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RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR
ASSÉDIO MORAL
Sumário
O artigo 394.º, n.º 2, alínea f), do Código do Trabalho, não impõe como condição necessária para a existência de justa causa da resolução do contrato pelo trabalhador a prévia denúncia do assédio ao serviço com competência inspetiva na área laboral.
Texto Integral
Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa
RELATÓRIO
Autora (adiante, por comodidade, designado abreviadamente por A.) e recorrente: AA
Réu (adiante designada por R.): Instituto da Soldadura e Qualidade
A A. demandou o R. pedindo a final que seja
a) reconhecida a justa causa para a resolução do contrato de trabalho;
b) Condenada a Ré a pagar todos os créditos emergentes do contrato de trabalho de acordo com a sua renumeração e a sua antiguidade num valor de 14.123.85 € (quatorze mil, cento e vinte e três euros e oitenta e cinco cêntimos), acrescidos de juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde a citação legal;
c) Condenada a Ré a devolver a quantia descontada a título de aviso prévio no valor de 1.883,18 € (mil oitocentos e oitenta e três euros e dezoito cêntimos)
d) Condenada a pagar uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de 8.000 €;
e) Montantes respetivos a que devem acrescer juros de mora à taxa legal em vigor desde a data da propositura da presente ação e até efetivo e integral pagamento.
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Não havendo acordo, o R. contestou, tendo a final pedido que seja
I) considerada procedente a exceção de litispendência quanto ao pedido de indemnização por danos morais e, consequentemente, verificada a exceção dilatória e absolvido o Réu da instância;
(ii) Deve ser decidida a suspensão da instância relativamente aos demais pedidos deduzidos pela Autora;
Subsidiariamente,
(iii) Deve a presente ação ser julgada totalmente improcedente, sendo o Réu integralmente absolvido do pedido, com as devidas consequências legais.
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O R. contestou, nomeadamente por exceção.
A A. respondeu às excepções, pedindo a sua improcedência.
A A. requereu a ampliação do pedido.
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Saneados os autos o Tribunal a quo julgou improcedente a exceção da caducidade, não admitiu a ampliação do pedido e declarou procedente a exceção de preterição de formalidades essenciais para resolução do contrato de trabalho por justa causa invocada pela A., absolvendo o R. do pedido.
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Inconformada, a A. recorreu, formulando as seguintes conclusões:
A. Este recurso visa sindicar a parte do despacho-saneador ora recorrido onde o tribunal a quo afirma o facto de a carta de resolução incluir diversos normativos distintos da al. f) do n.º 2 do artigo 394.º do Código do Trabalho, tal não significa que a relação material controvertida tal como é estruturada pela Autora inclua a violação dessas outras alíneas.
B. Com a consequente decisão de “declarar procedente a excepção de preterição das formalidades essenciais para a resolução do contrato de trabalho por justa causa pela Autora, tal como previsto no art. 394.º n.º 2 al. f) do Código do Trabalho, absolvendo a Ré de todos os pedidos contra esta efectuados”.
C. Sobre o este ponto, é entendimento da Recorrente ter exposto suficientemente, na carta enviada à Recorrida e anexa à Petição Inicial como documento n.º 2 todos os factos que justificam a resolução com justa causa ao abrigo dos artigos 394º n.º 2 al. b) e f) e seguintes do Código de Trabalho.
D. Verificando o documento nº 2 junto com a Petição Inicial, concluiu-se que a Recorrente, na sua exposição fundamentou o que lhe motivou a resolução com base no comportamento da Ré, nomeadamente no “esvaziamento de funções” que por outras palavras é reconhecida como “Desocupação efectiva do trabalhador”, que é a forma mais comum do assédio moral.
E. É entendimento da jurisprudência superior e da melhor doutrina, da presença de três requisitos para se configure uma situação de justa causa subjetiva para a resolução do contrato de trabalho:
i. “Um requisito objectivo, que é o comportamento do empregador violador dos direitos ou garantias do trabalhador, neste caso a violação das garantias legais previstas nos artigos 15.º do Código do Trabalho (direito à integridade física e moral), 127.º n.º 1 – a) do CT (proibição de o empregador praticar actos que afectem a dignidade do trabalhador, que sejam discriminatórios, lesivos, intimidatórios, hostis ou humilhantes para o trabalhador, nomeadamente assédio) e 129.º n.º 1 – b) do C Código do Trabalho (proibição de o empregador obstar injustificadamente à prestação efectiva de trabalho);
ii. O requisito subjectivo, que é a atribuição desse comportamento ao empregador a título de culpa, sendo de presumir a culpa, nos termos do artigo 799.º do Código Civil (CC); daí resultando uma inversão do ónus da prova, cabia à recorrente (empregadora) demonstrar que a justa causa acima enunciada não procedeu de culpa sua, o que a recorrente não logrou provar;
iii. Um terceiro requisito, que se reconduz à ideia de inexigibilidade da manutenção do vínculo pelo trabalhador, que se retira, nomeadamente, da exigência legal feita pelo artigo 395.º, n.º 1, do CT, de que a resolução do contrato seja promovida num lapso de tempo de 30 dias sobre o conhecimento dos factos pelo trabalhador” - (cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, tratado de Direito do Trabalho, Parte II, 9.ª edição, Almedina, páginas 1139 a 1140).
F. Todos estes três requisitos estão devidamente preenchidos, o que determina a viabilidade da resolução do contrato de trabalho com justa causa pela Recorrente, nos termos dos artigos 394º, n.º 2 b) e f) do Código do Trabalho.
G. Considerando que a violação do artigo 29.º do Código do Trabalho tem acolhimento no disposto do art.º 394.º, n.º 2 al. b) daquele Código, não poderia o Tribunal a quo ter interpretado o Documento nº 2 junto da Petição Inicial de outra forma.
H. Impossibilitou desta forma o Tribunal a quo a Recorrente de provar na ação a ocorrência de factos, conexos com o que invocou na carta, que se mostram pertinentes para o tribunal avaliar da gravidade destes e da sua natureza inviabilizadora de manutenção da relação laboral.
I. Essa apreciação atendendo à perspetiva do trabalhador pressupõe que se tenha em consideração, desde logo, que contrariamente à entidade empregadora, a quem a lei confere o direito de exercer o poder disciplinar e aplicar sanções de natureza conservatória, aquele não dispõe de outro mecanismo para reagir a uma conduta daquela que seja violadora dos seus direitos, em termos culposos e graves, que não seja o da resolução do contrato.
J. E esse mecanismos não pode, nem deverá ser inviabilizado por uma formalidade (falta de denúncia junto da ACT), pois, como demonstrado, “a prova do assédio não depende da respectiva queixa às autoridades.”
K. A interpretação do Tribunal a quo é insustentável, na medida que refere “apesar de a resolução incluir diversos normativos distintos da al. f) do n.º 2 do art. 394.º do Código do Trabalho, tal não significa que a relação material controvertida tal como é estruturada pela Autora inclua a violação dessas outras alíneas”.
L. Importa notar que, na carta de resolução de justa causa enviada à Ré (e junta na Petição Inicial como Documento n.º 2) e que não mereceu o devido acolhimento na decisão proferida, refere logo à partida como fundamento de resolução o art.º 394.º, n.º 2, al. b) e f), do Código do Trabalho.
M. A interpretação correcta vertida na doutrina e jurisprudência é a de “Porém, essa formulação do art.º 394.º, n.º 2 – f), do CT não afasta a aplicação do art.º 29.º, n.º 1, do CT, que proíbe o assédio; de onde resulta que a prova do assédio não depende da respectiva denúncia às autoridades para constituir justa causa de resolução do contrato de trabalho”.
N. A decisão recorrida estaria sempre errada, ainda que a Autora tivesse expressamente apenas indicado na carta de resolução o artigo 394.º, n.º 2, al. f), do Código do Trabalho, ou mesmo que tivesse realizado a respectiva denúncia junto da ACT.
O. É que, no caso de resolução de contrato de trabalho com justa causa pelo trabalhador, que alegue como fundamento a violação grave e culposa dos direitos do trabalhador, nomeadamente o assédio moral, determina obrigatoriamente aplicação per se do disposto no art.º 394.º, n.º 2, al b.), do Código do Trabalho.
P. O art.º 394.º, n.º 2, al. f), in fine, do Código do Trabalho, refere “incluindo a prática de assédio denunciada ao serviço com competência inspetiva na área laboral”, não excluindo de forma expressa e taxativa a que não foi denunciada.
Q. Esta redação deste artigo é contraproducente, “por deixar a ideia de que não há justa causa para a resolução do contrato de trabalho quando a prática de assédio não tenha sido denunciada à ACT”.
R. Da conjugação desta disposição com a violação grave e culposa dos direitos do trabalhador, nomeadamente a violação do art.º 29.º do Código do Trabalho, que proíbe a prática de assédio, tem acolhimento no art.º 394.º, n.º 2, al. b), do Código do Trabalho.
S. A violação do dever de ocupação efetiva pelo empregador consubstancia uma prática de assédio, o que determina a violação do artigo 29.º do Código do Trabalho, e consequentemente constitui justa causa para a resolução do contrato por iniciativa do trabalhador nos termos gerais do artigo 394.º, n.º 2 al. b) do Código do Trabalho.
T. A decisão recorrida violou, assim, frontalmente, o disposto no art.º 394.º, n.º 2, al. b), do Código do Trabalho, invocado pela Recorrente, conjugado com o disposto no artigo 29.º do mesmo Código.
Rematou pedindo que seja julgada improcedente a excepção da preterição das formalidades essenciais de resolução com justa causa do contrato de trabalho deduzida pela Ré, revogando-se, consequentemente, a sentença recorrida.
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Contra alegou o R. e pediu a confirmação da sentença, concluindo:
A. Decidiu corretamente o Tribunal a quo ao absolver o Recorrido de todos os pedidos, por ter declarado procedente a exceção de preterição das formalidades essenciais para a resolução do contrato de trabalho por justa causa pela Recorrente, nos termos do disposto no art.º 394.º, n.º 2, alínea f), do CT.
B. Não tendo a Recorrente cumprido a formalidade definida na referida disposição legal, ou seja, a denúncia da alegada situação de assédio à ACT, antes de ter resolvido o contrato de trabalho.
C. Sustenta a Recorrente que resolveu o seu contrato de trabalho com justa causa com fundamento nas alíneas b) e f) do n.º 2 do artigo 394.º do CT e que, portanto, estando em causa situações de assédio, o Recorrido incumpriu o disposto na alínea b) da referida norma.
D. A Recorrente não denunciou as alegadas condutas de assédio à ACT, pelo que não lhe assiste o direito de se fazer valer daquela alínea para operar a resolução do seu contrato de trabalho com justa causa.
E. A Recorrente resolveu o contrato de trabalho por justa com fundamento nas alíneas b) e f) do n.º 2 do art.º 394.º do CT:
Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador: b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador, designadamente a prática de assédio praticada pela entidade empregadora ou por outros trabalhadores; (…) f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, incluindo a prática de assédio denunciada ao serviço com competência inspetiva na área laboral, praticada pelo empregador ou seu representante.
F. Cabem na alínea b) do n.º 2 do referido artigo 394.º a violação com culpa das garantias legais, ou seja, previstas nos art.º 129.º e 29.º do CT, bem como as que sejam acordadas com o trabalhador, porquanto na alínea f) cabem todos os comportamentos do empregador que visam causar um dano ao trabalhador, seja de ordem física, moral, contra a sua liberdade, honra ou dignidade.
G. O recorte entre as duas causas de resolução assenta na diferença entre o comportamento que visa culposamente violar as garantias do trabalhador (alínea f), do n.º 2 do artigo 394.º do CT) e comportamentos que, em certas circunstâncias, causem danos ao trabalhador (alínea b), do n.º 2 do artigo 394.º do CT).
H. A terem ocorrido situações de assédio no seu local de trabalho, essas situações estariam no âmbito de ofensas à dignidade da Recorrente e justa causa para resolução, nos termos da alínea f) do n.º 2 do artigo 394.º do CT.
I. E, portanto, sujeitas ao requisito formal da denúncia prévia à ACT.
J. Considerar a alínea f) e a alínea b) do n.º 2 do art.º 394.º reportando-se, de igual forma, a situações de assédio moral, seria presumir que o legislador não se soube exprimir corretamente, o que é contrário ao que determina o artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil.
K. A ratio legis do artigo 394.º, n.º 2, al. f), é a de assegurar alguma credibilidade à denúncia em si, permitindo que a ACT execute o seu papel de “sensibilizador” do empregador e, ao mesmo tempo, deixando espaço para que o empregador possa ter a oportunidade de corrigir (por si ou perante a sua atuação face a outros trabalhadores) a situação em causa.
L. Não tendo a Recorrente denunciado as alegas práticas de assédio à ACT, a comunicação de cessação do contrato de trabalho não constitui resolução por justa causa ao abrigo da alínea f) do n.º 2 do artigo 394.º do CT, mas sim uma denúncia do contrato de trabalho sem aviso prévio, nos termos do artigo 401.º do CT.
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A Srª. Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer defendendo a procedência do recurso.
As partes responderam ao parecer.
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Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
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* FUNDAMENTAÇÃO
Cumpre apreciar no recurso – considerando que o seu objeto é definido pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso (e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 684/3, 660/2 e 713, todos do Código de Processo Civil) – se se verifica a dita exceção de preterição de formalidades essenciais para resolução do contrato de trabalho por justa causa invocado pela A.
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A autora resolveu o contrato de trabalho subordinado que mantinha com o réu invocando justa causa, nos termos do documento de folhas 20 e 21, onde refere designadamente:
“Exmos. Senhores,
Venho, pela presente, comunicar a imediata resolução, com justa causa do contrato de trabalho celebrado no dia 02 de Abril de 2007, nos termos do artigo 394.º, n.º 1 e 2, alínea b) e f) do Código do Trabalho.
Tal decisão prende-se no facto de V./Exa., desde o ano de 2021, após o meu regresso de licença de maternidade, a minha saída da logística e ingressão na SIE (num alegado novo projeto), ter esvaziado de forma gradualmente as minhas funções. O rol de tarefas/funções que supostamente me foram atribuídas não correspondem como efetivo trabalho que por mim é prestado, sendo certo que num horário de 40 horas semanais, das 8 horas diárias, o meu trabalho é realizado em uma / duas hora(s), ficando o resto do tempo, sem nada para fazer.
Apesar de, junto de todos os meus superiores hierárquicos, ter-me manifestado, por várias vezes, quanto ao supra exposto, ter referido o meu descontentamento com a presente situação, ter realizado vários pedidos de atribuição trabalho efetivo ou colocação noutro serviço, sucede que foram criadas falsas expectativas de atribuição de trabalho efetivo e alteração das minhas funções/tarefas, o que não corresponde com a verdade, uma vez que, a situação se manteve inalterada ao longo destes últimos dois anos, culminando num processo disciplinar com aplicação de sanção, sem qualquer fundamento.
Note-se que o contrato de trabalho remota a 2007, o que determina uma longa relação laboral, 16 anos para ser precisa, e que a partir de 2021 tem vindo a deteriorar-se, torando praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Assim, em resposta às minhas insistências, exerceu V/Exa. pressão, mediante a falta de resposta ou resposta tardia às minhas manifestações, bem como mediante várias menções alusivas, a título de exemplo, à minha alegada inadaptação para o SIE, referindo inclusive que devesse ponderar a manutenção da relação laboral com V./Exa., e eventualmente denunciar o presente contrato de trabalho. Ora, acrescidos os factos já referidos, tal consubstancia uma violação culposa de garantias legais do trabalhador, designadamente a prática de assédio, o qual resultou mesmo na baixa médica por incapacidade temporária do mesmo, como V/Exa. bem sabe.
Os factos supra referidos, comprovam-se pelo meu percurso que sempre foi exemplar (ora veja-se a atribuição de prémios bem como as referências de antigos superiores hierárquicos), como também através da troca de correspondência eletrónica entre mim e os meus superiores hierárquicos, as reuniões tidas com os Recursos Humanos e não só, bem como pelo registo da minha atividade.
Acresce que, sempre se dirá que V/ Exas., se encontram ainda em falta com o pagamento das horas de formação contínua não ministradas, nos termos do artigo 134.º do mesmo diploma legal.
Tais factos constituem justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador, nomeadamente pela falta culposa de pagamento pontual da retribuição; pela violação culposa de garantias legais do trabalhador, designadamente a prática de assédio praticada pela entidade empregadora ou por outros trabalhadores; pela lesão culposa interesses patrimoniais sérios do trabalhador; pela ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, incluindo a prática de assédio denunciada ao serviço com competência inspetiva na área laboral, praticada pelo empregador ou representante; tudo nos termos das alíneas a), b), e) e f) do artigo 394.º, nº 2 do Código do Trabalho, comprometendo de forma definitiva e irremediável a relação laboral existente.
Face ao exposto, muito agradeço que no prazo máximo de 5 (cinco) dias procedam ao envio do Modelo Mod.RP5044-DGSS, do certificado de trabalho, e ainda o apuramento das contas finais, os quais deverão incluir o pagamento de uma indemnização nos termos do artigo 396.º, n.º 1 do Código do Trabalho, assim como as horas de formação profissional não ministradas, e o vencimento até à data de hoje.
Findo este prazo, não me resta outra alternativa que recorrer aos meios que se encontram ao meu dispor e exigir judicialmente o cumprimento das V/obrigações, bem como intentar as respetivas denúncias junto da Autoridade para as Condições de Trabalho”
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Entendeu o despacho recorrido, na parte relevante, que
“Vem aos autos a Ré invocar a preterição, por parte da Autora, do requisito previsto na al. f) do n.º 2 do art. 394.º do Código do Trabalho (…). De acordo com a perspetiva da Ré, e uma vez que a Autora não apresentou qualquer demonstração de ter participado à Autoridade das Condições do Trabalho queixa pelo assédio no local do trabalho, deverá a Ré ser absolvida do pedido correspondente à resolução por justa causa com fundamento em assédio no local do trabalho.
Notificada para se pronunciar (…) veio a Autora fazê-lo pugnando pelo indeferimento da invocada excepção. Para tanto refere que, na acção n.º 5461/23.7T8SNT, (…) foi peticionado “a) Ordenar que seja extraída certidão da presente Petição Inicial à Autoridade para as Condições de Trabalho, com a maior brevidade possível, uma ação inspectiva à ré, tendo em vista apurar a existência de eventuais contraordenações decorrentes dos factos indiciários contidos na Petição Inicial”. (…) Nesse sentido, manifestou-se de forma expressa a vontade de denunciar à Autoridade das Condições do Trabalho, o comportamento da Ré, sendo que foram várias as vezes que a Autora, ainda não havia instaurado qualquer acção, se dirigiu às instalações da ACT, procurando apoio, no qual lhe foi sugerida a possibilidade de realizar uma denúncia anónima, sabendo desde já a Autora que a Ré seria alvo de uma inspeção. Salienta por fim que, a existir algum incumprimento de formalidades procedimentais, o que não se admite, o mesmo derivaria, inequivocamente do receio de sofrer represálias, mais do que as que já estava a sentir, decidindo ponderar a formalização, ainda que anónima, da denúncia, o que não fez devido a contingências resultantes de tentativas de alcançar qualquer entendimento extra judicial com a Ré. Reforça, por sua vez, a não obrigatoriedade de participação de questões como esta à Autoridade das Condições do Trabalho como condição formal para a resolução do contrato de trabalho com justa causa por parte do trabalhador.
(…) A letra da lei é bastante clara quando prevê que a admissibilidade de resolução do seu contrato de trabalho com justa causa depende de se ter dado a conhecer o comportamento do empregador ao serviço com competência inspectiva na área laboral. E mais, o facto de se ter peticionado, em acção intentada em momento anterior à presente acção, que o Tribunal comunicasse à Autoridade para as Condições do Trabalho a prática de actos de assédio moral de que alegadamente sofreu a Autora, é irrelevante para o caso nos autos pois (…) a lei é clara ao referir a obrigatoriedade de comunicação, em momento anterior à apresentação da acção em juízo, à Autoridade das Condições do Trabalho, dos factos passíveis de integrar assédio moral, o que de todo não sucedeu.
O caso dos autos reporta-se a uma acção intentada com vista ao reconhecimento da justa causa de resolução do contrato de trabalho por parte da Autora em virtude da prática de actos de assédio moral assim como na obtenção de uma indemnização decorrente de tal resolução. É assim que toda a acção está estruturada, quer em termos de alegação de factos, quer em termos de alegação de direito pelo que, o facto de a carta de resolução incluir diversos normativos distintos da al. f) do n.º 2 do art. 394.º do Código do Trabalho, tal não significa que a relação material controvertida tal como é estruturada pela Autora inclua a violação dessas outras alíneas.
Aliás, o que se verifica no caso concreto é a apresentação de uma acção em juízo, nomeadamente através do processo n.º 5461/23.7T8SNT, e a qual foi indeferida liminarmente em dois dos seus pedidos, a saber, que fosse resolvido o contrato de trabalho com fundamento em justa causa por violação culposa das garantias legais do trabalhador e que fosse a Ré ISQ condenada a pagar todos os créditos emergentes do contrato de trabalho no valor de € 14.123,85.
A acção em apreço seguiu os seus termos, aliás como é do nosso conhecimento funcional, tendo a Autora intentado a presente acção com vista a lograr obter a condenação da Ré nos pedidos que foram indeferidos liminarmente no supra mencionado processo peticionando que seja reconhecida a justa causa para a resolução do contrato de trabalho assim como a condenação da Ré a pagar todos os créditos emergentes do contrato de trabalho de acordo com a sua renumeração e a sua antiguidade num valor de € 14.123.85, acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde a citação legal.
Todos os restantes pedidos são consequência destes dois pedidos efectuados em primeiro lugar e os quais, estão, por sua vez, dependentes da verificação da existência de justa causa de resolução a qual está, por sua vez, dependente da condição prévia de comunicação dos mesmos à Autoridade das Condições do Trabalho, a qual não ocorreu.
Face ao exposto, nada mais resta assim a este Tribunal senão declarar procedente a excepção de preterição das formalidades essenciais para a resolução do contrato de trabalho por justa causa pela Autora, tal como previsto no art. 394.º n.º 2 al. f) do Código do Trabalho, absolvendo a Ré de todos os pedidos contra esta efectuados, tudo nos termos e para os efeitos do exposto no art. 576.º n.º 1 e 3 e 595.º n.º 1 al. b) do Código de Processo Civil”.
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*
Vejamos.
É sabido que uma das formas de cessação do contrato de trabalho é a resolução por iniciativa do trabalhador (art.º 340º, al. g), do CT).
Dispõe o art.º 394, do CT, sob a epigrafe “Justa causa de resolução”, designadamente, que
1 - Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.
2 - Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:
a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;
b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador, designadamente a prática de assédio praticada pela entidade empregadora ou por outros trabalhadores;
(…)
e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador;
f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, incluindo a prática de assédio denunciada ao serviço com competência inspetiva na área laboral, praticada pelo empregador ou seu representante.
(…)
4 - A justa causa é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações.
(…)”.
Resulta deste normativo que, havendo um comportamento, mormente culposo do empregador, que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, o trabalhador poderá fazer cessar o contrato com justa causa (art.º 394/4, 351/3 e 1, CT).
Para tal, deverá recorrer ao procedimento previsto no art.º 395, comunicando a resolução do contrato por escrito ao empregador, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos.
Daqui pode extrair-se, porém, que a premissa da decisão recorrida de que a lei impõe a obrigatoriedade de comunicação, em momento anterior à apresentação da acção em juízo, à Autoridade das Condições do Trabalho, dos factos passíveis de integrar assédio moral, para que possa existir justa causa, é no mínimo demasiado ousada, para mais nesta fase do processo. Com efeito, não se vislumbra que a alínea f) do n.º 2 do art.º 394 do CT exija que as situações de assédio, para constituírem justa causa, tenham de ser participadas previamente à autoridade para as condições laborais, o que deixaria de fora uma série de casos previstos no art.º 29, porventura mais graves que os previstos quer no outro segmento dessa mesma al. f), quer nas demais alíneas, não obstante, pela sua gravidade e consequências, tais comportamentos tornarem imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho (convergindo, parece, refere o ac. do STJ de 30.04.2025, no proc. n.º 43/23.6T8AVR.P1.S1, ainda que meramente em sede de fundamentação, que “O n.º 4 do artigo 394.º afirma que “[a] justa causa é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações”. Desta remissão legal decorre que sendo a justa causa de resolução do contrato invocada pelo trabalhador um comportamento culposo do empregador este comportamento, “pela sua gravidade e consequências”, há-de tornar “imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”. Trata-se aqui de um juízo de inexigibilidade – face ao comportamento do empregador”.
Acrescente-se ainda que, como0 refere o STJ no ac. de 12.3.25, proferido no proc. 2015/22.9T8CTB.C1.S1, “a resolução do contrato pelo trabalhador, com justa causa subjectiva, é um “despedimento indirecto na medida em que a demissão operada pelo trabalhador assenta na prática de comportamentos ilícitos e culposos do empregador violadores dos direitos ou garantias do trabalhador (artigos 127.º e 129.º do Código do Trabalho), sendo aquele o verdadeiro responsável pela ruptura da relação laboral”.
Em que redunda a participação à ACT? Como nota a Senhora Procuradora-geral Adjunta no seu douto parecer, “a menção da participação à ACT (…) apenas releva para efeitos contraordenacionais (…) nunca podendo constituir um requisito para a invocação da justa causa de resolução do contrato fundada na existência de assédio laboral”.
É isto que resulta da exegese do preceito: o que a lei impõe é que seja inexigível a manutenção do vinculo laboral, face ao comportamento do empregador.
Acresce que, como se viu, o procedimento para a resolução do contrato pelo trabalhador apenas obriga que este comunique sucintamente os factos que justificam a resolução (art.º 395/1, CT), o que bem se entende, considerando que o trabalhador habitualmente não conhece os preceitos laborais. Seria, pois, de difícil compreensão que para um caso, aliás, especialmente grave, se erigisse como requisito de valoração da justa causa a realização de uma comunicação de cariz administrativo.
Ou seja, também por aqui se reforça a interpretação de que o assédio não tem necessariamente de ser comunicado previamente à autoridade administrativa.
*
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Mas ainda que assim não fosse, não se nos afigura correta a decisão recorrida quando reconduz toda a comunicação da autora à existência do assédio.
Com efeito, a autora alega a violação do disposto nas alíneas a), b), e) e f) do n.º 2 do art.º 394, imputando designadamente à empregadora, além do assédio relacionado com a baixa médica e orientado a conseguir a sua desvinculação, estes relacionados com a violação do dever de ocupação efectiva quando regressou de licença de maternidade, falta de pagamentos de horas de formação contínua não ministradas e instauração de um procedimento disciplinar com aplicação de sanção infundada.
Assim, não se acompanha a decisão sub júdice, a qual nesta fase do processo não pode colher, procedendo o recurso e devendo prosseguir os autos, se outro motivo a tal não obstar.
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* DECISÃO
Pelo exposto, o Tribunal julga o recurso procedente, revoga o saneador sentença recorrido na parte em que declarou procedente a exceção de preterição de formalidades essenciais para a resolução do contrato de trabalho tal como previsto no art.º 394, n.º 2, alínea f), do Código do Trabalho, e determina a prossecução da ação, se outro motivo a tal não obstar.
Custas do recurso pelo R.
Lisboa, 30 de junho de 2025
Sérgio Almeida
Alves Duarte
Francisca Mendes