TRABALHADOR DESTACADO
Sumário

I - O que resulta do disposto no artigo 8º do CT (que remete para o artigo 6º) é que nem todo o trabalhador a exercer funções fora do seu país de origem está destacado para efeitos de beneficiar das condições descritas no artigo 7º do CT.
II - Tal apenas acontece em 3 situações:
a) Em execução de contrato entre o empregador e o beneficiário que exerce a actividade, desde que o trabalhador permaneça sob a autoridade e direcção daquele;
b) Em estabelecimento do mesmo empregador, ou empresa de outro empregador com o qual exista uma relação societária de participações recíprocas, de domínio ou de grupo;
c) Ao serviço de um utilizador, à disposição do qual foi colocado por empresa de trabalho temporário ou outra empresa.
III – Se da matéria de facto não resulta que tenha havido qualquer contrato da empregadora com qualquer outra empresa, no sentido daquela prestar qualquer tipo de serviço para esta, e que o trabalhador se desloque para país diferente do seu habitual local de trabalho, para trabalhar no âmbito dessa relação contratual, não estamos perante uma situação de trabalhador destacado.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório
AA instaurou a presente acção declarativa de condenação, a seguir a forma de processo comum, contra TRANSWHITE - TRANSPORTES UNIPESSOAL, LDA, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a diferença entre o valor efetivamente liquidado e o valor do vencimento mínimo a que este tinha direito, nos montantes de: - 3742,40€, relativo ao ano de 2020 - 13324.22€, relativo ao ano de 2021; e13.704,53€, relativo ao ano de 2022, perfazendo um total de 30.771.15€, acrescido de juros à taxa legal desde a data do vencimento e até integral pagamento.
Alega que
- foi admitido ao serviço da Ré em 13 de Fevereiro de 2019, com a categoria
profissional de motorista de pesados, para exercer atividade profissional sob as ordens e direção da Ré, e por conta da mesma;
- desde então, sob ordens e direcção da Ré, realizou transporte de mercadorias em serviço internacional;
- a partir de 20.10.2020, e até Dezembro de 2022, foi destacado para a Holanda no âmbito da execução de contrato celebrado entre si e a Ré;
- nesse período temporal permaneceu sob autoridade e direção da empresa que o contratou, aqui Ré, ou de outras empresas do mesmo grupo;
- os trabalhadores destacados têm direito às mesmas condições de trabalho dos nacionais do país de destino, caso estas sejam mais favoráveis, nomeadamente no que respeita a salário e horários de trabalho, pagamento de trabalho suplementar e férias;
- as condições de trabalho mais favoráveis eram as do país de destino em que o Autor prestou trabalho, pelo que teria direito a beneficiar do regime mais favorável, e, consequentemente, auferir o salário mínimo em vigor na Holanda pelo período em que se encontrou a trabalhar como trabalhador destacado;
- tal não sucedeu, tendo o Autor sido pago, pela Ré, pelo salário mínimo em vigor em Portugal;
- tem direito a auferir as retribuições que lhe eram devidas ao prestar trabalho noutro Estado, beneficiando do regime de trabalhador destacado, preenchidas que estão as condições para tal.
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Foi realizada audiência de partes, não sendo possível a sua conciliação.
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Citada, a Ré contestou, impugnando os factos alegados pelo Autor e alegando que
- o Autor tinha residência em Portugal;
- o Autor estava deslocado no estrangeiro como motorista do transporte internacional rodoviário de mercadorias;
- não foi destacado para a Holanda a partir de 20-10-2020 e até 12-2022;
- O A. passou a estar mais tempo deslocado na Holanda, a seu pedido, para estar junto da namorada.
- o Autor fazia os descontos para a Segurança Social e para o IRS em Portugal.
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Foi realizado julgamento com observância do legal formalismo.
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A sentença julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré do pedido.
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Inconformado, o Autor interpôs recurso, concluindo nas suas alegações que
A. O ora Recorrente impugna o ponto 11 da factualidade tida como assente porquanto em bom rigor , o mesmo não resulta de qualquer meio probatório junto aos autos, ou produzido em audiência de discussão e julgamento, inexistindo uma total falta de fundamentação quanto a este.
B. A ausência de fundamentação consubstancia nulidade, pelo que tal ponto sempre teria de resultar como facto não provado.
C. Acresce que tal factualidade assente encontra-se ainda em franca contradição com a demais factualidade provada, mormente os pontos 10,13, de onde sobressai que o Autor se encontrava a residir na Holanda e que pontualmente e sempre em férias ou folgas se deslocou a Portugal.
D. Pelo que, e em face do exposto, tal facto nunca poderia ter sido dado como assente, pelo que se impugna o mesmo.
E. Invoca ainda o Autor uma errónea interpretação e aplicação das normas jurídicas, designadamente o disposto nos arts. 6º a 8º do Código do Trabalho , realizando uma errónea subsunção dos factos ao Direito ao entender que o Autor não é trabalhador destacado,
F. Isto porque, e trabalhador é, nos termos do Código do Trabalho, um trabalhador destacado quando é enviado pelo seu empregador, por um período de tempo limitado, para realizar o seu trabalho noutro país,
G. Ora, o Autor motorista transportes de mercadorias foi destacado para a Holanda para ali, e a partir dali, realizar as suas funções, porquanto a Ré ali detinha empresa do grupo, H. A sentença ora recorrida refere que o Autor tal como os demais motoristas de transporte internacional se deslocou ao estrangeiro para realização das suas funções e que, consequentemente não teria o estatuo de trabalhador destacado,
I. Ora tal não corresponde à realidade, conforme resulta da factualidade assente o trabalhador estava efetivamente deslocado, a residir na Holanda, sendo somente ali, ou a partir dali para outros países que se deslocava para exercício de funções,
J. A sua base, o seu local de trabalho passou a ser a partir de 20.10.2020, a Holanda, ao contrário do que sucedia preteritamente, quando o trabalhador realizava as suas funções de transporte internacional, mas a sua residência, a sua base, o inicio e termino da sua jornada de trabalho era em Portugal,
K. A partir dessa data o Autor só vinha a Portugal em férias ou folgas, ou seja, nos tempos de descanso e lazer, porquanto o seu trabalho iniciava e findava na Holanda, esta era a base,
L. Tal situação não pode enquadrar-se, como se refere na sentença, nas funções de motorista internacional que presta serviços noutros países como integradoras das suas funções,
M. Pois que, uma coisa é o motorista de transporte internacional que detém a sua base, o local de trabalho, que inicia funções em Portugal e que depois desenvolve as suas funções de transporte por outros países , e que depois regressa à base em Portugal para depois iniciar nova jornada extactamente nos mesmos termos
N. Outra situação , bem diferente , e como era a do Autor, era residir na Holanda, deter base na Holanda, sendo ali o local onde inicia e termina a sua jornada de trabalho, não obstante depois se deslocando para a Bélgica e demais países mas sempre regressando à base, na Holanda!
O. Tal configura sim, em nossa modesta opinião, o enquadramento jurídico de trabalhador destacado ao inverso daquela primeira situação em que o trabalhador detém base em Portugal e que a partir dali se desloca para outros países, para depois regressar novamente à base ( Portugal).
P. Conforme é referido na sentença recorrida, para que se possa falar em trabalhador destacado é necessário que o trabalhador seja destacado para execução de um trabalho num outro estado,
Q. Ora é o que sucede no caso em análise , porquanto o Autor a partir de Outubro de 2020, foi prestar serviço de transporte , ficando a residir em alojamento da Ré, sendo que a partir daí prestava funções naquele Estado e noutros, pelo que ao mesmo se impunha o enquadramento jurídico de trabalhador destacado.
R. Pelo que forçoso é concluir que o Autor sendo trabalhador destacado no enquadramento jurídico realizado no disposto nos artigos 6º e 8º do Código do Trabalho teria direito ás condições daí advenientes, entre o mais no peticionado pagamento do valor correspondente à diferença entre a retribuição base que lhe foi paga e a retribuição mínima na Holanda,
S. Refere ainda a sentença recorrida que ainda que se considerasse o Autor trabalhador destacado, a retribuição que o mesmo auferiu seria superior á retribuição mínima auferida na Holanda pelo que nada lhe seria devido por ser um regime mais favorável,
T. Referindo que a norma ( art. 7º do Código do Trabalho) o que pretende assegurar ao trabalhador é que o mesmo não aufira uma retribuição inferior mínima paga no país onde está destacado,
U. Concluindo que o Autor, ao ter auferido uma retribuição superior não foi prejudicado,
V. Ora tal não é aceitável, o Autor auferiu uma retribuição base igual ao mínimo legal em Portugal, as demais rubricas pagas ao Autor foram-no a titulo de trabalho suplementar e outras rubricas advenientes de ajudas de custo,
W. Ora como trabalhador destacado teria direito a auferir a retribuição mínima do país de origem sem prejuízo, do pagamento do trabalho suplementar e ajudas de custo que poderia igualmente advir, porquanto, as demais rubricas salariais pagas ao Autor advêm necessariamente da prestação de trabalho suplementar, também ele calculado com base na retribuição mínima paga,
X. Pelo que referir que a forma de cálculo de pagamento ao Autor com base na retribuição mínima em Portugal, e demais rubricas liquidadas consubstanciam um regime mais favorável é um sofisma, não sendo realidade porquanto o acréscimo à sua retribuição adviria sempre do trabalho suplementar que realizava.
Y. Concluindo e ante o exposto diremos que, a sentença ora recorrida viola assim do disposto nos arts. 6.º, 7.º e 8.º do Código do Trabalho, devendo ser reconhecido ao Autor o direito a receber os valores referentes à diferença entre o valor que efetivamente recebeu e o valor do vencimento mínimo a que tinha direito.
Z. Viola ainda o disposto nos arts. 607º nº 4 do CPC aplicável ex vi art. 1º nº 2 do Código Processo Trabalho.
AA. Assim sempre teria o Tribunal a quo de reconhecer a qualidade de trabalhador destacado ao Autor, com os direitos peticionados daí advenientes não podendo em circunstância alguma ter o Tribunal a quo proferido a decisão nos termos em que a proferiu sob pena de violação dos supra expostos dispositivos legais.
NESTES TERMOS DEVERÁ PROCEDER-SE À CONCESSÃO DE PROCEDÊNCIA AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO A SENTENÇA RECORRIDA, NA PARTE QUE ABSOLVEU A RÉ, SUBSTITUINDO-A POR OUTRA CONDENANDO A MESMA NOS PRECISOS TERMOS PETICIONADOS.
SÓ ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA.”
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A Ré contra-alegou concluindo pela improcedência do recurso.
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A Exma Procuradora-Geral Adjunta, junto deste Tribunal da Relação, emitiu parecer nos seguintes termos:
Os vícios invocados pelo recorrente, são reconduzíveis às nulidades previstas nas alíneas b) e c), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
Quanto à alegada falta de fundamentação da decisão da matéria de facto, em particular no que respeita à residência do Autor (Ponto 11), escreveu-se na sentença recorrida: «Pontos (…) 11), (…) Os factos em apreço foram confirmados de forma segura e perentória pela testemunha BB(…)». É, pois, manifesto que não se verifica a referida nulidade, considerando que que dali se retira uma análise crítica da prova, ainda que sumária, Por outro lado, o facto de o Autor ter mantido a sua residência em Portugal (designadamente por nunca ter comunicado formalmente à Ré qualquer alteração de morada e assim continuar a fazer descontos para a Segurança Social portuguesa), não invalida que tenha passado a viver na Holanda, sempre que isso se compatibilizasse com os seus compromissos laborais.
De facto, não cremos que a manutenção da matéria de facto tal como foi fixada, ponha em causa a compreensão da decisão, pelo que também aqui nos parece que não assista razão ao recorrente.
Acresce que, era ao Autor que interessava demonstrar – e por isso era sobre ele que recaía o ónus da prova -, que se encontrava destacado (e não apenas deslocado, pela própria natureza da sua profissão de motorista de pesados de mercadorias em serviço internacional) e que claramente não conseguiu fazer.
Já quanto às considerações de Direito, nenhuma censura nos merece a sentença recorrida, cuja fundamentação se nos afigura clara e pertinente, sendo nosso parecer que o recurso não merece provimento.”
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Os autos foram aos vistos aos Exmos Desembargadores Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir
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II – Objecto
Considerando as conclusões de recurso apresentadas, que delimitam o seu objecto, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, cumpre apreciar e decidir:
- se a sentença é nula;
- se o tribunal a quo errou na decisão da matéria de facto quanto ao facto impugnado;
- se o trabalhador estava destacado na Holanda;
- acerca dos créditos peticionados.
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III – Fundamentação de Facto
A – Matéria de Facto Provada
São os seguintes os factos considerados provados pela primeira instância:
1) O Autor foi admitido ao serviço da Ré em 13 de Fevereiro de 2019, com a categoria profissional de Motorista de Pesados, para exercer atividade profissional sob as ordens e direção da Ré, e, por conta da mesma.
2) Desde então o Autor, sob ordens e direção da Ré realizou transporte de mercadorias em serviço internacional.
3) A partir de Outubro de 2020 e pelo menos até Dezembro de 2022 o Autor passou a exercer tal atividade predominantemente na Holanda mas não exclusivamente, pois que a continuou a exercer também de forma regular na Bélgica e na Alemanha e, quando a Ré o determinasse, também em outros países, nomeadamente França, Espanha, Suíça, Polónia, Chéquia e Reino Unido.
4) A Ré tinha dois colaboradores motoristas - CC e DD (marido e mulher) que foram admitidos como motoristas de pesados para andarem em tripulação múltipla conjunta, que foram mais tarde contratados pela Transwhite BV, da Holanda, a pedido de ambos, por questões pessoais.
5) A trabalhadora CC passou a ser trabalhadora do armazém da Holanda.
6) Em 01/02/2021 foi reduzido a escrito um acordo em como o empregador disponibilizava uma casa na Holanda a CC e DD.
7) DD pediu a demissão (em data não apurada, mas posterior a 01.02.2021).
8) Em momento não concretamente apurado o Autor iniciou uma relação amorosa com CC.
9) Em 25/05/2021 CC pediu por e-mail para que o seu vencimento passasse a ser transferido para uma conta bancária cujo titular era o Autor.
10) Em Junho de 2021 o Autor passou a viver com CC na casa que a ela tinha sido atribuída pela Transwhite BV e por esta paga.
11) O Autor manteve sempre residência em Portugal.
12) Inicialmente o Autor deslocava-se a Portugal, gozando folgas, normalmente a cada seis semanas, o que deixou de suceder depois de ter passado a residir com CC.
13) O Autor deslocou-se a Portugal:
a) … de avião pago pela Ré, no dia 14/11/2020 a 19/11/2020;
b) … conduzindo o camião, no exercício das suas funções, nos seguintes dias:
− De 8/1/2021 (dia de chegada) a 16/01/2021 (dia de partida), tendo gozado folga de 9 a 15;
− De 21/02/2021 (dia de chegada) a 07/03/2021 (dia de partida), tendo gozado folga de 22 a 28 de Fevereiro e férias de 1 a 6 de Março;
− De 12/04/2021 (dia de chegada) a 17/04/2021 (dia de partida), tendo gozado férias de 12 a 16;
− De 7/06/2021 (dia de chegada) a 13/06/2021 (dia de partida), tendo gozado folga de 8 a 12;
− De 19/07/2021 (dia de chegada) a 03/08/2021 (dia de partida), tendo gozado férias de 20/07 a 02/08;
− De 25/10/2021 (dia de chegada) a 16/11/2021 (dia de partida) tendo gozado férias de 26/10 a 15/11;
− De 21/02/2022 (dia de chegada) a 24/02/2022 (dia de partida);
− De 16/05/2022 (dia de chegada) a 07/06/2022 (dia de partida), tendo gozado férias de 16/05 a 06/06.
14) O Autor gozou ainda férias nos dias 14/12/2021, 05/07/2022, 14 a 25 de Julho de 2022 e de 1 a 16 de Outubro de 2022 e faltou nos dias 04/11/2022 e 28/12/2022.
15) O Autor fez sempre os descontos para a Segurança Social e para o IRS em Portugal.
16) O Autor permaneceu sempre sob autoridade e direção da Ré, recebendo as suas instruções diárias dos chefes de tráfego da Ré, em Portugal, à semelhança do que sucedia com os restantes motoristas ao serviço da Ré.
17) O Autor auferiu sempre as componentes retributivas previstas pelo CCTV celebrado entre a Antram e a Fectrans (publicado no BTE n.º 45, de 8/12/2019) para os motoristas de transporte internacional, nomeadamente a retribuição base, a ajuda de custo TIR (Cláusula 64ª), a retribuição especifica prevista na Clausula 61ª, a remuneração por trabalho noturno (Clausula 63ª), o complemento salarial (Clausula 59ª), o subsídio de risco (Clausula 66ª), os subsídio de cargas e descargas (Clausula 60ª) e a remuneração do trabalho em dias de descanso semanal ou feriados prevista na Clausula 50ª, tal como os restantes motoristas da Ré em serviço de transporte internacional.
18) Entre Outubro de 2020 e Dezembro de 2022 a Ré pagou mensalmente ao Autor as prestações retributivas a seguir discriminadas e pelos valores indicados (ilíquidos, sujeitos a retenção na fonte), excluídos os montantes pagos a título de ajudas de custo e subsídios de férias e de Natal:
19) Nos mesmos meses a Ré pagou ainda ao Autor os seguintes montantes a título de ajudas de custo e subsídios de férias e de Natal:
20) O contrato de trabalho do Autor com a Ré cessou em 30-04-2023.
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B – Matéria de Facto Não Provada
São os seguintes os factos considerados não provados pela primeira instância:
1) O Autor chegou a trabalhar sob autoridade e direção de outras empresas do mesmo grupo da Ré.
2) No ano de 2020 o valor do salário mínimo na Holanda encontrava-se fixado nos €1.635,60.
3) No ao ano de 2021, o valor do salário mínimo na Holanda encontrava-se fixado nos €1.684,80.
4) No ano de 2022, o valor do salário mínimo na Holanda encontrava-se fixado nos €1.756,20.
5) Os trabalhadores CC e DD foram contratados pela Ré em 22/10/2019 e pela Transwhite BV, da Holanda, em 01/07/2020.
6) O pedido de demissão de DD foi apresentado em 27/04/2021 com efeitos a 08/05/2021.
7) Em 04/01/2023 nasceu o filho de CC e do Autor.
8) O Autor não pediu autorização para começar a frequentar a casa que era da empresa na Holanda e continuou lá depois de se ter despedido.
9) O Autor passou a estar mais tempo deslocado na Holanda, a seu pedido, para estar junto da namorada CC.
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IV – Apreciação do Recurso
1.O Apelante invoca a nulidade da sentença, ao que se percebe da alegação, com fundamento nos vícios descritos nas alíneas b) e c) do nº1 do artigo 615º do CPC.
Alega que não existe qualquer fundamentação para o facto descrito sob o nº11, e que tal factualidade assente encontra-se ainda em franca contradição com a demais factualidade provada, mormente os pontos 10 e 13, de onde sobressai que o Autor se encontrava a residir na Holanda e que pontualmente, e sempre em férias ou folgas, se deslocou a Portugal.
Estes vícios, no entanto, a existirem, não se traduzem em causa de nulidade da sentença, sendo antes vícios da decisão da matéria de facto que podem conduzir à alteração dessa decisão ou às demais consequências previstas no artigo 662º do CPC.
Improcedem, pois, as invocadas nulidades.
2.O Apelante expressa impugnar a matéria de facto quanto ao ponto 11 dos factos provados, que pretende seja considerado não provado.
Fundamenta a sua pretensão, alegando que
- o tribunal a quo não sustenta tal facto em qualquer meio de prova;
- o facto em causa está em contradição com os factos 10 e 13.
É a seguinte a redacção dos factos em causa:
11) O Autor sempre indicou que a sua morada era portuguesa. Alterado conforme decisão infra.1
10) Em Junho de 2021 o Autor passou a viver com CC na casa que a ela tinha sido atribuída pela Transwhite BV e por esta paga.
13) O Autor deslocou-se a Portugal:
a) … de avião pago pela Ré, no dia 14/11/2020 a 19/11/2020;
b) … conduzindo o camião. no exercício das suas funções, nos seguintes dias:
− De 8/1/2021 (dia de chegada) a 16/01/2021 (dia de partida), tendo gozado folga de 9 a 15;
− De 21/02/2021 (dia de chegada) a 07/03/2021 (dia de partida), tendo gozado folga de 22 a 28 de Fevereiro e férias de 1 a 6 de Março;
− De 12/04/2021 (dia de chegada) a 17/04/2021 (dia de partida), tendo gozado férias de 12 a 16;
− De 7/06/2021 (dia de chegada) a 13/06/2021 (dia de partida), tendo gozado folga de 8 a 12;
− De 19/07/2021 (dia de chegada) a 03/08/2021 (dia de partida), tendo gozado férias de 20/07 a 02/08;
− De 25/10/2021 (dia de chegada) a 16/11/2021 (dia de partida) tendo gozado férias de 26/10 a 15/11;
− De 21/02/2022 (dia de chegada) a 24/02/2022 (dia de partida);
− De 16/05/2022 (dia de chegada) a 07/06/2022 (dia de partida), tendo gozado férias de 16/05 a 06/06.
É a seguinte a fundamentação da 1ª instância:
o tribunal formou a convicção com base na apreciação crítica e conforme às regras de experiência comum das declarações de arte prestado pelo Autor e do depoimento prestado pela testemunha BB (responsável de recursos humanos da Ré há cerca de 5 anos e 6 meses), conjugados com a prova documental junta aos autos, nos termos que melhor se passam a enunciar por referência a cada um dos factos provados e não provados.
(…)
- Pontos 4), 5), 6), 7), 9), 11), 13), 14) e 15): Os factos em apreço foram confirmados de forma segura e perentória pela testemunha BB; no que concerne ao ponto 6), relevaram-se ainda os docs. 1 e 2 juntos com a contestação; no que concerne à data do pedido de demissão de DD a testemunha apenas soube confirmar que foi depois de assinados os acordos referidos no ponto 6);
- Pontos 8) e 10): Os factos em apreço foram reconhecidos pelo próprio Autor, sendo que também a testemunha BB o evidenciou afirmando que os mesmos tiveram depois um filho;”.
Decidindo:
Desde logo, não corresponde à realidade que a sentença não tenha fundamentado o facto 11, como resulta da transcrição que se fez, a saber, fê-lo com base no depoimento da testemunha BB.
O facto em causa apresenta uma certa contradição com o facto 10, pois, ou o Autor tinha o centro da sua vida em Portugal ou na Holanda.
O que resulta da prova produzida é que o Autor sempre indicou como morada uma morada em Portugal, e assim, o facto 11 passará a terá seguinte redacção:
“O Autor sempre indicou que a sua morada era portuguesa”.
Não se descortina qualquer contradição entre o facto 11 e o facto 13.
3.Cumpre agora verificar se o Autor, tal como defende, estava destacado na Holanda.
A 1ª instância, após indicar os preceitos legais aplicáveis ao caso, refere que “Ora, afigura-se que os trabalhadores que, como o Autor, exercem funções de motoristas de transporte internacional, não podem ser enquadrados em qualquer das previsões vertidas nas alíneas do n.º 1 do artigo 6º, pois que para que se possa falar em destacamento é necessário que o trabalhador seja destacado para execução de um trabalho num outro Estado, prestando uma atividade que vá para além da simples entrega de mercadorias ou a descarga de passageiros. Efetivamente, não se pode considerar que um motorista de transporte internacional, ao assegurar transporte de mercadorias (ou de pessoas), está a prestar a sua atividade no âmbito da execução de um contrato celebrado entre o empregador e uma empresa beneficiária da prestação do trabalho assegurado pelo trabalhador, nem tão pouco que exerça o trabalho num estabelecimento do empregador sito noutro estado, pois que o motorista está em constante mobilidade, não apenas interna como externa, circulando entre os vários clientes dos serviços de transporte assegurados pelo empregador e entre vários países.
E, no caso em apreço, tão pouco o Autor foi prestar trabalho para outra empresa de outro empregador com o qual exista uma relação societária de participações recíprocas, de domínio ou de grupo com a Ré (pois que se provou sempre ao serviço da Ré, dele recebendo as ordenes e instruções de serviço como sempre sucedeu), nem tão pouco foi colocado ao serviço de um utilizador, à disposição do qual foi colocado por empresa de trabalho temporário ou outra empresa.
(…)
Concluindo-se assim não dever o Autor ser considerado um trabalhador destacado na aceção conferida pelos artigos 6º e 8º do Código do Trabalho, não tem o Autor direito às condições de trabalho de trabalhador destacado previstas no artigo 7º, nomeadamente ao peticionado pagamento do valor correspondente à diferença entre a retribuição base que lhe foi paga pela Ré e o valor correspondente à retribuição mínima na Holanda, o que basta para que desde logo se tenha de concluir pela total improcedência da ação.”
Desde já se diga que concordamos com a 1ª instância.
Nesta matéria dispõe o artigo 8º do CT/2009, aplicável ao caso face à data da celebração do contrato de trabalho do Autor, sob a epígrafe “Destacamento para outro Estado” “1 - O trabalhador contratado por uma empresa estabelecida em Portugal, que preste actividade no território de outro Estado em situação a que se refere o artigo 6.º, tem direito às condições de trabalho previstas no artigo anterior, sem prejuízo de regime mais favorável constante da lei aplicável ou do contrato.
2 - O empregador deve comunicar, com cinco dias de antecedência, ao serviço com competência inspectiva do ministério responsável pela área laboral a identidade dos trabalhadores a destacar para o estrangeiro, o utilizador, o local de trabalho, o início e o termo previsíveis da deslocação.
3 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no número anterior.”
E, nos termos do artigo 6º , referente ao “Destacamento em território português”, “1 - Consideram-se submetidas ao regime de destacamento as seguintes situações, nas quais o trabalhador, contratado por empregador estabelecido noutro Estado, presta a sua actividade em território português:
a) Em execução de contrato entre o empregador e o beneficiário que exerce a actividade, desde que o trabalhador permaneça sob a autoridade e direcção daquele;
b) Em estabelecimento do mesmo empregador, ou empresa de outro empregador com o qual exista uma relação societária de participações recíprocas, de domínio ou de grupo;
c) Ao serviço de um utilizador, à disposição do qual foi colocado por empresa de trabalho temporário ou outra empresa.
2 - O regime é também aplicável ao destacamento efectuado nas situações referidas nas alíneas a) e b) do número anterior por um utilizador estabelecido noutro Estado, ao abrigo da respectiva legislação nacional, desde que o contrato de trabalho subsista durante o destacamento.
3 - O regime de destacamento em território português não é aplicável ao pessoal navegante da marinha mercante.”
Estas normas resultam da transposição para o ordenamento jurídico português da Directiva 96/71/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Dezembro de 1996, relativa ao destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços, transposição que aconteceu pela Lei 9/2000, entretanto revogada com a entrada em vigor das normas regulamentares do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 99/2003 (também já revogado).
Visou a Directiva a abolição dos obstáculos à livre circulação de pessoas e de serviços entre os Estados-membros, na concretização de um dos objectivos do Tratado que institui a Comunidade Europeia. E assim, a lei contém normas especiais que visam regular a situação dos chamados “trabalhadores destacados”, a saber aqueles que, por acordo com as suas entidades patronais, deslocam-se para outros países, por um período limitado, a fim de prestarem trabalho.
Desde logo dizer que não subsistem dúvidas acerca da aplicação deste regime aos contrato de trabalho de transporte internacional, pois a lei apenas exclui da sua aplicação o pessoal navegante da marinha mercante. É também este o entendimento do Tribunal de Justiça da UE22, que se pronunciou acerca da interpretação do artigo 1º, nºs 1 e 3, do artigo 2º, nº 1, e do artigo 3º nºs 1 e 8, primeiro parágrafo, da Diretiva.
O que resulta da lei é que nem todo o trabalhador a exercer funções fora do seu país de origem está destacado para efeitos de beneficiar das condições descritas no artigo 7º do CT.
Tal apenas acontece em 3 situações, que a sentença refere:
- em execução de contrato entre o empregador e o beneficiário que exerce a actividade, desde que o trabalhador permaneça sob a autoridade e direcção daquele;
b) Em estabelecimento do mesmo empregador, ou empresa de outro empregador com o qual exista uma relação societária de participações recíprocas, de domínio ou de grupo;
c) Ao serviço de um utilizador, à disposição do qual foi colocado por empresa de trabalho temporário ou outra empresa.
No presente caso é de afastar liminarmente a situação em que o trabalhador foi colocado por empresa de trabalho temporário, dado que da matéria de facto nada resulta a esse propósito.
E também é de afastar liminarmente a situação descrita na alínea b) pois nada foi alegado, e portanto provado, sobre o Autor ter ido trabalhar na Holanda para um estabelecimento ou uma empresa do grupo da Ré.
O que resulta da matéria de facto, com interesse para a decisão, é que: o Autor foi admitido ao serviço da Ré em 13 de Fevereiro de 2019, com a categoria profissional de motorista de pesados, para exercer atividade profissional sob as ordens e direção da Ré, e por conta da mesma; desde então o Autor, sob ordens e direção da Ré, realizou transporte de mercadorias em serviço internacional; a partir de Outubro de 2020 e pelo menos até Dezembro de 2022 o Autor passou a exercer tal atividade predominantemente na Holanda mas não exclusivamente, pois que a continuou a exercer também de forma regular na Bélgica e na Alemanha e, quando a Ré o determinasse, também em outros países, nomeadamente França, Espanha, Suíça, Polónia, Chéquia e Reino Unido; inicialmente o Autor deslocava-se a Portugal, gozando folgas, normalmente a cada seis semanas, o que deixou de suceder depois de ter passado a residir com CC; sempre fez os descontos para a Segurança Social e para o IRS em Portugal; permaneceu sempre sob autoridade e direção da Ré, recebendo as suas instruções diárias dos chefes de tráfego da Ré, em Portugal, à semelhança do que sucedia com os restantes motoristas ao serviço da Ré; deslocou-se a Portugal nas datas supra referidas.
Sobre a situação prevista na alínea a) do nº1 do artigo 6º, deve a mesma ser lida à luz do considerando 4 da Directiva que refere que “a prestação de serviços pode consistir quer na execução de trabalhos por uma empresa, por sua conta e sob a sua direcção, no âmbito de um contrato celebrado entre essa empresa e o destinatário da prestação de serviços, quer na colocação de trabalhadores à disposição de uma empresa para nela se utilizarem os seus serviços, no âmbito de um contrato público ou privado;”, referindo o Tribunal de Justiça, chamado a pronunciar-se sobre a questão3 4, que a mesma “aplica‑se às empresas estabelecidas num Estado‑Membro que — no âmbito de uma prestação transnacional de serviços que pode consistir quer na execução de trabalhos por uma empresa, por sua conta e sob a sua direção, no âmbito de um contrato celebrado entre essa empresa e o destinatário da prestação de serviços, quer na colocação de trabalhadores à disposição de uma empresa para nela se utilizarem os seus serviços, no âmbito de um contrato público ou privado — destaquem trabalhadores para o território de um Estado‑Membro.
No caso, não decorre dos factos que tenha havido qualquer contrato da Ré com qualquer outra empresa, na Holanda, no sentido daquela prestar qualquer tipo de serviço para esta, e que o Autor se tenha deslocado para a Holanda para trabalhar no âmbito dessa relação contratual. E, como se diz no acórdão da Relação de Coimbra de 24-06-202255, “o serviço de transporte porventura efetuado a diversos clientes ocasionais não pode estar, a nosso ver, abrangido pela norma, uma vez tais clientes não podem ser qualificados como “beneficiários” num quadro de subcontratação comercial e que é o que está compreendido na norma, na transposição do art. 1.º da Directiva 96/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa ao destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação transnacional de serviços. Sobretudo, quando se trata de trabalhadores móveis, como era o caso do autor, sem actividade demonstrada (nos factos provados) para cliente único ou predominante e com actividade desenvolvida em diversos Estados (…)
Neste caso, devem mesmo considerar-se de fora do regime do destacamento, consagrado na Directiva e no Código do Trabalho, as situações em que a atividade inicialmente contratada com o trabalhador inclua a execução de funções em diversos Estados (sobre este aspecto, v. Mobilidade transnacional de trabalhadores e empresas: algumas considerações práticas sobre o destacamento de trabalhadores, Prontuário de Direito do Trabalho, I, 1º Semestre 2018, pags. 307-333, Mobilidade transnacional de trabalhadores e empresas, Lisboa, ACT, 2015, disponível in https://www.act.gov.pt/(pt-PT)/crc/PublicacoesElectronicas/Relacoesdetrabalho/Documents/Guia%20Pr%C3%A1tico_Mobilidade%20Transnacional%20de%20Trabalhadores%20e%20Empresas.pdf.”
Em face do exposto, e tal como a 1ª instância, consideramos que não está demonstrado que o Autor foi um trabalhador destacado na Holanda, razão pela qual soçobra a sua pretensão de beneficiar da retribuição mínima garantida no Estado do destacamento, que seria a Holanda, de acordo com o previsto no art. 7º nº 1 b) do CT.
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V – Decisão
Face a todo o exposto, acorda-se na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente o presente recurso de apelação interposto por AA, mantendo-se a sentença recorrida.
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Custas a cargo do Apelante.
Registe.
Notifique

Lisboa, 30-06-2025
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Maria Eugénia Guerra
Alves Duarte
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1. Tinha a seguinte redação - O Autor manteve sempre residência em Portugal.
2. Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 1 de dezembro de 2020 – Processo C‑815/18, que teve por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Supremo Tribunal dos Países Baixos.

3. Acórdão de 1 de Dezembro de 2020
4. Que equivale ao artigo 1º nº3 a) da Directiva – “3. A presente directiva é aplicável sempre que as empresas mencionadas no nº 1 tomem uma das seguintes medidas transnacionais:
a) Destacar um trabalhador para o território de um Estado-membro, por sua conta e sob a sua direcção, no âmbito de um contrato celebrado entre a empresa destacadora e o destinatário da prestação de serviços que trabalha nesse Estado-membro, desde que durante o período de destacamento exista uma relação de trabalho entre a empresa destacadora e o trabalhador;”
5. Processo 47/20.0T8CLD.C1.