CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
ESCOLHA PELO TRABALHADOR
Sumário

I – Resulta do artigo 552º, nº 1 do CT/2003 (actualmente artigo 496º nº 1 do CT/2009) o denominado princípio da dupla filiação, que significa que uma convenção colectiva de trabalho apenas se aplica aos trabalhadores e empregadores filiados ou que se venham a filiar nas entidades outorgantes, e ainda quanto aos empregadores que a outorguem directamente.
II - Acresce a este requisito de aplicabilidade da CCT o denominado âmbito de aplicação da convenção, ou seja, o sector profissional ou geográfico abrangido pela convenção.
III- As normas da convenção colectiva podem ainda ser aplicadas, total ou parcialmente, a quem não seja filiado em entidade outorgante, nas seguintes situações, que ao caso interessam, e por esta ordem (desde que se verifique o requisito referido em II):
- por acordo do trabalhador – artigo 15º da Lei 99/2003, de 27 de Setembro (actualmente artigo 497º do CT/2009);
- através de uma Portaria de Extensão (artigo 573º do CT/2003 e artigo 514º nº 1 do CT/2009).
IV - O ónus de alegação e prova da situação jurídica do filiado ou do associado nas associações de empregadores, ou da verificação do condicionalismo de aplicabilidade de determinada convenção colectiva, pertence a quem invoca o direito, nos termos do disposto no artigo 342º nº 1 do C.Civil.
V - Não resulta do artigo 15º da Lei 99/2003, de 27 de Agosto – sob a epígrafe “Escolha de convenção aplicável” – que a mesma se aplica apenas aos contratos já existentes à data da sua entrada em vigor. O que resulta da norma é que ela é aplicável quando, na vigência do CT, seja outorgado IRCT aplicável à empresa, podendo os trabalhadores não filiados escolher o IRCT que lhes é aplicável.
VI – O artigo 497º do CT/2009, na sua versão originária, a propósito da escolha da convenção aplicável, prevê que “1 - Caso sejam aplicáveis, no âmbito de uma empresa, uma ou mais convenções colectivas ou decisões arbitrais, o trabalhador que não seja filiado em qualquer associação sindical pode escolher qual daqueles instrumentos lhe passa a ser aplicável.”, nos condicionalismos previstos nos nºs 2 e 3 do preceito.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório
AA intentou a presente acção declarativa de condenação, a seguir a forma de processo comum, contra “Educação Popular, IPSS” peticionando a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 51.661,97 a título de diferenças salariais, e € 1.515,33 a título de retribuição e crédito por formação profissional que não providenciou à Autora, tudo acrescido de juros de mora.
Para tanto, sustenta ter celebrado contrato de trabalho com a aqui Ré e que esta não procedeu às actualizações salariais devidas e em conformidade com os instrumentos de regulamentação colectiva aplicáveis ao sector e à relação laboral que as unia.
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Foi realizada audiência de partes, não sendo possível a sua conciliação.
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Citada, a Ré contestou, alegando que as actualizações salariais peticionadas pela Autora não se aplicam à relação laboral que as uniu, na medida em que o instrumento de regulamentação colectiva que se mostra aplicável não é o mencionado pela Autora.
Admitiu, no entanto, a existência de falta de actualizações, em valores que indica e líquida e de que se confessa, a final, devedora.
Suscita, ainda, a Ré excepção peremptória de prescrição do crédito de formação.
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Foi dispensada a realização de audiência prévia.
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Foi proferido despacho saneador, o qual conheceu da validade e regularidade da instância.
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Foram fixados o objecto do litígio e os temas da prova.
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Foi realizado julgamento com observância do legal formalismo.
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A sentença julgou a acção “parcialmente procedente e, em consequência, condena-se a Ré a pagar à Autora a quantia de € 2.894,01, acrescida de juros de mora, computados desde o vencimento de cada parcela até integral pagamento, à taxa supletiva legal.”
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Inconformada, a Autora interpôs recurso, concluindo nas suas alegações que
1. Não se conforma a Recorrente com a decisão relativa à matéria de facto e de direito, por entender que mediante a prova produzida se verificavam os pressupostos para a condenação da Recorrida nos pedidos.
2. Dos articulados, dos documentos carreados ao processo e da prova produzida em audiência de julgamento, impõe-se uma alteração à matéria de facto considerada provada e não provada na douta sentença.
3. A Recorrida nunca invocou que a Recorrente escolheu a convenção da CNIS por a mesma constar da Cláusula Nona do contrato de trabalho (junto sob o doc. 2 com a pi), pelo contrário, a Recorrida aceita, confessa e alega que a Recorrente não escolheu qualquer IRCT (cfr. 51º da contestação).
4. A Recorrente não escolheu no contrato de trabalho o CCT celebrado entre a CNIS e a FNE.
5. Por via da sua não invocação e confissão da Recorrida e de tal não ser matéria em discussão por aceite por ambas as partes, deve a matéria de facto PROVADA ser alterada em conformidade, alterando-se o ponto J. dos factos provados com a seguinte redação: J. A Cláusula Nona do acordado em G. dispunha que em tudo o omisso, será regido pelo CCT celebrado entre o UIPSS e os Sindicatos e pelo disposto pela Lei Geral do Trabalho;
6. Do mesmo modo, por via da sua não invocação e confissão da Recorrida e de tal não ser matéria em discussão por aceite por ambas as partes, deve a matéria de facto NÃO PROVADA ser alterada em conformidade, acrescentando-se a esta um ponto 7. com a seguinte redação: 7. A Autora escolheu o CCT celebrado entre o UIPSS e os Sindicatos.
7. No seguimento do considerado provado em K, L e M e do contrato de comissão de serviço junto sob o doc. n.º3 com a petição inicial, deve ser incluído na matéria de Facto PROVADA que: M.1. A Cláusula Nona do acordado em K. dispunha que os casos omissos serão regulados pelo disposto no Código do Trabalho aprovado pela lei 7/2009 de 12 de fevereiro e pelo contrato coletivo de trabalho celebrado entre AEEP e a FNE.
8. Invoca a Recorrente na sua petição inicial que apenas recebeu formação da Recorrida em 2021 juntando o respetivo certificado (cfr. AA dos Factos Provados), não tendo recebido mais nenhuma formação ministrada pela Recorrida.
9. Tratando-se de um facto negativo a Recorrente não juntou mais certificados (ou outro) relativos a formação por não a ter recebido, bem como não consegue juntar mais prova de algo que não lhe foi proporcionado.
10. A Recorrente na sua carta de denúncia pediu de forma clara, espontânea e inequívoca lhe fossem pagas as horas de formação a que tinha direito de acordo com a lei e que lhe eram devidas, e informou que apenas lhe foi proporcionada a formação do dia 15 de março de 2021, cfr. doc. n.º5 junto com a pi.
11. A Recorrida, além da tal formação do dia 15 de março de 2021 que não foi peticionada e foi aceite pelas partes, não logrou provar que proporcionou à Recorrente qualquer outra formação, nomeadamente as que indicou, conforme 6. dos factos não provados.
12. Além das suas declarações e da carta de denúncia a Recorrente não tinha qualquer outra possibilidade de provar que não recebeu a formação que lhe era devida.
13. A fim de não contender com o princípio da proibição da indefesa, que emana do direito constitucional ao acesso ao direito e aos tribunais (art. 20.º da CRP), deve a acrescida dificuldade da prova da falta de formação ter, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do tribunal a quo, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, devendo aplicar-se claramente no caso concreto a máxima latina iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur.
14. O tribunal a quo fez incorreto julgamento daqueles factos, devendo valorar as declarações de parte da Recorrente, a carta de denúncia e a inexistência de prova pela Recorrida de que proporcionou formação à Recorrente, à luz dos princípios supra, impondo-se que decidisse no sentido de serem dados como PROVADOS os factos constantes dos 4. e 5. dos Factos Não Provados.
15. Violou assim a douta sentença os art.s 607º n.º 4 e 5 do CPC, o art. 356º n.º1, art.376º e o art. 396º todos do Código Civil, art.s 18º e 20 da Constituição da Republica Portuguesa e sofre do vicio da nulidade nos termos da alínea d) do n.º1 do art.615º do CPC ex vi do art.77 do CPT.
16. O contrato de comissão de serviço assinado pelas partes representava uma cumulação onde a Recorrente mantinha as suas funções de psicóloga e a respetiva remuneração que cumulava com o cargo de coordenadora do SEAE (Serviço de Educação de Apoio Especializado), tendo por funções a coordenação do gabinete. O contrato contém a menção expressa de o ser em regime de comissão de serviço, indica as funções, indica o valor a receber pela comissão de serviço e pelas funções de psicóloga, estabelece que funções irá exercer caso a comissão de serviço termine, tudo conforme estabelecido no contrato junto aos autos, cumprindo os requisitos que a lei estabelece nos art.161º e ss do Código do Trabalho para a sua validade, pelo que é o mesmo válido e de pleno efeito.
17. Sem prescindir, a invalidade de algumas cláusulas não determina a invalidade de todo o contrato, mantendo-se as mesmas válidas, bem como mesmo produz efeitos como válido em relação ao tempo em que seja executado, cfr. disposto nos art.121º e 122º do Código do Trabalho.
Sem prescindir, caso se considere que existiu uma escolha válida da Recorrente do CCT celebrado entre a CNIS e FNE para aplicação ao seu contrato de trabalho, o que não se aceita nem concede.
18. A aplicação da convenção celebrada entre a AEEP e a FNE estabelece níveis salariais com mínimos muito superiores aos que estabelece a convenção celebrada entre a CNIS e a FNE (atente-se ao valor da condenação de €2894,01 pela aplicação desta última e ao valor da petição inicial de €51.661,97 pela aplicação da primeira), pelo que estabelece condições mais favoráveis à trabalhadora.
19. Atendendo a que as disposições da convenção celebrada entre a AEEP e a FNE (caso cumpra os restantes requisitos de aplicação) só podem ser afastadas no contrato de trabalho quando este estabeleça condições mais favoráveis à trabalhadora, a cláusula nona do contrato de trabalho celebrado entre a Recorrente e a Recorrida não pode ser considerada válida e eficaz por contrária à imperatividade do que se estabelece nos artigos 531º do CT/2003 e 476º do CT/2009, viola o princípio da inderrogabilidade ali estabelecido.
20. Na data da assinatura do contrato de trabalho não era permitido pela lei que a Recorrente, não filiada em sindicato outorgante, escolhesse convenção coletiva que lhe fosse aplicável.
21. A escolha a que se referem os n.ºs1 e 2 do art.497º do CT, deve ser feita unilateralmente pelo trabalhador não filiado em qualquer sindicato outorgante até três meses da entrada em vigor ou do início do contrato de trabalho se for posterior, o que presume não poder ser feita no contrato de trabalho, negócio bilateral.
22. nos termos do disposto no n.º3 do art.497º do Código do Trabalho, o limite de tempo de aplicação da convenção escolhida pela trabalhadora é de 15 meses, ou seja, caso se considere que existiu uma escolha válida da Recorrente do CCT celebrado entre a CNIS e FNE para aplicação ao seu contrato de trabalho, o que não se aceita nem concede, esta escolha apenas seria válida por 15 meses.
23. nos termos do n.º5 do art.497º do Código do Trabalho, o trabalhador não poderá escolher a convenção coletiva que pretende seja aplicável à sua relação laboral se o trabalhador já se encontrar abrangido por portaria de extensão de convenção coletiva aplicável no mesmo âmbito do setor de atividade, profissional e geográfico.
24. A recorrente não era filiada em nenhum sindicato, a Recorrida era associada da AEEP e o contrato de trabalho entre a Recorrente e a Recorrida foi celebrado em 1 de Janeiro de 2008.
25. A convenção celebrada entre a AEEP e a FNE, publicada no BTE n.º11 de 22 de Março de 2007 foi objeto de Portaria de Extensão com o n.º1483/2007 publicada a 19 de Novembro de 2007, aplicando-se às relações de trabalho entre estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior filiados na associação de empregadores outorgantes e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais previstas nas convenções, não filiados ou representados pelas associações sindicais outorgantes, a qual entrou em vigor em 24 de novembro de 2007, conforme a própria dispõe.
26. À relação laboral entre Recorrente e Recorrida já se aplicava a referida portaria de extensão o que impedia a trabalhadora de escolher a convenção que pretendia ver aplicável à sua relação laboral, pelo que caso a Recorrente tivesse escolhido por via da cláusula do contrato de trabalho a CCT aplicável, o que não se aceita nem concede, tal escolha não era válida nem eficaz por força do n.º 5 do art.497º do Código do Trabalho.
27. Se se entender uma escolha válida do CCT no contrato de trabalho, então não pode deixar de se entender também que a cláusula nona do contrato de comissão de serviço onde se estipula que os casos omissos serão regulados pelo disposto no Código do Trabalho aprovado pela lei 7/2009 de 12 de fevereiro e pelo contrato coletivo de trabalho celebrado entre AEEP e a FNE, configura uma escolha da trabalhadora do contrato coletivo celebrado entre a AEEP e a FNE para a sua relação laboral a partir dessa data, ou seja, a partir de 1 de novembro de 2015, o que expressamente requer.
28. Em 1 de Janeiro de 2008, data da celebração do contrato de trabalho entre a
Recorrente e a Recorrida, eram aplicáveis à relação laboral, sendo a primeira a mais recente:
- a Portaria de Extensão com o n.º1483/2007 publicada a 19 de Novembro de 2007 relativa à convenção celebrada entre a AEEP e a FNE, publicada no BTE n.º11 de 22 de Março de 2007;
- a Portaria de Extensão com o n.º900/2006 publicada em 1 de Setembro de 2006
relativa à convenção celebrada entre a CINS e a FNE, publicada no BTE n.º25 de 08 de Julho de 2005.
29. Por via da portaria de extensão n.º1483/2007 publicada a 19 de Novembro de 2007 e sucedâneas são aplicáveis à relação laboral entre Recorrente e Recorrida as condições estabelecidas na convenção celebrada entre a AEEP e a FNE, publicada no BTE n.º11 de 22 de Março de 2007 e sucedâneas.
30. A douta sentença a definir que a convenção coletiva aplicável à relação laboral entre a Recorrente e a Recorrida é a que estipula condições mais desfavoráveis à trabalhadora nomeadamente no que diz respeito aos níveis salariais viola o principio constitucionalmente consagrado no art.59º da CRP, de que para trabalho igual salario igual, não se podendo admitir que um trabalhador com o mesmo tempo de serviço e qualificação possa receber uma remuneração muito inferior por força da aplicação de uma convenção coletiva ou de outra.
31. Cessando o contrato de trabalho em 30 de Agosto de 2021, a Recorrente tinha direito nos termos dos art.s 131º, 132º e 134º todos do Código do Trabalho:
- à retribuição correspondente ao valor mínimo anual de horas de formação não proporcionadas pela Recorrida até ao termo dos dois anos posteriores ao seu vencimento que ainda não se transformaram em crédito,
- ao crédito de horas de que seja titular à data do terminus do contrato que não tenham cessado, ou seja, as horas que não sejam asseguradas pelo empregador até ao termo dos dois anos posteriores ao seu vencimento transformam-se em crédito de horas em igual número, cuja Recorrente tem direito desde que não tenham decorrido 3 anos sobre a sua constituição em crédito.
32. A douta sentença, não faz a devida integração da matéria de facto (alterada ou não) no direito, abstendo-se de se pronunciar ou pronunciando-se erradamente sobre as questões supra as quais deveriam ter sido objeto de decisão ou objeto de decisão diversa, carecendo quanto a alguma matéria de fundamento de facto ou de direito que justificam a decisão, sofrendo a mesma do vício da nulidade, estabelecido nas alíneas b) e d) do n.º1 do art. 615º do C.P.C. ex vi art.77º do CPT, violando ademais os artigos 531º do CT/2003 e 476.º do CT/2009, art.15º das disposições transitórias da Lei 99/2003 de 27 de agosto, o art. 497º do CT/2009, cfr. art. 537º e 536º ambos do CT/2003 e art.483º e 482 ambos do CT/2009, a Portaria de Extensão com on.º1483/2007 publicada a 19 de Novembro de 2007, a Convenção Colectiva celebrada entre a AEEP e a FNE, publicada no BTE n.º11 de 22 de Março de 2007 e seguintes, art.59º da CRP e art.s121º e 122º, 131º, 132º e 134º e 161º e ss, todos do Código do Trabalho.
Nestes termos e com o douto suprimento de V. Exa.s deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença impugnada, que deverá ser, ao abrigo do art. 665º do C.P.C ex vi art.87º do CPT, deve a sentença recorrida ser substituída por outra que condene a Recorrida a pagar à Recorrente as diferenças salariais que resultarem do valor legalmente devido para o sector segundo as tabelas remuneratórias mínimas aplicáveis à Autora, em função da aplicabilidade (que se entende ser convenção celebrada entre a AEEP e a FNE, publicada no BTE n.º11 de 22 de Março de 2007 e a Portaria de Extensão com o n.º1483/2007 publicada a 19 de Novembro de 2007) relativa ao nível, categoria e tempo de serviço e o valor efetivamente recebido por esta, bem como no pagamento do crédito correspondente às horas de formação profissional que não assegurou ou proporcionou àquela, em montante não inferior a €1.515,33, tudo acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal civil supletiva.
Fazendo-se assim, Inteira e devida JUSTIÇA.”
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A Apelada contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.
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A Exma Procuradora Geral-Adjunta, junto deste Tribunal da Relação, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Os autos foram aos vistos aos Exmos Desembargadores Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir
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II – Objecto
Considerando as conclusões de recurso apresentadas, que delimitam o objecto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, cumpre apreciar e decidir:
- se o tribunal a quo errou na decisão sobre a matéria de facto quanto aos factos impugnados;
- se a sentença é nula;
- qual a CCT aplicável à Autora;
- do direito às diferenças salariais reclamadas pela Autora;
- do direito ao valor das formações reclamado pela Autora.
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III – Fundamentação de Facto
A . Matéria de Facto Provada
São os seguintes os factos considerados provados pela 1ª instância
A. A Ré é uma Instituição Privada de Solidariedade Social (IPSS), sem fins lucrativos, com estatuto de Utilidade Pública que tem por escopo:
• O Apoio a crianças e jovens, nomeadamente através da educação;
• O Apoio à família;
• O Apoio à integração social e comunitária;
• Prevenção, promoção e protecção da saúde.
B. A Ré é associada da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS) desde 27 de Maio de 1998.
C. A Ré é associada da Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP) desde 16 de Janeiro de 1981.
D. O Código de Actividade Económica (CAE) principal da Ré é o 88990.
E. A Autora é psicóloga.
F. A Autora efectuou estágio profissional como psicóloga junto da Ré entre 16 Fevereiro de 2007 e 16 de Dezembro de 2007.
G. No dia 01 de Janeiro de 2008, a Autora, na qualidade de Segunda Outorgante e a Ré, na qualidade de Primeira Outorgante, celebraram acordo escrito, denominado Contrato de Trabalho a Termo Certo, mediante o qual a segunda declarava admitir a primeira ao seu serviço e esta se obrigava a prestar-lhe a sua actividade como psicóloga.
H. Sob a Cláusula Primeira do acordo referido em G., as partes acordaram que a Autora teria como funções estudar o comportamento e os mecanismos mentais do homem e proceder a investigações sobre problemas psicológicos em domínios tais como o fisiológico, social, pedagógico e patológico, utilizando técnicas específicas que, por vezes, elabora; analisa os problemas resultantes da interacção entre indivíduos, instituições e grupos; estuda todas as perturbações internas e relacionais que afectam o indivíduo; investiga os factores diferenciais, biológicos, ambientais e pessoais do seu desenvolvimento, assim como o crescimento progressivo das capacidades motoras e das aptidões intelectivas e sensitivas; estuda as bases fisiológicas do comportamento e mecanismos mentais do homem, sobretudo nos seus aspectos métricos. Pode investigar um ramo de psicologia, psicossociologia, psicopatologia, psicofisiologia ou ser especializado numa aplicação particular da psicologia, como, por exemplo, o diagnóstico e tratamento de desvios de personalidade e de inadaptações sociais, em problemas psicológicos que surgem durante a educação e o desenvolvimento das crianças e jovens ou em problemas psicológicos de ordem profissional, tais como os da selecção, formação e orientação profissional dos trabalhadores, e ser designado em conformidade.
I. Sob a Cláusula Quarta do acordo referido em G., as partes acordaram uma retribuição mensal ilíquida de € 821,00.
J. Sob a Cláusula Nona do acordo referido em G., as partes estabeleceram que o acordado, em tudo o omisso, será regido pelo CCT celebrado entre o UIPSS e os Sindicatos e pelo disposto pela Lei Geral do Trabalho.
K. A 01 de Novembro de 2015, a Autora, na qualidade trabalhadora, e a Ré, na qualidade de entidade patronal, celebraram acordo escrito, denominado Contrato de Trabalho em Comissão de Serviço, mediante o qual a primeira se comprometia a desempenhar as funções de Coordenadora do SEAE.
L. Sob a Cláusula Primeira ficou consignado que o trabalhador é admitido ao serviço da primeira outorgante para desempenhar as funções o cargo de coordenador.
M. Sob a Cláusula Terceira as partes acordaram que a Autora auferia a retribuição mensal ilíquida como psicóloga de € 1.019,00, acrescida de € 150,00 para a coordenação.
M1. A Cláusula Nona do acordado em K. dispunha que os casos omissos serão regulados pelo disposto no Código do Trabalho aprovado pela lei 7/2009 de 12 de fevereiro e pelo contrato coletivo de trabalho celebrado entre AEEP e a FNE. – Aditado conforme decisão infra.
N. Por missiva escrita datada de 30 de Junho de 2021, a Autora comunicou à Ré a denúncia do contrato de trabalho, com efeitos 30 de Agosto de 2021.
O. A Autora exerceu funções de psicóloga, sob as ordens e direcção da Ré, desde a data referida em G. e a data referida em M.
P. A Autora manteve as funções referidas em K. até 30 de Agosto de 2021.
Q. O companheiro/unido de facto da Autora era também trabalhador da Ré (de 2006 até 2019) e as três filhas menores de ambos eram também alunas da Ré até à saída do pai.
R. Entre Janeiro de 2008 e Março de 2009, o vencimento base da Autora foi de € 821,00.
S. De Janeiro a Março de 2009, a Ré pagou a Autora um vencimento base mensal de € 971,00.
T. De Abril a Dezembro de 2009, a Ré pagou a Autora um vencimento base mensal de € 1.000,00, subsídio de férias e subsídio de Natal, no valor de € 1.000,00, cada.
U. Em 01 de Janeiro de 2011, a Ré enquadrou a Autora na categoria profissional de Psicóloga de 2.ª.
V. Em Janeiro de 2011, a Autora auferia um vencimento base de € 1.019,00 mensais.
W. Em 01 de Janeiro de 2014, a Ré enquadrou a Autora na categoria profissional de Psicóloga de 1.ª.
X. Nos anos de 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017 a Autora auferiu um vencimento base de € 1.019,00.
Y. Em 2018, a Autora auferiu um vencimento base de € 1.049,57.
Z. Em 2019, 2020 e 2021 a Autora auferiu um vencimento base de € 1.055,00.
AA. No dia 15 de Março de 2021, a Ré proporcionou à Autora formação sob a designação “VIII Seminário de Psicologia da Educação - Psicologia da Educação: Bem-Estar e Sucesso Educativo, promovido pela Direcção-Geral da Educação pela Ordem dos Psicólogos Portugueses, num total de oito horas.
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B – Matéria de Facto Não Provada
São os seguintes os factos considerados não provados pela 1ª instância
1. O enquadramento exigível e o pagamento das diferenças salariais foram sempre prometidos pela Ré aos seus trabalhadores.
2. A Autora não exigiu formalmente os valores os valores em virtude da relação laboral existente e do receio de lhe reduzirem drasticamente o horário laboral e lhe retirarem o cargo acumulado de coordenação, prejudicando-a nos seus rendimentos.
3. Pelo referido em Q., a Autora viu-se obrigada a não reclamar ao longo da relação laboral os valores que lhe são devidos, atento o receio de alteração negativa da relação entre a Ré e o seu agregado familiar.
4. Em 2021, a Ré apenas proporcionou à Autora oito horas de formação.
5. Em 2020, 1019 e 2018, a Ré não proporcionou à Autora formação profissional.
6. Durante a duração do seu contrato de trabalho a Ré proporcionou à Autora as
seguintes formações:
➢ No Ano Lectivo 2017/2018:
Em 5 de Janeiro, 2018 - Acção de formação sobre a temática "O tempo que os nossos filhos passam online - o que podem os pais fazer?
Crianças e Internet: riscos e oportunidades", promovida pela Professora BB do Instituto de Apoio à Sociedade de Advogados com responsabilidade limitada Criança (2 horas de formação);
Em 16 de Janeiro, 2018 - Acção de formação para docentes sobre Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção, promovida pela Dra. CC, do Clube PHDA, do Hospital Cuf Descobertas, em parceria com o SEAE (2 horas de formação).
➢ Ano Lectivo 2018/2019
ABC Real - Acção de formação para docentes e auxiliares de acção educativa de Creche e Pré-escolar sobre Perturbações do Desenvolvimento Infantil - Dra. DD;
➢ Ano Lectivo 2019/2020
05 de Novembro de 2019: Acção de formação para docentes sobre Autismo e Análise Comportamental Aplicada, promovida pela Dra. EE, da ABC Real (2 horas de formação).
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IV- Apreciação do Recurso
1.A Apelante expressa impugnar a matéria de facto no que respeita aos factos J) dos provados e 4 e 5 dos não provados, pretendendo ainda seja aditada matéria factual.
Vejamos
O facto J tem a seguinte redacção - J. Sob a Cláusula Nona do acordo referido em G., as partes estabeleceram que o acordado, em tudo o omisso, será regido pelo CCT celebrado entre o UIPSS e os Sindicatos e pelo disposto pela Lei Geral do Trabalho.
Pretende a Apelante que passe a ter a seguinte redacção - J. A Cláusula Nona do acordado em G. dispunha que em tudo o omisso, será regido pelo CCT celebrado entre o UIPSS e os Sindicatos e pelo disposto pela Lei Geral do Trabalho.” E pretende se considere não provado que “7. A Autora escolheu o CCT celebrado entre o UIPSS e os Sindicatos.”
Alega que não escolheu, no contrato de trabalho, o CCT celebrado entre a CNIS e a FNE, sendo que o contrato foi-lhe apresentado para assinar e assinou-o, não tendo em mente o alcance dessa cláusula. Acrescenta que a Ré, no artigo 50º da contestação alega que “Acontece que nem a maioria dos trabalhadores da R. nem a. alguma vez optaram pela aplicação de qualquer IRCT.”
É a seguinte a fundamentação da 1ª instância: “No que concerne ao mencionado em G. a J. (inclusive) e em K. a M. (inclusive), ponderou o Tribunal o teor dos elementos de fls. 11V.º-12 e 12V.º-14V.º que, interpretados em conformidade com o disposto pelos artigos 376º e 236º, ambos do Código Civil, se revelaram elemento de prova sustentado do ali referido, sendo que o seu teor foi aceite pelas partes.”
Decidindo
Carece de razão a Apelante quando afirma que a matéria em questão não estava submetida a prova, pois o que está em causa os presentes autos não pode deixar de convocar o próprio contrato de trabalho subscrito pela Autora, e que constitui a base da sua relação jus laboral, contrato esse que a própria Autora juntou aos autos e do qual se valeu para afirmar a existência de uma relação laboral com determinados contornos. Improcede o pretendido, dado que, entre ambas as redacções – a que resulta da alínea J e a pretendida pela Apelante – não resultam diferenças, pois ambas referem que tal cláusula resulta do acordado em G., e, aliás, subscrito por ambas as partes, e, portanto, a cláusula 9ª resulta desse acordo de vontades.
O que verdadeiramente pretende a Apelante é que conste dos factos não provados que “A Autora escolheu o CCT celebrado entre o UIPSS e os Sindicatos.” No entanto, essa matéria é conclusiva, pois, como afirma a Exma Procuradora-Geral Adjunta, no seu parecer, trata-se “de matéria que corresponde ao cerne da questão a decidir e que consiste justamente em determinar se a Recorrente escolheu a convenção aplicável, o que poderia fazer ao abrigo do artigo 497º do CT e, em caso afirmativo, quais os valores devidos a título de diferenças salariais.
Com efeito a resposta a um quesito assim formulado arrumaria definitivamente a questão de Direito, cuja sede própria, no entanto, não e a decisão da matéria de facto mas a decisão de direito.”
Soçobra, portanto, o desiderato pretendido pela Apelante.
Pretende ainda a Apelante se considere provado que “A Cláusula Nona do acordado em K. dispunha que os casos omissos serão regulados pelo disposto no Código do Trabalho aprovado pela lei 7/2009 de 12 de fevereiro e pelo contrato coletivo de trabalho celebrado entre AEEP e a FNE.”
Fundamenta essa pretensão no considerado provado em K, L e M e no contrato de comissão de serviço junto como documento nº3 com a petição inicial, e face ao valor que a 1ª instância atribuiu à cláusula 9ª do contrato.
Decidindo
Assiste razão à Apelante, pelas razões que elenca e com fundamento na prova que indica, sendo certo que o facto assume relevância para a decisão porquanto este tribunal deverá pronunciar-se sobre a modificação do contrato de trabalho, e sua importância, operada pelo contrato de comissão de serviço.
Assim , sob M1 passará a constar o seguinte facto - A Cláusula Nona do acordado em K. dispunha que os casos omissos serão regulados pelo disposto no Código do Trabalho aprovado pela lei 7/2009 de 12 de Fevereiro e pelo contrato coletivo de trabalho celebrado entre AEEP e a FNE.”
A Apelante impugna os factos 4 a 6 dos não provados, que têm a seguinte redacção:
4. Em 2021, a Ré apenas proporcionou à Autora oito horas de formação.
5. Em 2020, 1019 e 2018, a Ré não proporcionou à Autora formação profissional.
6. Durante a duração do seu contrato de trabalho a Ré proporcionou à Autora as seguintes formações:
➢ No Ano Lectivo 2017/2018:
Em 5 de Janeiro, 2018 - Acção de formação sobre a temática "O tempo que os nossos filhos passam online - o que podem os pais fazer?
Crianças e Internet: riscos e oportunidades", promovida pela Professora BB do Instituto de Apoio à Sociedade de Advogados com responsabilidade limitada Criança (2 horas de formação);
Em 16 de Janeiro, 2018 - Acção de formação para docentes sobre Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção, promovida pela Dra. CC, do Clube PHDA, do Hospital Cuf Descobertas, em parceria com o SEAE (2 horas de formação).
➢ Ano Lectivo 2018/2019
ABC Real - Acção de formação para docentes e auxiliares de acção educativa de Creche e Pré-escolar sobre Perturbações do Desenvolvimento Infantil - Dra. DD;
➢ Ano Lectivo 2019/2020
05 de Novembro de 2019: Acção de formação para docentes sobre Autismo e Análise Comportamental Aplicada, promovida pela Dra. EE, da ABC Real (2 horas de formação).
Alega que “invoca a Recorrente na sua petição inicial que apenas recebeu formação da Recorrida em 2021 juntando o respetivo certificado (cfr. AA dos Factos Provados).
Naturalmente tratando-se de um facto negativo a Recorrente não juntou mais certificados (ou outro) relativos a formação por não a ter recebido, bem como não consegue juntar mais prova de algo que não lhe foi proporcionado.
Por outro lado, contrariamente ao que é indicado na douta sentença quanto à inexistência de prova que corroborasse as declarações, a Recorrente na sua carta de denúncia pediu de forma clara, espontânea e inequívoca lhe fossem pagas as horas de formação a que tinha direito de acordo com a lei e que lhe eram devidas, e informou que apenas lhe foi proporcionada a formação do dia 15 de março de 2021, cfr. doc. n.º5 junto com a pi.
Por sua vez a Recorrida, além da tal formação do dia 15 de março de 2021 que não foi
peticionada e foi aceite pelas partes, não logrou provar que proporcionou à Recorrente
qualquer outra formação, nomeadamente as que indicou, conforme 6. dos factos não
provados.
Além das suas declarações e da carta de denúncia a Recorrente não tinha qualquer outra possibilidade de provar que não recebeu a formação que lhe era devida.
Com o devido respeito, não ter recebido formação não é um facto negativo que possa ser provado com factos positivos. Assim, ainda que a lei não consigne a inversão do ónus da prova, a fim de não contender com o princípio da proibição da indefesa, que emana do direito constitucional ao acesso ao direito e aos tribunais (art. 20.º da CRP), deve a acrescida dificuldade da prova da falta de formação ter, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do tribunal a quo, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, devendo aplicar-se claramente no caso concreto a máxima latina iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur.
Face ao exposto, o tribunal a quo fez incorreto julgamento daqueles factos, devendo valorar as declarações de parte da Recorrente, a carta de denúncia e a inexistência de prova pela Recorrida de que proporcionou formação à Recorrente, à luz dos princípios supra, impondo-se que decidisse no sentido de serem dados como provados os factos constantes dos 4. e 5. Dos FACTOS NÃO PROVADOS.”.
A 1ª instância fundamentou estas respostas da seguinte forma: “No que respeita ao mencionado em 4. e 5. teve o Tribunal em consideração a ausência de prova credível que a sustentasse, na medida em que apenas a Autora sobre eles se pronunciou em sede de declarações de parte, mas apenas referindo não ter tido formação, sem que fosse capaz de apresentar uma declaração circunstanciada e fundamentada que permitisse corroborar o ali mencionado.
Inquirida a legal representante da Ré, a mesma negou a falta de formação à Autora.
Não logrou a Ré apresentar depoimento circunstanciado que se revelasse capaz de sustentar o mencionado em 6. (sendo que nenhuma outra prova capaz de o comprovar foi trazida aos autos), mas foi sustentado o suficiente para que se concluísse pela ausência de prova corroborativa do referido em 4. e 5., na medida em que apenas as partes se pronunciaram sobre isso e, apresentando declarações contraditórias, nenhuma delas se apresentou como mais fundamentada ou circunstanciada, merecendo mais credibilidade em relação à outra.
Na ausência de outros elementos de prova – não podendo deixar-se de ter em conta de que as declarações de parte configuram, afinal, a descrição de factos por parte de quem tem, necessariamente, um interesse particular na causa -, concluiu o Tribunal pela ausência de prova credível e sustentada do referido em 4. e 5..
É certo que do preceituado pelo artigo 466º, do Código de Processo Civil não resulta ter o legislador efectuado qualquer degradação, à partida, do valor probatório das declarações de parte. Contudo, em face da sua natureza parcial, para que se possam considerar como elemento de prova bastante e sustentado, haverá sempre que ponderar se estas lograram alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação.– Neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26/04/2017, com o número de processo 18591/15.0T8SNT.L1-7, disponível in www.dgsi.pt.
Não foi esse o caso, na medida em que as declarações da Autora se revelaram, neste aspecto concreto pouco circunstanciadas, não tendo atingido o crivo de espontaneidade e circunstaciação necessárias a que se considerassem elemento de prova bastante do mencionado em 4. e 5..
Em face desta ausência de prova sustentada, concluiu o Tribunal não ter a Autora cumprido com aquele que se revelava ser o seu ónus de prova ( cfr. artigo 414º, do Código de Processo Civil).
Decidindo:
A própria Autora refere que a única prova que indicou para demonstração destes factos foi o seu próprio depoimento, e a carta para denúncia que enviou à Ré para terminus do seu contrato. Ora, quanto a esta carta, a mesma não faz qualquer prova do que alega, tratando-se da mera comunicação da denúncia, com alegação das razões que a ela conduziram, mas não sendo garantia da veracidade dessas razões. E quanto às declarações de parte, é inequívoco que incidindo sobre factos que lhe sejam favoráveis devem ser apreciadas pelo tribunal, sendo valoradas segundo o princípio da livre apreciação da prova. Essas declarações devem, porém, ser atendidas e valoradas com algum cuidado uma vez que são declarações de pessoas interessadas no desfecho da acção, e, por conseguinte, tendencialmente parciais, vindo a jurisprudência a entender que, quanto a factos essenciais e que são favoráveis à parte, as respectivas declarações serão, em princípio, insuficientes só por si, desacompanhadas de outras provas, para os sustentar. 1 /2
Não obstante, não se olvida, em matéria da valoração das declarações de parte, a tese da “autossuficiência/valor probatório autónomo das declarações de parte”, que considera que “a posição mais correta radica na tese mais ampla e permissiva sobre a potencialidade e centralidade das declarações de parte na formação da convicção do juiz … “, repudiando “o pré-juízo de desconfiança e de desvalorização das declarações de parte, sendo infundada e incorreta a postura que degrada – prematuramente - o valor probatório das declarações de parte.”3
Não excluímos esta tese na nossa prática forense ao valorar essas declarações. Tal como o Autor citado, consideramos que, não fazê-lo, equivaleria a “ raciocinar assim: não acredito na parte porque é parte, procurando nas declarações da mesma detalhes que corroborem a falta de objetividade da parte sempre no intuito de confirmar tal ponto de partida. A credibilidade das declarações tem de ser aferida em concreto e não em observância de máximas abstratas pré-constituídas, sob pena de esvaziarmos a utilidade e potencialidade deste novo meio de prova e de nos atermos, novamente, a raciocínios típicos da prova legal de que foi exemplo o brocardo testis unis, testis nullus (uma só testemunha, nenhuma testemunha).”4
No caso, apesar de a Apelante referir as suas próprias declarações, não cumpriu o ónus a que se refere o artigo 640º nº2 a) do CPC, pelo que este tribunal não reapreciará a prova quanto a esta matéria, improcedendo o desiderato pretendido pela Apelante, dado que outra não foi indicada, e sendo certo que o ónus da prova do alegado a ela pertence, de acordo com o disposto no artigo 342º nº1 do C.Civil.
***
2. Centrando-nos agora no aspecto jurídico do recurso, desde logo invoca a Apelante a existência de duas decisões surpresa, uma porque não foi invocada pela Ré a cláusula 9ª do contrato de trabalho, fundando a 1ª instância a sua decisão nessa cláusula, e outra por não ter sido invocada a nulidade do contrato de comissão de serviço, que foi declarado nulo pela 1ª instância.
Relativamente à cláusula 9ª do contrato de trabalho, carece de razão a Apelante. De facto, o contrato de trabalho foi junto aos autos pela própria Autora, como fundamento da presente acção (artigo 3º da p.i.), alegando esta que se manteve em vigor, por tempo indeterminado, até 30 de Agosto de 2021 (artigo 4º da p.i.). O contrato, a menos que algo em contrário seja alegado pela Autora, e não o foi, vale com todas as suas cláusulas, nada impedindo, antes aconselhando, que o tribunal o lesse e considerasse o seu teor, tanto mais que contendo cláusulas relacionadas com a causa de pedir e pedido formulados na presente acção. Portanto, o facto de a Autora não ter trazido à discussão parte do seu contrato de trabalho, que juntou aos autos, não impedia que o tribunal se valesse do seu conteúdo, que não podia deixar de ser do conhecimento de ambas as partes, mormente quanto a cláusula directamente relacionada com a questão a decidir no processo.
Já relativamente à validade do contrato de comissão de serviço, embora de conhecimento oficioso do tribunal, trata-se de questão que não foi objecto de discussão nos articulados constituindo-se tal decisão numa violação do princípio do contraditório que inquina a própria sentença, por excesso de pronúncia, pois conheceu de questão que não o podia fazer.5 , o que se traduz numa nulidade da sentença por excesso de pronúncia.
Porém, embora arguido tal vício em sede de recurso, certo é que as partes pronunciaram-se sobre a questão em sede recursiva, estando este tribunal em condições de decidir acerca dessa matéria, considerando as posições assumidas pelas partes, não se descortinando vantagem na remessa dos autos à primeira instância para que aí se ordenasse o exercício do contraditório quanto a esta matéria.
3.A Apelante invocou ainda a nulidade da sentença, por ocorrência do vício a que se refere a alínea b) do nº1 do artigo 615º do CPC, a saber, quando a sentença “[N]ão especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Esta nulidade ocorre quando a sentença é totalmente desprovida de fundamentação, o que não acontece no presente caso, em que a simples leitura da mesma permite concluir que está devidamente fundamentada quer de facto quer de direito.
Improcede, pois, a alegada nulidade.
4.A questão essencial de direito a decidir consiste em saber qual a convenção colectiva de trabalho aplicável à Autora, se a celebrada entre a AEEP - Assoc. dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo - e a FNE - — Feder. Nacional dos Sind. da Educação e outros —, publicada no BTE nº11 de 22 de Março de 2007, por via da Portaria de Extensão nº 1483/2007, de 19 de Novembro, como pugna a Autora e Apelante, ou à celebrada entre CNIS - Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade - e a FNE – Federação Nacional dos Sindicados da Educação e outros, publicada no BTE nº 25 de 08-07-2005, por via da Portaria de extensão n.º 900/2006 de 1 de Setembro, publicada no Diário da República, Iª Série, como pugna a Ré, e foi considerado pelo tribunal, para aferir em que termos se concretiza o direito da Autora às peticionadas diferenças salariais, e se, em contraponto, a Ré, empregadora, observou a disciplina aplicável à retribuição devida à Autora.
A sentença recorrida considerou, para concluir pela aplicação da CCT celebrada entre a CNIS e a FNE que
- a Autora efectuou uma escolha válida quanto ao instrumento de regulamentação colectiva que pretendia fosse aplicado ao seu contrato;
- o regime de comissão de serviço acordado entre as partes é nulo, sendo, portanto, nula a sua cláusula 9ª desse contrato, que refere que as omissões serão reguladas, nomeadamente, pelo CCT entre a AEEP e a FNE;
- o contrato colectivo celebrado entre a CNIS e a FNE é o mais recente.
Argumenta a Apelante que
- a Recorrida nunca invocou que a Recorrente escolheu a convenção da CNIS por a mesma constar da cláusula nona do contrato de trabalho, pelo contrário, aceita, confessa e alega que a Recorrente não escolheu qualquer IRCT. A existência de escolha do CCT pela trabalhadora no contrato de trabalho não foi sequer discutida por a mesma estar aceite por ambas as partes.
- O tribunal a quo, fazendo tábua rasa do que consta do processo e foi trazido ao mesmo pelas partes, decide considerar factos não alegados e declarar o contrato de comissão de serviço nulo (quando a análise da validade jurídica de tal contrato nunca esteve sequer em causa), tudo para poder considerar que a cláusula nona do mesmo não poderia configurar uma escolha de convenção coletiva, ou seja, a cláusula nona do contrato de trabalho era uma escolha válida da CCT mas a cláusula nona do segundo contrato já não era;
- ainda que se considere que existiu uma escolha válida da Recorrente do CCT celebrado entre a CNIS e FNE, o mesmo não poderá ter aplicação porque:
a) por via do setor de atividade, profissional e geográfico e da filiação da entidade patronal dois eram os Contratos Coletivos de Trabalho com possibilidade de aplicação à relação laboral com Recorrente, o CCT celebrado entre a AEEP e a FNE e o CCT celebrado entre a CNIS e a FNE, e por força do principio da filiação era necessário que a recorrente fosse filiada em qualquer dos sindicatos outorgantes para que lhe fossem aplicadas as CCT;
b) a aplicação da convenção celebrada entre a CNIS e a FNE viola o princípio do tratamento mais favorável, por a CCT entre AEEP e a FNE estabelecer níveis salariais com mínimos muito superiores aos que estabelece aquela;
c) o artigo 15º nº1 da Lei 99/2003 de 27 de Agosto apenas se aplica a trabalhador com contrato em vigor, e o CT/2003 não estipulava qualquer possibilidade do trabalhador escolher a convenção coletiva à imagem do art.497º do CT/2009;
d) não se verificam os pressupostos da escolha pelo trabalhador a que se refere o artigo 497º do CT/2009;
e) Em 1 de Janeiro de 2008, aquando do início do seu contrato de trabalho, a regulamentação de extensão mais recente aplicável à relação laboral entre Recorrente e Recorrida era a publicada a 19 de Novembro de 2007, que faz estender as condições da convenção celebrada entre a AEEP e a FNE, publicada no BTE n.º11 de 22 de Março de 2007 à Apelante.
Vejamos
Uma convenção colectiva de trabalho é um acordo celebrado entre associações sindicais e associações de empregadores, ou uma pluralidade de empregadores ou mesmo um empregador, e que se destina a regular relações individuais de trabalho, bem como relações que se estabelecem directamente entre as entidades outorgantes.
O contrato que uniu a Autora à Ré remonta a 1 de Janeiro de 2008, quando vigorava o Código do Trabalho aprovado pela Lei 99/2003 de 27 de Agosto.
De acordo com o disposto no artigo 552º nº1 do CT/2003 “1 - A convenção colectiva de trabalho obriga os empregadores que a subscrevem e os inscritos nas associações de empregadores signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros das associações sindicais outorgantes.”. O mesmo dispõe actualmente o artigo 496º nº1 do CT/2009.
Resulta destes preceitos legais o denominado princípio da dupla filiação, que significa que uma convenção colectiva de trabalho apenas se aplica aos trabalhadores e empregadores filiados ou que se venham a filiar nas entidades outorgantes, e ainda quanto aos empregadores que a outorguem directamente.
Acresce a este requisito o denominado âmbito de aplicação da convenção, ou seja, o sector profissional ou geográfico abrangido pela convenção.
As normas da convenção colectiva podem ainda ser aplicadas, total ou parcialmente a quem não seja filiado em entidade outorgante, nas seguintes situações, que ao caso interessam, e por esta ordem:
- por acordo do trabalhador – artigos 15º da Lei 99/2003, de 27 de Setembro (actualmente artigo 497º do CT/2009).
- através de uma Portaria de Extensão. De facto, nos termos do disposto no artigo 573º do CT/2003 – “O âmbito de aplicação definido nas convenções colectivas ou decisões arbitrais pode ser estendido, após a sua entrada em vigor, por regulamentos de extensão.” Tal como dispõe o artigo 514º nº1 do CT/2009.
O ónus de alegação e prova da situação jurídica do filiado ou do associado nas associações de empregadores, ou da verificação do condicionalismo de aplicabilidade de determinada convenção colectiva, pertence a quem invoca o direito, nos termos do disposto no artigo 342º nº1 do C.Civil.
Não estando em causa, no presente caso, a aplicabilidade direta de CCT pois é pacífico que a Autora não possui qualquer filiação sindical, apenas a Ré estando inscrita em duas entidades – a CNIS e a AEEP – que subscreveram as CCT em causa nos presentes autos, resulta evidente que a solução jurídica da questão suscitada passará sempre pela análise, desde logo, da vontade da Autora que está em causa no recurso. Em última análise, e caso se conclua não haver acordo da Autora, cumpre aferir do regime decorrente das Portarias de Extensão e sua sequente abrangência, bem como da aplicabilidade do instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.
A vontade da Autora na opção por qualquer CCT deve circunscrever-se àquelas que respeitem ao sector económico da actividade em que está inserida e por referência à sua profissão ou análoga.
A CCT entre a CNIS — Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade e a FNE — Feder. Nacional dos Sind. da Educação e outros, publicada no BTE nº25 de 2005 tem como âmbito de aplicação, de acordo com a sua cláusula 1ª, regular “as relações de trabalho entre as instituições particulares de solidariedade social representadas pela CNIS — Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade, doravante também abreviadamente designadas por instituições e os trabalhadores ao seu serviço que sejam ou venham a ser membros das associações sindicais outorgantes, sendo aplicável em todo o território nacional, com excepção da Região Autónoma dos Açores.”
A CCT entre a AEEP — Assoc. dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a FNE — Feder. Nacional dos Sind. da Educação e outros — Revisão global, publicada no BTE nº 11/2007 tem como âmbito de aplicação, segundo a sua cláusula 1ª, os “contratos de trabalho celebrados entre os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior, representados pela Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP), e os trabalhadores ao seu serviço, representados pelas associações sindicais outorgantes, abrangendo 553 empregadores e 12 100 trabalhadores.
2 — Entende-se por estabelecimento de ensino particular e cooperativo a instituição criada por pessoas, singulares ou colectivas, privadas ou cooperativas, em que se ministre ensino colectivo a mais de cinco crianças com três ou mais anos.”
Ou seja, ambas as CCT abrangem a área de actividade e profissão da Autora.
Dispõe o artigo 15º da citada Lei 99/2003, sob a epígrafe “Escolha de convenção aplicável”, que “1 - Nos casos em que, após a entrada em vigor do Código do Trabalho, seja outorgado instrumento de regulamentação colectiva de trabalho negocial aplicável em empresa na qual se encontrem em vigor um ou mais instrumentos outorgados antes da data da entrada em vigor do Código do Trabalho, os trabalhadores da empresa, que não sejam filiados em sindicato outorgante, susceptíveis de serem abrangidos pelo âmbito sectorial ou profissional de aplicação do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho negocial em causa, podem escolher, por escrito, o instrumento que lhes é aplicável.
2 - No caso previsto no número anterior, a convenção aplica-se aos trabalhadores até ao final do prazo que dela expressamente constar ou, sendo esta objecto de alteração, até à sua entrada em vigor.
3 - No caso de a convenção colectiva não ter prazo de vigência, os trabalhadores são abrangidos durante o prazo mínimo de um ano.”
Ao contrário do que refere a Apelante, nada resulta da norma no sentido de que se aplica apenas aos contratos já existentes à data da sua entrada em vigor. O que resulta da norma é que ela é aplicável quando na vigência do CT seja outorgado IRCT aplicável à empresa, podendo os trabalhadores não filiados escolher o IRCT que lhes é aplicável.
Foi o que aconteceu no presente caso. E nem se diga que o facto de a Ré ter afirmado na contestação que “nem a maioria dos trabalhadores da R. nem a. alguma vez optaram pela aplicação de qualquer IRCT”, que tal afasta o que resulta escrito no contrato de trabalho. Na verdade, foi a Autora quem juntou aos autos o contrato de trabalho de onde resulta uma cláusula, subscrita pela própria, a remeter para determinado IRCT, cumprindo ter presente que um contrato é um acordo de vontades, e que a expressão dessa vontade apenas será afastada se forem alegados factos que assim levem a concluir.
Acresce que o contrato de trabalho é um documento particular.
O artigo 376º do C.Civil, determina que “1. O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.
2. Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão.
Ensinam Antunes Varela e outros, 6Relativamente aos documentos particulares, seja qual for a modalidade que revistam … uma vez provada a autoria da letra e assinatura, ou só da assinatura, tem-se por plenamente provado que o signatário emitiu todas as declarações constantes do documento, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade deste (art. 376º, 1).
Mas nem todos os factos referidos nessas declarações se têm por provados.
Como provados – plenamente provados – apenas se consideram os factos que forem desfavoráveis ao declarante.”
Como se afirma no Acórdão do STJ de 16-10-200877Este regime de prova plena não veda, contudo, que se permita ao declarante a prova, por outro meio, de que o ali declarado não correspondeu à sua vontade ou que esta foi afectada por qualquer vício do consentimento (erro, dolo, coacção, simulação, etc.) (Cfr-se Pires de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, I, 376, Gonçalves Sampaio, A Prova por Documentos Particulares, 115, A. Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 525, Manuel de Andrade, NEPC, 232). Tem sido mesmo muito abundante a jurisprudência deste tribunal, no sentido de que tal prova plena se reporta à materialidade das declarações e não à exactidão do conteúdo destas, podendo, quanta a esta, o autor do documento produzir livremente prova (vejam-se, exemplificativamente, em www.dgsi.pt, os Ac.s de 30.9.2004, 18.11.2004, 17.4.2005, 24.10.2006, 19.12.2006, 22.3.2007, 12.7.2007, 12.9.2007 e 17.4.2008).
Do exposto e ainda do disposto nos artigos 352º8, 355º nº49, e 358º nº2 do C.Civil10, resulta que as declarações atribuídas à Autora do documento particular, se contrárias aos seus interesses, estão plenamente provadas por confissão (extrajudicial).
O referido pela Ré em sede de contestação não assume assim valor no sentido de infirmar o teor da cláusula 9ª do contrato, porquanto não argui a falsidade deste, e tão pouco a Autora o faz, que era quem tinha interesse em fazê-lo.
E, portanto, cumpre concluir que a Autora escolheu efectivamente, no sentido de que o IRCT que lhe era aplicável era o CCT celebrado entre o UIPSS e os Sindicatos.
Alega ainda a Apelante não ser válida a escolha a que alude a cláusula 9ª do contrato de trabalho por violação do disposto nos artigos 531º do CT/2003 e 476º do CT/2009. Argumenta que a CCT entre a AEEP e a FNE estabelece níveis salariais mínimos muito superiores aos da CCT entre a CNIS e a FNE. Ora, o que determina o artigo 531º do CT/2003, que é o que interessa ao caso sub judice face à data da celebração do contrato, é que “[A]s disposições dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho só podem ser afastadas por contrato de trabalho quando este estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador e se daquelas disposições não resultar o contrário.” Tal significa que, quando em conflito diversas fontes de direito, prevalece a mais favorável ao trabalhador.
A norma em causa não estabelece critérios de selecção da convenção aplicável, pelo que soçobra o argumento apresentado.
Quanto ao teor das conclusões 21, 22, 23, dizer apenas que, como resulta da data da celebração do contrato de trabalho da Autora, não tem aplicação ao caso, até à data da modificação do contrato, o CT/2009, pelo que soçobram os argumentos ali explanados.
Quanto ao teor das conclusões 25 e 26, o seu conhecimento resulta preterido face à escolha da Autora na cláusula 9ª do seu contrato de trabalho.
Em 01 de Novembro de 2015, porém, a Autora, na qualidade de trabalhadora, e a Ré, na qualidade de entidade patronal, celebraram acordo escrito, denominado Contrato de Trabalho em Comissão de Serviço, mediante o qual a primeira se comprometia a desempenhar as funções de Coordenadora do SEAE.
Sob a cláusula Nona desse contrato dispunha-se que os casos omissos serão regulados pelo disposto no Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro e pelo contrato coletivo de trabalho celebrado entre AEEP e a FNE.
Este contrato, modificativo do contrato de trabalho da Autora, foi celebrado no âmbito de vigência do CT/2009.
A 1ª instância considerou nulo este contrato, mas, na verdade, é indiferente esta declaração de nulidade, pois tendo a Autora exercido as funções para as quais foi contratada, tem direito a receber nos termos acordados, por força do disposto no artigo 122º do CT/2009 (face à data do contrato de comissão de serviço), nos termos do qual “1 - O contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como válido em relação ao tempo em que seja executado.
2 - A acto modificativo de contrato de trabalho que seja inválido aplica-se o disposto no número anterior, desde que não afecte as garantias do trabalhador.”.
Dispõe o artigo 497º do CT/2009, na sua versão originária, aplicável ao caso, a propósito da escolha da convenção aplicável, que “1 - Caso sejam aplicáveis, no âmbito de uma empresa, uma ou mais convenções colectivas ou decisões arbitrais, o trabalhador que não seja filiado em qualquer associação sindical pode escolher qual daqueles instrumentos lhe passa a ser aplicável.
2 - A aplicação da convenção nos termos do n.º 1 mantém-se até ao final da sua vigência, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
3 - No caso de a convenção colectiva não ter prazo de vigência, os trabalhadores são abrangidos durante o prazo mínimo de um ano. (…)”
Daqui resulta que, a partir da data deste contrato, em 01 de Novembro de 2015, o CCT referido na sua cláusula 9ª é o CCT celebrado entre a AEEP e a FNE, o que corresponde a uma escolha da Autora, pelo que a sua retribuição, resultante do contrato de trabalho fica aquém da que resulta do CCT aplicável, razão pela qual, nos termos do disposto no artigo 476º do CT, tem a Autora o direito a haver as diferenças salariais respectivas, a saber, as que resultam da diferença entre o previsto nos CCT entre a AEEP e a FNE publicados no BTE nº10 de 15-03-2008, e no BTE nº5 de 08-02-2009, e o que o Autor auferiu.
Assim:
Ano de 2015 – Novembro de 2015 – 7 anos de antiguidade – retribuição devida 1.354,22€ - acrescem 112,85€ x 2 (duodécimos dos subsídios de férias e de Natal) – diferença entre a retribuição devida e a auferida – 391,10€
- Dezembro de 2015 – 7 anos de antiguidade – retribuição devida 1.354,22€ - acrescem 112,85€ x 2 (duodécimos dos subsídios de férias e de Natal) - – diferença entre a retribuição devida e a auferida – 391,10€;
Ano de 2016 - 8 anos de antiguidade - retribuição devida 1.354,22€ - acrescem 1.354,22€ x 2 (subsídios de férias e de Natal) – diferença entre a retribuição devida e a auferida – 4.688,08€;
Ano de 2017 – 9 anos de antiguidade – retribuição devida 1.477,48€ - acrescem 1.477,48€ x 2 (subsídios de férias e de Natal) - diferença entre a retribuição devida e a auferida – 6.418,72€;
Ano de 2018 – 10 anos de antiguidade - retribuição devida 1.477,48€ - acrescem 1.477,48€ x 2 (subsídios de férias e de Natal) - diferença entre a retribuição devida e a auferida – 5.990,74€;
Ano de 2019 – 11 anos de antiguidade - retribuição devida 1.477,48€ - acrescem 1.477,48€ x 2 (subsídios de férias e de Natal) - diferença entre a retribuição devida e a auferida – 5.914,72€;
Ano de 2020 – 12 anos de antiguidade - retribuição devida 1.477,48€ - acrescem 1.477,48€ x 2 (subsídios de férias e de Natal) - diferença entre a retribuição devida e a auferida – 5.914,72€;
Ano de 2021 – 13 anos de antiguidade - retribuição devida 1.600,11€ x 8 meses – acrescem 1.066,74€ x 2 (duodécimos dos subsídios de férias e de Natal) - diferença entre a retribuição devida e a auferida – 5.087,70€.
Total devido pela Ré – 34.796,88€
5. A Apelante peticiona ainda o valor de 1.515,33€, a titulo de créditos correspondentes às horas de formação profissional que não lhe foram proporcionadas. No entanto, a Apelante decaiu no recurso da matéria de facto, na parte correspondente a esta matéria, e de que dependia a peticionada condenação.
Improcede, pois, o recurso, nesta parte.
6. Relativamente aos juros devidos, são devidos nos termos que resulta da sentença, porquanto esta matéria não foi impugnada.
***
V- Decisão
Face a todo o exposto, acorda-se na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar parcialmente procedente o recurso interposto por AA, e, em consequência, condena-se a Ré a pagar-lhe a quantia de 34.796,88€ (trinta e quatro mil, setecentos e noventa e seis euros e oitenta e oito cêntimos).
Em tudo o mais mantém-se a sentença recorrida.
Custas a cargo de Apelante e Apelada, na proporção do respectivo decaimento.
Registe.
Notifique

Lisboa, 30-06-2025,
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Leopoldo Soares
Alexandra Lage
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1. Cfr., entre outros, Acórdãos da Relação de Lisboa de 13-10-2016 – Processo 640/13.8TCLRS.L1.-2 – de 07-06-2016 – Processo 427/13.8T8TVLSB.L1 – e de 01-06-2016 – Processo 387/12.2 TTPDL.L1 – e Acórdãos da Relação do Porto de 07-11-2016 – Processo 1367/15.1 T8VIS.P1 – e de 20-06-2016 – Processo 2050/14.0 T8PRT.P1.
2. Também a doutrina aponta no mesmo sentido – vide Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Código de Processo Civil – Os Artigos da Reforma, 2ª ed., 2014, 395 - “A experiência sugere que a fiabilidade das declarações em benefício próprio é reduzida. Por esta razão, compreende-se que se recuse ao depoimento não confessório força para, desacompanhado de qualquer outra prova, permitir a demonstração do facto favorável ao depoente.”
3. Luís Filipe Pires de Sousa in AS DECLARAÇÕES DE PARTE. UMA SÍNTESE., ponto 10. Pág 33 (pesquisa na net).
4. Estudo citado, pág 35.
5. Veja-se, no mesmo sentido, acórdão da Relação de Guimarães de 19/3/2020 – Processo 6760/19.8T8GMR-A.G1, em cujo sumário se afirma “3. Não se tendo assegurado à parte requerente/apelante o exercício efectivo do seu direito ao contraditório quanto ao articulado de oposição, documentos juntos e especialmente quanto à litigância de má-fé que naquele lhe foi imputada, conheceu-se do mérito da impugnação ao arresto decretado sem que estivessem reunidas as condições indispensáveis para tal (excesso de pronúncia) e não se conheceu, como devia ter acontecido uma vez garantido também quanto a ela aquele direito, da questão da litigância de má-fé a pretexto, legalmente inadmissível, de a relegar para ulterior momento (omissão de pronúncia).
4. Por isso, a sentença é nula – artº 615º, nº 1, alínea d), CPC.”; acórdão da Relação do Porto Acórdão da Relação do Porto, de 27-01-2015 - Processo 1378/14.4TBMAI.P1 - I - A violação do princípio do contraditório é geradora da nulidade processual prevista no art. 195º nº 1 do Novo CPC se influir no exame ou na decisão proferida.
II - Quando o acto afectado de nulidade se encontra coberto por decisão que se lhe seguiu, tal nulidade pode ser objecto de recurso e pode ser declarada pelo Tribunal da Relação.”, e doutrina aí citada; acórdão da Relação do Porto de 08-10-2018 - Processo nº 721/12.5TVPRT.P1, em cujo sumário se lê:” “A omissão de uma formalidade de cumprimento obrigatório, como ocorre com o respeito pelo princípio do contraditório destinado a evitar “decisões-surpresa”, configura a nulidade da sentença/despacho, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615º/1 d) CPC.”, e jurisprudência e doutrina aí citadas. Acórdão da Relação de Lisboa de RL 8/10/2020 - Processo 95274/18.9YIPRT.L2-6 – “II - Além de violadora do caso julgado formal e da obediência devidas às decisões dos tribunais superiores, a decisão da 1.ª instância é uma decisão nula, por excesso de pronúncia (art.º 615.º/1-d), 2.ª parte do CPC), dado que se pronuncia sobre uma questão sobre a qual, sem a audição prévia das partes, não se podia pronunciar.” Acórdão da Relação de Guimarães de 18/2/2021 – Processo 1929/19.8T8BCL.G1 – “1. A arguição de nulidades processuais a que se refere o art. 195.º, n.º 1 do Código de Processo Civil faz-se na própria instância em que são cometidas, salvo o disposto no n.º 3 do art. 199.º do mesmo diploma, de imediato ou no prazo geral de 10 dias, nos termos melhor explicitados neste último preceito.
2. As nulidades processuais distinguem-se das nulidades, erros materiais ou erros de julgamento de que podem enfermar os despachos ou sentenças, na medida em que estes são vícios de conteúdo de decisões judiciais, enquanto aquelas respeitam à própria existência ou formalidades dos actos processuais.
3. Assim, se é proferido um despacho a apreciar uma nulidade processual, designadamente sob requerimento de alguma das partes, a questão deixa de ter o tratamento das nulidades processuais para seguir o regime do erro de julgamento, por a infracção praticada passar a estar coberta pela decisão proferida, ficando esgotado, quanto a ela, o poder jurisdicional, nos termos do art. 613.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.”
6. Manual de Processo Civil, 2º edição, pág. 523
7. Processo 08B2668
8. “Confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária”.
9. “Confissão extrajudicial é a feita por algum modo diferente da confissão judicial.”
10. “A confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena.”