CONCORRENCIA
INFRAÇÃO
AÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
CÁLCULO
DANO
SENTENÇA DE CONDENAÇÃO GENÉRICA
LIQUIDAÇÃO ULTERIOR DOS DANOS
CONDENAÇÃO EM QUANTIA A LIQUIDAR
ÓNUS DA PROVA
LESADO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA
DIRETIVA COMUNITÁRIA
PRINCÍPIO DA INTERPRETAÇÃO CONFORME O DIREITO EUROPEU
IGUALDADE DAS PARTES
Sumário


I - A regra do n.º 2 do artigo 609.º do CPC não é incompatível com as regras da Lei n.º 23/2018 sobre a indemnização por infração ao direito da concorrência.
II – O n.º 2 do artigo 609.º do CPC é de interpretar no sentido de que a condenação genérica nele previsto é aplicável às acções de indemnização nas quais foi deduzido um pedido certo e determinado, mas em que não se provou a extensão do dano a indemnizar por falta ou insuficiência de prova.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

Eleutério – Transportes Internacionais, Limitada, sede em Rua do Brejo, n.º 4, 2615-339 Alverca do Ribatejo, propôs a presente acção declarativa com processo comum contra Iveco S.p.A., com sede na via Via Puglia 35, 10156, Turin, Italy (Itália), pedindo:

A. A condenação da ré no pagamento da quantia total de € 251.530,08 (duzentos e cinquenta e um mil quinhentos e trinta euros e oito cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos pela autora e causados pela infração praticada pela ré;

B. A condenação da ré no pagamento dos juros de mora vincendos, calculados sobre todos estes valores, à taxa comercial em vigor, desde a data da propositura da presente acção até efectivo e integral pagamento.

Para o efeito alegou, em síntese:

• Que adquiriu cinco veículos da marca IVECO e da marca MAN para o exercício da sua atividade comercial, através de contratos de locação financeira;

• Que devido a acções concertadas da ré com outros fabricantes de camiões, violadoras do artigo 101.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (UE) e do artigo 53.º do Espaço Económico Europeu (EEE), que foram sancionadas por decisão da Comissão Europeia no Processo AT.39824- Camiões, pagou pelos camiões um preço superior àquele que teria pagado caso a ré não tivesse violado o direito da União Europeia

A ré contestou. Rematou a sua defesa, pedindo:

1. Se julgasse improcedente, por não provada a acção e, em consequência, se absolvesse a mesma dos pedidos contra ela formulados.;

2. Se julgasse provada, por procedente, a excepção de prescrição do alegado direito de indemnização da autora e, em consequência, se absolvesse a mesma de todo e qualquer pedido a este propósito formulado;

3. Se julgasse provada, por procedente, a excepção de prescrição de juros e, em consequência, se absolvesse a mesma de todo e qualquer quantitativo que a este propósito a autora reclama, pelo menos desde 11 de Julho de 2014.

Na contestação requereu ainda a intervenção principal das sociedades MAN SE, MAN Truck & Bus AG, e MAN Truck & Bus Deutschland GmbH.

Por despacho proferido em 5-03-2020, o chamamento foi admitido ao abrigo do artigo 316.º, n.º 3, alínea a), e 318.º, n.º 1, alínea c), ambos do CPC.

Citadas, as chamadas contestaram.

O processo prosseguiu os seus termos e após a realização da audiência de julgamento foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a acção, decidiu:

1. Condenar a ré a pagar à autora a quantia que viesse a ser liquidada, correspondente ao custo adicional que a autora pagou pelas viaturas com as matrículas ..- ..-QN, ..-..-QN, ..-..-RA, ..-..-VX, ..-EE-.. e ..-FH-.., no máximo até vinte porcento (20%) do preço de aquisição das mesmas, indicado nas alíneas ww) e ccc) dos factos provados;

2. Condenar a ré a pagar a autora os juros de mora à taxa legal prevista para os juros civis (e as demais que venham a ser aprovadas), vencidos desde 19.01.2007, em relação ao custo adicional pago pelos veículos com as matrículas ..-..-QN, ..-..-QN e ..-..-RA; desde 28.03.2012, em relação ao custo adicional pago pelo veículo com a matrícula ..-..-VX e desde 12.07.2019, em relação aos veículos da marca MAN, e vincendos até efetivo e integral pagamento;

3. Absolver a ré de tudo o mais peticionado.

Apelação

A não se conformou com a sentença e interpôs recurso de apelação, pedindo se revogasse a decisão recorrida e se substituísse a mesma por acórdão que julgasse improcedente, por não provada, a ação e, em consequência, se absolvesse a recorrente de todos os pedidos contra ela formulados.

As chamadas MAN SE ((incorporada por fusão na TRATON SE, com efeitos a partir de 31-08-2021), MAN TRUCK & BUS SE e MAN TRUCKS BUS DEUTSCHLAND GMBH também não se conformaram com a sentença e interpuseram recurso de apelação, pedindo:

a. Se julgasse procedente o recurso e se revogasse a decisão recorrida, substituindo-a por acórdão que julgasse a acção totalmente improcedente;

b. Subsidiariamente, caso o Tribunal ad quem mantivesse o sentido da decisão recorrida quanto à verificação dos invocados prejuízos, se revogasse a decisão recorrida e se julgasse a ação totalmente improcedente, pelo facto de a recorrida não ter feito prova da quantificação dos prejuízos reclamados, não sendo possível, neste caso, recorrer ao disposto no artigo 609.º, n.º 2, 1.ª parte do CPC;

c. Subsidiariamente, caso o Tribunal ad quem mantivesse o sentido da decisão recorrida, na parte em que condenou a ré Iveco, se revogasse esta, na parte em que considera que a MAN SE é solidariamente responsável com a Ré IVECO pelos danos alegados pela recorrida e se substituísse a mesma por acórdão que declarasse que o ilícito em causa não era imputável à recorrente MAN SE, razão pela qual esta não era solidariamente responsável com a Ré IVECO pela obrigação de indemnizar que seja assacada a esta última;

d. Subsidiariamente, pediu se reduzisse qualquer hipotético sobrecusto, por via da repercussão total ou parcial do sobrecusto por parte da recorrida no valor cobrado pelos serviços prestados com recurso às viaturas da marca MAN em causa nos presentes autos;

e. Subsidiariamente, pediu a revogação da decisão recorrida na parte em que condenou a ré IVECO a pagar juros de mora a partir das datas da verificação dos danos e substituída por outra que determinasse que, a serem devidos juros de mora, os mesmos só são devidos desde a data citação da ré IVECO.

O Tribunal da Relação de Lisboa – Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão - por acórdão proferido em 13-11-2024, julgou improcedentes os recursos, confirmando a sentença recorrida.

Revista

As chamadas MAN SE (incorporada por fusão na TRATON SE, com efeitos a partir de 31-08-2021), MAN TRUCK & BUS SE e MAN TRUCKS BUS DEUTSCHLAND GMBH não se conformaram com o acórdão e interpuseram revista excepcional, pedindo se revogasse o acórdão recorrido e se substituísse o mesmo por decisão que julgasse a acção totalmente improcedente e absolvesse a ré de todos os pedidos.

A revista excepcional foi admitida por acórdão da formação.

Os fundamentos da revista expostos nas conclusões foram os seguintes:

1. Através da consagração, na LPE, de diversos meios ao dispor do lesado para que este esteja apto a fazer prova da existência e, no que releva para o presente caso, da extensão do seu dano, o legislador europeu procurou ativa e propositadamente alcançar um equilíbrio na repartição do ónus da prova entre lesado e infrator.

2. Esse desiderato encontra-se vertido nos considerandos 14) a 18), 46) e 47) da Diretiva e foi materializado, essencialmente nos artigos 5.º, 6.º, 7.º e 17.º, n.º 1 da Diretiva, a que correspondem os artigos 12.º, 13.º e 14.º e 9.º, n.º 2, da LPE.

3. Ao abrigo das referidas disposições legais, o putativo lesado pode, mediante requerimento fundamentado, requerer ao tribunal que ordene à outra parte ou a um terceiro “(…) a apresentação de meios de prova que se encontrem em seu poder (…)” (cf. artigo 12.º, n.º 1 da LPE), encontrando-se previstas medidas específicas para promover a divulgação desses elementos quando os mesmos contenham informações confidenciais (cf. artigo 12.º, n.º 7, da LPE).

4. Ao abrigo do artigo 13.º da LPE, é possível, antes de iniciada uma ação de indemnização, pedir o acesso a informação ou a determinados meios de prova, sendo inclusivamente possível pedir que o possuidor de documentos que se recuse a facultá-los seja citado para os apresentar em dia e hora a designar pelo Tribunal.

5. O artigo 14.º da LPE, por seu turno, regula as condições mediante as quais uma parte pode aceder a meios de prova que constem de um processo da autoridade da concorrência.

6. Todos os meios de acesso à prova previstos pelo legislador europeu e consagrados pelo legislador nacional na LPE têm o objetivo de reequilibrar eventuais desequilíbrios na relação de forças entre lesado e infrator e corrigir potenciais assimetrias de informação que possam existir entre as partes neste tipo de litígio.

7. O Acórdão do TJUE de 16.02.2023, proferido no âmbito do processo C-312/21 (Tráficos Manuel Ferrer vs. Daimler AG) salienta, com relevância para a questão em apreço, que “(…) a Diretiva 2014/104 visa ações que põem em causa a responsabilidade extracontratual de uma empresa e que apresentam uma relação de forças entre as partes no litígio que, em resultado da intervenção das medidas nacionais de transposição de todas as disposições dessa diretiva enumeradas no n.o 44 do presente acórdão pode, consoante a utilização dos instrumentos assim colocados à disposição, em especial do demandante, ser reequilibrada”.

8. Neste contexto, é também relevante o artigo 9.º, n.º 2 da LPE, que corresponde ao artigo 17.º, n.º 1 da Diretiva, e que prevê a possibilidade de o dano ser calculado pelo tribunal com recurso a uma estimativa se e na medida em que “for praticamente impossível ou excessivamente difícil calcular com exatidão os danos totais sofridos pelo lesado”.

9. O recurso à estimativa judicial surge em resposta à preocupação do legislador europeu de que “nem o ónus da prova nem o grau de convicção do julgador exigidos para a quantificação dos danos tornem o exercício do direito à indemnização praticamente impossível ou excessivamente difícil” (cf. primeira parte do artigo 17.º, n.º 1 da Diretiva).

10. Este mecanismo está, porém, subordinado a determinadas condições que visam contrabalançar a abrangência e disponibilidade dos meios de prova à disposição do lesado, de que este pode (e deve) lançar mão.

11. Ora, o juízo sobre a verificação dessas condições, que são a “impossibilidade” ou “excessiva dificuldade” de apurar o valor dos danos, só pode ter lugar se tiver havido um mínimo esforço probatório do lesado.

12. E esta exigência e a consequência que dela resulta – i.e. a impossibilidade de recurso à estimativa judicial – é aceite quer pelo Tribunal da primeira instância, quer para pelo Tribunal a quo.

13. Ora, a razão que leva à não aplicação da estimativa judicial num caso de inércia probatória do lesado é a mesma que dita que o desfecho da ação tenha de ser a sua improcedência e não a sua procedência sob a forma de uma condenação genérica, como erradamente se entendeu no Acórdão Recorrido.

14. Dito de outro modo, é justamente o equilíbrio de forças que foi acautelado através da “intervenção do legislador da União” que exige que o lesado, no mínimo, tente, pelo menos, produzir prova relativa à quantificação do dano, não sendo essa exigência compatível com uma decisão de condenação genérica.

15. Ao confirmar uma decisão de condenação em montante que se vier a liquidar, o Tribunal a quo está materialmente a colmatar uma (inequívoca) falha processual da Autora, ora Recorrido, que é injustificada e não deve poder ser sanada, tal como de resto entendeu o TJUE no Acórdão Tráficos Manuel Ferrer vs. Daimler AG: “(…) na hipótese de a impossibilidade prática de avaliar o dano resultar da inação do demandante, não compete ao juiz nacional substituir-se a este último nem colmatar as suas falhas” (cf. ponto 57 do Acórdão do TJUE proferido no processo Manuel Ferrer).

16. Conceder à Recorrida, por via do incidente de liquidação, uma segunda oportunidade para esta produzir ex-novo prova que não produziu (nem tentou sequer produzir) em sede e momento próprios (i.e. com os articulados e na fase de julgamento), corresponde ao colmatar de uma indiscutível falha da ora recorrida ao arrepio do entendimento do TJUE vertido no citado acórdão.

17. A condenação genérica, prevista no artigo 609.º, n.º 2, do CPC, e o que ela implica – conceder uma segunda oportunidade para o lesado produzir ex novo prova que anteriormente não produziu – não é compatível com o ónus e esforço probatório que são exigidos pelo Direito da União ao lesado no contexto das ações de indemnização por violação de normas de direito da concorrência.

18. Ademais, a solução adotada no Acórdão Recorrido é também ela incompatível com o facto de o incidente de liquidação não poder ser julgado improcedente por falta de prova, sob pena de inviabilização, senão mesmo contradição, com a decisão de condenação proferida em primeira instância.

19. Veja-se que se a Recorrida iniciasse incidente de liquidação e mantivesse a sua inércia probatória ou não fizesse um esforço probatório suficiente, o tribunal não poderia (reconhecidamente) recorrer à estimativa judicial prevista no artigo 9.º, n.º 2 da LPE para fixar o valor do dano, pois isso seria contrário à ratio dessa norma e contrário ao entendimento do TJUE vertido Acórdão Tráficos Manuel Ferrer vs. Daimler AG.

20. Nesta situação, restaria ao tribunal julgar improcedente o incidente de liquidação ou, pelo menos, abster-se de fixar um valor de indemnização, sendo que o recurso à equidade não se afiguraria possível pelo facto de o artigo 9.º, n.º 2 da LPE ser uma norma especial face à norma contida no artigo 566.º, n.º 3, do CC.

21. Também o facto de um dos possíveis desfechos do incidente de liquidação ser a improcedência do incidente ou, pelo menos, a não fixação de um quantum indemnizatório - por força dos limites da aplicação do artigo 9.º, n.º2 da LPE - ilustra a incompatibilidade da solução adotada pelo Tribunal a quo e o regime da LPE.

22. O Acórdão Recorrido advoga que a condenação genérica deve ter lugar em casos em que a prova da quantificação dos danos seja provável. Porém, os elementos do processo apontam no sentido da improbabilidade do sucesso da prova, considerando que todos os factos respeitantes à condenação do dano foram considerados não provados.

23. Neste encadeamento, o desfecho da ação deveria ter sido o da sua improcedência porque o recurso à equidade está vedado por força do artigo 9.º, n.º 2 da LPE, que consiste numa solução de lei especial aplicável às ações que, como esta, se regem pela LPE, e, como já vimos, e como reconheceu o Tribunal da primeira instância e o Tribunal a quo, este preceito não pode ser aplicado no presente caso devido à inércia probatória do lesado.

24. Ademais, outras razões militam no sentido da incompatibilidade do artigo 609.º, n.º 2, do CPC com a LPE, tais como: a solução de condenar genericamente numa situação de ausência total de prova conduz a desigualdades entre os lesados, pois aquele que se esforçou para quantificar o seu dano pode ver o dano estimado se o tribunal entender que estão reunidas as condições para aplicação de uma estimativa judicial, e, aquele que nada fez, tem uma segunda oportunidade para produzir a prova que não produziu no momento próprio.

25. Esta solução gera também desigualdades entre lesado e infrator, na medida em que este último, para contraprova do dano alegado, produz a prova que entende necessária para afastar a existência e quantificação da dano alegada pelo lesado, prova essa que o lesado já conhece quando inicia o incidente de liquidação.

26. Face ao exposto, a solução preconizada pelo Tribunal a quo é juridicamente infundada, viola o princípio da auto-responsabilidade das partes e ainda o princípio da igualdade de armas.

27. Existe jurisprudência nacional e internacional que segue o entendimento preconizado pelas Recorrentes de que, na ausência de qualquer esforço probatório por parte do lesado a respeito da quantificação do dano, a ação tem de ser julgada improcedente.

28. É o caso da decisão proferida pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão que, numa situação em tudo idêntica à que está em causa nos presentes autos, absolveu o réu do pedido com fundamento na inércia probatória do autor (“Não é, pois, possível pedir uma indemnização, como a Autora fez, sem recorrer a um relatório técnico que, para além de ter essa denominação, cumpra os requisitos mínimos, propondo uma hipótese razoável, tecnicamente fundamentada em dados verificáveis, servindo-se de métodos aceites pela teoria económica. Razão pela qual, falece aqui a pretensão da Autora”; cf. decisão de 14.02.2023, proferida no âmbito do processo n.º 64/19.3YQSTR junta como Doc. n.º 1 do recurso de apelação).

29. E é também o caso das decisões proferidas por vários tribunais provinciais espanhóis, tal como resulta dos excertos das respetivas decisões constantes dos §§ 112 a 115 do presente recurso. Em todas as decisões citadas, os tribunais julgaram a ação improcedente, dado que, por inércia do lesado, não existia qualquer prova dirigida à quantificação dos danos.

30. Sem prescindir: o Tribunal Recorrido (e o Tribunal da primeira instância) fez uma errada aplicação do artigo 609.º, n.º 2, do CPC.

31. Mesmo admitindo, por hipótese de raciocínio, que não existe nenhuma incompatibilidade entre a legislação que consagra o regime aplicável às ações de indemnização por infrações às normas do direito da concorrência em casos em que há total inércia probatória por parte do lesado, no que não se concede pelas razões adiantadas capítulo precedente, a verdade é que tal interpretação do artigo 609.º, n.º 2, do CPC é errada e incompatível com o espírito e a unidade intrínseca do sistema jurídico, pelo que o Tribunal a quo interpretou erradamente o referido preceito legal.

32. O erro incorrido no Acórdão Recorrido prende-se essencialmente com a interpretação e sentido dado à expressão “se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade” constante da previsão do artigo 609.º, n.º 2, do CPC e com o facto de o Tribunal Recorrido tratar de modo igual a “iliquidez que provém da objetiva ausência de elementos” e a “iliquidez que provém da total ausência de prova carreada para os autos por quem tinha esse ónus e estava em condições de cumpri-lo”, que são duas situações distintas que merecem e impõem tratamento diferenciado.

33. A expressão “se não houver elementos” contida no artigo 609.º, n.º 2 do CPC tem dado azo a divergências jurisprudenciais, existindo uma corrente dita mais ampla que defende que, quando não existem “elementos” para quantificar o dano em virtude da insuficiência ou ausência da prova produzida na ação declarativa é, ainda assim, possível proferir uma decisão de condenação genérica, e uma corrente dita mais restritiva, que defende que a ausência de elementos para fixar o quantum do dano relevante para efeitos de condenação genérica é apenas aquela que decorre do facto de os danos ainda não se terem verificado completamente ou estarem em evolução e não da inércia probatória da parte que tem o ónus de provar e quantificar o dano.

34. A interpretação do artigo 609.º, n.º 2 do CPC deve ser feita à luz, designadamente, do elemento sistemático e, em particular, das regras relativas ao ónus da prova e relativas aos momentos de produção de prova.

35. Neste enquadramento, o artigo 342.º do CC impõe o dever de o lesado fazer prova dos factos constitutivos do seu direito, o que compreende naturalmente a prova da extensão do dano reclamado, estabelecendo, por seu turno, o artigo 414.º do CPC que, em caso de dúvida sobre a realidade de um facto, essa dúvida resolve-se contra a parte onerada com a prova do mesmo.

36. Por outro lado, o momento último para produção da prova é a audiência final, como decorre do artigo 607.º, n.º 1, do CPC.

37. Só assim não será quando os factos relativos ao quantum do valor do dano não estiverem todos verificados ou estejam em evolução e foi justamente para estes casos e apenas para estes casos que o legislador previu a hipótese de condenação genérica, em nome do princípio constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva e numa solução de compromisso com a celeridade e economia processuais.

38. A condenação genérica prevista no artigo 609.º, n.º 2, do CPC não visa evidentemente suprir a negligência ou inércia probatória daquele que tem o ónus da prova e que pode produzi-la no momento processual adequado, e muito menos visa conceder-lhe uma segunda oportunidade para produzir prova que já deveria ter produzido.

39. Assim, perante um caso de inércia probatória do lesado, como é o caso que nos ocupa, aplicam-se as regras de julgamento da causa previstas no artigo 342.º do CC e no artigo 414.º do CPC, segundo as quais o risco da inobservância do ónus probatório que sobre si impende reverte contra aquele, impondo-se que a ação seja julgada improcedente por não provada (neste caso, na parte relativa ao quantum do dano reclamado).

40. A ratio do artigo 609.º, n.º 2, do CPC não é (nem pode ser) a de permitir que o lesado produza prova de factos já conhecidos ou passíveis de serem conhecidos numa fase ulterior àquela em que o deveria ter feito de acordo com os momentos processuais previstos para produção de prova, passando, assim, por cima do efeito cominatório decorrente do incumprimento do ónus de prova que sobre ele impende (cf. artigo 342.º, n.º 1, do CC).

41. E este entendimento não sucumbe perante a possibilidade de serem deduzidos pedidos genéricos ao abrigo do disposto no artigo 566.º, n.º 1, alínea b) do CPC e do artigo 569.º do CC porque aquele que formula um pedido genérico tem o ónus de carrear elementos para os autos de forma a torná-lo líquido.

42. A possibilidade de deduzir pedidos genéricos não visa certamente promover a inércia probatória do lesado nem permitir-lhe adiar a prova que já está em condições de apresentar para a fase de liquidação.

43. Ante o exposto, conclui-se que a interpretação mais ampla que tem vindo a ser defendida por parte da jurisprudência viola o princípio da igualdade, consagrado constitucionalmente no artigo 13.º da CRP, na medida em que confere um tratamento igual a situações diferentes, conduzindo a uma diferenciação de tratamento desrazoável e inadmissível, sem qualquer apoio material e constitucional objetivo, inconstitucionalidade que se deixa, desde já, arguida.

44. Os Acórdãos do STJ de 17.01.1995 (processo n.º 085801), de 28.04.2009 (processo n.º 08B0782), de 15.03.2012 (processo n.º 925/08.5TBSJM.P1.S1), do TRL de 20.04.2005 (processo n.º 1814/2005-4), do TRP de 23.05.2024 (processo n.º 43708/22.4YIPRT.P1), entre outros, perfilham entendimento idêntico ao preconizado pelas Recorrentes.

45. A título de exemplo, pode ler-se no Acórdão do STJ de 15.03.2012, o seguinte: “A possibilidade de condenação “no que vier a ser liquidado”, prevista no nº 2 do artigo 661º do Código de Processo Civil [atual artigo 609.º n.º 2 do CPC], não tem cabimento quando não foram oportunamente alegados factos que sustentem a condenação, ou quando se não conseguiu fazer prova de tais factos. Destina-se a permitir a quantificação de danos que não seja viável no momento da sentença, seja por estar dependente de cálculos a efectuar, seja por não terem ainda cessado os danos a ressarcir”.

46. O TRP também recentemente fez notar que “Apesar de o art. 609.º, nº 2 do CPC, dispor quanto aos limites da condenação, que “Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, (…)”, a falta de elementos a que alude tal preceito, não deve resultar do fracasso da prova, que é o que acontece no caso dos autos” (cf. Acórdão do TRP de 23.05.2024, processo n.º 43708/22.4YIPRT.P1).

47. No presente caso, é manifesto que não se está perante uma situação em que os factos necessários à concretização dos alegados danos sofridos pela Recorrida “não se tenham ainda verificado” ou “estejam ainda em evolução”, porquanto o dano alegadamente decorrente da conduta sancionada, a ter-se verificado, ocorreu no momento da aquisição dos veículos em causa na presente ação, ou seja, quando a Recorrida pagou o respetivo preço.

48. A Recorrida também não alegou o contrário ou sequer procurou justificar a ausência de qualquer prova respeitante à quantificação do dano.

49. Estamos, pois, perante uma indiscutível falha ou fracasso da prova (que nem sequer foi produzida), o que, não só é impeditivo do recurso ao artigo 609.º, n.º 2, do CPC, como determina a improcedência da ação.

50. Como tal, não tendo ficado provados todos os elementos da factie species do artigo 483.º do CC, mais concretamente a extensão e o valor do dano, por absoluta inércia probatória da Autora, o Tribunal Recorrido e o Tribunal de primeira instância, à luz do disposto no artigo 342.º do CC, não podiam aplicar o artigo 483.º do CC e condenar a Ré a pagar uma indemnização à Autora em montante que se venha a apurar, antes devendo julgar a ação improcedente.

A ré Iveco S.p.A aderiu ao recurso ao abrigo do disposto nos n.ºs 2, alínea a), e 3 do artigo 634.º do CPC.

Não houve resposta ao recurso.


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Síntese das questões suscitadas pelo recurso:

• Saber se, não tendo a parte alegadamente lesada desenvolvido todo o esforço probatório que estava ao seu alcance para demonstrar a extensão dos danos, não fazendo uso designadamente da faculdade prevista no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 23/2018 de pedir ao tribunal que ordenasse à ré ou a um terceiro, incluindo as entidades públicas, a apresentação de meios de prova destinados à prova dos factos relativos à quantificação/extensão dos danos, estava vedado ao tribunal recorrido, por ser incompatível com a LPE, a condenação do que se viesse a liquidar por aplicação do n.º 2 do artigo 609.º do CPC.

• Saber se, não tendo a parte alegadamente lesada desenvolvido todo o esforço probatório que estava ao seu alcance para demonstrar a extensão dos danos, não fazendo uso designadamente da faculdade prevista no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 23/2018 de pedir ao tribunal que ordenasse à ré ou a um terceiro, incluindo as entidades públicas, a apresentação de meios de prova destinados à prova dos factos relativos à quantificação/extensão dos danos, pode o tribunal proferir uma condenação genérica quando o dano já está plenamente verificado no momento em que é proposta a acção.



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Factos considerados provados e não provados:

Relativos à Decisão da Comissão

a. Em 20.11.2014, a Comissão Europeia deu início a um processo - Processo AT.39824 - ao abrigo do artigo 11.º, n.º 6, do Regulamento 1/2003 e transmitiu às Chamadas e a outros fabricantes de camiões uma comunicação de objeções.

b. A pedido das empresas visadas, com exceção das empresas do Grupo Scania, a Comissão Europeia prosseguiu subsequentemente o processo com base no Regulamento (CE n.º 773/2004 da Comissão, de 07.04.2004, relativo à instrução de processos pela Comissão para efeitos dos artigos 81.º e 82.º do Tratado (“Reg. 773/2004”), ao abrigo do procedimento de transação.

c. Essas empresas visadas, incluindo as Chamadas, apresentaram propostas de transação nos termos do artigo 10.º-A, n.º 2, do Reg. 773/2004.

d. A Comissão Europeia adotou a sua decisão de 19.07.2016 nesse contexto por infração ao artigo 101.º do TFUE e do artigo 53.º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, publicada no mesmo dia, com o conteúdo constante do documento n.º 11-A junto com a petição inicial originária que aqui se considera integralmente reproduzido, na qual consta o seguinte (resposta aos artigos 28.º a 32.º, 34.º a 37.º e 40.º da PIA):

Factos relativos à actividade da autora:

e. A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de transportes de mercadorias nacionais e internacionais.

Factos relativos à actividade da ré:

f. A R. Iveco é a fabricante de camiões da marca IVECO e tem sede em Itália.

g. A R. não é, nem alguma vez foi, pelo menos, desde 1997 um fabricante, importador ou representante de veículos da marca MAN, nem nunca teve qualquer intervenção na venda e/ou aquisição de tais veículos.

h. A IVECO Portugal – Comércio de Veículos Industriais, S.A. (“Iveco Portugal”) é uma empresa do grupo IVECO.

i. Os camiões de marca IVECO são comercializados em Portugal pela IVECO Portugal.

Factos relativos às viaturas:

j. A Autora celebrou diversos Contratos de Locação Financeira Mobiliária, para aquisição de viaturas pesadas.

k. Todas as viaturas objeto de tais contratos previam a opção de compra mediante o pagamento de um valor residual no final, tendo a Autora optado pela aquisição no final do contrato das viaturas da marca IVECO com as matrículas ..-..-QN, ..-..-QN, ..-..-RA e ..-..-VX e das viaturas da marca MAN com as matrículas ..-EE-.. e ..-FH-...

l. Todas as viaturas objeto dos referidos contratos eram novas e tinham, no que respeita às viaturas da marca IVECO, 40 toneladas e, no que respeita às viaturas da marca MAN, pelo menos, 19 toneladas.

m. Tais contratos previam que as Instituições de Crédito cedessem à ora Autora, o gozo temporário das ditas viaturas, as quais foram adquiridas pelas mencionadas Instituições por indicação e interesse da Autora, mediante uma retribuição mensal a cargo desta, fixadas entre as partes.

n. Mais estabeleciam os contratos em causa que, decorrido o período acordado nos mesmos, a Locatária, ora Autora, poderia comprar as viaturas, pelo preço também aí determinado, o que veio a ocorrer nos contratos das viaturas da marca IVECO com as matrículas ..-..-QN, ..-..-QN, ..-..-RA e ..-..-VX e das viaturas da marca MAN com as matrículas ..-EE-.. e ..-FH-...

Viatura com a matrícula ..-..-QN

o. Uma dessas viaturas foi a viatura da marca Iveco com a matrícula ......QN.

p. O veículo em questão, da marca Iveco, foi vendido pela IVECO Portugal através da Fiat Distribuidora Portugal, S.A., (“Fiat Distribuidora”), empresa então pertencente ao grupo da R., ao concessionário A........

q. O referido veículo foi inicialmente faturado à Fiat Distribuidora Portugal, S.A., (“Fiat Distribuidora”), para efeitos da sua venda à A........

r. A fatura da IVECO Portugal à Fiat Distribuidora, cujos valores foram depois por esta passados, sem qualquer variação, à Autoeste, foi emitida em 27 de outubro de 2000 e por um preço bruto, incluindo os elementos opcionais, de 20.540.000$00, correspondente a 102.453,09 euros.

s. Foi aplicado um desconto total de 5.135.000$00, correspondente a 25.613,27 euros, pelo que o veículo foi adquirido pela A....... pelo preço total, líquido de IVA, de 15.405.000$00, correspondente a 76.839,82 euros.

t. A A....... vendeu o veículo à BCP Leasing, S.A. pelo preço de 15.500.000$00, correspondente a 77.313,67 euros, acrescido de IVA, a qual, por sua vez, celebrou, em 7 de novembro de 2000, um contrato de locação financeira com a A., com o n.º .......06, pelo prazo de 36 meses, nas seguintes condições:

• Valor de aquisição: 15.500.000,00 Escudos, ou seja, 77.313,72€, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (17%);

• Entrada inicial de 2.325.000 Escudos, ou seja 11.597,05€, acrescido de IVA à taxa em vigor (17%);

• 35 rendas no valor de 367.571 Escudos/cada, ou seja 1.833,44€/cada, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (17%);

• Valor residual de 310.000 Escudos, ou seja 1.546,27€, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (17%) (artigos 8.º e 9.º da PIA e artigo 94.º da contestação da R.).

u. O veículo foi revendido a um terceiro, a empresa R..., Lda, em 19 de Janeiro de 2007, por um preço não indicado no título de venda, e a R..., Lda revendeu o mesmo à empresa F..., Lda em 16 de abril de 2007.

v. O registo e a matrícula do veículo foram cancelados em 2 de Fevereiro de 2017, por motivos não indicados.

Viatura com a matrícula ..-..-QN

w. Outras das viaturas supramencionadas foi a viatura da marca Iveco com a matrícula ..- ..-QN.

x. O veículo em questão foi vendido pela IVECO Portugal, através da Fiat Distribuidora ao concessionário A........

y. O veículo foi inicialmente faturado à Fiat Distribuidora para efeitos da sua venda à A........

z. A fatura da IVECO Portugal à Fiat Distribuidora, cujos valores foram depois por esta passados, sem qualquer variação, à Autoeste, foi emitida em 27 de outubro de 2000 e por um preço bruto, incluindo os elementos opcionais, de 20.540.000$00, correspondente a 102.453,09 euros.

aa. Foi aplicado um desconto total de 5.135.000$00, correspondente a 25.613,27 euros, pelo que o veículo foi adquirido pela A....... pelo preço total, líquido de IVA, de 15.405.000$00, correspondente a 76.839,82 euros.

bb. A A....... vendeu o veículo à BCP Leasing, S.A. pelo preço de 15.500.000$00, correspondente a 77.313,67 euros, acrescido de IVA, a qual, por sua vez, celebrou, em 7 de novembro de 2000, um contrato de locação financeira com a A., com o n.º .......83, pelo prazo de 36 meses, nas seguintes condições:

• Valor de aquisição: 15.500.000,00 Escudos, ou seja, 77.313,72€, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (17%);

• Entrada inicial de 2.325.000 Escudos, ou seja 11.597,05€, acrescido de IVA à taxa em vigor (17%);

• 35 rendas no valor de 367.571 Escudos/cada, ou seja 1.833,44€/cada, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (17%);

• Valor residual de 310.000 Escudos, ou seja 1.546,27€, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (17%); (artigos 10.º e 11.º da PIA e artigo 102.º da contestação da R.).

cc. O veículo foi revendido a um terceiro, a empresa R..., Lda, em 19 de Janeiro de 2007, por um preço não indicado no título de venda, e a R..., Lda revendeu o mesmo à empresa T..., Lda, em 27 de Abril de 2007, que o vendeu posteriormente à A..., Lda, em 10 de Dezembro de 2010.

Viatura com a matrícula ..-..-RA

dd. Outras das viaturas supramencionadas foi a viatura da marca Iveco com a matrícula ..- ..-RA.

ee. O veículo ora em apreço foi vendido pela IVECO Portugal, através da Fiat Distribuidora, empresa então pertencente ao grupo da R., ao concessionário Autoeste.

ff. O veículo foi inicialmente faturado à Fiat Distribuidora para efeitos da sua venda à Autoeste.

gg. A fatura da IVECO Portugal à Fiat Distribuidora, cujos valores foram depois por esta passados, sem qualquer variação, à Autoeste, foi emitida em 29 de dezembro de 2000 e por um preço bruto, incluindo os elementos opcionais, de 20.540.000$00, correspondente a 102.453,09 euros.

hh. Foi aplicado um desconto total de 7.394.400$00, correspondente a 36.883,11 euros, pelo que o veículo foi adquirido pela Autoeste pelo preço total, líquido de IVA, de 13.145.600$00, correspondente a 65.569,98 euros.

ii. A Autoeste vendeu o veículo à BCP Leasing, S.A. pelo preço de 15.500.000$00, correspondente a 77.313,67 euros, acrescido de IVA, a qual, por sua vez, celebrou, em 7 de Janeiro de 2001, um contrato de locação financeira com a A. 1 n.º .......77, pelo prazo de 36 meses, nas seguintes condições:

• Valor de aquisição: 15.500.000,00 Escudos, ou seja, 77.313,72€, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (17%);

• Entrada inicial de 2.325.000 Escudos, ou seja 11.597,05€, acrescido de IVA à taxa em vigor (17%);

• 35 rendas no valor de 367.571 Escudos/cada, ou seja 1.833,44€/cada, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (17%);

• Valor residual de 310.000 Escudos, ou seja 1.546,27€, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (17%).

jj. O veículo foi revendido a um terceiro, a empresa R..., Lda, em 19 de Janeiro de 2007, por um preço não indicado no título, e a R..., Lda revendeu o mesmo ao Banif Leasing S.A., em 15 de Maio de 2007, que o deu em regime de locação financeira à empresa T..., Lda, em 25 de maio de 2007.

kk. O registo e a matrícula do veículo foram cancelados em 22 de Dezembro de 2014, por motivos não indicados.

Viatura com a matrícula ..-..-VX:

ll. Outra das viaturas supramencionadas foi a viatura da marca Iveco com a matrícula ..- ..-VX.

mm. O veículo em questão foi vendido pela IVECO Portugal à BPN Crédito - Instituição Financeira de Crédito, S.A.

nn. A fatura da IVECO Portugal à BPN Crédito - Instituição Financeira de Crédito, S.A., foi emitida em 30 de Dezembro de 2003 pelo preço bruto de 87.010,26 euros (86.960,00 euros + 50,26 euros), incluindo os elementos opcionais, tendo sido aplicado um desconto total de 17.010,26 euros (16.960,00 euros + 50,26 euros), pelo que o veículo foi adquirido pela BPN Crédito - Instituição Financeira de Crédito, S.A. pelo preço líquido de 70.000,00 euros, acrescido de IVA.

oo. A BPN Crédito - Instituição Financeira de Crédito, S.A. celebrou um contrato de locação financeira com a A. em 6 de Janeiro de 2004, com o n.º ......60, pelo prazo de 48 meses, nas seguintes condições:

• Valor de aquisição: 70.000,00 €, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (19%);

• Entrada inicial de 7.000,00 €, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (19%);

• 47 rendas no valor de 1.454,73 €/cada, acrescida de IVA à taxa legal em vigor (19%);

• Valor residual de 1.400,00 €, acrescida de IVA à taxa legal em vigor (19%).

pp. O registo e a matrícula do veículo foram cancelados em 28 de março de 2012, por motivos não indicados.

Viatura com a matrícula ..-..-VT:

qq. Outra das viaturas supramencionadas foi a viatura da marca Iveco com a matrícula ..- ..-VX.

rr. O veículo em questão foi vendido pela IVECO Portugal à Caixa Central-Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo CRL pelo preço bruto de 87.010,26 euros (86.960,00 euros + 50,26 euros), incluindo os elementos opcionais, tendo sido aplicado um desconto total de 17.010,26 euros (16.960,00 euros + 50,26 euros), pelo que o veículo foi adquirido pela Caixa Central-Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo CRL pelo preço líquido de 70.000,00 euros.

ss. Em Dezembro de 2003, a Autora celebrou um Contrato de Locação Financeira Mobiliária n.º ..45, com a Caixa Central – Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, CRL relativo à viatura da marca IVECO, com a matrícula ..-..-VT, pelo prazo de 48 meses, nas seguintes condições:

• Valor de aquisição: 70.000,00 €, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (19%);

• Entrada inicial de 6.974,79 €, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (19%);

• 47 rendas no valor de 1.459,69 €/cada, acrescida de IVA à taxa legal em vigor (19%);

• Valor residual de 1.400,00 €, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (19%) (resposta aos artigos 16.º e 17.º da PIA).

tt. O registo e a matrícula do veículo foram cancelados, por motivos não indicados, em 31 de Dezembro de 2018, um dia após a apresentação, na Conservatória do Registo Automóvel, do pedido de registo da aquisição do veículo.

uu. Todas as viaturas da marca IVECO foram utilizadas pela Autora para afetação à sua atividade comercial.

vv. E foram fabricadas pela R.

ww. A Autora com a aquisição das referidas viaturas despendeu o montante total de, pelo menos, € 308.915,80, acrescido de IVA, correspondente a:

Viatura Montante (sem IV)

..-..-QN € 77.313,72

..-..-QN € 77.313,72

..-..-RA € 77.313,72

..-..-VX € 70.000

..-..-VT € 6.974,7

Viaturas da marca MAN

Viatura com a matrícula ..-EE-..

xx) Em 01.09.2007, a Autora celebrou um Contrato de Locação Financeira Mobiliário n.º .......34, com o Banco Comercial Português, S.A. – Sociedade Aberta, relativo à viatura da marca MAN, com a matrícula ..-EE-.., pelo prazo de 60 meses, nas seguintes condições:

• Valor de aquisição: 82.500,00 €, acrescido de IVA à taxa legal em vigor;

• Entrada inicial de 1.541,46 €, acrescido de IVA à taxa legal em vigor;

• 59 rendas de 1.541,46 €/cada, acrescidas de IVA à taxa legal em vigor;

• Valor residual de 1.650,00 €, acrescido de IVA à taxa legal em vigor.

Viatura com a matrícula ..-FH-..

yy. Em 10.03.2008, a Autora celebrou um Contrato de Locação Financeira n.º 80802, que celebrou com o BANIF GO, Instituição Financeira de Crédito, S.A., relativo à viatura da marca MAN, com a matrícula ..-FH-.., pelo prazo de 60 meses, nas seguintes condições:

• Valor de aquisição: 87.500,00 €, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (21%);

• Entrada inicial de 1.644,37 €, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (21%);

• 59 rendas de 1.644,37 €/cada, acrescidas de IVA à taxa legal em vigor (21%);

• Valor residual de 1.750,00 €, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (21%).

zz. Estas viaturas foram também elas utilizadas pela Autora na prossecução da sua atividade comercial de transportes rodoviários.

aaa. E foram fabricadas pelo grupo MAN.

bbb. As referidas viaturas foram vendidas pelo concessionário AC Manutenção SA às referidas instituições de crédito, que por sua vez as tinha adquirido à empresa portuguesa MAN Portugal, Unipessoal Lda, responsável pela importação e distribuição das viaturas pelos vários concessionários da marca em Portugal.

ccc. Com a aquisição das referidas viaturas a Autora despendeu o montante total de € 170.000,00 (cento e setenta mil euros), acrescido de IVA (artigo 26.º da PI), correspondente a € 87 500,00 (sem IVA) com a viatura ..-FH-.. e € 82 500,00 (sem IVA) com a viatura ..-EE-...

Factos relativos aos prejuízos

ddd. A prática descrita pela Comissão na Decisão supra transcrita, na parte relativa às práticas de colusão relativamente aos preços e aos aumentos do preço bruto no EEE dos camiões de média tonelagem e pesados conduziu a que os preços das referidas viaturas pagos pelos importadores Iveco Portugal, no caso das viaturas da marca IVECO, e MAN Portugal, Unipessoal, Lda, no caso das viaturas da marca MAN, e pelos concessionários A......., no caso das viaturas da marca IVECO com as matrículas ..-..-QN, ..-..-QN e ..-..-RA, e A..., S.A., no caso das viaturas da marca MAN, fossem superiores àqueles que teriam sido praticados caso não tivesse ocorrido a mesma.

eee. Tal aumento foi refletido pela IVECO Portugal, no caso da viatura com a matrícula ..- ..-VX, e pelos concessionários, em relação às viaturas com as matrículas ..-..-QN, ..-..- QN e ..-..-RA e às viaturas da marca MAN, nos preços pagos pelos seus clientes finais, as instituições financeiras supra identificadas, que, por isso, pagaram um preço superior àquele que teriam pago, caso a prática descrita pela Comissão na Decisão supra transcrita não se tivesse verificado.

fff. Em virtude disso, os montantes que a Autora despendeu com a aquisição das viaturas da marca IVECO com as matrículas ..-..-QN, ..-..-QN, ..-..-RA e ..-..-VX referidos na alínea ww) supra e os montantes que despendeu com a aquisição das viaturas da marca MAN com as matrículas ..-EE-.. e ..-FH-.. referidos na alínea ccc) supra foram superiores àqueles que teria pago caso não se tivesse verificado a prática descrita pela Comissão na Decisão supra transcrita na parte relativa às práticas de colusão relativamente aos preços e aos aumentos do preço bruto no EEE dos camiões de média tonelagem e pesados.

Factos relativos à divulgação e conhecimento da infracção

ggg. A Comissão Europeia efetuou buscas em 18.01.2011 no setor dos camiões por suspeita de condutas anti concorrenciais, nos termos do artigo 20.º do Reg. 1/2003 e publicou, no mesmo dia, um comunicado sobre esta matéria, cuja cópia se mostra junta aos autos com a ref.ª 47006, doc. 1, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor.

hhh. A imprensa também noticiou e identificou as empresas MAN como denunciadas, bem como sobre a suspeita de condutas anti concorrenciais em 18.01.2011, 19.01.2011 e 03.03.2011, conforme notícia publicada pela ... em 19.01.2011, com o título “...”, artigo publicado pelo F........ ..... datado de 18.01.2011, com o título "..." e artigo publicado pelo ... datado de 03.03.2011, com o título "...", juntos aos autos com a ref.ª ...06, doc. 2, doc. 3 e doc. 4 respetivamente, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor.

iii. Em 20.11.2014, a Comissão Europeia deu início ao processo ao abrigo do artigo 11.º, n.º 6, do Reg. 1/2003 e transmitiu, entre outros, à Ré IVECO e às aqui Chamadas a correspondente comunicação de objeções.

jjj. No mesmo dia, a Comissão Europeia publicou um comunicado de imprensa sobre esta matéria, intitulado “Antitrust: Commission sends statement of objections to suspected participants in trucks cartel”, IP/14/2002, que se mostra junto aos autos com a ref.ª ...06, doc. 5, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor, que continha, entre o mais, o seguinte: (i) que a comunicação de objeções foi dirigida e diz respeito a empresas produtoras de camiões médios e pesados; (ii) os fabricantes em causa foram objeto de buscas em janeiro de 2011 e eram acusados de terem participado numa infração das regras da concorrência da UE (artigo 101.º TFUE e artigo 53.º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu), aludindo a “um cartel em violação às regras de concorrência da UE” e que as práticas em questão diziam respeito, pelo menos, a uma possível coordenação de preços; (iii) que a comunicação de objeções é um passo formal na investigação da Comissão Europeia antes da adoção de uma decisão e aplicação de uma sanção às empresas envolvidas nas condutas anti concorrenciais; (iv) a infração ocorreu na área do EEE.

kkk. Pelo menos, a publicação “T.......... . ........” noticiou a emissão da respetiva comunicação de objeções e identificou o Grupo MAN como uma das entidades envolvidas e sujeito da investigação e da comunicação de objeções, conforme notícia de 26.11.2014, com o título “Volvo provisiona 400 milhões por suspeitas de cartel”, cuja cópia se mostra junta aos autos com a ref.ª 47006, doc. 6, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor.

lll. O F........ ..... publicou uma notícia com citação de algumas partes do conteúdo da comunicação de objeções, conforme notícia de 23.12.2014, com o título “Top truckmakers operated cartel for 14 years, says EU”, cuja cópia se mostra junta aos autos com a ref.ª 47006, doc. 7, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor (cf. resposta ao artigo 87.º da Contestação das Chamadas).

mmm. Na data em que a Decisão da Comissão foi adotada (19.07.2016), foram efetuadas várias publicações no site oficial da Comissão Europeia a respeito do teor daquela Decisão, conforme cópia que se mostra junta aos autos com a ref.ª ...06, doc. 8, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor.

nnn. Nesse dia 19.07.2016, a Comissão Europeia publicou um comunicado de imprensa relativo à sua Decisão da mesma data, intitulado “Antitrust: Commission fines truck producers € 2.93 billion for participating in a cartel”, que continha informação, entre o mais, sobre: (i) os fabricantes de camiões envolvidos na conduta sancionada; (ii) o tipo de camiões em causa; (iii) a natureza da conduta sancionada; (iv) o âmbito geográfico dessa conduta; (v) a respetiva duração; e ainda (vi) uma referência específica ao facto de quaisquer lesados poderem recorrer aos tribunais nacionais para reclamação de eventuais danos, conforme cópia que se mostra junta aos autos com a ref.ª 47006, doc. 9, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor.

ooo. Também em 19.07.2016, foi publicada uma Declaração (“Statement”) subscrita pela Comissária Europeia Margareth Vestager relacionada com a Decisão da Comissão, conforme cópia que se mostra junta aos autos com a ref.ª ...06, doc. 10, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor.

ppp. Após a publicação dos mencionados documentos, nesse mesmo dia (19.07.2016) várias agências de notícias por toda a Europa, incluindo pelo menos, em Portugal, noticiaram a informação contida em tais documentos e fizeram referência aos mesmos, conforme peças jornalísticas cujas cópias se mostram juntas aos autos com ref.ª 47006, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor, docs. n.ºs 11 a 15.

qqq. Decorre das referidas notícias que a Comissão Europeia havia proferido uma decisão condenatória abrangendo vários fabricantes de camiões, ali se referindo expressamente, e a título de exemplo, que “A multa atinge as alemãs MAN (subsidiária da Volkswagen) e Daimler, a sueco-francesa Volvo/Renault, a holandesa DAF e a italiana Iveco, que, segundo Bruxelas, ‘violaram as regras de concorrência da União Europeia’” ou ainda que “Cinco empresas europeias, que produzem quase nove em cada dez dos camiões na Europa, foram multadas por terem ‘pactuado para se livrarem da concorrência’”, conforme peças jornalísticas cujas cópias se mostram juntas aos autos com ref.ª 47006, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor, docs. n.ºs 14 e 15.

rrr. Decisão da Comissão foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia em 06.04.2017.

sss. A Autora iniciou a presente ação em 12.07.2019 apenas contra a Ré IVECO, e não contra as Chamadas.

ttt. A R. Iveco foi citada para os termos da presente ação em 2 de Agosto de 2019.

uuu. A intervenção das Chamadas neste processo foi requerida pela Ré IVECO na sua Contestação apresentada a 19.11.2019, tendo o Tribunal deferido o referido pedido por despacho datado de 05.03.2020.

vvv. As Chamadas MAN Truck & Bus SE (doravante “MTB SE”) e MAN Truck & Bus Deutschland GmbH (doravante “MAN GmbH”) foram citadas em 28.07.2020 e a Chamada MAN SE em 29.07.2020.

www. A A. só tomou conhecimento do direito que invoca e da natureza dos danos que tinha direito de reclamar no final do ano de 2018.

xxx. O preço de aquisição dos veículos, entre outros, faz parte dos custos da atividade da A.

yyy. A. já realizou a amortização fiscalmente dedutível dos veículos no que respeita ao preço total da aquisição das viaturas com as matrículas ..-..-QN, ..-..-QN, ..-..-RA, ..-..- VX, ..-EE-.. e ..-FH-...

zzz. Na Decisão da Comissão, no que diz respeito às empresas do Grupo MAN, o termo “Headquarters” ou “Headquarter-Level” (cfr., por exemplo, §§ 27, 28, 49 e 51 a 59) refere-se à MTB SE, enquanto o termo “German Subsidiar[y]” ou “German-Level” (cfr., por exemplo, §§ 49 e 54 a 59) refere-se à MAN GmbH (cfr. § 8)19, sendo “Headquarters” e “German Level” conjuntamente designados por “Fabricantes” / “Manufacturers”.

Factos não provados:

a. Que a autora exerceu a opção de compra relativa ao veículo com a matrícula ..-..-VT.

b. Que os factos descritos nas alíneas ddd) a fff) dos factos provados deveram-se também às práticas de colusão de transmissão dos custos relativos à introdução das tecnologias de emissões para camiões de média tonelagem e pesados conforme exigido pelas normas EURO 3 a 6 descritas na Decisão da Comissão.

c. Que o montante que a Autora despendeu com a aquisição da viatura da marca IVECO com a matrícula ..-..-VT referido na alínea ww) dos factos provados foi superior àquele que teria pago caso não se tivesse verificado a prática descrita pela Comissão na Decisão supra transcrita.

d. Que o valor que a autora pagou a mais pelos camiões identificados nos factos provados e que não teria pago caso a infração não se tivesse verificado fixou-se entre 15% e 25% ou em 20%.

e. Que a autora pagou a mais pela viatura com a matrícula ..-..-QN, o valor de € 15.462,74, correspondente ao valor de aquisição de € 77.313,72 x 20%.

f. Que a autora pagou a mais o valor de € 15.462,74, correspondente ao valor de aquisição da viatura com a matrícula ..-..-QN de € 77.313,72€ x 20% .

g. Que da viatura com a matrícula ..-..-RA pagou a A. a mais a quantia de € 15.462,74, correspondente ao valor de aquisição de 77.313,72€ x 20%.

h. Quanto à viatura com a matrícula ..-..-VX, pagou a A. a mais o valor de € 14.000,00, correspondente ao valor de aquisição de 70.000,00€ x 20%.

i. Que no que respeita à viatura com a matrícula ..-..-VT, pagou a Autora igualmente a mais a quantia de € 14.000,00, correspondente ao valor de aquisição de 70.000,00€ x 20%.

j. Que pagou a autora um valor acrescido no que respeita à viatura com a matrícula ..-FH-.. de € 17.500,00, correspondente ao valor de aquisição de 87.500,00€ x 20%, a título de capital.

k. Que pagou ainda um valor acrescido aquando da aquisição da viatura com a matrícula ..- EE-.., no montante de € 16.500,00, correspondente ao valor de aquisição de 82.500,00€ x 20%, a título de capital.

l. Que a autora obteve a informação sobre a identidade dos alegados infratores em 19 de Julho de 2016 (data do comunicado de imprensa da Comissão Europeia sobre a Decisão), antes se provou o que consta na alínea www) dos factos provados.

m. Que a Autora tomou conhecimento dos atos, publicações e divulgações descritos nos pontos ggg) a rrr) dos factos provados nas datas aí indicadas (artigos 64.ºe 65.º da contestação da R. Iveco no que respeita ao comunicado de imprensa de 20.11.2014 e artigos 89.º e 117.º da contestação das Chamadas) – antes se provou o que consta na alínea wwww) dos factos provados.

n. Que a autora recuperou uma percentagem do custo adicional pago pelos veículos com as matrículas ..-..-QN, ..-..-QN e ..-..-RA equivalente à percentagem representada pelo preço de revenda dos veículos a terceiros em relação aos preços originais de compra dos mesmos

o. Que o sobre preço pago pela A. em resultado da conduta sancionada foi repercutido nos montantes que aquela cobrou aos seus clientes pelos serviços que prestou.

p. Que a autora já realizou a amortização fiscalmente dedutível no que respeita ao preço total da aquisição da viatura com a matrícula ..-..-VT.

q. Que a autora pagou menos impostos pelo facto de ter incluído o custo de aquisição dos veículos como uma despesa totalmente dedutível fiscalmente, o que resultou numa redução equivalente na sua base tributável.


*




Resolução das questões

A recorrente enuncia como primeira questão a solucionar a de saber se, no âmbito das acções de indemnização por infracção às disposições do direito da concorrência que se regem pela Lei n.º 23/2018, de 5 de Junho, em que o lesado não apresenta prova destinada à quantificação do dano, o tribunal pode, ainda assim, proferir uma decisão de condenação genérica ao abrigo do disposto no artigo 609.º, n.º 2, do CPC, ou se, ao invés, a possibilidade de condenação genérica está, neste caso, arredada por ser uma solução incompatível com o diploma acima referido e em particular com o esforço probatório que a mesma impõe ao lesado.

Esta questão assenta no pressuposto de que a autora, ora recorrida, não apresentou nenhuma prova para demonstrar a extensão dos danos causados pela infracção às disposições do direito da concorrência. Este pressuposto não é, no entanto, exacto. Vejamos.

O acórdão recorrido confirmou a decisão proferida na 1.ª instância de condenar a ré IVECO a pagar à autora a quantia que se viesse a liquidar, correspondente ao custo adicional que esta (autora) pagou pelas viaturas com as matrículas ..- ..-QN, ..-..-QN, ..-..-RA, ..-..-VX, ..-EE-.. e ..-FH-.., no máximo até vinte porcento (20%) do preço de aquisição das mesmas, indicado nas alíneas ww) e ccc) dos factos provados.

Os fundamentos da decisão foram, em síntese, os seguintes:

• De acordo com jurisprudência do TJUE (o acórdão recorrido referia-se ao acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia proferido em 16-02-2022, Trafico Manuel Ferrer, C-312/21), o tribunal nacional não pode recorrer à estimativa judicial para colmatar as falhas da autora em sede de quantificação do dano;

• De acordo com a jurisprudência nacional, o tribunal deve condenar em quantia a liquidar em momento ulterior, exceto se tal quantificação se afigurar, em sede probatória, como improvável;

• Em bom rigor, nos presentes autos, desconhece-se se a prova do quantum do dano será ou não possível em momento ulterior, pois nenhuma prova foi aqui produzida;

• Assim sendo, tentando conciliar estas duas linhas jurisprudenciais referidas, e atendendo a que nenhum esforço probatório sério foi ainda encetado pela autora para a determinação do montante do dano, há que concluir como o tribunal a quo, no sentido de apenas ser possível nos autos condenar em quantia a liquidar em momento ulterior. E isto sem prejuízo, tal como sustenta a sentença recorrida, de na fase de liquidação se recorrer à estimativa judicial prevista no artigo 9.º, n.º 2 da LT (e artigo 17.º, n.º 1, da Diretiva), caso se conclua que a quantificação precisa do dano é, na prática, impossível ou excessivamente difícil;

• Contra este entendimento, ao que se julga, apenas poderia, porventura, criticar-se a não realização imediata da estimativa judicial, tal como fez o Ac. TRL de 06-11-2023, processo n.º 54/19.6YQSTR.L1, evitando-se, deste modo, demoras excessivas e atos inúteis. Contudo, tal como sublinhou o tribunal a quo, não se procedeu de tal forma, desde logo porque nenhum elemento adequado à prova em questão foi careado para os autos. Aliás, mesmo quanto ao aludido estudo Oxera 2009, apenas é conhecido nestes autos através das respetivas citações presentes no Guia Prático.

Apesar de o acórdão ter afirmado a dado passo que “nenhuma prova foi feita do quantum do dano”, com isso não quis dizer que a autora não apresentou nenhum meio de prova dos danos e da sua extensão. E podemos afirmar que não é este o sentido que se deve dar ao mencionado passo porque o acórdão afirma que autora apresentou, para demonstrar os danos e o respectivo montante, a versão provisória e não confidencial da decisão da Comissão, laborando no pressuposto de que tal decisão demonstrava o montante dos prejuízos sofridos. O sentido que se deve dar a tal passo é, pois, o de que o acórdão recorrido, em sintonia com a decisão proferida na 1.ª instância, entendeu que tal decisão da Comissão não demonstrava a extensão dos danos alegados pela autora, lesada. Daí que, em coerência com esta apreciação crítica, tenha julgado não provados os factos alegados pela autora, relativos à extensão/quantificação dos danos.

Não se pode, pois, afirmar, como faz a recorrente, que “nenhuma prova foi apresentada pelo lesado”. O que se poderá dizer é que a autora não desenvolveu todo o esforço probatório que estava ao seu alcance. Com efeito, podia ter feito uso designadamente da faculdade prevista no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 12/2018 de pedir ao tribunal que ordenasse à ré ou a um terceiro, incluindo as entidades públicas, a apresentação de meios de prova destinados à prova dos factos relativos à quantificação/extensão dos danos, mas não o fez.

Daí que a questão a que se irá dar resposta é a de saber se, não tendo a parte alegadamente lesada desenvolvido todo o esforço probatório que estava ao seu alcance para demonstrar a extensão dos danos, não fazendo uso designadamente da faculdade prevista no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 23/2018 de pedir ao tribunal que ordenasse à ré ou a um terceiro, incluindo as entidades públicas, a apresentação de meios de prova destinados à prova dos factos relativos à quantificação/extensão dos danos, estava vedado ao tribunal recorrido, por ser incompatível com a mencionada Lei, a condenação do que se viesse a liquidar, ao abrigo do n.º 2 do artigo 609.º do CPC.

A resposta é negativa. A decisão recorrida é de manter. Vejamos.

A presente acção é uma acção de indemnização por infracção às disposições do direito da concorrência dos Estados-Membros e da União Europeia.

As regras que regem estas acções foram estabelecidas pela Directiva 2014/104/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Novembro de 2014. A Directiva, cujos destinatários são os Estados-Membros da União Europeia, foi transposta para a ordem jurídica nacional pela Lei n.º 23/2018, de 5 de Junho. Foi, pois, este diploma que estabeleceu regras relativas a pedidos de indemnização por infracção ao direito da concorrência.

Entre essas regras não figura nenhuma que responda directamemte à questão acima enunciada. A regra sobre a quantificação dos danos que dele consta - n.º 2 do artigo 9.º - não era aplicável ao caso, como bem decidiu o acórdão recorrido. Vejamos.

Segundo tal regra, “Se for praticamente impossível ou excessivamente difícil calcular com exatidão os danos totais sofridos pelo lesado ou o valor da repercussão a que se refere o artigo anterior, tendo em conta os meios de prova disponíveis, o tribunal procede a esse cálculo por recurso a uma estimativa aproximada, podendo, para o efeito, ter em conta a Comunicação da Comissão (2013/C 167/07), de 13 de junho de 2013, sobre a quantificação dos danos nas ações de indemnização que tenham por fundamento as infrações aos artigos 101.º e 102.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia”.

Com a norma acima transcrita, o legislador transpôs para a ordem jurídica nacional o n.º 1 do artigo 17.º da Directiva, segundo o qual os Estados-Membros asseguram que os tribunais nacionais sejam competentes, de acordo com os processos nacionais, para calcular o montante dos danos, se for estabelecido que o demandante sofreu danos, mas seja praticamente impossível ou excessivamente difícil quantificar com precisão os danos sofridos

Na interpretação dada a este artigo pelo acórdão do Acórdão do TJUE de 16-02-2023, Traficos Manuel Ferrer, proferido no âmbito do processo n.º C-312/21, a estimativa judicial da extensão dos danos pressupõe que o lesado tenha produzido os meios de prova disponíveis, recorrendo designadamente à faculdade que lhe confere o no n.º 1 do artigo 12.º, da Lei n.º 23/2018, mas que tal produção não tenha dado resultados. A estimativa judicial não serve, pois, para colmatar a inércia ou a falta de esforço probatório da parte lesada.

Pode, assim, afirmar-se que a regra do n.º 2 do artigo 9.º da Lei n.º 23/2018 versa sobre a hipótese de ser praticamente impossível ou excessivamente difícil calcular com exatidão os danos totais sofridos pelo lesado, mas depois de o lesado ter recorrido aos meios de prova disponíveis, designadamente aos previstos no artigo 12.º da Lei n.º 23/2018.

Visto que a autora não fez uso de tais meios de prova, não merece qualquer reparo a decisão do tribunal recorrido de não proceder à estimativa judicial dos danos ao abrigo do n.º 2 do artigo 9.º da Lei n.º 23/2018.

Mas se este diploma não contém norma que responda directamemte à questão acima enunciada, a interpretação dele em conformidade com a Directiva aponta claramente no sentido da admissibilidade da aplicação ao caso da regra do n.º 2 do artigo 609.º do CPC. Vejamos.

A Directiva impunha aos Estados-Membros o cumprimento de várias obrigações na transposição dela para a ordem jurídica nacional. Entre tais obrigações, destacamos as seguintes pela sua pertinência para a resolução do caso:

• A de assegurar que as pessoas singulares ou coletivas que sofram danos causados por infrações ao direito da concorrência possam pedir e obter a reparação integral desses danos (n.º 1 do artigo 3.º).

• A de que a reparação integral colocasse a pessoa que sofreu danos na posição em que estaria se a infração ao direito da concorrência não tivesse sido cometida (n.º 2 do artigo 3.º).

• A de assegurar, em conformidade com o princípio da efectividade, que todas as regras e os processos nacionais respeitantes à apresentação dos pedidos de indemnização sejam concebidos e aplicados de modo a não tornar praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício do direito, garantido pelo direito da União, à reparação integral dos danos causados por infração ao direito da concorrência (1.ª parte do artigo 4.º da Directiva)

• A de assegurar, em conformidade com o princípio da equivalência, que as regras e os processos nacionais relativos a ações de indemnização resultantes de infrações aos artigos 101.º ou 102.º do TFUE não podem ser menos favoráveis para as partes alegadamente lesadas do que aqueles que regem ações de indemnização análogas resultantes de infrações ao direito nacional.

A interpretação da Lei n.º 23/2018 em conformidade com estas obrigações determina necessariamente a aplicação ao caso do n.º 2 do artigo 609.º do CPC.

Em primeiro lugar, em casos como o dos autos - em que a parte lesada demonstrou que sofreu danos em consequência da infracção às disposições do direito da concorrência, mas não se provou a extensão destes danos – só é possível assegurar que os lesados têm direito à reparação dos prejuízos se se condenar o infractor no que se vier a liquidar. Se se se negasse o direito à indemnização, como pretende a recorrente, estar-se-ia a deixar sem indemnização danos que estão provados.

Em segundo lugar, a aplicação do n.º 2 do artigo 609.º do CPC é imposta pelo princípio da equivalência.

Segundo a jurisprudência do tribunal de Justiça da União Europeia (acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Janeiro de 2010, no processo n.º C-118/09, acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Outubro de 2015, no processo C-69/14, acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Junho de 2016, no processo n.º C-2015/15) o princípio da equivalência significa que as formas e as regras processuais das ações destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos pelo direito da União não podem ser menos favoráveis do que as das ações semelhantes de direito interno.

Deste princípio decorre, pois, que não podem ser aplicáveis às indemnizações por infracção ao direito da concorrência regras e modalidades processuais menos favoráveis do aquelas que regem as ações de indemnização análogas resultantes de infrações ao direito nacional.

Visto que nenhuma dúvida se suscita quanto à aplicação da regra do n.º 2 do artigo 609.º do CPC no âmbito das acções de indemnização baseadas em infracção ao direito nacional, dúvidas também há que se deverá aplicá-la à presente acção por força do princípio da equivalência.

Segue-se do exposto que a aplicação do artigo 609.º, n.º 2, do CPC, em situações como a dos autos, não só não é incompatível com a Lei n.º 23/2018, como é imposta pela interpretação dela em conformidade com a Directiva n.º 2014/104/EU.

O acórdão recorrido e a conclusão que se acaba de expor não são contrariados pelas alegações da recorrente.

Em primeiro lugar, não é posta em causa pela alegação de que a aplicação do artigo 609.º, n.º 2, do CPC, às acções de indemnização baseadas na infracção das regras da concorrência violava o equilíbrio que o legislador europeu procurou alcançar no quadro da repartição do ónus da prova entre lesado e infrator e que se encontra refletido, nomeadamente, nos considerandos 14) a 18), 46) e 47) da Diretiva.

O equilíbrio a que a recorrente se refere é constituído pela repartição do ónus da prova nos seguintes termos: ao lesado cabe a prova da infracção, dos danos, do nexo de causalidade entre a infracção e os danos e da exensão destes (o considerando 45 refere-se expressamente ao ónus de o lesado provar os danos e a extensão deles). Ao demandado cabe a prova de que o demandante repercutiu total ou parcialmente os custos adicionais.

Como é bom de ver, a aplicação do artigo 609.º, n.º 2 do CPC não belisca em nada a repartição do ónus da prova nos termos expostos. Por um lado, o tribunal apenas poderá condenar no que se vier a liquidar se estiver demonstrada a infracção do direito da concorrência, os danos e o nexo de causalidade entre aquela e estes. Por outro, em sede de liquidação, o lesado continuará a ter o ónus de provar a extensão dos danos.

Em segundo lugar, não colhe a alegação de que, na hipótese de, em sede de liquidação, a autora/lesada manter a sua inércia probatória ou não fazer um esforço probatório suficiente, o tribunal não poderia recorrer à estimativa judicial prevista no artigo 9.º, n.º 2 da Lei n.º 23/2018, para fixar o valor, pois isso seria contrário à ratio da norma e ao entendimento do Tribunal de Justiça da União Europeia. Nessa situação – continua a recorrente - restaria ao tribunal julgar improcedente o incidente, ou pelo menos abster-se de fixar um valor da indemnização, o que seria incompatível com o entendimento de que o incidente de liquidação não pode ser julgado improcedente por falta de prova.

Em relação a esta alegação cabe dizer que é exacto o seguinte:

• Que segundo a jurisprudência do tribunal de Justiça da União Europeia, a estimativa judicial dos danos pressupõe que o lesado tenha produzido os meios de prova disponíveis, recorrendo designadamente à faculdade prevista no n.º 1 do artigo 12.º, mas que tal produção não tenha dado resultados;

• Que o incidente de liquidação não poderá terminar com decisão a negar a indemnização.

Mas se isto é certo, também é certo, como também foi referido mais acima, que o CPC comporta uma norma em matéria de liquidação – n.º 4 do artigo 360.º do CPC –, segundo a qual “quando a prova produzida pelos litigantes for insuficiente para fixar a quantidade, incumbe ao juiz completá-la mediante indagação oficiosa, ordenando, designadamente, a produção de prova pericial”.

Por força do princípio da equivalência já acima enunciado, esta regra não poderá deixar de ser aplicada em sede de liquidação da condenação genérica. E, assim, por aplicação dela nunca existe o risco de improcedência da liquidação a que alude a recorrente.

Em terceiro lugar, também não vale a alegação de que a condenação genérica conduz a desigualdades entre os lesados. Segundo a recorrente a desigualdade consistia no seguinte: aquele que se esforçou para quantificar o seu dano pode ver o dano estimado se o tribunal entender que estão reunidas as condições para aplicação de uma estimativa judicial, ao passo aquele que nada fez tem uma segunda oportunidade para produzir a prova que não produziu no momento próprio.

É certo, como alega a recorrente, que a lesada que não usou, na acção declarativa, de todos os meios de prova disponíveis pode ter uma segunda oportunidade, agora em sede de liquidação, para demonstrar a extensão dos danos. Porém, isto não produz desigualdade entre lesados, pois a regra do n.º 2 do artigo 609.º do CPC aproveita a todos, sem distinção. Porém, ainda que se entendesse que a condenação genérica conduzia à alegada desigualdade, a recorrente não teria legitimidade para a invocar em defesa da sua posição visto que a sua condição não é a de lesada, mas a de lesante.

Em quarto lugar, não vale a alegação de que condenação genérica viola o princípio da igualdade de armas. Segundo a recorrente, esta violação ocorria na medida em que, para contraprova do dano alegado, o infractor produz a prova que entende necessária para afastar a existência e quantificação da dano alegada pelo lesado, prova essa que este último já conhece quando inicia o incidente de liquidação.

A “igualdade de armas” está prevista no artigo 4.º do CPC. Constitui uma injunção dirigida ao tribunal no sentido de assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais.

Salvo o devido respeito, não se vê em que é que a circunstância de o lesado conhecer as provas que o infractor apresentou na acção declarativa para fazer a contraprova dos factos alegados por aquele põe em causa a igualdade substancial das partes no incidente da liquidação. Recorde-se que assiste ao demandado o direito de contestar a liquidação e de oferecer contraprova sobre os factos relativos à extensão dos danos, podendo esta ser constituída pela que foi oferecida na fase declarativa ou por outra. Acresce, contra a alegação da recorrente, que, salvos casos excepcionais, não são admitidas nem produzidas provas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas (n.º 1 do artigo 415.º do CPC). Isto é, em todos os processos há um momento em que as provas de uma das partes são conhecidas da outra.

Por todo o exposto é de afirmar que a aplicação da regra do n.º 2 do artigo 609.º do CPC à presente acção de indemnização não é incompatível com a Lei n.º 23/2018.


*




A segunda questão enunciada pela recorrente é a de saber se, concluindo que o artigo 609.º, n.º 2, do CPC pode, em teoria, ser aplicado no âmbito de acções de indemnização por infracções às disposições do direito da concorrência que se regem pela LPE, o tribunal pode proferir uma decisão de condenação genérica quando o lesado não tenha produzido qualquer prova destinada à quantificação do dano, quando o mesmo já está plenamente verificado quando é proposta a acção.

À semelhança do que se escreveu a propósito da 1.ª questão, também esta assenta no pressuposto inexacto de que a autora não apresentou nenhuma prova destinada a quantificar o dano causado pela infracção às disposições do direito da concorrência.

Como se escreveu acima, também a propósito da 1.ª questão, o que se poderá dizer é que a autora não desenvolveu todo o esforço probatório que estava ao seu alcance, não fazendo uso designadamente da faculdade prevista no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 12/2018 de pedir ao tribunal que ordenasse à ré ou a um terceiro, incluindo as entidades públicas, a apresentação de meios de prova destinados à prova dos factos relativos à quantificação/extensão dos danos.

Daí que a questão a que se irá dar resposta é a de saber se, não tendo a parte alegadamente lesada desenvolvido todo o esforço probatório que estava ao seu alcance para demonstrar a extensão dos danos, não fazendo uso designadamente da faculdade prevista no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 23/2018 de pedir ao tribunal que ordenasse à ré ou a um terceiro, incluindo as entidades públicas, a apresentação de meios de prova destinados à prova dos factos relativos à quantificação/extensão dos danos, pode o tribunal proferir uma condenação genérica ao abrigo do n.º 2 do artigo 609.º do CPC, quando o dano já está plenamente verificado no momento em que é proposta a acção.

A resposta à questão acabada de enunciar passa pela interpretação do n.º 2 do artigo 609.º do CPC, na parte em que dispõe que se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado.

Como reconhece a recorrente na sua alegação, o n.º 2 do artigo 609.º do CPC, assim como o preceito correspondente do CPC de 1961 (o n.º 2 do artigo 661.º), não tem sido objecto de interpretação uniforme, designadamente por parte da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça. No essencial, estão em causa duas interpretações: uma que poderemos designar de restritiva e outra que poderemos apelidar de ampla.

Segundo a interpretação restritiva, a falta de elementos para fixar o objecto ou a quantidade da condenação é a que justifica o pedido genérico, nos termos previstos no artigo 556.º do Código de Processo Civil. Para usarmos as palavras do acórdão do STJ proferido em 28-04-2009, na revista n.º 08B0782 (www.dgsi.pt) “a possibilidade de se remeter para liquidação posterior o montante da condenação não se destina a ultrapassar a falta de prova de factos oportunamente alegados para demonstrar os prejuízos. Antes se destina a permitir a quantificação de danos que não seja viável no momento da sentença, seja por estar dependente de cálculos a efectuar, seja por não terem ainda cessado os danos a ressarcir”. De acordo com esta interpretação, estão fora do alcance da norma os casos em que o pedido foi certo e determinado, mas em que a falta de elementos procede do insucesso da actividade probatória do interessado. Citam-se, a título de exemplo, além do acórdão atrás mencionado:

• O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 17 de Janeiro de 1995, publicado no BMJ, n.º 443, páginas 404 e 405;

• O acórdão do STJ proferido em 15-03-2012, no processo n.º 925/08.5TBSJM.P1.S1., publicado em www.dgsi.pt.

Segundo a interpretação ampla – que este tribunal seguirá - a falta de elementos que é tida em vista pela norma tanto abrange as hipóteses de pedido genérico como as da falta de elementos proceder do insucesso da actividade probatória do demandante. Em ambos os casos é de afirmar que não há elementos para fixar a quantidade da condenação.

Citam-se, a título de exemplo, os seguintes acórdãos do STJ:

• Acórdão do STJ de 6 de Dezembro de 2006, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano XIV, Tomo III/2006, páginas 154 a 156;

• Acórdão do STJ proferido em 11-07-2013, no processo n.º 5523/05.2TVLSB, publicado em www.dgsi.pt.;

• Acórdão do STJ de 10-10-2013, no processo n.º 4094/07.0TVLSB.L1.S1, publicado em www.dgsi.pt;

• Acórdão do STJ proferido em 10-12-2013, no processo n.º 12865/02.7TVLSB.L1.S1., publicado em www.dgsi.pt;

• Acórdão do STJ proferido em 5 de Fevereiro de 2015, no processo n.º 4747/07.2TVLSB, publicado no sítio www.dgsi.pt.”;

• Acórdão do STJ proferido em 22-09-2016, no processo n.º 681/14.8TVLSB, publicado em www.dgsi.pt;

• Acórdão proferido em 16-03-2017, no processo n.º 185/12. 3TBSBR.G1.S1., publicado em www.dgsi.pt;

• Acórdão proferido em 30-03-2017, no processo n.º 476/09.0TTVNG.P2.S2., publicado em www.dgsi.pt;

• Acórdão do STJ proferido em 7-05-2020, no processo n.º 233/12.7TB;IR.C1.S1., publicado em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ;

• Acórdão do STJ proferido em 26-11-2024, no processo nº 417/21.7T8AGH.L1.S1. publicado em www.dgsi.pt.

Sublinhe-se que a falta que é compatível com a condenação ilíquida é a que diz respeito a elementos relativos à determinação da medida da indemnização em dinheiro. Se a falta incidir sobre outros elementos essenciais da obrigação de indemnização, designadamente sobre o dano, o nexo de causalidade entre o facto e o dano ou sobre a culpa, nos casos em que esta constitui pressuposto da obrigação de indemnização, então a consequência é a improcedência da acção.

A interpretação ampla tem tido acolhimento na doutrina. Por exemplo, no domínio do CPC de 1939, perante a norma do n.º 2 do artigo 661.º - cuja redacção era semelhante à do n.º 2 do artigo 609.º, Alberto dos Reis escrevia: “... o comando do 2.º período do artigo 661.º tanto se aplica ao caso de se ter formulado inicialmente pedido genérico e não ter sido possível convertê-lo em pedido especifico, ..., como no caso de ter logo formulado pedido específico, mas não se chegarem a coligir dados suficientes para se fixar, com precisão e segurança, o objecto ou a quantidade da condenação (Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra – 1981, página 71).

No domínio do Código de Processo Civil de 1961, autores como Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, e Lopes do Rego tinham o mesmo entendimento face ao n.º 2 do artigo 661.º cuja redacção é semelhante à do n.º 2 do artigo 609.º do CPC em vigor. Escreviam os primeiros: “Pode acontecer que, em acção de condenação, os factos provados embora conduzam á condenação do réu, não permitam concretizar inteiramente a prestação devida. Tal pode acontecer tanto nos casos em que é deduzido um pedido genérico não subsequentemente liquidado (...) como naqueles em que o pedido se apresenta determinado, mas os factos constitutivos da liquidação da obrigação não são provados (Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 2.ª Edição, Coimbra Editora, página 682).

No domínio do actual Código de Processo Civil autores como Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa escrevem. “Mesmo em casos em que o autor tenha quantificado a sua pretensão, a acção pode culminar com uma sentença de teor genérico ou ilíquido desde que, sendo apurada a existência do direito e da correspondente obrigação, os elementos de facto se revelem insuficientes para a quantificação, mesmo com recurso à equidade (Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, página 729).

Salvo o devido respeito, contra a interpretação ampla não vale a seguinte alegação da recorrente:

• Que o artigo 342.º do CC impõe ao lesado o dever de fazer prova dos factos constitutivos do seu direito, o que compreende o dever de provar a extensão dos danos reclamados;

• Que o artigo 414.º do CPC estabelece que em caso de dúvida sobre a realidade de um facto, essa dúvida resolver-se contra a parte onerada com a prova do mesmo;

• Que o momento último para a produção d aprova é a audiência final, como decorre do artigo 607.º do CPC, salvo quando os factos relativos ao valor dos danos não estiverem verificados ou estejam em evolução;

• Que a condenação genérica prevista no n.º 2 do artigo 609.º do CPC não visa suprir a negligência ou inércia probatória daquele que tem o ónus da prova e que pode produzi-la no momento adequado e muito menos dar-lhe uma segunda oportunidade para produzir prova que já deveria ter produzido;

• Que, assim, num caso de inércia probatória como é o caso dos autos, aplicam-se as regras de julgamento da causa previstos no artigo 342.º do Código Civil e no artigo 414.º do CC, segundo os quais o risco de inobservância do ónus probatório que sobre si impende reverter contra aquele, impondo-se que a acçãos seja julgada improcedente por não provada;

• Que a interpretação ampla viola o princípio da igualdade previsto no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que confere tratamento igual a situações diferentes, conduzindo a uma diferenciação de tratamento desrazoável e inadmissível, sem qualquer apoio material e constitucional objectivo.

É certo como alega a recorrente que, na interpretação do n.º 2 do artigo 609.º do CPC, é de ter em conta a unidade do sistema jurídico (n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil) e que, nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do CC, àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado e que, de acordo com o artigo 414.º do CPC, a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.

Sucede que, contrariamente à sua lógica argumentativa, não decorre da unidade do sistema jurídico que, em acção de indemnização fundada em responsabilidade civil por factos ilícitos, se o lesado provar o facto ilícito, o dano e o nexo de causalidade entre aquele e este, mas não provar a extensão do dano, ficando o tribunal na dúvida quanto a ela, a consequência será a improcedência do pedido de indemnização.

Em primeiro lugar, esta lógica é contrariada pelo princípio geral em matéria de responsabilidade civil por factos ilícitos, enunciado no n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil, segundo o qual aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.

O que decorre deste princípio é, pois, que, provando-se o facto ilícito, o dano, o nexo de causalidade entre o facto e o dano, há lugar à indemnização do lesado.

Em segundo lugar, a lógica da recorrente é infirmada pelo n.º 3 do artigo 566.º do Código Civil ao dispor que se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.

Este preceito mostra que o desconhecimento da extensão dos danos não exclui a obrigação de os indemnizar.

Em terceiro lugar, a lógica argumentativa da recorrente é contrariada pelo n.º 4 do artigo 360.º do CPC, ao dispor que, quando a prova produzida pelos litigantes em sede de incidente de liquidação for insuficiente para fixar a quantidade, incumbe ao juiz completá-la mediante indagação oficiosa, ordenando designadamente, a produção de prova pericial.

Este preceito mostra que a própria insuficiência probatória das partes não dita a improcedência do pedido de liquidação.

Eis 3 normas do sistema jurídico, duas relativas à obrigação de indemnização e outra respeitante à prova da extensão dos danos em sede de incidente de liquidação, que mostram que, provando-se o facto ilícito, o dano e o nexo de causalidade e entre aquele e este impõe-se o dever de indemnização.

Contra a interpretação ampla do n.º 2 do artigo 609.º do CPC também não colhe a alegação de que ela viola o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição. Tal sucederia, segundo a recorrente, na medida em que conferia um tratamento igual a situações diferentes, conduzindo a uma diferenciação de tratamento desrazoável e inadmissível, sem qualquer apoio material e constitucional objectivo

Ao alegar neste sentido, a recorrente argumenta como se decorresse do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da CRP que estava vedado ao legislador tratar de forma igual, para efeitos de condenação genérica, os casos de pedido genérico (em que à data do encerramento da discussão ainda não fosse possível determinar de modo definitivo os danos) e os casos de pedido específico, em que não se provou a extensão dos danos já verificados. Na sua lógica, como as situações são diferentes, o princípio da igualdade implicaria que as regras relativas ao conteúdo da sentença também fossem diferentes.

O argumento não colhe. O n.º 2 do artigo 609.º do CPC é uma regra do processo sobre o conteúdo da sentença. O legislador tem uma ampla margem de liberdade na conformação das regras do processo e cabe dentro de tal margem decidir que a condenação genérica cabe tanto nos casos de pedido genérico como nos de pedido determinado, mas em que por insuficiência de prova não ficou demonstrada a extensão dos danos.

Diga-se, por fim, que, em matéria de igualdade, é a interpretação ampla do n.º 2 do artigo 609.º que favorece a igualdade dos cidadãos perante a lei, pois dela resulta que, provando-se que um facto ilícito causou danos, nenhum lesado será deixado sem indemnização. Situação que não aconteceria com a interpretação restritiva do n.º 2 do artigo 609.º do CPC.



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Decisão:


Nega-se a revista e, em consequência, mantém-se o acórdão recorrido.

Responsabilidade quanto a custas:

Considerando a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e a circunstância de a recorrente ter ficado vencida no recurso, condena-se a mesmas nas respectivas custas

Lisboa, 3 de Julho de 2025

Relator: Emídio Santos

1.ª Adjunto: Fernando Baptista de Oliveira

2.ª Adjunta: Catarina Serra