Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
PROVIDÊNCIA CAUTELAR COMUM
DIREITO DE OCUPAÇÃO EFECTIVA
PRISÃO PREVENTIVA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Sumário
I – Nada obsta a que se atenda a factualidade superveniente ao encerramento da discussão em 1.ª instância para aferir das causas gerais de extinção da instância previstas no artigo 277.º do CPC, maxime da inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide previstas na respectiva alínea e), ainda que em fase de recurso, ouvindo-se previamente as partes para o efeito. II – As providências cautelares constituem meios de tutela preventiva que obstam provisoriamente aos efeitos danosos da conduta ilícita de outrem em direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos. III – Se o trabalhador fica objectivamente impedido de exercer a sua actividade profissional em consequência de facto alheio à empregadora superveniente ao encerramento da discussão, deixa de existir qualquer perigo de incumprimento por parte da empregadora da obrigação de o ocupar profissionalmente, por um lado, e, por outro, não se pode imputar à mesma qualquer facto ilícito presuntivamente causador de dano ao trabalhador cuja produção possa ser acautelada com uma intimação a colocá-lo no exercício efectivo de funções. IV – Nestas circunstâncias, o meio de tutela requerido deixou de ser idóneo a alcançar o resultado pretendido e tornou-se manifesta a impossibilidade material de execução da providência decidida em 1.ª instância, o que acarreta a impossibilidade superveniente da lide do procedimento cautelar.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
П 1. Relatório
1.1. AA, instaurou em 25 de Novembro de 2024 procedimento cautelar comum contra SATA Internacional – Azores Airlines, S.A., pedindo que:
a. a requerida seja condenada a desencadear e concluir todos os procedimentos necessários à qualificação do requerente nos equipamentos daquela (nomeadamente o curso de refrescamento) e/ou outros procedimentos necessários ao exercício efectivo das funções de voo;
b. seja fixado um prazo de 5 dias a contar da prolação da decisão que decrete a providência, para que a requerida dê cumprimento ao pedido anterior, devendo nomeadamente o curso de refrescamento ser marcado e realizado nesse prazo;
c. após o cumprimento dos dois anteriores pedidos, o requerente seja efectivamente colocado no exercício de funções de voo, no cumprimento do AE (acordo de empresa) celebrado entre a requerida e o SPAC (Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil), devendo-lhe ser atribuídos serviços de voo tal como o são aos restantes colegas pilotos comandantes;
d. a requerida seja condenada no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no valor diário de 500 €, por cada dia de incumprimento das acções indicadas no segundo ponto (quer em relação à marcação, quer em relação à realização efectiva do curso).
Alegou em fundamento da sua pretensão, em síntese: que está vinculado à requerida por contrato de trabalho desde Julho de 2003, tendo hoje a categoria profissional de Comandante e exercendo por último as funções de Piloto Comandante; que se encontrou sujeito à medida de coacção de prisão preventiva à ordem do processo n.º 273/23.0GCMMN no período compreendido entre 30 de Agosto de 2023 e 13 de Junho de 2024, data da publicitação da decisão de não pronúncia tomada pelo Juízo de Instrução Criminal; que na sequência da sua libertação, contactou com a requerida no dia 18 de Junho de 2024, na pessoa do Comandante DOV (Director de Operações de Voo) dando a conhecer-lhe a sua libertação e questionando-o sobre quando poderia regressar à sua actividade profissional, o que não veio a suceder, apesar das diligências a que procedeu e que descreve; que se vê na contingência de ficar indefinidamente sem actividade, sendo nas escalas mensais a ausência justificada como «technical inibition»; que tal lhe causa prejuízo financeiro, pois vê-se privado de receber as pertinentes ajudas de custo por cada dia de voo, bem como prejuízo moral, pelos comentários dos seus colegas sobre as razões da inactividade forçada e pelo sentimento de revolta e de injustiça por não poder voar.
A requerida deduziu oposição alegando, em suma, que suspendeu preventivamente o requerente no dia 12 de Dezembro de 2024, no âmbito de processo prévio de inquérito em curso, pelo que o direito que o mesmo se arroga está temporariamente suspenso e terá que aguardar pela conclusão do procedimento em curso, e que inexiste violação do direito de ocupação efectiva.
Realizada a audiência, foi em 29 de Janeiro de 2025 proferida decisão final que terminou com o seguinte dispositivo:
«[…] Termos em que se julga o presente procedimento cautelar, no essencial, procedente, determinando-se à requerida, a SATA Internacional – Azores Airlines, S.A., em favor do requerente, o senhor AA, que: — Desencadeie e conclua todos os procedimentos necessários à qualificação do re-querente nos equipamentos daquela (nomeadamente o curso de refrescamento) e/ou outros procedimentos necessários ao exercício efectivo das funções de voo; — Fixa-se, para tanto, o prazo de 10 dias para a calendarização do curso de refres-camento, nos seus diversos módulos, seguido de outro de 10 dias para o início da sua execução, e de um último de 30 dias para a sua conclusão; paralelamente, atendendo à validade do certificado médico aeronáutico, compete também à requerida proceder às diligências necessárias que permitam a sua atempada renovação; — Após o cumprimento do determinado nos dois pontos anteriores, e caso não haja outros impedimentos de natureza técnica ou legal aqui não considerados, o requerente deve ser colocado no exercício de funções de voo, no cumprimento do AE, e, nesse caso, devem ser-lhe atribuídos serviços de voo tal como sucede com os restantes pilotos comandantes. — A requerida é condenada no pagamento da sanção pecuniária compulsória no valor diário de 500 €, por cada dia de atraso na marcação, realização e conclusão do determinado no segundo ponto que antecede. As custas são por conta da requerida. Atendendo a que se discute o direito de ocupação efectiva do trabalhador, fixa-se à causa o valor proposto de 30.000,01 € (artigo 303.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).»
1.2. A requerida, inconformada, interpôs recurso desta decisão em 21 de Fevereiro de 2025, arguindo a nulidade da sentença e sustentando que deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva integralmente a Recorrente de todos os pedidos contra si formulados.
1.3. Respondeu o requerido, aqui recorrido, pugnando pela improcedência do recurso.
1.4. O recurso foi admitido por despacho de 26 de Março de 2025, com efeito devolutivo. Previamente ao indicado despacho, o Mmo. Juiz a quo pronunciou-se sobre a nulidade arguida no recurso, desatendendo-a.
*
1.5. Recebido o processo neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no dia 1 de Abril de 2025 em douto Parecer no sentido de que deve ser concedido provimento ao recurso.
Notificados recorrente e recorrido, nenhuma das partes se pronunciou.
1.6. Solicitada oficiosamente informação ao Tribunal Judicial da Comarca de Évora, Juízo de Instrução Criminal de Évora, sobre o estado do processo n.º 273/23.0GcMMN em que é arguido o requerente da presente providência cautelar (factos 4. e 10. da decisão recorrida), designadamente se neles foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Évora e, em caso afirmativo, certidão do mesmo, bem como nota do seu eventual trânsito em julgado, foram os presentes autos informados de que foi neles proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Évora em 11 de Março de 2025, o qual transitou em julgado em 22 de Abril de 2025, juntando-se certidão do mesmo.
1.7. Foi pela ora relatora determinada a notificação das partes para, querendo, se pronunciarem sobre a possibilidade de, eventualmente, retirar efeitos jurídicos na prossecução da lide da providência cautelar, da prolação e trânsito em julgado do indicado Acórdão da Relação de Évora proferido na pendência do recurso e documentado nos autos, que determinou a prisão preventiva do requerente (cfr. o artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
Apenas a recorrente se pronunciou defendendo que a providência cautelar requerida seja declarada totalmente improcedente, atenta a inexistência de pressupostos legais, com a sua absolvição de tudo o peticionado e, sem conceder, seja declarada extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.°, alínea e), do CPC.
Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre decidir. 2. Objecto do recurso
O âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, pelo que as questões que se colocam à apreciação deste tribunal na apelação são as seguintes:
1.º – saber se a sentença padece de nulidade, por contradição entre os fundamentos e a decisão;
2.º – da impugnação da matéria de facto quanto:
• aos factos considerados provados constantes dos pontos 47., 60. e 72. e
• aos factos considerados “não provados” constantes das alíneas iii) e iv);
• aos factos alegados nos artigos 31.º a 33.º, 105.º e 133.º a 136.º do articulado de oposição à providência cautelar;
3.º – da provável existência do direito;
4.º – da existência de fundado receio de que outrem, antes de proferida a decisão de mérito, lhe cause lesão grave e dificilmente reparável;
5.º – da desadequação da providência a decretar;
6.º – da superioridade do prejuízo resultante do decretamento da providência face ao dano que se visa evitar.
Suscita-se, todavia, uma questão prévia susceptível de contender com a apreciação do mérito das questões colocadas na apelação, por via do conhecimento de um facto superveniente que é susceptível de conflituar com a função específica em geral atribuída ao procedimento cautelar – que visa prevenir a consumação de uma lesão grave e dificilmente reparável e não decidir questões de fundo ou de direito substantivo – e que tem óbvia aptidão para contender com a prossecução da lide cautelar.
Assim, após a apreciação do vício intrínseco da nulidade imputada à sentença, haverá que aditar oficiosamente à decisão o facto superveniente que se extrai da certidão do Acórdão pelo Tribunal da Relação de Évora em 11 de Março de 2025 junto aos presentes autos.
E haverá, subsequentemente, que retirar os necessários efeitos jurídicos na prossecução da lide da providência cautelar, da nova configuração da situação concreta e actual que envolve o vínculo estabelecido entre as partes em consequência da prolação e trânsito em julgado de tal aresto, que determinou a prisão preventiva do recorrido.
O conhecimento desta questão prévia é susceptível de tornar irrelevante a reapreciação da decisão de facto suscitada na apelação da recorrente. Na verdade, como tem reconhecido a jurisprudência, a reapreciação da matéria de facto não constitui um fim em si mesma, mas um meio para atingir um determinado objetivo, que é a alteração da decisão da causa, pelo que não deve ter lugar quando se constitua um acto absolutamente inútil, por contrariar os princípios da celeridade e da economia processuais de que é afloramento o artigo 130.º do Código de Processo Civil1.
E é susceptível, ainda, de tornar prejudicada a apreciação das demais questões que se elencaram por suscitadas na apelação da recorrente (cfr. o art, 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Prossigamos, pois. 3. Da nulidade
A recorrente alega que a sentença padece de nulidade nos termos do disposto no artigo 615º n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil, tendo em conta que considera na sua fundamentação a necessidade de, após o términus do prazo de 30 dias que é conferido para a conclusão do curso de refrescamento do recorrido, o DOV e, sendo caso disso, o Conselho Técnico da DOV reunir para avaliar a capacidade técnica para o exercício da função (por decisão fundamentada e precedida do necessário contraditório), mas no trecho decisório determina que findo aquele prazo, caso não haja outros impedimentos de natureza técnica ou legal aqui não considerados, o Recorrido deve ser colocado no exercício de funções de voo. Segundo aduz, há contradição entre a fundamentação e a decisão pois, por um lado prevê-se que, posteriormente ao treino, haja um processo de deliberação, precedida de exercício de direito ao contraditório, que pode durar vários dias ou semanas e, por outro, determina que, após o treino, o recorrido deve ser colocado a exercer funções de voo, sem que seja concedido qualquer período de tempo para tal deliberação e avaliação da sua capacidade técnica.
Debruçando-se sobre a arguição de nulidades no despacho em que admitiu o recurso, o Mmo. Juiz do tribunal da 1.ª instância entendeu nada haver a suprir.
Nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho é nula a sentença quando, além do mais, “[o]s fundamentos estejam em oposição com a decisãoou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
Para que se verifique esta causa de nulidade, necessário é que os fundamentos estejam em oposição com a decisão, isto é, que os fundamentos nela invocados devessem, logicamente, conduzir a uma decisão diferente da que a sentença ou o acórdão expressa.
Ora, analisada a douta decisão sob recurso, não se nos afigura que a mesma padeça deste vício.
Semão vejamos.
No trecho da fundamentação da decisão recorrida que a recorrente invoca, ficou assente que: “Quanto ao exercício efectivo das funções de voo, compete ao «Conselho Técnico da DOV reunido para o efeito, avaliar a capacidade técnica para o exercício da função (por decisão fundamentada e precedida do necessário contraditório). Por isso, não pode hoje o Tribunal impor irrestritamente à requerida a colocação do requerente no exercício das funções de voo. Este deverá ser largado em linha como comandante não havendo outros impedimentos técnicos e/ou legais (aqui não considerados)”.
Em conformidade com esta fundamentação, após a conclusão do curso de refrescamento do recorrido, o Conselho Técnico da Direcção de Operações de Voo (DOV), teria ainda que deliberar sobre a sua capacidade técnica para o exercício da função, o que seria precedido de contraditório.
Ora o dispositivo, ainda que não aluda especificamente à prévia deliberação da Direcção de Operações de Voo, não contraria a indicada fundamentação, dele emergindo, ao invés, vários contributos interpretativos no sentido de que o recorrido só poderia voar após confirmada pela DOV a sua capacidade técnica para o exercício da função.
Com efeito, e em primeiro lugar, no 3.º ponto do dispositivo – que é o segmento do decisório em que se alude à colocação do recorrido no exercício de funções de voo –, não se fixou um prazo específico para o recorrido ser colocado em tal exercício, nem foi determinado que o mesmo fosse de imediato largado nas funções de pilotagem após o curso de refrescamento referido nos 1.º e 2.º pontos.
Em segundo lugar, neste mesmo ponto do dispositivo (o 3.º), fez-se depender a colocação do recorrido no exercício de funções de voo da constatação prévia da inexistência de outros impedimentos, vg. “de natureza técnica”, o que nos reconduz para a necessidade de uma avaliação técnica da capacidade do recorrido para ser largado no serviço de voo que, em conformidade com a fundamentação, caberia ao Conselho Técnico da DOV (podendo o recorrido reagir pelos meios apropriados, caso discordasse da avaliação).
Em terceiro lugar, no 4.º ponto do dispositivo – referente à sanção pecuniária compulsória – a sanção fixada refere-se apenas ao cumprimento do 2.º ponto do mesmo, como nela ficou expressamente dito, nada se determinando quanto ao 3.º ponto. Como bem nota o Mmo. Juiz a quo no despacho que precedeu a subida do recurso, “[n]ão há aqui qualquer automatismo nem foi determinado que o Requerente fosse de imediato largado nas funções de pilotagem, contrariamente ao que pretende fazer crer. Conforme dito na fundamentação, o Conselho Técnico da DOV terá de deliberar sobre a capacidade técnica do Requerente para o exercício da função. Precisamente por isso, a sanção pecuniária fixada refere-se apenas ao cumprimento do 2.º (e não do 3.º) segmento decisório”.
Neste condicionalismo decisório, não cremos que o dispositivo possa ser interpretado, como faz a recorrente, no sentido de que após o treino o recorrido devesse ser colocado a exercer funções de voo, sem haver qualquer período de tempo para a avaliação da capacidade técnica e deliberação.
A não fixação desse período de tempo justifica-se plenamente por não ter o tribunal, manifestamente, elementos para o fazer. Lançando mais uma vez mão do despacho da 1.ª instância que se pronunciou sobre a arguição de nulidade, “[a] decisão de voo é, repete-se do Conselho Técnico da DOV (e não, nesta fase, do Tribunal). Esta deverá ser realizada com a necessária diligência pela Requerida. Não se fixou prazo para o efeito (e por isso, não se sujeitou a sanção pecuniária compulsória) porquanto aquele órgão terá de reunir, fazer uma proposta, permitir o contraditório e depois tomar uma decisão (o que, no nosso ponto vista, tornava então – mas poderá vir a ser fixado no futuro – inexequível a fixação de um prazo peremptório, pois podem ser necessárias diligência complementares que se desconhecem).»
Poderá dizer-se que mais claro ficaria o dispositivo – obstando a quaisquer dúvidas – se nele se referisse, de novo, a necessidade da prévia deliberação da Direcção de Operações de Voo para o requerente ser colocado no exercício de funções de voo.
Mas, sendo o mesmo devidamente interpretado, não se nos afigura que se verifique qualquer contradição entre o decidido e os seus fundamentos.
Improcede a arguição de nulidade da decisão recorrida. 4. Fundamentação de facto
A decisão recorrida considerou indiciariamente provado que: 1 — Por escrito datado de 1 de Julho de 2003, por ambos assinado, intitulado «con-trato de trabalho a termo certo», cujo conteúdo se dá por reproduzido, o requerente (2.º ou-torgante) e a requerida (1.º outorgante) declararam entre si: «a primeira outorgante admite ao seu serviço o segundo outorgante na categoria de 2.º Piloto». 2 — O requerente é associado do SPAC desde 28 de Setembro de 2003. 3 — Actualmente, o requerente tem a categoria profissional de Comandante, exercendo por último as funções de Piloto Comandante. 4 — No processo-crime n.º 273/273/23.0GCMMN, na sequência de factos ocorridos no dia 30 de Agosto de 2023, o requerente foi sujeito à medida de coacção de prisão preventiva desde esse dia. 5 — A requerida teve conhecimento da aplicação da medida. 6 — A revisão da medida foi solicitada por três vezes, mas sucessivamente confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora em 9 de Janeiro de 2024, 23 de Abril de 2024 e em 7 de Maio de 2024. 7 — O Ministério Público deduziu acusação contra o requerente, «imputando-lhe a prática de factos susceptíveis de configurar, em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1 e 2, alínea d), do Código Penal, e 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006». 8 — Requerida a instrução, o Juízo de Instrução Criminal de Évora decidiu no dia 13 de Junho de 2024: «a) não pronunciar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1 e 2, alínea d), do Código Penal e 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006; b) declarar extinta a instância civil por impossibilidade superveniente da lide, com fundamento na extinção da instância penal; c) declarar imediatamente extintas as medidas de coacção aplicadas ao arguido AA – artigo 214.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal, mormente a prisão preventiva, mais de determinando a sua libertação imediata», dando-se por reproduzido o teor da sua fundamentação (facto e direito). 9 — O requerente foi libertado nesse dia. 10 — Tais decisões estão pendentes de recursos, interpostos pelo Ministério Público (no dia 12 de Julho de 2024) e pelos familiares do falecido, tendo já sido remetidos ao Tribunal da Relação de Évora. 11 — Por escrito datado de 4 de Janeiro de 2024, intitulado «contrato de mútuo», por ambos assinado, cujo conteúdo se dá por reproduzido, o requerente (2.º contratante) e a requerida (1.º contratante) declararam entre si: «a SATA concede ao 2.º contratante, que aceita, um empréstimo no valor de 35.700 € que será entregue numa única tranche de igual valor, no dia 4 de Janeiro de 2024, para a conta bancária»; «a quantia mutuada não vencerá juros»; «a quantia mutuada deverá ser reembolsada em 12 prestações mensais e sucessivas de igual valor, vencendo-se a primeira no primeiro mês em que o 2.º contratante volte a prestar a sua actividade laboral, aceitando o mesmo, desde já, que o pagamento seja efectuado por compensação com as prestações pecuniárias que venha a receber em cada um dos subsequentes». 12 — A requerida procedeu à transferência dessa quantia conforme combinado. 13 — A partir de Julho de 2024, a requerida tem procedido mensalmente ao débito da quantia de 2.975 € do salário do requerente, por conta do acordo de 4 de Janeiro de 2024. 14 — No mês de Julho de 2024, o requerente recebeu da requerida a quantia líquida de 3.037,35 €; em Agosto de 2024, recebeu a quantia líquida de 3.037,35 €; em Setembro de 2024, recebeu a quantia líquida de 3.590,35 €. 15 — Entretanto, uma vez que o requerente não realizou três aterragens e três desco-lagens por período superior a 90 dias, a validade da sua licença de piloto de linha aérea expirou (sujeita a revalidação). 16 — O Comandante DOV responde perante o AM (responsável da companhia aérea perante a autoridade nacional da aviação civil), que por sua vez responde perante o Conselho de Administração da requerida. 17 — O Piloto-Chefe e o Chefe de Frota respondem perante o Comandante DOV. 18 — O DOV é quem, na estrutura da requerida, tem a responsabilidade por dirigir e coordenar toda a actividade operacional (seja em relação ao pessoal de voo, seja em relação ao pessoal de cabine). 19 — As matérias de treino e instrução competem ao Departamento de Treino e Ins-trução. 20 — No dia 15 de Junho de 2024, o requerente contactou o Comandante DOV, o se-nhor Comandante BB. 21 — Nesse contacto, o requerente revelou-lhe o resultado da decisão instrutória e que sobre si não pendia qualquer medida de coacção, dizendo o assunto terminado. 22 — Pretendia, por isso, saber quando poderia regressar à sua actividade profissio-nal. 23 — Reuniram-se no dia 18 nas instalações da requerida, situadas no Edifício … em Lisboa, conjuntamente com o Piloto-Chefe, o senhor Comandante CC, e a Chefe de Frota, a senhora Comandante DD. 24 — O requerente manifestou ali a vontade de voltar a exercer as suas funções. 25 — O Comandante DOV respondeu-lhe que iria comunicar às competentes áreas da requerida que o requerente se estava a apresentar ao trabalho. 26 — No dia 20 de Junho de 2024 e na sequência de solicitação da requerida, o re-querente, por meio da sua Mandatária, enviou cópia do segmento decisório da decisão instrutória ao mandatário desta. 27 — A requerida procedeu ao pedido de marcação da consulta médica para a revali-dação da licença aeronáutica do requerente à Clínica 4Work. 28 — Nessa sequência, no dia 5 de Julho de 2024 o requerente compareceu para con-sulta médica na Clínica 4Work, com o senhor Dr. EE (Examinador médico autorizado). 29 — O senhor Dr. EE, face ao contexto pessoal vivido pelo requerente no úl-timo ano, entendeu submetê-lo a consulta de psiquiatria. 30 — Nessa sequência e dias depois, o requerente teve consulta com o psiquiatra, se-nhor Dr. FF. 31 — Para complementar a avaliação clínica e a fim de despistar eventual quadro de perturbação de stress pós-traumático, o senhor Dr. FF pediu exame psicológico ao requerente. 32 — Este realizou-se nos dias 29 de Julho e 12 de Agosto, na clínica Infoteste. 33 — Do respectivo «Relatório de exame psicológico», cujo conteúdo se dá por re-produzido, consta designadamente: «Em Agosto de 2023 foi vítima de uma “tragédia” que culminou com um período de 9 meses e meio em que esteve preso no Estabelecimento Prisional de Beja... Nove meses e meio despois foi ouvido novamente por um juiz que sentenciou que não havia indícios de crime, pelo que o examinado saiu em liberdade. Denota um sentimento de injustiça, uma vez que ficou preso sem culpa. Refere que a meditação, o desposto e a leitura o ajudaram durante o período em que esteve em Beja. Actualmente pretende voltar à sua vida anterior, regressando à SATA para trabalhar como Piloto. Não alude a problemas de saúde física ou psíquica, nem alterações de sono... No foro comportamental, manifesta normalidade e ajustamento psíquico, com traços de conduta e características pessoais, que fazem sobressair adequados mecanismos de auto-controlo e as necessárias competências sociais, para responder às exigências da actividade profissional a que se destina. No inventário de personalidade de Eysenck o examinado mostra um nível de dissimulação ligeiramente elevado, o que pode indiciar uma intenção de passar uma boa imagem de si próprio. Verificamos que possui alguma tendência para a introversão social, sendo reservado e inibido no contacto com os outros, e pouco assertivo na expressão das suas opiniões. Revela ser uma pessoa pouco dogmática e flexível na relação interpessoal. Demonstra uma emotividade pouco acentuada, sendo confiante nas suas capacidades e possuindo ajustado controlo das suas emoções e da ansiedade, não se deixando destruturar perante a adversidade. Tende a ser cuidadoso e ponderado na execução das tarefas a seu cargo, que executa com a noção das suas responsabilidades. Denota pouca propensão para o risco, evidenciando uma fraca necessidade de excitação ou de aventura. Na técnica projectiva aplicada não aparecem respostas de conteúdo psicopático. Embora denote alguma ansiedade latente, verifica-se que consegue gerir adequadamente as situações stressantes nas quais se possa ver envolvido, conseguindo mobilizar estratégias operantes para lidar com elas. Na relação dual apresentou uma postura correcta e disponível, respondendo com naturalidade às questões colocadas, tentando esclarecer as dúvidas que iam surgindo. Revela-se desejoso de voltar à sua vida “normal”, ambicionando regressar à SATA e recomeçar a voar. Em síntese, o examinado possui aptidões positivas e ajustadas para o desempenho da função em análise. Não foram, assim, detectados factores psicológicos de risco, quer no plano mental-instrumental quer comportamental, para a função de Piloto Comercial de Aviões, pelo que não se colocam restrições ao seu actual perfil psicoprofissional, tendo em vista o exercício da actividade aérea em questão». 34 — Consta dele como «conclusão/parecer final»: pelos resultados obtidos, na pre-sente observação, o examinado possui um perfil psicológico ajustável às exigências da pilotagem aeronáutica, na óptica da avaliação do potencial de desempenho e da segurança de voo, pelo que é classificado como APTO para a função de Piloto Comercial de Aviação Civil». 35 — E, com data de 15 de Agosto de 2024, foi elaborado o «relatório médico psiquiatria», que se dá aqui por reproduzido, onde consta designadamente: «Em Agosto de 2023, viu-se envolvido em acontecimentos trágicos em que ocorreu a morte de uma pessoa, daí resultou a sua detenção preventiva por um período de 9 meses e meio no Estabelecimento Prisional de Beja... depois de 9 meses e meio foi ouvido novamente por um juiz que determinou não haver indícios de crime, tendo sido então libertado. Todo este episódio causou-lhe um forte sentimento de injustiça por ter sido preso sem culpa. Durante a detenção recorreu à leitura, meditação e à prática desportiva que o ajudaram nesta fase difícil. Pretende voltar à sua vida anterior estando bastante motivado para voltar a voar na SATA...Também não se apuraram antecedentes de patologia psiquiátrica. Exame de estado mental. Tem um desempenho considerado normal. Apresenta-se bem orientado no espaço e no tempo, o discurso é fluente e bem organizado. Tem níveis moderados de ansiedade e sem alterações de humor, nomeadamente humor deprimido. Cognitivamente tem um desempenho considerado normal. Para complementar a avaliação clínica e despistar eventual quadro de PTSD – perturbação de stress pós-traumático - pedi exame psicológico que fez na Infoteste. Dos resultados obtidos salientamos não apresentar psicopatologia significativa que pudesse preencher os critérios para doença psiquiátrica. A nível da personalidade mostrou tendência para a introversão social sendo reservado e inibido no contacto com os outros, com pouca flexibilidade nas relações interpessoais. Nas conclusões da avaliação psicológica é referido que...». 36 — Consta dele como «parecer final»: «tendo em conta todos os dados clínicos apurados bem como a avaliação psicológica mencionada, não apresenta critérios para doença psiquiátrica. Também não foram detectadas sequelas do episódio ocorrido há um ano o que, conjugado com a motivação para retomar o seu trabalho enquanto piloto de linha aérea nos levam a considerar que reúne as condições para o fazer de forma segura e sem limitações». 37 — E, em 26 de Agosto de 2024, foi revalidado o seu certificado médico de aptidão, com validade até ao dia 26 de Fevereiro de 2025 («limitação do período de validade do certificado médico»), dando-se o seu conteúdo por reproduzido. 38 — No dia 18 de Setembro de 2024, o requerente submeteu-se a consulta de Medi-cina do Trabalho que concluiu que aquele se encontra «apto condicionalmente», sendo a condição especificada «a reavaliar em Fevereiro de 2025». 39 — A requerida soube dos resultados da Medicina Aeronáutica em 26 de Agosto de 2024 e da Medicina do Trabalho no dia 19 de Setembro de 2024. 40 — O requerente contactou com o Comandante DOV em finais de Agosto ou Se-tembro dando-lhe conta da renovação da sua licença médica aeronáutica e questionando-o quando poderia voltar a voar. 41 — Para a revalidação da sua licença de piloto de linha aérea, o requerente carece de realizar um curso de refrescamento. 42 — Nos termos do Manual de Operações de Voo da requerida, que se dá por reproduzido, consta designadamente que «Refresher course is applicable to crew members that for any reason had stopped flying at specific stages. Depending on the time of absence of flight interruption, a different training is required in order to the flight crew member to get back on flight». 43 — Os formadores da requerida são pilotos e comandantes dos seus quadros, embora por vezes complementados com prestadores de serviços, como sucedeu nos meses de Outubro e de Novembro de 2024. 44 — A responsabilidade pela marcação desse refrescamento é da requerida e apenas esta pode determinar o momento da sua realização. 45 — Porém, até ao momento não o fez. 46 — Em Setembro de 2024, o Conselho de Administração da requerida ponderou a possibilidade de apresentar ao requerente uma proposta de acordo para pôr termo ao contrato de trabalho. 47 — A sua ponderação resultou do receio de forte alarido social que o regresso do requerente à actividade poderá causar. 48 — Porém, pela estimativa de custos que fez acabou por não ser apresentada qualquer proposta ao requerente para esse efeito, optando-se por entregar o assunto no início do mês de Outubro de 2024 aos seus advogados. 49 — Na sequência desse contacto, no dia 21 de Outubro estes pediram ao processo-crime autorização para a sua consulta, a emissão de certidão do despacho de pronúncia ou não pronúncia proferido, a indicação da eventual interposição de recurso e se aquele já transitara em julgado, porquanto «por via de prestação de informações oficiosas e disponibilizadas por meios de comunicação social que tiveram acesso ao processo, foi apurado que a decisão instrutória não terá transitado em julgado, tendo sido apresentado recurso da decisão em causa tanto por parte do Ministério Público, como dos assistentes no processo. Desconhecem-se, porém, os exactos termos e amplitude de tal recurso e cumpre apurar igualmente as medidas de coacção a que o arguido se possa encontrar sujeito e que de alguma forma limitem o seu desempenho profissional, impondo-se assim confirmar esta informação por via de pedido de certidão do processo e/ou consulta do processo». 50 — O seu pedido foi deferido, sendo a consulta e a emissão da certidão efectuadas a 30 desse mês. 51 — Nas escalas mensais da requerida, o requerente surge na situação de «Technical Inibition». 52 — O SPAC endereçou à requerida duas missivas, datadas de 9 de Outubro e de 31 de Outubro, sob assunto «Comandante AA», cujo conteúdo se dá por reproduzido, questionando «para quando está prevista a sua efectiva colocação em linha». 53 — As duas missivas foram recebidas pela requerida nos mesmos dias. 54 — A requerida respondeu formalmente ao SPAC por missiva datada de 16 de De-zembro de 2024, dando-se aqui o seu texto por reproduzido, de onde consta: «Cumpre-nos, no entanto, informar que, não só o assunto não apresenta a linearidade indicada, como, ao contrário do que parece ser vosso pressuposto, a questão que referem de extralaboral não se encontra de todo encerrada ou resolvida, apresentando contornos que atentas as obrigações de observância rigorosa dos normativos legais vigentes em matéria de segurança aeronáutica a SATA Internacional Azores Airlines não pode ignorar. A empresa está ciente dos constrangimentos que a manutenção do Senhor Comandante AA fora de serviço de voo pode acarretar para o mesmo, mas está igualmente obrigada a sopesar os demais interesses envolvidos, em particular atenta a enorme gravidade da situação ocorrida e seus potenciais impactos. Mais se informa que, em virtude comportamentos ocorridos no passado dia 5 de Dezembro de 2024, foi, entretanto, iniciado procedimento prévio de inquérito, no âmbito do qual foi determinada a suspensão preventiva do Senhor Comandante AA». 55 — A Requerida afirma que não dispõe de um quadro de pilotos ajustado à sua operação, nomeadamente comandantes. 56 — Os pilotos da requerida exercem indistintamente a sua actividade no médio curso (até 6 horas) ou no longo curso (de 6 a 12 horas). 57 — O seu afastamento da actividade de voo está a causar no requerente um elevado sentimento de revolta. 58 — O colegas, nomeadamente pilotos e tripulantes de cabine, comentam a situação profissional do requerente. 59 — No dia 4 de Dezembro de 2024, o Piloto-Chefe remeteu ao AM uma mensagem de correio electrónico sob o assunto «relato de ocorrência nas instalações da SATA», com o seguinte texto: «Venho, por este meio, relatar uma ocorrência verificada hoje, dia 4 de Dezembro, durante a manhã e em plena hora de expediente, nas instalações da SATA no IDB. Foi-me reportado que o Comandante AA se apresentou nas referidas instalações com um aspecto descuidado e um comportamento que gerou suspeitas de estar sob o efeito de substâncias, como ansiolíticos. Este abordou a Comandante DD, que se encontrava sozinha numa sala. O referido Comandante fechou-se na sala com a Comandante, questionando-a sobre quando iniciaria funções e perguntando pelo Comandante SSS. A situação foi presenciada por outros colaboradores, que também notaram o comportamento e o aspecto pouco usual do Comandante, partilhando todos uma sensação de desconforto perante a presença do mesmo. Durante este período, o Comandante AA circulou nas instalações sem qualquer restrição, o que suscitou preocupação em algumas pessoas devido ao contexto e comportamento apresentado. Deixo este relato para conhecimento e eventual seguimento de acordo com os procedimentos internos». 60 — No dia 12 de Dezembro de 2024, o Conselho de Administração da requerida deliberou a instauração de um Procedimento Prévio de Inquérito ao comportamento do requerente porquanto tais «imputações», «a confirmarem-se, poderão constituir ilícitos disciplinares e, em consequência, determinar a imputação de responsabilidade disciplinar ao seu autor»; «porém, dada a natureza preliminar e indiciária da factualidade agora conhecida pela empresa, e atenta a inexistência de suficientes dados que permitam compreender totalmente as circunstâncias de modo, tempo e lugar em que as possíveis condutas ilícitas foram praticadas, determina-se a instauração de um procedimento prévio de inquérito»; mais deliberou que «atenta a relevância dos indícios já apurados relativamente ao senhor Comandante AA, considera-se conveniente, em particular para a averiguação concreta dos factos e desenvolvimento das necessárias diligências instrutórias e, bem assim, para a garantia da protecção de pessoas e bens, a suspensão preventiva do mesmo, sem perda de retribuição, nos termos do disposto no artigo 329.º, n.º 5, do Código do Trabalho, o que se determina». 61 — No dia 19 de Dezembro de 2024 foi elaborada a respectiva notificação, que se dá por reproduzida, onde se diz: «serve a presente para comunicar a V.ª Ex.ª que foi determinada, no dia 12 de Dezembro de 2024, a instauração de um procedimento prévio de inquérito, nos termos do artigo 352.º do Código do Trabalho, com vista ao apuramento de um conjunto de comportamentos e/ou situações ocorridas em contexto laboral, relativamente aos quais a SATA...ainda detém conhecimento indiciário. Os factos reportados à SATA relacionam-se, entre outros, com a adopção, por parte de V.ª Ex.ª, de alegadas condutas potencialmente violadoras de diversos deveres juslaborais, em particular os deveres de (i) respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade, (ii) de zelo e diligência, e (iv) de cumprimento de prescrições sobre segurança e saúde no trabalho. Estas imputações serão objecto de apuramento no âmbito do procedimento prévio de inquérito instaurado e, a serem verdadeiras, consubstanciam graves e culposos ilícitos disciplinares. Mais fica V.ª Ex.ª notificada, nos termos do artigo 329.º, n.º 5, do Código do Trabalho, de que foi decidida a sua suspensão preventiva do exercício de funções, com efeitos imediatos, sem perda de retribuição, o que considera conveniente, em particular para a averiguação concreta dos fac-tos e desenvolvimento das necessárias diligências instrutórias e, bem assim, para a garantia da protecção de pessoas e bens...». 62 — A respectiva notificação foi enviada pela requerida para o requerido, direccio-nada para a Rua ... em Mem Martins, por via postal registada, no dia 19 de Dezembro (que corresponde à sua residência). 63 — Não tendo os serviços postas logrado proceder à sua entrega, a mesma ficou disponível para levantamento na respectiva estação dos CTT até ao dia 31 de Dezembro, acabando devolvida à procedência no dia 9 de Janeiro. 64 — A 7 de Janeiro de 2025, a requerida enviou uma mensagem de correio electrónico para o requerido (endereços: ...@sata.pt; ...@gmail.com), dando-lhe conta das referidas deliberações. 65 — Tais mensagens foram entregues nas referidas caixas de correio. 66 — Na tarde do dia 7 de Janeiro de 2025, um estafeta a mando da requerida deslocou-se à referida residência para entrega em mão de cópia da notificação. 67 — O estafeta foi recebido por uma senhora, que se identificou como mãe do requerente e estando este ausente da habitação. 68 — A referida senhora entrou em contacto telefónico com o requerente na presença do referido estafeta. 69 — O próprio estafeta, na ocasião, falou com o requerente na chamada telefónica. 70 — Por instruções do requerido, a referida senhora não recebeu a carta, tendo o requerente dito ao estafeta que depois entrava em contacto consigo, o que não fez. 71 — Por despacho de 27 de Dezembro de 2024, o Instrutor do processo prévio de inquérito determinou (i) a inquirição do Piloto-Chefe, da Chefe de Frota e do Comandante DOV para o dia 7 de Janeiro de 2025, (ii) que a requerida indique «se é conhecedora de testemunhas adicionais» e que, «em caso afirmativo, que as identifique devidamente nesta sede, com vista a serem inquiridas pelos instrutores dos presentes autos», (iii) informar qual o estado do ponto de vista profissional do Comandante..., nomeadamente a sua aptidão para o desempenho das suas funções do ponto de vista da Medicina do Trabalho, e avaliação por parte do Gabinete de Segurança Operacional da Empresa e, em caso afirmativo, proceder à junção aos presentes autos dos documentos donde constem as conclusões das avaliações de tais entidades, com vista a possibilitar que os instrutores averigúem da necessidade de adequação das diligências probatórias adicionais a encetar». 72 — Por despacho do Instrutor, as referidas inquirições foram reagendadas para o dia 10 de Janeiro de 2025, porquanto «na presente data foi comunicada aos instrutores a impossibilidade de realização das inquirições...por indisponibilidade de alguns dos trabalhadores a inquirir». 73 — Em 20 de Dezembro de 2024, a pedido do Conselho de Administração, o AM solicitou ao Gabinete de Segurança Operacional a «avaliação urgente e rigorosa da aptidão técnica do Comandante AA para a prestação de serviço de voo», dando-se aqui o texto do pedido por reproduzido. 74 — No dia 23 de Dezembro de 2024, também a pedido do Conselho de Administração, foi pedido à Medicina do Trabalho e à Medicina Aeronáutica a «reavaliação urgente e rigorosa da aptidão clínica do Comandante AA para a prestação de funções», dando-se aqui o texto do pedido por reproduzido.
Nos termos do preceituado nas disposições conjugadas do artigo 663.º, n.º 2 do Código de Processo Civil e artigo 607.º, n.º 4 do mesmo diploma, os factos plenamente provados por documento que constem dos autos devem ser tidos em consideração pelo Tribunal da Relação, se relevantes para a decisão do pleito.
Assim, em face da informação oficiosamente solicitada e da certidão do processo crime n.º 273/273/23.0GCMMN instaurado na sequência dos factos ocorridos no dia 30 de Agosto de 2023, junta a este processo na pendência do recurso, que não foi eficazmente contrariada por qualquer das partes, adita-se à matéria de facto o seguinte: 75 – Nos autos do processo n.° 273/23.0GCMMN.E1 referido nos factos 4. e 10., foi em 11 de Março de 2025 proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Évora que determinou que o requerente «aguarde os subsequentes termos processuais, sujeito à medida de coacção de prisão preventiva (...)», o qual transitou em julgado em 22 de Abril de 2025. 5. Fundamentação de direito
Analisemos a questão prévia cujo conhecimento se anunciou ao traçar o objecto do recurso.
O ora recorrido instaurou o presente procedimento cautelar comum fundando a causa de pedir no incumprimento contratual da recorrente ao obstar à sua prestação efectiva de trabalho enquanto Piloto Comandante no âmbito do contrato de trabalho que vinculava as partes desde 2003.
Como decorre dos artigos 362.º e 368.º do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do artigo 32.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, o procedimento cautelar tem como pressupostos gerais: a) a probabilidade séria da existência do direito ou interesse juridicamente tutelado (fumus boni juris), cuja prova é sumária, assentando num juízo de verosimilhança, e bastando-se com uma constatação objectiva da grande probabilidade de que o direito exista; b) o receio, suficientemente justificado, de lesão grave e dificilmente reparável desse direito ou interesse (periculum in mora), cuja prova exige já um juízo de certeza sobre a sua realidade.
Os procedimentos cautelares são um instrumento processual que se destina à protecção eficaz de direitos subjectivos ou de outros interesses juridicamente relevantes mas, como escreve Abrantes Geraldes, a “sua importância prática não resulta da capacidade de resolução autónoma e definitiva de conflitos de interesses, antes da sua utilidade na antecipação de determinados efeitos das decisões judiciais, na prevenção da violação grave ou dificilmente reparável de direitos, na prevenção de prejuízos ou na preservação do "statu quo" enquanto demorar a decisão definitiva do conflito de interesses”2. Segundo o mesmo autor, os procedimentos cautelares surgem como meios jurídico-processuais que têm como função evitar que o demandado realize actos (ou omissões) que impeçam ou dificultem a satisfação da pretensão do demandante, o que se consegue “mediante uma incidência na esfera jurídica do demandado” adequada e suficiente para produzir esse efeito3
Na lição do Professor Alberto dos Reis, “é pelo fim ou pela função, e não pela estrutura, que a actividade cautelar se pode distinguir da actividade declarativa e da actividade constitutiva”4.
É esta função de “acautelar o efeito útil da acção”, traçada no artigo 2.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que legitima os procedimentos cautelares. Ou seja, não visam definir o direito, mas acautelar provisoriamente a possível violação do direito, o risco da sua lesão por outrem.
No caso sub judice, tendo o requerente fundado a causa de pedir no incumprimento contratual da requerida, ao obstar à sua prestação efectiva do trabalho, está em causa o direito à ocupação efectiva do trabalhador, o qual decorre dos artigos 115.º, 118.º, 126.º e 127.º, n.º 1, alíneas a) e c) e n.º 2, do Código do Trabalho e implica para o empregador a obrigação de, no âmbito da relação contratual estabelecida e dentro dos limites da lei, atribuir aos seus trabalhadores funções efectivas e suficientes. E lhe veda “[o]bstar injustificadamente à prestação efetiva de trabalho” [artigo 129.º, n.º 1, alínea b), do CT].
A decisão recorrida, reconhecendo que a situação de perigo de lesão do direito à ocupação efectiva do trabalhador resultava da omissão de comportamentos exigidos à empregadora, determinou a intimação desta a agir de certa forma, nos termos enunciados no dispositivo acima transcrito, como medida cautelar e provisória.
Mas terá a providência cautelar justificação e poderá esta medida subsistir, face ao actual condicionalismo factual acima descrito?
Na matéria da atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes, rege o artigo 611.º, do Código de Processo Civil, aplicável ao Tribunal da Relação “ex vi” do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma legal, nos termos do qual “[s]em prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir, deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão” (n.º 1), só sendo “atendíveis os factos que, segundo o direito substantivo aplicável, tenham influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida” (n.º 2).
Como ensinam Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, “[o] direito processual não manda julgar rigidamente a acção de acordo com a situação existente no momento da propositura da acção, declarando-se, pelo contrário, aberto à consideração da evolução dinâmica da relação litigada, até ao momento derradeiro do encerramento da discussão da causa. A atendibilidade dos factos supervenientes, dentro da moldura substantiva aceite para o efeito, tanto aproveita ao autor, mediante a admissão dos novos factos constitutivos do seu direito, como beneficia o réu, através da consideração dos novos factos modificativos ou extintivos da pretensão contra ele deduzida”5.
Ora, no caso vertente a discussão em 1.ª instância teve o seu término em 23 de Janeiro de 2025, quando se encerrou a audiência final.
E, como resulta da certidão do processo criminal junta aos autos já na pendência da presente apelação, o Acórdão da Relação de Évora que determinou a prisão preventiva do recorrido foi proferido já bem depois dessa data e, mesmo, após a interposição do recurso de apelação (que se verificou em 21 de Fevereiro de 2025), razão por que se nos afigura estar vedado a este Tribunal retirar do mesmo quaisquer efeitos no que concerne à análise do mérito da providência e da decisão recorrida no que concerne à verificação – ou inverificação – dos pressupostos do procedimento cautelar.
O conteúdo possível da sentença, no sentido da sua adequação à realidade existente na situação submetida a juízo, deve ser definido pelo estado dos autos no momento do encerramento da discussão, o mesmo sucedendo com o acórdão proferido em via de recurso que sobre a mesma versa e aprecia o seu acerto, ou desacerto.
Está, pois, a nosso ver, vedado que este Tribunal da Relação analise as questões colocadas no recurso à luz de factualidade superveniente ao encerramento da discussão, vg. analisando se subsistem os pressupostos de decretamento da providência cautelar.
Mas já nada obstará a que atenda a tal factualidade superveniente para aferir das causa gerais de extinção da instância previstas no artigo 277.º do Código de Processo Civil, maxime da inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide previstas na respectiva alínea e), o que poderá ser avaliado em qualquer momento da instância, ainda que em fase de recurso, ouvindo-se previamente as partes para o efeito, como nos presentes autos aconteceu.
A lei não enuncia as circunstâncias geradoras da impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, mas é geralmente aceite que esta ocorre quando, em virtude de factos novos ocorridos na pendência do processo, a solução do litígio deixa de ter interesse, o que justifica a extinção da instância sem apreciação do mérito da causa. A impossibilidade superveniente da lide verifica-se quando deixa de ser possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo, seja por extinção do sujeito titular da relação sem sucessão nessa titularidade (impossibilidade subjectiva), por extinção do objecto do litígio (impossibilidade objectiva) ou por extinção dos interesses em litígio (impossibilidade causal)6. A inutilidade superveniente da lide verifica-se quando o escopo visado com a acção foi atingido por outro meio (por exemplo o pagamento da quantia peticionada ou, em geral, o cumprimento espontâneo da obrigação em causa ou a entrega do bem reivindicado)7.
Segundo Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “[a] impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – ali, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio”8.
Em consonância com o acima expendido, conclui-se que a lide se torna impossível, ou inútil, quando sobrevêm circunstâncias que, de qualquer modo, inviabilizariam o pedido, não em termos de procedência (pois que então estar-se-ia no âmbito do mérito), mas por razões conectadas com a não possibilidade adjectiva de lograr o objectivo pretendido com aquela acção, por já não poder ser atingido (impossibilidade), ou por já ter sido atingido por outro meio (inutilidade).
Revertendo ao caso sub judice, e ponderando o actual circunstancialismo factual que resulta da prolação e trânsito em julgado do Acórdão da Relação de Évora que determinou a prisão preventiva do recorrido, é apodítica a conclusão que a providência pretendida – e decretada, nos termos expressos na decisão recorrida – deixou de ser apta a alcançar qualquer efeito, revelando-se impossível a tutela cautelar que se pretendia e foi determinada na decisão da 1.ª instância.
Recorde-se que as providências cautelares constituem meios de tutela preventiva que obstam aos efeitos danosos da conduta ilícita de outrem em direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos (artigo 362.º, n.º 1 do CPC).
Ora, a partir do momento em que foi judicialmente ordenada a prisão preventiva do demandante no procedimento cautelar e este ficou impedido de exercer a sua actividade profissional em consequência da privação da liberdade, por um lado, deixou de existir qualquer perigo de incumprimento por parte da demandada de uma obrigação de o ocupar profissionalmente e, por outro, nada que se possa relacionar com tal ocupação profissional se pode imputar a esta, vg. qualquer facto presuntivamente causador de dano ao demandante cuja produção possa ser acautelada com a intimação da mesma à prática de qualquer acto. Como bem diz a recorrente, encontrando-se o recorrido em situação de prisão preventiva, o mesmo não poderá, naturalmente, ser colocado em formação de “refrescamento” nem ser colocado no exercício efectivo de funções de voo como Comandante de linha aérea.
A tutela cautelar conservatória decidida nenhum efeito pode produzir na esfera jurídica, quer da empregadora, quer do trabalhador, não sendo apta, ou adequada, a nelas determinar qualquer modificação, dada a impossibilidade objectiva de o recorrido, privado da liberdade, exercer as suas funções profissionais, o que implica a concomitante impossibilidade de a recorrente lhe as atribuir.
Por esse exacto motivo, tratando-se de uma situação de facto consolidada na ordem jurídica com o trânsito em julgado do indicado aresto proferido no âmbito do processo criminal, o meio de tutela requerido deixou de ser idóneo a alcançar o resultado pretendido (não se acautelando através dele qualquer dano emergente de uma alegada violação por outrem do direito de ocupação efectiva) e tornou-se manifesta a impossibilidade material de execução da providência cautelar decidida em 1.ª instância.
Em suma, há que revogar a decisão recorrida, cuja execução se revela impossível, e declarar extinta a instância do procedimento cautelar intentado pelo recorrido, por virtude da sua impossibilidade superveniente, nos termos prescritos exarados na alínea e), do artigo 277º, do Código de Processo Civil.
Em consequência do ora decidido, mostra-se prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas na apelação, não devendo das mesmas tomar-se conhecimento por força do que estabelece o artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
A obrigação de pagamento das custas recai sobre o recorrido (artigo 536.º, n.º 3, do Código de Processo Civil). Mostrando-se paga a taxa de justiça e não havendo encargos a contar neste recurso que, para efeitos de custas processuais, configura um processo autónomo (artigo 1.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais), a condenação é restrita às custas de parte que, eventualmente, a recorrente venha a reclamar.
6. Decisão
Em face do exposto, acorda-se em:
6.1. julgar improcedente a nulidade invocada;
6.2. revogar a decisão recorrida e declarar extinta a instância do procedimento cautelar por impossibilidade superveniente da lide.
Condena-se o recorrido nas custas de parte que haja.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil anexa-se o sumário do presente acórdão.
Lisboa, 30 de Junho de 2025
Maria José Costa Pinto
Eugénia Guerra
Francisca Mendes
_______________________________________________________
1. Entre muitos outros, vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2024.04.12, Processo n.º 835/15.0T8LRA.C4.S1-A e de 2023.11.03, Processo n.º 835/15.0T8LRA.C4.S1, in www.dgsi.pt.
2. Vide Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, III volume, 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra, 2010, pp. 36-37.
3. In ob. citada, p. 45.
4. In BMJ 3/32.
5. In Manual de Processo Civil, Coimbra, 1984, p. 663.
6. Vide Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3.ª ed., Coimbra, 1982, p. 393.
7. Vide o Acórdão da Relação do Porto de 5 de Março de 2024, proc. n.° 153/23.0T8MCN.P1, in www.dgsi.pt.
8. Vide Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª Edição, Coimbra, 2014, p. 546.