PRESTAÇÃO SUPLEMENTAR PARA APOIO A TERCEIRA PESSOA
ACTUALIZAÇÃO
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário

Sendo o valor proposto pela seguradora superior ao que resultaria da aplicação da orientação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 380/2024, de 4 de Junho, deve a prestação suplementar para assistência a terceira pessoa ser fixada nesse valor.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

1- Relatório
1.1. O sinistrado, AA com o patrocínio do Ministério Público, veio requerer a notificação da entidade seguradora para vir demonstrar o pagamento atualizado da pensão suplementar para assistência a terceira pessoa, tendo em atenção a declaração de inconstitucionalidade do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 380/2024, de 4 de junho.
1.2 Notificada a entidade seguradora respondeu entendendo, em resumo que, a Constituição da República Portuguesa ressalva dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, os casos julgados, pelo que o princípio interpretativo fixado no Ac. do TC nº 380/2024, de 14/05/2024, não é aplicável ao cálculo da prestação suplementar para assistência de terceira pessoa, que foi fixada nos presentes autos por decisão transitada em julgado em 2019. Consequentemente, não aceita atualizar essa prestação pelo valor da remuneração mínima mensal garantida, mas apenas em função da percentagem da atualização do IAS, o que já cumpriu. E, requer que seja proferido despacho de indeferimento da promoção Magistrado do Ministério Público, declarando-se a atualização já efetuada pela seguradora como a correta.
1.3. Após pronúncia do M.P. relativamente à posição assumida pela entidade seguradora o Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão, em 03.03.2025:
“Ao abrigo do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 380/2024, publicado no Diário da República, I Série, nº 107, de 4 de Junho, foi declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do art. 54º, nº 1, da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro, na medida em que permite que o limite máximo da prestação suplementar para assistência a terceira pessoa seja inferior ao valor da remuneração mínima mensal garantida, por violação do art. 59º, nº 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa.
Na presente acção de acidente de trabalho, por sentença de 21 de Janeiro de 2019, já transitada em julgado, a seguradora, Zurich Insurance Europe AG, Sucursal em Portugal (então denominada Zurich Insurance, Plc – Sucursal em Portugal), foi condenada, para além do mais, a pagar ao sinistrado, AA, uma prestação suplementar para assistência de terceira pessoa, nos termos legais acima enunciados.
Tendo o Ministério Público promovido a actualização desta prestação de acordo com a orientação que foi definida no citado Acórdão do Tribunal Constitucional nº 380/2024, declarou a seguradora não aceitar esta actualização pelo valor da remuneração mínima mensal garantida, mas apenas em função da percentagem da actualização anual do IAS (Portaria nº 6-B/2025, de 6 de Janeiro), por força da ressalva do caso julgado em matéria de eficácia de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nos termos do art. 282º, nº 3, da Constituição. Porém, no entendimento deste Tribunal, a seguradora não tem razão. Como alegou, entretanto, o Digno Procurador do Ministério Público, esta ressalva do caso julgado na declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, prevista no art. 282º, nº 3, da Constituição, incide sobre a declaração em si deste direito à prestação suplementar, assim como, em limite, às prestações já vencidas desde o momento em que este direito foi declarado – sem que esses valores, como tal, possam agora ser alterados / repostos. Mas não prejudica a actualização desse quantitativo. Actualização que, de resto, é anual, de acordo com o valor do IAS. Pelo que, nestes termos, e procedendo-se à actualização do valor desta prestação, deve a mesma ser feita já com respeito por esta orientação definida (com força obrigatória geral) no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 380/2024 (neste caso simplesmente em cumprimento do princípio geral consagrado no art. 282º, nº 1, da Constituição). O que este Tribunal declara e, junto da seguradora, determina.
Assim, e uma vez mais, notifique a seguradora para proceder à actualização da prestação suplementar para assistência a terceira pessoa, fixada nestes autos, já de acordo com a orientação definida no citado Acórdão do Tribunal Constitucional nº 380/2024.
Notifique, também, o Ministério Público e o sinistrado.”
1.4. A entidade seguradora inconformada veio apresentar recurso terminando com as seguintes conclusões:
“A – A Recorrente não se conforma com a douta decisão com a referência citius 58909953 que a manda proceder à atualização da prestação suplementar para assistência a terceira pessoa fixada nestes autos por sentença transitada em julgado em junho de 2019 em conformidade com a orientação definida no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 380/2024, de 04 de Junho.
B – Por douta sentença proferida nos autos em 21 de Janeiro de 2019, inteiramente confirmada por douto Acórdão da Relação de Lisboa de 29 de Maio de 2019, transitado em julgado, foi fixada ao sinistrado, ao abrigo do disposto nos artigos 53º e 54º da Lei nº 98/2009, de 04/09, uma prestação suplementar à pensão, no valor mensal de € 400,00 (quatrocentos euros), com início em 31 de Julho de2017, em virtude de o mesmo necessitar de ajuda de terceira pessoa para a realização das tarefas relativas à higiene pessoal, alimentação e toma de medicação por um período diário de quatro horas.
C – Esta prestação suplementar tem vindo a ser atualizada anualmente na mesma percentagem de atualização do IAS.
D – Note-se que a disposição constante do nº 4 do Artigo 54º da Lei nº 98/2009,de 04/09, que manda que a prestação suplementar para assistência de terceira pessoa seja anualmente atualizável na mesma percentagem em que o for o IAS, se mantém plenamente em vigor, não tendo sido objeto de nenhuma declaração de inconstitucionalidade.
E – O tribunal manda agora que a seguradora altere o valor da prestação suplementar fixada nos autos para assistência de terceira pessoa para o montante da remuneração mínima mensal garantida em vigor no corrente ano de 2025, que é do montante de € 870,00 (oitocentos e setenta euros).
F – Ao alterar o montante da prestação suplementar para apoio de terceira pessoa fixada nos autos por reporte ao valor da remuneração mínima mensal garantida, a douta decisão recorrida não está a atualizar o valor da prestação suplementar, mas sim a aplicar uma outra norma para o cálculo da prestação suplementar.
G – É que, por força do que dispõe o nº 1 do Artº 282º da Constituição da República Portuguesa, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do nº 1 do Art. 54º da Lei 98/2009 de 04/09 determinou que passasse a vigorar novamente, repristinado, o nº 1 do Artigo 19º da Lei 100/97, de 13 de setembro, que dispõe que «1 - Se, em consequência da lesão resultante do acidente, o sinistrado não puder dispensar a assistência constante de terceira pessoa, terá direito a uma prestação suplementar da pensão atribuída não superior ao montante da remuneração mínima mensal garantida para os trabalhadores do serviço doméstico.» (de referir que atualmente, a RMMG tem o mesmo valor para o serviço doméstico e para o regime geral).
H – Ora aplicar ao caso dos autos a regra constante do Artº 19º nº 1 da Lei nº 100/97, de 13/09, não é atualizar o valor da prestação suplementar, mas sim calcular o valor da prestação suplementar com base numa nova regra, o que, salvo o devido respeito, não é possível face ao princípio da intangibilidade do caso julgado consagrado no nº 3 do Artigo 282º da CRP.
I – Dispõe o nº 3 do Artigo 282º da Constituição da República Portuguesa que, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional e nos casos expressamente previstos, da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de determinada norma ficam ressalvados os casos julgados.
J – Deste preceito resulta que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do nº 1 do Art. 54º da Lei 98/2009, que data de 04-06-2024, sendo posterior à sentença que fixou o montante da prestação suplementar para apoio de terceira pessoa no valor mensal de € 400,00 (quatrocentos euros), que transitou em julgado em junho de 2019, não podem, pois, aplicar-se ao caso sub judicio.
K– E não se diga, como defende o Ilustre Magistrado do Ministério Público e, bem assim, como entende o Meritíssimo Juiz a quo, que a ressalva do caso julgado na declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, prevista no Artº 282º nº 3 da CRP, incide apenas sobre as prestações já vencidas, pois esta leitura do nº 3 do preceito permitiria “contornar” os efeitos do caso julgado, que o preceito quis, precisamente, salvaguardar.
L – Mas, para lá disso, e mesmo que assim não fosse, outra questão se coloca in casu, que obsta à aplicação da douta decisão recorrida.
M – É que o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 380/2024, de 04 de Junho,
pronuncia-se especificamente sobre o valor do limite máximo da prestação
suplementar para assistência de terceira pessoa, que não poderá ser inferior ao valor da retribuição mínima mensal garantida, mas este douto aresto expressamente consagra a possibilidade de existir um universo de casos em que o valor da prestação suplementar é inferior ao seu limite máximo, consoante a situação de dependência de ajuda por parte do sinistrado.
N – O Acórdão do Tribunal Constitucional que é avocado na douta decisão recorrida para mandar a seguradora pagar ao sinistrado uma prestação suplementar para assistência de terceira pelo valor da remuneração mínima mensal garantida para o ano de 2025, ele próprio prevê, expressamente, que este valor é o máximo e será de aplicar aos casos mais graves, àqueles em que “a situação de dependência originada pela lesão resultante de acidente de trabalho exija a assistência permanente de terceira pessoa durante oito horas diárias”, “graduando-se em sentido inverso o restante universo de casos.”
O – O Acórdão declara, pois, a inconstitucionalidade do preceito na medida em que prevê que nos casos mais graves, em que o sinistrado carece de apoio de terceira pessoa oito horas por dia, o valor da prestação suplementar seja inferior ao valor da RMMG. Mas reconhece que o valor da prestação suplementar deve ser graduado daí para baixo consoante o número de horas de apoio diário necessário.
P – Ora no caso sub judicio a prestação suplementar fixada ao sinistrado teve em conta uma necessidade de assistência de terceira pessoa num período de quatro horas por dia e não foi fixada pelo valor máximo então em vigor.
Q – Não pode, pois, sem qualquer alteração das circunstâncias relativas à assistência de terceira pessoa, alterar-se o valor da respetiva prestação suplementar para o montante máximo previsto na lei.
S – Esta alteração corresponderia, repete-se, não a uma atualização do valor da prestação suplementar, mas sim a uma fixação de um novo valor da prestação suplementar, sem quaisquer factos que lhe sirvam de fundamento.
T – A douta decisão recorrida violou o disposto nos Artºs. 54º nº 4 da Lei nº 98/2009, de 04/09 e 282º nº 3 da Constituição da República Portuguesa, pelo que deve ser inteiramente revogada e substituída por outra que fixe o valor da prestação suplementar devida ao sinistrado no ano de 2025 no montante mensal de € 496,07 (quatrocentos e noventa e seis euros e sete cêntimos),(…)”.
1.5. Na sua resposta o Ministério Público, remata as suas contra-alegações, concluiu que:
1. O que se encontra protegido pelo caso julgado é a declaração do direito do sinistrado à prestação suplementar para assistência a terceira pessoa.
2. O quantum desse direito, que se encontra previsto no artigo 54.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro (LAT), não se mostra protegido pelo caso julgado, pelo
que o professado pelo Tribunal Constitucional será de aplicação imediata ao caso dos autos.
3. Nestes termos, e conforme promoção inicial, entendemos que entidade Seguradora deverá proceder à atualização da pensão suplementar para assistência a terceira pessoa, tendo em atenção a declaração de inconstitucionalidade do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 380/2024, de 4 de junho.
4. A decisão recorrida não merece nenhum reparo quanto ao seu acerto com o direito, não se vislumbrando qualquer erro, pelo que deverá a mesma ser mantida na íntegra.”
1.6. O recurso foi admitido e o processo remetido a esta Relação.
1.7. Cumprido o disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657º do CPC (Código de Processo Civil) e realizada a Conferência cumpre decidir.
II – Objeto do recurso.
Resulta das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, do CPC, aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º2, al. a) do CPT ( Código de Processo de Trabalho), que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).
- saber se a prestação suplementar para assistência a terceira pessoa deve ser atualizada por referência ao valor da retribuição mínima mensal garantida.
III – Fundamentação de Facto
A factualidade a considerar consta do relatório supra.
IV- Fundamentação de Direito
Por sentença proferida nos autos principais, em 21 de janeiro de 2019, confirmada por Acórdão desta Relação de 29 de maio de 2019, transitado em julgado, foi fixada ao sinistrado AA, ao abrigo do disposto nos artigos 53º e 54º da Lei nº 98/2009, de 04/09, uma prestação suplementar à pensão, no valor mensal de € 400,00 (quatrocentos euros), com início em 31 de julho de 2017, em virtude de o mesmo necessitar de ajuda de terceira pessoa para a realização das tarefas relativas à higiene pessoal, alimentação e toma de medicação por um período diário de quatro horas.
Esta prestação suplementar para assistência a terceira pessoa tem vindo a ser atualizada anualmente, pela recorrente, na mesma percentagem de atualização do IAS.
A recorrente, não se conformando com a decisão proferida, no Incidente de Atualização de Pensão que determinou que se atualizasse o montante da prestação suplementar para assistência a terceira pessoa, de acordo com a orientação definida pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 380/2024 veio interpor recurso alegando, no essencial, que a atualização da prestação em causa por referência à retribuição mínima mensal garantida viola o disposto no art. 54.º, n.º 4 da Lei 98/2009, de 4 de setembro e o art. 282.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, e, ainda que, no Acórdão se admitir a possibilidade de existir casos em que o valor da prestação suplementar é inferior ao seu limite máximo da retribuição mínima mensal garantida, consoante a situação de dependência de ajuda por parte do sinistrado.
Vejamos.
O art. 53.º da Lei 98/2009, de 4 de setembro sob a epígrafe “Prestação Suplementar para assistência a terceira pessoa” refere que:
1 - A prestação suplementar da pensão destina-se a compensar os encargos com assistência de terceira pessoa em face da situação de dependência em que se encontre ou venha a encontrar o sinistrado por incapacidade permanente para o trabalho, em consequência de lesão resultante de acidente.
2 - A atribuição da prestação suplementar depende de o sinistrado não poder, por si só, prover à satisfação das suas necessidades básicas diárias, carecendo de assistência permanente de terceira pessoa.
3 - O familiar do sinistrado que lhe preste assistência permanente é equiparado a terceira pessoa.
4 - Não pode ser considerada terceira pessoa quem se encontre igualmente carecido de autonomia para a realização dos atos básicos da vida diária.
5 - Para efeitos do n.º 2, são considerados, nomeadamente, os atos relativos a cuidados de higiene pessoal, alimentação e locomoção.”
6 - A assistência pode ser assegurada através da participação sucessiva e conjugada de várias pessoas, incluindo a prestação no âmbito do apoio domiciliário, durante o período mínimo de seis horas diárias.
O art. 54. º da mesma lei reportando-se ao “Montante da prestação suplementar para assistência a terceira pessoa” estatui que:
1 - A prestação suplementar da pensão prevista no artigo anterior é fixada em montante mensal e tem como limite máximo o valor de 1,1 IAS.
2 - Quando o médico assistente entender que o sinistrado não pode dispensar a assistência de uma terceira pessoa, deve ser-lhe atribuída, a partir do dia seguinte ao da alta e até ao momento da fixação da pensão definitiva, uma prestação suplementar provisória equivalente ao montante previsto no número anterior.
3 - Os montantes pagos nos termos do número anterior são considerados aquando da fixação final dos respetivos direitos.
4 - A prestação suplementar é anualmente atualizável na mesma percentagem em que o for o IAS.”
A prestação prevista no artigo 53.º, como se afirma no Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 380/2004 “visa compensar a despesa adicional gerada pelo recurso à assistência permanente de uma terceira pessoa, de que o sinistrado passou a depender na medida inerente à perda da capacidade de prover, por si só, à satisfação das suas necessidades básicas diárias, designadamente de prestar a si próprio os cuidados de higiene, alimentação e locomoção necessários ” e tem “ a função de obviar a que o valor da pensão [anual e vitalícia] seja desviado para [este] fim e nele se consuma ou até mesmo esgote. Na ausência de uma prestação suplementar como a que se encontra prevista no artigo 53.º do RAT, o sinistrado que, em consequência do acidente, se confrontasse simultaneamente com a ablação da sua plena capacidade de ganho e a perda da autonomia funcional indispensável à satisfação das suas necessidades básicas diárias ver-se-ia obrigado a alocar pelo menos parte do valor da pensão à contratação da assistência requerida pela superação desta situação de dependência, com consequente e simétrica depreciação da compensação pela perda do vencimento que aquela visa representar.”1
E, como se afirma no citado Acórdão esta prestação insere-se no âmbito da proteção do art. 59.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) segundo o qual “[t]odos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito: [a] assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional.”
A declaração do Tribunal Constitucional tem o seguinte conteúdo, “[e]m face do exposto, decide-se declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 54.º, n.º 1, da Lei 98/2009, de 4 de setembro, na medida em que permite que o limite máximo da prestação suplementar para assistência de terceira pessoa seja inferior ao valor da retribuição mínima mensal garantida.”
Argumenta a recorrente que, ao determinar-se a alteração do montante da prestação suplementar para apoio de terceira pessoa, fixada na decisão recorrida por reporte ao valor da remuneração mínima mensal garantida, não se está a proceder a uma atualização do valor da prestação suplementar, mas antes a aplicar outro critério para o cálculo, o que não é admissível face ao principio da intangibilidade do caso julgado, consagrado no n.º 3 do art. 282.º da CRP (Constituição da República Portuguesa).
É certo que o n.º 3 do art. 282º do CRP estipula que: “[f]icam ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido. “
E, que, nos termos do art. 621.º do CPC, a sentença constitui caso julgado nos precisos termos e limites em que se julga, e nos termos do n.º 1 do art. 619.º do CPC, a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, sobre a relação material controvertida, fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 606º a 702º.
“O caso julgado, tornando a decisão em princípio imodificável, visa exactamente garantir (…) o mínimo de certeza do Direito ou de segurança jurídica indispensável à vida da relação.
A finalidade do processo não se esgota, com efeito, na definição concreta do direito, de acordo com os padrões substanciais definidos nas normas jurídicas. Abrange também a segurança e a paz social essenciais à vida de toda a sociedade civil.”2
“O caso julgado (…) evita que uma mesma ação seja instaurada várias vezes, obsta a que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante a resolução definitiva dos litígios que os tribunais são chamados a dirimir.
(…)
Expressão da relevância constitucional do caso julgado é o limite à retroatividade da declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade de uma norma pelo Tribunal Constitucional. “ 3
Porém, há que atentar que o art. 619 n.º 2 do CPC admite possibilidade de modificação do caso julgado com fundamento na alteração das circunstâncias estatuindo que” (…)se o réu tiver sido condenado a prestar alimentos ou a satisfazer outras prestações dependentes de circunstâncias especiais quanto à sua medida ou à sua duração, pode a sentença ser alterada desde que se modifiquem as circunstâncias que determinaram a condenação.”
O que, em nosso entender, possibilita a alteração de uma decisão, como a dos autos, em que estejam em causa prestações fixadas em atenção as circunstâncias especiais quanto à sua medida, por terem enquadramento legal no n.º 2 do art. 619.º do CPC, e são, por isso suscetíveis de alteração no seu montante.
Não se pode deixar de concordar com a recorrente quando afirma que a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral apenas abrangeu o n.º 1 do art. 54º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro e não o n.º 4 do citado artigo.
Sem prejuízo de se poder considerar os argumentos usados pela Tribunal Constitucional valem para outras normas, designadamente o n.º 4 do art. 54º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro e recusarem a sua aplicação
Assinala-se que o Tribunal Constitucional apreciou já em conjunto as duas normas – o n.º 1 e 4 do art. 54º, da Lei n.º 98/2009, designadamente nos Acórdãos n.º 793/2022 e n.º 610/2023 tendo decidido “[j]ulgar inconstitucional a norma resultante da interpretação do artigo 54.º, n.ºs 1 e 4, da Lei n.º 98/2009, na medida em que permite que a prestação suplementar para assistência a terceira pessoa tenha um limite máximo que pode ser inferior ao valor da retribuição mínima mensal garantida, e que a respetiva atualização anual seja também inferior à percentagem em que o for essa remuneração, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa.”
E, ainda que os argumentos que determinaram o juízo de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, a propósito do n.º 1 do art. 54.º da Lei 98/2009 de 4 de setembro se referem no Acórdão n.º 380/2023, não deixam de ser transponíveis para as situações de atualização da prestação a que alude o n.º 4 citado artigo.
Com efeito, se se considera que a atribuição de uma prestação suplementar ao sinistrado tem de ser fixada em valor correspondente com o valor que o sinistrado terá de dispor para contratar uma terceira pessoa - a quem terá de liquidar valor que não pode ser inferior ao rendimento mensal mínimo garantido, ou ao seu proporcional, no caso de trabalho a tempo parcial - não podendo ser esse valor deficitário ou insuficiente, sob pena de se mostrar violado princípio constitucional do direito do sinistrado à assistência e justa reparação quando vitima de acidente de trabalho, art. 59.º, n.º 1 al. f) da CRP, o mesmo sucederá quando se trata de atualizar o valor da prestação suplementar.
Mas a questão que temos de enfrentar é saber se a prestação suplementar para assistência a terceira pessoa atualizada pela recorrente - ainda que recorrendo ao critério de atualização anual do IAS – se mostra, ou não, conforme com a orientação definida pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 380/2024, como se determina na decisão recorrida.
Na decisão recorrida refere-se que “procedendo-se à actualização do valor desta prestação, deve a mesma ser feita já com respeito por esta orientação definida (com força obrigatória geral) no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 380/2024 (neste caso simplesmente em cumprimento do princípio geral consagrado no art. 282º, nº 1, da Constituição). O que este Tribunal declara e, junto da seguradora, determina.
Assim, e uma vez mais, notifique a seguradora para proceder à actualização da prestação suplementar para assistência a terceira pessoa, fixada nestes autos, já de acordo com a orientação definida no citado Acórdão do Tribunal Constitucional nº 380/2024.”
Na decisão recorrida não se refere qual o valor concreto da atualização, sabemos apenas que terá de ser efetuado em respeito “por […] orientação definida (com força obrigatória geral) no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 380/2024.”
Sabemos, no entanto, que a remuneração mínima mensal garantida para a Região Autónoma dos Açores foi fixada, para o ano de 2025, em € 913,50 (Decreto Legislativo Regional n.º 8/2002/A, de 10 de Abril, republicado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 37/2023/A, de 20 de Outubro).
E que na prestação fixada, em favor do sinistrado, foi considerado o período diário de 4 horas.
Sabemos também que o valor mensal de € 400,00, devido a partir de 31 de julho de 2017, tem vindo a ser atualizado pela seguradora, e que o montante proposto para, o ano de 2025, é de € 496,07.
Ora, o juízo de inconstitucionalidade que é efetuado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 380/2004 assenta na ideia de proibição da uma proteção deficitária ou insuficiente ao sinistrado que, vitima de acidente de trabalho “se vê simultaneamente confrontado com supressão da sua plena capacidade de ganho e a perda da autonomia funcional necessária à satisfação das necessidades básicas diárias “, por violação do direito à justa reparação imposto pela alínea f) do nº1 do artigo 59º da Constituição.
Assim, como aí se refere “a efetivação do direito à justa reparação a que alude a alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição não pode deixar de pressupor a atribuição de uma prestação suplementar da pensão em valor congruente com a necessidade de contratação da assistência de terceira pessoa. Congruência essa que obriga a que aquele limite máximo, a existir, leve em conta não menos do que o valor da retribuição mínima mensal garantida praticada no mercado de trabalho - isto é, aquele com que o sinistrado terá, ele próprio, de assegurar sempre que a situação de dependência originada pela lesão resultante de acidente de trabalho exija a assistência permanente de terceira pessoa durante oito horas diárias (artigo 203.º, n.º 1, do Código de Trabalho). É esse o referencial pressuposto pelo direito à justa reparação em caso de acidente de trabalho, conclusão especialmente evidente se não se perder de vista que o limite máximo da pensão suplementar tenderá a ser atingido apenas nos casos mais graves, graduando-se em sentido inverso o restante universo de casos.”
É certo que a proteção plenamente eficiente corresponderia à ausência de qualquer limite máximo à graduação do valor da prestação suplementar de modo a permitir o ressarcimento integral da despesa que o sinistrado suportará com a contratação de terceira pessoa.
Mas não foi esta a opção do Tribunal Constitucional. Tendo sido acolhido o entendimento segundo o qual o limite máximo seja fixado levando em conta não menos do que o valor da retribuição mínima mensal garantida praticada no mercado de trabalho, por ser esse valor aquele que o sinistrado terá de contar para assegurar a assistência de que carece e simultaneamente não tenha de alocar outros montantes para enfrentar esta despesa.4
Ora, as situações que exigem assistência constante de 3ª pessoa não são idênticas, porque cada caso é um caso – as sequelas decorrentes do acidente laboral variam de sinistrado para sinistrado, e se alguns há que necessitam de um acompanhamento constante, outras situações determinam apenas algumas horas diárias, sendo que o valor máximo deve ser atribuído apenas aos casos mais graves, ou seja, àqueles sinistrados que exijam um acompanhamento constante que ocupe todo o dia.
No caso dos autos, o sinistrado carece de ajuda de terceira pessoa em quatro horas diárias, não se estando perante uma situação que exija a assistência permanente de terceira pessoa durante oito horas diárias.
O valor de que sinistrado necessita para enfrentar a despesa com terceira pessoa- calculado com base no pressuposto de que não pode ser inferior ao valor da retribuição mínima mensal garantida para os Açores e considerando, para o efeito, o valor de € 913,50 (Decreto Legislativo Regional n.º 8/2002/A, de 10 de Abril, republicado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 37/2023/A, de 20 de Outubro) e o período de 4 horas diárias( quatro horas diárias – 50% das oito horas diárias) – será de € 456,75 ( € 913,50 x 4h /8h).
No confronto entre este valor de € 456,75, e o valor proposto pela seguradora de € 496,07, que é superior, não vemos em que medida afronta a orientação afirmada pelo Acórdão do Tribunal Constitucional e na qual se fundamenta a decisão recorrida.
E, sendo o valor proposto pela seguradora superior ao que resultaria da aplicação da orientação do Tribunal Constitucional, não se poderá manter a decisão recorrida, devendo a recorrente proceder ao pagamento da prestação suplementar para assistência a terceira pessoa, no ano de 2025, no montante mensal por si proposto.
V- Responsabilidade pelas custas.
Tendo a recorrente obtido provimento no recurso as custas seriam a cargo do recorrido, art. 527.º, n.º 2 do CPC que beneficia, no entanto, de isenção legal.

VI – Decisão
Em face do exposto acorda-se em revogar a decisão recorrida devendo a recorrente proceder ao pagamento da prestação suplementar para assistência a terceira pessoa, no ano de 2025, no montante mensal de € 496,07.
Custas a cargo do recorrido, sem prejuízo da isenção legal de que beneficia.

Lisboa, 30 de junho de 2025
Alexandra Lage
Leopoldo Soares
Paula Pott
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1. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 380/2024, de 4 de junho publicado no Diário da República n.º 107/2004, Série I.
2. Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, página 705.
3. Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o Processo Civil, 2ª edição, página 568.
4. No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 610/2023 refere-se à proteção suficientemente eficiente.