidos no artigo 61.º, n.º 2, alíneas a) e b) e n.º 3 do Código Penal, cuja redacção é a seguinte:
“2 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes;
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
3 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.”
“I - Não é requisito de concessão da liberdade condicional (a meio da pena ou cumpridos dois terços da mesma, nos termos dos nºs 2 e 3 do referido artigo 61°) que o condenado revele arrependimento e interiorize a sua culpa.
II - Tal é, seguramente, uma meta desejável à luz das finalidades da pena, mas que supõe uma mudança interior que não pode, obviamente, ser imposta.
III - A lei exige, antes, que se verifique um prognóstico no sentido de que o recluso não voltará a cometer novos crimes.” (cfr. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de Outubro de 2012, processo n.º 1796/10.7TCCBR, relatado por Pedro Vaz Pato, disponível in www.dgsi.pt1).
“I - O regime do Código Penal satisfaz-se, para a concessão de liberdade condicional aos dois terços da pena, com um prognóstico favorável quanto à prática de futuros crimes pelo condenado, não exige alguma especial e benévola caraterística de personalidade, ou alguma adesão moral e interior do recluso à pauta de valores que está na base do ordenamento jurídico.” (cfr. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de Outubro de 2012, processo n.º 317/12.1TXCBR, relatado por Pedro Vaz Pato, disponível in www.dgsi.pt2
Feito o enquadramento legal relativo aos requisitos materiais para a concessão da liberdade condicional e adoptando aquele que nos parece ser o entendimento jurisprudencial mais apropriado para analisar a questão colocada no presente recurso, quando a mesma pode ocorrer, como é o caso, a partir dos 2/3 do cumprimento da pena, cremos que o problema principal a resolver é saber se há ou não perigo de o recluso vir a cometer novos crimes no período da liberdade condicional, pois é esse o sentido da remissão do n.º 3 do art. 61.º para alínea a) do n.º 2 da mesma norma (portanto, não está em causa qualquer ponderação se a libertação se revela compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social).
Começa o tribunal a quo, para sustentar a recusa da concessão da liberdade condicional ao recluso, por declarar reservas quanto à sua “integral assimilação […]do desvalor da sua conduta e da sua capacidade de resolução pacífica de conflitos ou adversidades que venham a surgir em contexto de liberdade, em adequação às regras de direito vigentes, não sendo possível escamotear nem secundarizar a gravidade e violência dos atos que conduziram à sua condenação, tendo atuado em grupo visando uma vítima com premeditação, frieza e castigos corporais intensos e reiterados.”
Nesta parte da argumentação, em face dos mais de 2/3 da pena já cumpridos pelo recluso, devemos ter em conta que a gravidade do crime cometido, por força da remissão feita no n.º 3 do art. 61.º do Código Penal e dado que do regime para a concessão da liberdade condicional não se elencam quaisquer crimes que do mesmo se mostrem excluídos, não se mostra, ainda que sempre a ter em conta, neste momento decisivo.
O tribunal a quo acrescenta, em reforço da decisão, que está em causa “[…] um recluso com capacidades intelectuais, boa comunicação e licenciado, pelo que a natureza da sua conduta criminógena terá sido uma escolha sua com conhecimento prévio e aceitação da sua gravidade, permitindo concluir que a sua personalidade comporta um perfil com aptidão para recurso à violência e ultrapassagem dos limites inerentes a uma criminalidade mais recorrente ou de menor gravidade.”, mais uma vez, retroagindo ao momento da prática dos factos pelos quais foi condenado, portanto, sem que tal permita sustentar um juízo de prognose em relação ao seu comportamento em liberdade.
E para finalizar a sua argumentação, o tribunal recorrido afirma que “[…] o recluso não tem a sua situação no país regularizada e ainda não beneficiou de qualquer LSJ, pelo que ainda não foi testada a sua reintegração em meio livre.”, sem que dos autos resulte por que motivo ainda não foi testado o seu comportamento em meio livre.
Da factualidade concatenada pelo tribunal a quo resulta que o recluso cumpre pena pela primeira vez, em resultado da sua primeira condenação criminal, mais resultando que o seu comportamento prisional se mostra isento de quaisquer reparos, pois não tem infracções disciplinares registadas no EP (o que aliás é exigível a qualquer recluso e deverá ser o padrão comportamental de quem foi condenado numa pena privativa da liberdade).
Constata-se que não há factos (nem os mesmos são invocados no recurso interposto) que permitam concluir por algum especial empenho do recluso na sua integração profissional, social ou linguística no país que o acolheu, pois não há registo de quaisquer actividades por si desempenhadas no decurso do cumprimento da pena.
Resulta, por outro lado, que o recluso pretende reintegrar o agregado familiar composto pela mãe, pelo tio e o primo (BB), sendo este o enquadramento familiar que mantinha à data da prisão (e não foi suficiente para o afastar da prática de crimes graves); noutra perspectiva, quando em liberdade, perspetiva trabalhar no negócio familiar, mais precisamente na frutaria do tio e que pretende tratar da sua regularização no território nacional (que ainda não está efetivada devido, cremos, ao seu comportamento criminal), mencionando que a sua mãe estará a reunir a documentação para o efeito, considerando, após ter esse processo concluído, trabalhar numa empresa de .... Esta factualidade denota alguma indefinição no seu projecto de vida, maxime, ao nível profissional, tudo se baseando apenas nas suas conjecturas, sem qualquer outro suporte probatório.
Por outro lado, quando à personalidade do recorrente, resulta que está arrependido, pese embora centrando o impacto negativo da condenação, essencialmente, em si e na esfera familiar (e não tanto pelas consequências que gerou para as vítimas e terceiros com a sua actividade criminosa) e que, em cenário de reclusão, é um indivíduo com atitudes reservadas que, embora não consiga falar corretamente a língua portuguesa, não se isola da população reclusa, demonstrando algum controlo na comunicação com percetividade e encaixe no respeito, notando-se uma progressiva interiorização do desvalor da sua conduta criminal.
Em face da factualidade apurada, entendemos que não há motivo para sustentar o juízo de prognose positivo necessário para alterar a decisão recorrida, que assim não nos merece censura.
VI- Decisão:
Em face do exposto, julga-se improcedente o recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs.
Notifique.
Lisboa, 27 de Junho de 2025
Texto processado e revisto integralmente pelo relator – art- 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
Mário Pedro M.A.S. Meireles
Rui Teixeira
Carlos Alexandre
_______________________________________________________
1. https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/bb195d72079e567d80257a9c002ec1c5?OpenDocument.
2. https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/3c455c6b7df528bb80257c2900545f8a?OpenDocument.