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CRÉDITO LABORAL
CONSULADO
IMUNIDADE DE EXECUÇÃO
Sumário
I. Para que a embaixada ou consulado possa invocar que as suas contas bancárias ou os seus bens estão vinculados à prossecução das finalidades da missão diplomática ou consular, não podendo ser penhorados, importa que cumpra o ónus de alegar e provar que os bens ou direitos penhorados ou indicados para penhora têm relação direta com as respetivas atividades. II. Estando em causa um crédito laboral resultante do desenvolvimento da atividade de empregador de um consulado, sem que se mostre que a conta penhorada tem relação direta com as respetivas atividades consulares, não é impenhorável por imunidade de execução a conta bancária deste.
Texto Integral
Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa
RELATÓRIO
Exequente e recorrida: AA
Executado, oponente e recorrente: Consulado-Geral do Brasil em Lisboa
Tendo sido instaurada ação executiva, o executado deduziu oposição à
penhora efetuada a 14-11-2023 invocando (i) que a conta penhorada estava abrangida pela imunidade de jurisdição; que (ii) tem o código de atividade económica 9900 – act. dos organismos internacionais e outras instituições extraterritoriais, i.e., com ligação direta com as respetivas atividades do executado.
Pede:
A) A título principal, por serem impenhoráveis os valores constantes da
conta bancária do Executado, por terem relação direta com a atividade consular, em caráter jus imperii, bem como pela Imunidade Jurisdicional daquele, como representante da República Federativa do Brasil, com base em fonte normativa de Direito Internacional, imediatamente aplicável, ex vi o disposto pelo artigo 8.º, da Constituição da República, em conjugação com o disposto pelo artigo 785.º, nº 6, do CPC, se declare e seja ordenado o levantamento da penhora efetuada;
B) Caso assim não se entenda, a título subsidiário, por existir causa
prejudicial anterior (Apenso “D”), à penhora realizada, se declare e seja ordenado o seu respetivo levantamento ou cancelamento até que seja decidido, com trânsito em julgado, o processo prejudicial anteriormente instaurado.
*
O Tribunal a quo indeferiu liminarmente a oposição à penhora.
Para tal, considerou que:
“A oposição à penhora é o mecanismo processual à disposição do devedor
executado destinado a paralisar a penhora que ocorreu ou que se encontra a
decorrer, com algum(uns) do(s) fundamentos do artigo 784.º, n.º 1 do CPC.
Nomeadamente pela inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente
apreendidos - artigo 784.º, n.º 1, al. a).
Alega o oponente a imunidade de jurisdição.
A questão já foi apreciada em acórdão do STJ de 21-09-2022, proferido no âmbito da execução, no qual se decidiu que «Desde logo numa interpretação literal do artigo 22º da Convenção de Viena sobre as relações diplomáticas, os depósitos bancários não se se enquadram na previsão normativa do seu número 3 (“Os locais da missão, o seu mobiliário e demais bens neles situados, assim como os meios de transporte da missão, não poderão ser objeto de busca, requisição, embargo ou medida de execução”), o qual apenas se reporta a determinados bens (corpóreos) – e não a quaisquer direitos/créditos. II- Compreensivelmente, os bens aí elencados são precisamente aqueles – e apenas aqueles – que, a serem objeto de “busca, requisição, embargo ou medida de execução”, colocariam em sério risco a funcionalidade da missão e, para além disso, afetariam desproporcionadamente a própria dignidade do Estado demandado, cuja soberania exige a cabal inviolabilidade do local e bens afetos à atividade consular, não podendo deixar de reconhecer-se algum paralelismo entre esta norma e a do direito interno que consagra a regra (não absoluta) da impenhorabilidade dos bens imprescindíveis a qualquer economia doméstica (art. 737.º, n.º 3, CPC), numa lógica de salvaguarda dos interesses vitais do executado. III- Para efeitos do disposto no art. 18.º, n.º 2, do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22.12.2000, uma Embaixada (ou um Consulado) de um Estado estrangeiro situado no território de um Estado-Membro constitui um estabelecimento na aceção desta disposição num litígio relativo a um contrato de trabalho celebrado entre esta em nome do Estado acreditante. IV- Numa interpretação do art. 22.º, n.º 3, da Convenção de Viena, integrada e articulada com a Convenção das Nações Unidas sobre Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens, poderá atribuir-se a esta última a força vinculativa própria do direito internacional consuetudinário, apesar de a mesma não se encontrar em vigor em Portugal. V- Decorre dos arts. 19.º, alínea c), e 21º, n.º 1, alínea a), desta Convenção que, para além dos bens, também não são passíveis de penhora as contas bancárias utilizadas ou destinadas a ser utilizados no exercício das funções da missão diplomática do Estado ou dos seus postos consulares. VI- Todavia (e para além do especial tratamento que devem merecer os processos judiciais emergentes de relações laborais), nestas situações não basta à embaixada ou consulado invocar que suas contas bancárias ou os seus bens estão vinculados à prossecução das finalidades da missão diplomática ou consular, impondo-se que seja efetiva e claramente comprovado que os bens ou direitos penhorados, ou indicados para penhora, têm relação direta com as respetivas atividades.».
Afigura-se-nos que o código de atividade de uma conta, mesmo a admitir-se a hipótese de esta estar vinculada à prossecução das finalidades da missão diplomática ou consular, é insuficiente para demonstrar tal ligação direta.
Ainda que o tivesse a ligação a uma missão consular não deve deixar de entender-se como compreendendo os créditos dos autos, decorrentes de relação laboral, pelo que a afetação seria precisamente ao pagamento do crédito da exequente (inciso do acórdão “especial tratamento dos processos judiciais emergentes de relações laborais”).
Subsidiariamente, pede-se que, caso assim não se entenda, por existir causa prejudicial anterior (Apenso “D”), à penhora realizada, se declare e seja ordenado seu respetivo levantamento ou cancelamento até que seja decidido, com trânsito em julgado, o processo prejudicial anteriormente instaurado.
Questão prejudicial pode definir-se como aquela cuja solução é necessária para se decidir uma outra. Existe prejudicialidade nas situações em que o conhecimento do fundo ou mérito da ação (ou seja, para se prover sobre o petitório formulado) está dependente da prévia resolução de uma outra questão que, segundo a estrutura lógica ou o encadeamento lógico da sentença, carece de prévia decisão – artigo 92.º do CPC.
O apenso D reporta-se aos embargos de executado, de que foi proferida decisão a julgar verificada a exceção de preclusão do direito de embargar e, consequentemente, absolveu-se a embargada da instância”.
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Inconformada, o executado recorreu, concluindo:
1ª A Decisão recorrida indeferiu liminarmente a oposição à penhora deduzida pelo Apelante.
2ª E, para tanto, fundamentou, citando um acórdão do STJ, proferido a 21-09-2022, no âmbito dos autos da execução principal (…)
3ª Porém , o invocado douto acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, não se pronunciou sobre a prova documental, agora produzida em sede de oposição à penhora, no que concerne a “Ficha de Cliente” do Apelante, no Banco (doc. 4 junto, com a inicial) e,
4ª Através da qual se verifica que a conta à ordem penhorada apresenta, como “Código de Atividade Económica”, o de nº “99000”, o que indica” ACT. Dos organismos Internacionais e Outras Instituições Extraterritorias”.
5ª Assim, a contrario, o apelante cumpriu com o ónus da prova, nos termos e para os efeitos do disposto pelo artigo 342.º, do Código Civil, nesse âmbito.
6ª Salvo o devido respeito, a decisão recorrida, ao decidir não atribuir valor ao dito documento, sob o fundamento de um juízo de incerteza, quando afirma quanto ao Código de atividade da conta «… mesmo a admitir-se estar vinculada à prossecução das finalidades da missão diplomática ou consular, é insuficiente para demonstrar tal ligação direta.», acaba por violar os artigos 19.º, alínea c) e 22,.º, nº 3, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, a parte III, da Convenção das Nações Unidas sobre Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens (CIJEB), de 17 de Janeiro de 2005, artigo 8.º, da Constituição da República e 342.º, do Código Civil.
7ª Uma vez que, em sentido diametralmente oposto ao decidido, o documento em causa é suficiente, de per si, para demonstrar a ligação direta investida de imunidade de jurisdição para execução para os fins colimados pelo Direito Internacional vinculante e que faz parte do Direito Interno, seja como norma consuetudinária, seja como fonte.
8ª Especialmente, quando a imunidade de jurisdição de execução, quanto a um Estado estrangeiro, é absoluta, ou seja, o conceito mitigado de imunidade de jurisdição dos Estados que tem por base o Costume Internacional e diz respeito tão somente ao processo de conhecimento, não se estendendo à fase de execução.
9ª Ainda sob este prisma, nos termos e para os efeitos do disposto pelo art.º 28.º, da Convenção de Viena sobre Relações Consulares, dita (CVRC), “o Estado receptor concederá todas as facilidades para o exercício das funções do posto consular» e, tendo em vista que a repartição consular necessita de contas bancárias para exercer suas funções, entende-se que essas facilidades incluem a operação e, por via de consequência, a impenhorabilidade dessas contas.
10ª Como efeito disto, a Decisão ora recorrida violou, igualmente, o disposto pelo art.º 28.º, da Convenção de Viena sobre Relações Consulares, bem como dos art.º 784.º, nº 1, al. a) e 785.º, nº 6, ambos do Código de Processo Civil.
11ª Urge, por isto, reparar-se o error in judicando e, dando-se provimento ao presente recurso, que seja a revogada a Decisão recorrida, a oposição julgada procedente por provada e determinado o levantamento da penhora em questão.
(…)
Remata pedindo que seja dado provimento ao presente recurso para que, revogada a Decisão recorrida, a oposição julgada procedente por provada e determinado o levantamento da penhora em questão.
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A exequente contra-alegou, pediu a improcedência do recurso e concluiu:
1. O presente recurso vem interposto da douta sentença de 16 de janeiro de 2024, na qual se indeferiu liminarmente a oposição à penhora apresentada pelo recorrente Consulado-Geral do Brasil em Lisboa.
2. Inconformado com este despacho, dele apelou o requerente, aqui recorrente, invocando a impenhorabilidade da conta bancária, com o consequente levantamento da penhora sobre as mesmas.
3. Ora, recordamos que o recorrente já havia invocado antes a impenhorabilidade dos saldos bancários referentes à conta bancária n.º ..., domiciliada no Banco Santander Totta, SA.
4. Consequentemente, esta questão foi anteriormente debatida nos autos, acabando-se por manter a penhora da conta bancária efetuada, em cumprimento do decidido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/09/2022.
5. Porquanto, entendeu-se que não havia sido comprovado que os bens ou direitos penhorados, ou indicados para penhora, tinham relação direta com as respetivas atividades.
6. Ainda assim, na sequência de uma segunda penhora ao saldo bancário, veio o Consulado, aqui recorrente, mais uma vez, invocar a impenhorabilidade da conta bancária por considerar que está abrangida pela imunidade de jurisdição.
7. Ora, é pacífico tanto na doutrina e jurisprudência internacional, que a imunidade jurisdicional dos Estados estrangeiros tem um âmbito restrito, abrangendo apenas os atos de gestão pública (jure imperii).
8. De igual modo, é também pacífico na doutrina e jurisprudência internacional que a imunidade da execução deve ter igualmente âmbito restrito, sujeito ao cumprimento de determinados requisitos.
9. Como resulta do preceituado no art.º 22.º n.º 3, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, apenas são considerados impenhoráveis os bens que estão afetos à missão diplomática, pelo que, implicitamente todos os outros bens são suscetíveis de penhora.
10. Porém, numa interpretação literal deste preceito legal, os depósitos bancários não estão abrangidos uma vez que, o referido normativo apenas se reporta a determinados bens (corpóreos), e não a quaisquer direitos/créditos.
11. Como tal, caberia ao executado comprovar que o saldo bancário penhora tem relação direta com a atividade de diplomacia (p.e. através da demonstração detalhada dos valores que integram o seu orçamento e as despesas efetivadas e pendentes com a missão).
12. In casu, tal demonstração não ocorreu.
13. Com efeito, o Consulado limitou-se a juntar uma suposta “Ficha de Cliente” – que nem sequer está certificada pela instituição bancária -, onde consta o Código de Atividade Económica - 99900 (Atividades dos Organismos Internacionais e Outras Instituições Extra-Territoriais).
14. Relembramos que o CAE se refere ao Código de Atividade Económica e serve para classificar as atividades de cada empresa, que são utilizadas para questões de tributação.
15. Em consequência, a simples identificação do ramo de atividade ou setor da empresa em que atua é insuficiente para demonstrar que o saldo bancário objeto de penhora têm relação direta com a respetiva atividade.
16. Pelo que, não merece qualquer censura a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, devendo-se manter a penhora ao saldo bancário.
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A DM do MºPº emitiu parecer no sentido da confirmação da decisão.
As partes não responderam ao parecer.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
* FUNDAMENTAÇÃO
Cumpre apreciar neste recurso – considerando que o seu objecto é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 635/4, 608/2 e 663, todos do Código de Processo Civil – , se merece censura a decisão recorrida ao indeferir liminarmente a oposição por considerar que os bens eram penhoráveis.
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Factos provados: os descritos no relatório.
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De Direito
Insurge-se o recorrente contra a decisão recorrida alegando que o saldo da conta bancária nomeado à penhora estava vinculado à prossecução das finalidades da missão consular, sendo impenhorável ao abrigo do n.º 3 do art.º 22 da Convenção de Viena e art.º 19, alínea c) e 21, n.º 1, al. a), da Convenção das Nações Unidas sobre Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens, e que dessa forma a decisão recorrida violou o art.º 28 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares, bem como o disposto nos art.º 784, n.º 1, al. a) e 785, n.º 6, ambos do Código de Processo Civil.
Dispõem estes preceitos:
Artigo 19.º
Imunidade dos Estados relativamente a medidas de execução posteriores ao julgamento
Não poderão ser tomadas, em conexão com um processo judicial num tribunal de outro Estado, quaisquer medidas de execução posteriores ao julgamento contra os bens de um Estado, tais como o arrolamento, arresto ou penhora, salvo se e na medida em que:
a) O Estado consentiu expressamente na aplicação de tais medidas:
i) Por acordo internacional;
ii) Por acordo de arbitragem ou por contrato escrito; ou
iii) Por declaração num tribunal ou por comunicação escrita após o litígio entre as partes ter surgido; ou
b) O Estado reservou ou afectou bens para satisfação do pedido que constitui o objecto desse processo; ou
c) For demonstrado que os bens são especificamente utilizados ou destinados a ser utilizados pelo Estado com outra finalidade que não a do serviço público sem fins comerciais e estão situados no território do Estado do foro, com a condição de que as medidas de execução posteriores ao julgamento sejam tomadas apenas contra os bens relacionados com a entidade contra a qual o processo judicial foi instaurado.
Artigo 21º
Categorias específicas de bens
1 — As seguintes categorias de bens do Estado, nomeadamente, não são consideradas como bens especificamente utilizados ou destinados a ser utilizados pelo Estado com outra finalidade que não a de serviço público sem fins comerciais ao abrigo da alínea c) do artigo 19º:
a) Os bens, incluindo qualquer conta bancária, utilizados ou destinados a ser utilizados no exercício das funções da missão diplomática do Estado ou dos seus postos consulares, missões especiais, missões junto de organizações internacionais, ou delega-ções junto de órgãos de organizações internacionais ou de conferências internacionais;
(…)
O art.º 22, n.º 3, da Convenção de Viena sobre relações diplomáticas, celebrada em Viena em 18/04/1961, estatui que
Os locais da missão, o seu mobiliário e demais bens neles situados, assim como os meios de transporte da missão, não poderão ser objecto de busca, requisição, embargo ou medida de execução.
Como defende a DM do MºPº,
“Da conjugação das normas transcritas resulta que os saldos das contas bancárias tituladas por postos consulares serão impenhoráveis desde que demonstrado que os mesmos não se destinam a ser utilizados especificamente para o exercício das funções dos mesmos”.
Do exposto resulta, como se escreve no ac. da RL de 16.01.2019, citado pelo ac. do STJ de 21.09.2022, que “Depois de no seu artigo 20.º a mesma Convenção referenciar o efeito do consentimento para o exercício da jurisdição sobre a adoção de medidas cautelares e de execução (…), o artigo 21.º enumera exemplificativamente categorias de bens do Estado que não são considerados como bens especificamente utilizados ou destinados a ser utilizados pelo Estado com outra finalidade que não a de serviço público sem fins comerciais ao abrigo da alínea c) do artigo 19.º. Não serão assim considerados, de acordo com a norma do artigo 21.º, nomeadamente: «a) Os bens, incluindo qualquer conta bancária, utilizados ou destinados a ser utilizados no exercício das funções da missão diplomática do Estado ou dos seus postos consulares, missões especiais, missões junto de organizações internacionais, ou delegações junto de órgãos de organizações internacionais ou de conferências internacionais; (…) Quanto a estas categorias de bens que o Estado estrangeiro detenha no território do Estado do foro, vale integralmente a imunidade de execução”.
Acrescenta porém, adiante, que Da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (…) que se aplica diretamente (…), decorre que não existe uma impossibilidade absoluta de se proceder à aplicação de medidas de execução a uma Embaixada, pois que a impossibilidade apenas ocorre quando estamos perante bens afetos às finalidades da missão diplomática. Na verdade, se é certo que no seu art. 22.º, n.º 3 a Convenção estabelece que “[o]s locais da missão, o seu mobiliário e demais bens neles situados, assim como os meios de transporte da missão, não poderão ser objeto de busca, requisição, embargo ou medida de execução”, é igualmente certo que, de acordo com a alínea i) do seu artigo 1.º os “locais de missão” vêm definidos como “os edifícios, ou parte dos edifícios e terrenos anexos, seja quem for o seu proprietário, utilizados para as finalidades da missão, inclusive a residência do chefe da missão”. Ou seja, os bens da missão diplomática que estão excluídos da execução são os afetos às finalidades da missão (não estando excluído que possa haver bens com distinta afetação), não sendo exata a afirmação (…) de que a imunidade de execução “consubstancia um privilégio de direito internacional que impede que se penhore qualquer bem da titularidade das missões diplomáticas”.
Nesse sentido, refere o STJ, no acórdão citado de 21.09.2022, que “os bens aí elencados são precisamente aqueles – e apenas aqueles – que, a serem objeto de “busca, requisição, embargo ou medida de execução”, colocariam em sério risco a funcionalidade da missão e, para além disso, afetariam desproporcionadamente a própria dignidade do Estado demandado, cuja soberania exige a cabal inviolabilidade do local e bens afetos à atividade consular, não podendo deixar de reconhecer-se algum paralelismo entre esta norma e a do direito interno que consagra a regra (não absoluta) da impenhorabilidade dos bens imprescindíveis a qualquer economia doméstica (art. 737º, n.º 3), numa lógica de salvaguarda dos interesses vitais do executado. (…) Não se descortina qualquer razão para estender a imunidade de execução aos depósitos bancários. Na verdade, e como refere Celso de Mello, citado por Mireli Pereira Celestino, e em linha com a mais recente jurisprudência brasileira sobre a matéria, “privilégios diplomáticos não podem ser invocados, em processos trabalhistas, para coonestar o enriquecimento sem causa de Estados estrangeiros, em injusto detrimento de trabalhadores residentes em território [nacional], sob pena de essa prática consagrar inaceitável desvio ético-jurídico, incompa-tível com o princípio da boa-fé e com os grandes postulados do direito internacional”.
E a final proclamou este aresto que
“III- Para efeitos do disposto no art. 18.º, n.º 2, do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22.12.2000, uma Embaixada (ou um Consulado) de um Estado estrangeiro situado no território de um Estado-Membro constitui um estabelecimento na aceção desta disposição num litígio relativo a um contrato de trabalho celebrado entre esta em nome do Estado acreditante. IV- Numa interpretação do art. 22.º, n.º 3, da Convenção de Viena, integrada e articulada com a Convenção das Nações Unidas sobre Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens, poderá atribuir-se a esta última a força vinculativa própria do direito internacional consuetudinário, apesar de a mesma não se encontrar em vigor em Portugal. V- Decorre dos arts. 19.º, alínea c), e 21º, n.º 1, alínea a), desta Convenção que, para além dos bens, também não são passíveis de penhora as contas bancárias utilizadas ou destinadas a ser utilizados no exercício das funções da missão diplomática do Estado ou dos seus postos consulares. VI- Todavia (e para além do especial tratamento que devem merecer os processos judiciais emergentes de relações laborais), nestas situações não basta à embaixada ou consulado invocar que as suas contas bancárias ou os seus bens estão vinculados à prossecução das finalidades da missão diplomática ou consular, impondo-se que seja efetiva e claramente comprovado que os bens ou direitos penhorados, ou indicados para penhora, têm relação direta com as respetivas atividades”.
E ainda acrescenta, em sede de fundamentação: “Todavia (e para além do especial tratamento que, pelas razões já explanadas, devem merecer os processos judiciais emergentes de relações laborais), nestas situações, como decidiu o acórdão recorrido, não basta à embaixada ou consulado invocar que as suas contas bancárias ou os seus bens estão vinculados à prossecução das finalidades da missão diplomática ou consular, impondo-se que seja efetiva e claramente comprovado que os bens ou direitos penho-rados, ou indicados para penhora, têm relação direta com as respetivas atividades (…). No caso vertente – como inequivocamente decorre do teor das decisões proferidas nesta matéria pelas instâncias –, os autos são omissos relativamente à finalidade das contas bancárias em causa, pelo que, mesmo à luz desta abordagem, sempre seria de concluir no sentido da inverificação de qualquer obstáculo legal à penhora”.
Pois bem. Não resulta de lado algum demonstrado que o saldo da conta bancária seria utilizado especificamente no exercício das funções consulares, o que cabia ao recorrente demonstrar (art.º 342/1 CC).
Acresce que se discute um crédito laboral, supostamente relacionado com o desenvolvimento da atividade da recorrente, sem que se mostre, contudo, que a conta penhorada tem relação direta com as respetivas atividades consulares, pelo também por aqui não colhe a pretensa imunidade de jurisdição.
Cabendo ao executado estabelecer a ligação entre a conta bancária penhorada e a prossecução da finalidade da missão consular, a referência ao CAE 99000 ("Actividades dos organismos internacionais e outras instituições extra-territoriais", Classificação Portuguesa de Actividades Económicas, Revisão 3, em vigor) feita no documento junto para cumprir esse ónus, não significa senão que é essa a actividade do Consulado que abre a conta, não implicando necessariamente que o valor que a conta e, especificamente, o valor que a penhora visa acautelar, se destine especificamente a prover à actividade consular.
Assim, não se vislumbra qualquer impenhorabilidade.
Logo, não merece censura a decisão recorrida.
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* DECISÃO
Pelo exposto, o Tribunal julga o recurso improcedente e confirma a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 30 de junho de 2025
Sérgio Almeida
Celina Nóbrega
Maria José Costa Pinto