SOCIEDADE POR QUOTAS
DIREITO À INFORMAÇÃO
INQUÉRITO JUDICIAL
RECUSA
ÓNUS DA PROVA
Sumário


I. Um dos fundamentos para a recusa lícita de informação devida ao sócio quotista, avaliada em sede de processo de jurisdição voluntária de “inquérito judicial” à sociedade requerida (arts. 24º, 1, c), 214º, 216º, 292º, 2 e ss, CSC; 1048º e ss, CPC), é o receio objectivo de que o sócio requrente a utilize para fins estranhos à sociedade e com prejuízo desta (art. 215º, 1, CSC).

II, Cabe à sociedade demandada o ónus de alegação e prova dos factos dos quais se possa retirar ou inferir a licitude da recusa da prestação da informação pedida na modalidade relevante e adequada, uma vez que são factos impeditivos do direito do requerente credor da informação (art. 342º, 2, CCiv.).

Texto Integral


Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

1. AA, por si e na qualidade de cabeça de casal da herança aberta e indivisa por óbito de BB, propôs contra CC, DD, EE, «Lusomaia – Investimentos Imobiliários, S.A.», «Lusomaia II – Reparação de Motores e Publicidade, Lda.», «N..., Lda.» e «Nualux – Automação e Instalações Industriais, Lda.» (doravante, «Nualux») acção especial de inquérito judicial às sociedades requeridas, visando a obtenção da informação elencada e alegadamente omitida ou recusada quanto a património, actividade e funcionamento das sociedades em sede de direito de informação do sócio Autor junto das gerências das requeridas, enquanto processo de jurisdição voluntária (arts. 986º-988º, 1048º-1051º, CPC; 216º, 292º, 2 e ss, CPC), a saber: “- Compras efectuadas pelas Sociedades em causa, desde 16 de Outubro de 2016, até à presente data; - Vendas efectuadas pelas Sociedades em causa, desde 16 de Outubro de 2016, até à presente data; - Saldos e movimentos das contas correntes das Sociedades em causa, desde 16 de Outubro de 2016, até à presente data; - Lucros e perdas das Sociedades em causa, relativas ao exercício de 2016, até à presente data; - Relatórios de contas das Sociedades em causa, e documentos inerentes aos mesmos; - Relatórios de gestão das Sociedades em causa; - Inventário de imobilizado das Sociedades em causa; - Relação dos créditos pendentes sobre clientes das Sociedades em causa; - Relação de débitos pendentes a fornecedores das Sociedades em causa; - Relação de todas as responsabilidades bancárias das Sociedades em causa; - Relação de outras responsabilidades correntes das Sociedades em causa; - Relação de outras responsabilidades em mora das Sociedades em causa; - Aumentos salariais e outros benefícios concedidos à gerência e administrador único das Sociedades em causa; - Relatórios da fiscalização das Sociedades em causa; - Actas de reunião das sociedades Nualux – Automação e Instalações Industriais, Lda., L II, Lda. e N..., Lda., desde 2016, até ao presente momento; - Actas de reunião da sociedade anónima L..., S.A.., desde 2014, até ao presente momento – tendo por referência a data constante das actas ora juntas; - Actas do conselho de administração das Sociedades em causa, desde 2016, até ao presente momento; - Contratos de empréstimo celebrados pelas Sociedades em causa, desde Outubro de 2016, até ao presente momento, destinados a financiarem a sua actividade; - Contratos de automação, instrumentação, importação, exportação de material eléctrico e electrónico que tenham sido celebrados pela Sociedade Nualux – Automação e Instalações Industriais, Lda., desde 16 de Outubro de 2016, até à presente data; - Contratos de Reparação e rectificação de motores e máquinas industriais, comércio e prestação de serviços publicitários que tenham sido celebrados pela Sociedade L II, Lda.., desde 16 de Outubro de 2016, até à presente data; - Contratos de compra e venda, construção e revenda de imóveis, celebrados pela Sociedade L..., S.A., desde 16 de Outubro de 2016, até à presente data; - Contratos de importação e exportação de equipamentos eléctricos e electrónicos que tenham sido celebrados pela Sociedade N..., Lda., desde 16 de Outubro de 2016, até à presente data.”

2. Apresentada a Contestação dos Réus e Resposta do Autor quanto à matéria de excepção, feito aperfeiçoamento da petição inicial pelo Autor, proferido saneador (improcedência das excepções dilatórias de erro na forma de processo e de ilegitimidade processual da Ré «N..., Lda.»; com fixação do valor da causa em € 30.000,01, transitado em julgado) e realizada a audiência de julgamento, o Juiz ... do Juízo de Comércio de ... proferiu sentença, que julgou a acção improcedente, por não provada, e, em consequência, não se determinando a realização de inquérito judicial às sociedades requeridas, absolvendo-se as Rés dos pedidos.

Mais julgou improcedentes os pedidos de condenação por litigância de má fé, deles se absolvendo Autor e Réus.

3. Inconformado com o decidido, o Autor interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, que conduziu a ser proferido acórdão, no qual se julgou parcialmente procedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, aditando os factos provados 52. e 53., e, quanto ao mérito da questão de saber “se há fundamento de recusa da informação pretendida através do inquérito judicial”, julgando procedente a apelação interposta relativamente à Ré «Nualux – Automação e Instalações Industriais, Lda.», em função do que se determinou “a realização de inquérito judicial a esta ré, para averiguação dos pontos de facto indicados no item 70.º da petição inicial respeitantes a esta ré; e em julgar improcedente a apelação quanto às demais sociedades, mantendo-se quanto a elas a sentença recorrida”.

4. Agora sem se resignar, a Ré «Nualux» interpôs recurso de revista para o STJ, finalizando as suas alegações com Conclusões em que se bate pelo erro de julgamento do acórdão recorrido, em face da alegada violação do art. 215º do CSC quando determina a realização de inquérito judicial para averiguação dos factos indicados no item 70. da petição inicial, e pela consequente repristinação da sentença de 1.ª instância – em especial, as Conclusões XXVII. a XXXIIII., a saber:

“XXVII. A decisão do Douto Tribunal ora recorrido no sentido de determinar a realização de inquérito judicial à ora Recorrente, para averiguação dos factos indicados no item 70. da petição inicial, sendo evidente que a maior parte do que lá é pedido extravasa em muito a sindicência e controle da atividade da sociedade.

XVIII. Sendo evidente para o mais desatento dos gestores que, designadamente, o fornecimento dos Contratos de automação, instrumentação, importação, exportação de material elétrico e eletrónico que tenham sido celebrados pela Sociedade Nualux – Automação e Instalações Industriais, Lda., desde 16 de Outubro de 2016, até à presente data, se destina a ser usado para fins estranhos à Recorrente e com evidente prejuízo dela;

XXIX. Objetivamente, a mesma colide frontalmente com os factos provados 30., 32., 33., 34., 35., 36., 37., 38., 39., 40, 41., 42., 43., 44., 45., 46., 47., 48., 49., 50 e 51. dados como provados pelas instâncias;

XXX. É claro que a Recorrente, cumpriu o requisito legal que sobre ela impendia, para recusa de informação – o receio de utilização para fins estranhos à sociedade e com prejuízo desta – como resulta dos factos dados como provados enumerados na conclusão anterior;

XXXI. Devendo,assim,ser alteradaadecisão de direito nosentido de repristinar a douta sentença da 1.ª instância.

XXXII. Resulta claro do supra exposto e dos factos dados como provados pelas instâncias, que o aresto do Tribunal da Relação do Porto de que ora se recorre, incorre em erro de julgamento, com a consequente violação do disposto no n.º 1 do art. 215.º do CSC.

XXXIII. Impondo-se a interpretação dos meios de prova supra elencados, no sentido de se considerar lícita e legítima a recusa de informação, porque o Recorrido teve comportamentos que, pela sua gravidade, fazia e faz (legitimamente) recear que as informações obtidas fossem usadas para fins estranhos à sociedade e em prejuízo desta.”

O Autor e Recorrido apresentou contra-alegações, pugnando pela inadmissibilidade da revista e, admitida, pela confirmação do recorrido, por se encontrar correcta a interpretação e aplicação à matéria de facto provada dos arts. 21º e 214º a 216º do CSC.


Colhidos os vistos electrónicos em cumprimento do art. 657º, 2, ex vi art. 679º, do CPC, cumpre apreciar e decidir.

II. APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS

A. Factualidade assente

Após a modificação do acórdão recorrido em 2.ª instância, ficaram provados os seguintes factos:

1. No dia 19 de Outubro de 2016, na freguesia de ..., concelho de ..., faleceu BB, no estado de casada, sob o regime de comunhão de adquiridos com o aqui Autor, AA.

2. Tendo-lhe sucedido como únicos herdeiros, o cônjuge, aqui Autor, e dois filhos, FF e EE.

3. A falecida não deixou testamento ou qualquer outra disposição de última vontade.

4. O cargo de cabeça de casal na herança aberta por óbito de BB compete ao ora Autor.

5. Os Réus GG, DD e EE são gerentes da Sociedade “Nualux – Automação e Instalações Industriais, Lda.”, NIPC ... ... .09, com sede na Rua ..., n.º ..., freguesia de ..., concelho da ..., cujo objecto social é “automação, instrumentação, importação, exportação de material eléctrico e electrónico e sua comercialização. Montagens metalo-mecânicas. Instalações eléctricas, cablagens para telecomunicações e computadores; sistema de detecção de incêndios, extinção e segurança; instalações de canalizações; instalações de climatização; outras instalações em construções”.

6. O Réu EE é gerente da sociedade “L II, Lda.”, NIPC ... ... .76, com sede na Rua ..., n.º ..., freguesia de ..., concelho da ..., cujo objecto social é “reparação e rectificação de motores e máquinas industriais, comércio e prestação de serviços publicitários”.

7. O Réu EE é administrador único da sociedade anónima “L..., S.A.”, NIPC ... ... .69, com sede na Rua ..., n.º ..., freguesia de ..., concelho da ..., cujo objecto social é compra e venda e construção de imóveis, revenda dos adquiridos para esse fim, administração de imóveis próprios e alheios, arrendamento de imóveis e prestação de serviços conexos e gestão de activos.

8. Os Réus GG, DD e EE são gerentes da sociedade “N..., Lda.”, NIPC ... ... .87, com sede na Rua ..., n.º ..., 4425-399 ..., cujo objecto social é armazenista e retalhista de materiais e equipamentos eléctricos e electrónicos, importação e exportação.

9. O Réu EE assegura o controlo bancário e a gestão de facto e de direito das sociedades demandadas.

10. O Autor é titular de uma quota, no valor de €1.500,00, no capital social da sociedade “Nualux – Automação e Instalações Industriais, Lda.”, NIPC ... ... .09, com sede na Rua ..., n.º ..., freguesia de ..., concelho da ..., o qual ascende a €15.000,00.

11. O Autor é titular de uma quota, no valor de €725,00, no capital social da sociedade “L II, Lda..”, NIPC ... ... .76, com sede na Rua ..., n.º ..., freguesia de ..., concelho da ..., o qual ascende a €7.500,00.

12. O Autor é titular de 4007 acções, no valor nominal de €0,01 cada, no capital social da sociedade anónima “L..., S.A.”, NIPC ... ... .69, com sede na Rua ..., n.º ..., freguesia de ..., concelho da ..., o qual ascende a €50.000,00, distribuído por 5.000.000 de acções de €0,01.

13. A sociedade “L..., S.A..” foi titular de uma participação social, no valor de €10.500,00, no capital social de “Nualux – Automação e Instalações Industriais, Lda.” NIPC ... ... .09.

14. A sociedade “L..., S.A..” foi titular de uma participação social, no valor de €24.000,00, no capital social de “N..., Lda.”, NIPC ... ... .87, que ascende a €30.000,00, conforme certidão junta como documento 7 com a petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os legais efeitos.

15. A sociedade “L..., S.A.” é titular de uma participação social, no valor de €5.225,00, no capital social de “L II, Lda., NIPC ... ... .76.

16. Desde 2017 desconhece o Autor quais os actos societários e comerciais praticados pelo Gerente e Administrador único das sociedades demandadas, a gestão do património dessas sociedades, eventuais receitas / despesas do exercício de cada uma delas, eventual distribuição de lucros ou perdas pelos sócios, créditos e débitos das sociedades, se são mantidos registos actualizados, com as informações sobre os créditos e débitos das sociedades, etc..

17. Desde 2017, as sociedades demandadas, na pessoa de EE, não prestam ao Autor qualquer esclarecimento sobre o respectivo património, actividade e funcionamento, nomeadamente através dos relatórios de gestão, livros, documentos de prestação de contas, escrituras de compra e venda, actas, relações de créditos, documentos bancários, contratos.

18. Desde 2017, as sociedades demandadas, representadas por EE, não permitem ao Autor aceder às respectivas sedes / instalações.

19. O Autor ocupa o cargo de Cabeça de Casal nos autos de processo de inventário obrigatório n.º 789/20.0..., a correr os seus termos no Juiz ... – Juízo Local Cível de ....

20. Em 2021, o Autor enviou as cartas registadas juntas por cópia como documentos 8 a 11 com a petição inicial, que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os legais efeitos.

21. As sociedades demandadas não enviaram ao Autor qualquer resposta às cartas referidas em 20.

22. No ano 2020, a sociedade “L..., S.A.” transmitiu a quota que detinha na sociedade “NUALUX – Automação e Instalações Industriais, Lda.”, no valor de €10.500,00, referida em 13, a “C..., Lda.”, NIPC ... ... .36.

23. No ano 2020, a sociedade “L..., S.A.” transmitiu a quota que detinha na sociedade “N..., Lda.”, no valor de €24.000,00, referida em 14, a “C..., Lda.”, NIPC ... ... .36.

24. A sociedade anónima “L..., S.A..”, no dia 22.06.2018, vendeu ao Réu DD a fração autónoma designada pela Letra “C”, composta por estabelecimento comercial no rés-do-chão, com entrada pela Rua ... n.º ..., do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, descrito na conservatória do Registo Predial de ... sob o número ..21, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o n.º ...24, e ainda, o prédio urbano, sito na Rua de ..., n.º ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o n.º 39, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo .78, tudo pelo preço global de €120.961,53 (Cento e Vinte Mil, Novecentos e Sessenta e Um Euros e Cinquenta e Três Cêntimos).

25. A sociedade anónima “L..., S.A..” vendeu, no dia 06.08.2018, à sociedade “CS..., Lda.”, o prédio urbano, sito na Rua do..., n.º ..., freguesia de ..., concelho da ..., descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial da ... sob o n.º ..., inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ..79, pelo preço de €:138.000,00 (Cento e Trinta e Oito Mil Euros).

26. A Sociedade “CS..., Lda.” apresenta como únicos sócios CC, DD e EE.

27. O Autor não recebeu qualquer valor das vendas referidas em 24 e 25.

28. Nas atas juntas como documentos 12 a 14 com a petição inicial, BB figura como accionista na “L..., S.A.”.

29. Os Réus GG e DD não estiveram presentes em nenhuma assembleia de sócios das sociedades demandadas.

30. O Autor apresentou Queixa-Crime, a qual foi distribuída à ....ª Secção do D.I.A.P. da ..., com o n.º 4121/17.2...

31. As sociedades demandadas procederam ao registo de contas até ao exercício de 2020 (NUALUX), 2017 (L II, Lda., 2020 (L..., S.A.) e 2020 (N..., Lda.).

32. O Autor foi funcionário da sociedade “L II, Lda..”, onde teve o cargo de chefe de oficina.

33. Nas suas funções, o Autor contactava com clientes e fornecedores e orientava o trabalho dos demais funcionários.

34. Em Dezembro de 2016, foi constituída a sociedade “S..., Lda.”, NIPC .......79, com sede na Rua de ..., n.º..., Loja ..., ..., com uma única quota de 5000€, atribuída a FF, filha do Autor.

35. O objecto social da sociedade indicada em 34 é “maquinação de peças metálicas, torneamento, fresagem, rectificação de motores, engrenagens, soldadura, corte e quinagem de chapa. Fabrico, comércio, representações, importação e exportação de máquinas, consumíveis para a indústria e material elétrico. Manutenção industrial”.

36. No ato de constituição da sociedade referida em 34, a gerência foi atribuída a FF.

37. FF era, à data referida em 34, estudante, e quem sempre tomou as decisões, contactou clientes e fornecedores, orientou os trabalhos e trabalhadores, celebrou contratos, procedeu a pagamentos, geriu a actividade da sociedade S..., Lda., foi o ora Autor.

38. A FF e o seu irmão vivem com os avós maternos, em casa destes.

39. O Autor não trabalha, actualmente, para a sociedade L II, Lda...

40. O Autor convenceu os trabalhadores da sociedade L II, Lda.., HH, II, JJ, KK e LL, a irem trabalhar para a sociedade indicada em 34.

41. Com a saída dos trabalhadores referidos em 40, a sociedade L II, Lda.. perdeu a sua capacidade produtiva, mormente na área de torneamento.

42. O Autor contactou clientes da sociedade L II, Lda. e passou a fornecer-lhe bens / serviços através da sociedade S..., Lda., referida em 34.

43. Em Outubro de 2017, o Réu EE foi interpelado pelo cliente B..., Lda para proceder a acerto de contas referente a um serviço efectuado, em 26.1.2017, num veículo automóvel propriedade da S..., Lda., referida em 34.

44. O Autor utilizou os conhecimentos que adquiriu ao serviço da sociedade L II, Lda. e transmitidos por EE para iniciar e desenvolver actividade em nome da sociedade referida em 34, similar à desenvolvida por aquela.

45. O Autor intentou acção laboral contra a sociedade L II, Lda., com fundamento na falta de pagamentos de salários e outros créditos salariais, a qual correu termos sob o n.º 2388/17.5..., Comarca do Porto – Juízo de Trabalho de ... – Juiz ....

46. A acção referida em 45 não mereceu provimento.

47. Com igual fundamento, o Autor requereu a insolvência da L II, Lda.., o que foi indeferido.

48. A L II, Lda.por força do referido em 34 em diante, mormente em 40, 41 e 42, encerrou a sua actividade, em IVA e IRC, a 31.12.2017.

49. O Autor e os seus filhos MM e NN intentaram procedimento cautelar de arresto contra os ora Réus e respectivas esposas, e ainda contraL..., S.A. e CA..., Lda., que correu termos sob o n.º 5757/19.2... e foi julgado improcedente, após recurso da decisão proferida na primeira instância.

50. No âmbito do processo referido em 30 foi proferido despacho de arquivamento, não tendo sido requerida a abertura de instrução.

51. O Autor transferiu, em 23.2.2018, a quantia de €67.315,93, de uma conta domiciliada no Novo Banco, SA, titulada pelos 1º e 2ºs Réus e pela falecida esposa, para uma conta titulada por si próprio.

52. O autor solicitou que na sede da Sociedade lhe fosse permitido o acesso e consulta de elementos contabilísticos e documentos relacionados com a gestão e vida da sociedade L..., S.A., pedido que não logrou obter sucesso. (Aditado pela Relação.)

53. Pelo menos em data não apurada do Verão de 2017, o Autor deslocou-se à sede das Sociedades demandadas, tendo-lhe sido impedido que o Autor entrasse nas instalações, e recusado esclarecer qualquer questão relacionada com o património, actividade e funcionamento das Sociedades. (Aditado pela Relação.)

B) Questão recursiva: a interpretação e aplicação do art. 215º, 1, do CSC ao inquérito judicial como questão de legalidade estrita

1. A questão de mérito reapreciada pela Relação passa pelo impedimento ilícito do exercício do direito de informação do sócio, previsto em geral no art. 21º, 1, c), do CSC, e, como tal, afastado pela cláusula geral de recusa prevista no art. 215º, 1, do CSC, relativamente ao Autor enquanto sócio da sociedade Ré «Nualux».

Tratando-se de processo de jurisdição voluntária, a revista só é admissível no que toca à reapreciação de questões relativas a critérios de legalidade estrita: art. 988º, 2, a contrario sensu, do CPC.

Assim, perante a inversão do decidido pela Relação, a revista tem esse objecto para decidir em razão do pretendido pela Recorrente insatisfeita com a procedência do inquérito judicial, aplicado por força do art. 216º + 292º, 2, ss, do CSC e dos arts. 1048º e ss do CPC, quanto à licitude ou não da recusa da informação solicitada pelo Autor na qualidade de sócio credor da informação societária.

A Recorrente, uma das Rés, cumpre os requisitos de admissibilidade da revista à luz dos arts. 629º, 1, e 631º, 1, do CPC.

2. Por comodidade, transcreve-se o enquadramento, desde logo, que o acórdão recorrido empreende no que tange ao regime jurídico pertinente do CSC.

“O processo especial de inquérito judicial à sociedade é um processo de jurisdição voluntária, que visa o exercício por um interessado do direito social à informação sobre o modo de gestão e actos da vida da sociedade, que deverá ter a qualidade de sócio, a quem está reservado o aludido direito a obter informações, nos termos dos arts. 21.º, al. c), e 214.º a 216.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC). E desdobra-se, nos termos do art. 214.º do CSC, num direito de obter informações sobre a gestão da sociedade, num direito de consulta da escrituração, livros e documentos (art. 214.º, n.º 1 e n.º 4) e num direito de inspecção dos bens sociais (art. 214.º, n.º 5).

Uma das situações previstas no CSC que poderá dar lugar a inquérito à sociedade por quotas está contemplada no art. 216º do CSC e traduz-se na violação do dever de informação por recusa, incompletude, falta de elucidação ou falsidade da informação. Conforme decorre do art. 1048º do CPC, cabe ao requerente de inquérito judicial à sociedade alegar a factualidade concreta constitutiva do direito invocado, designadamente o motivo justificativo do pedido de consulta de elementos através do recurso ao inquérito judicial – recusa de informação, falsidade ou insuficiência da informação prestada –, devendo concretizar os pontos de facto a averiguar e requerer as providências que repute convenientes, por forma a que o tribunal possa aferir se há ou não motivos para proceder ao inquérito, e se a informação pretendida pelo requerente foi ou não recusada ilicitamente pela sociedade deve abranger (art. 1049º, n.os 1 e 2 do CPC).

“O direito à informação dos accionistas não é ilimitado. Este direito tem limites extrínsecos, que resultam da restrição subjectiva dos sócios que podem solicitar as informações, e intrínsecos, que visam acautelar os riscos de uma utilização abusiva da informação para a sociedade ou para algum dos accionistas. (cfr. Ac. STJ de 06-03-2024, Proc.º 1144/21.0T8AVR.P1.S1, in dgsi.pt). (…)

Cabe ao requerente o ónus de prova da sua qualidade de sócio, bem como do impedimento ou desvirtuamento da informação previamente solicitada à gerência, enquanto à sociedade incumbe provar a factualidade que possa fundamentar a licitude da recusa (art. 342º nº 2 do CC; art. 215º do CSC).”

E como justifica o acórdão recorrido a sua decisão?

“(…) o autor só prova a qualidade de sócio relativamente às sociedades “Nualux – Automação e Instalações Industriais, Lda.”, “L II, Lda.”, e “L..., S.A..”.

(…)

Resta aferir do direito do autor a obter informações no confronto das sociedades “Nualux – Automação e Instalações Industriais, Lda.” e “L II, Lda.”, de que demonstra a sua qualidade de sócio. E quanto a esta última, vem provado que:

- O autor foi funcionário da sociedade L II, Lda.., onde teve o cargo de chefe de oficina;

- Nas suas funções, o Autor contactava com clientes e fornecedores e orientava o trabalho dos demais funcionários;

- Em Dezembro de 2016, foi constituída a sociedade S..., Lda., NIPC .......79, com sede na Rua de ..., n.º ..., Loja ...,..., com uma única quota de 5000€, atribuída a FF, filha do Autor;

- O objecto social da sociedade “S..., Lda.” é “maquinação de peças metálicas, torneamento, fresagem, rectificação de motores, engrenagens, soldadura, corte e quinagem de chapa. Fabrico, comércio, representações, importação e exportação de máquinas, consumíveis para a indústria e material eléctrico. Manutenção industrial”:

- No acto de constituição da sociedade “S..., Lda.”, a gerência foi atribuída a FF.

- FF era, em Dezembro de 2016, estudante, e quem sempre tomou as decisões, contactou clientes e fornecedores, orientou os trabalhos e trabalhadores, celebrou contratos, procedeu a pagamentos, geriu a actividade da sociedade S..., Lda., foi o ora autor.

- O autor não trabalha, actualmente, para a sociedadeL II, Lda.

- O autor convenceu os trabalhadores da sociedade L II, Lda., HH, II, JJ, KK e LL, a irem trabalhar para a sociedade S..., Lda..

- Com a saída dos trabalhadores referidos em 40, a sociedade L II, Lda.. perdeu a sua capacidade produtiva, mormente na área de torneamento.

- O autor contactou clientes da sociedade L II, Lda. e passou a fornecer-lhe bens / serviços através da sociedade S..., Lda., referida em 34.

- O autor utilizou os conhecimentos que adquiriu ao serviço da sociedade L II, Lda. e transmitidos por EE para iniciar e desenvolver actividade em nome da sociedade S..., Lda., similar à desenvolvida por aquela.

Ora, e como se frisou no Ac. da Relação de Guimarães de 21-01-2021 (Proc.º 7343/18.3VCT.G2 in dgsi.pt), “Há, contudo, casos em que a recusa da prestação de informação é admitida, ainda que a sua solicitação se tenha contido nos limites legais e contratuais aplicáveis. São os casos de recusa lícita de informação. Essa recusa fundamenta-se, em termos gerais, numa espécie de cláusula de salvaguarda ou de protecção assente na tutela do interesse da sociedade e visando permitir ao órgão de administração recusar a informação quando haja receio de que a sua prestação pudesse atentar contra qualquer daquele interesse. Relativamente às sociedades anónimas, as circunstâncias que tornam lícita a recusa de informação vêm previstas, para a informação solicitada em assembleia geral, no artigo 290º do Código das Sociedades Comerciais, e para a informação requerida fora da assembleia geral, no artigo 291º do mesmo Código. No nº 2 deste artigo 291º estabelece-se uma regra importante: a recusa de prestação de informação é ilícita se no pedido de informação for mencionado que se destina a apurar responsabilidades de membros do órgão de administração (conselho de administração ou direcção) do conselho fiscal ou do conselho geral – salvo se resultar do conteúdo do pedido ou de outras circunstâncias ser patente não ser esse o fim visado pelo pedido de informação. Para além dessa situação, a recusa de informação só será lícita nos casos previstos no nº4 do mesmo artigo 291º. Em primeiro lugar, quando for de recear que o accionista utilize a informação para fins estranhos à sociedade e com prejuízo desta ou de algum accionista. Aqui, o elemento marcante é o receio de utilização da informação para fins estranhos à sociedade, desde que ocorram simultaneamente prejuízos para esta ou para algum accionista. Em segundo lugar, a recusa é lícita quando a divulgação da informação, embora sem fins estranhos à sociedade, seja susceptível de prejudicar relevantemente a sociedade ou os accionistas. Aqui o elemento preponderante é o prejuízo (relevante) da sociedade ou dos accionistas, uma vez que pressupõe que a divulgação não visa fins estranhos à sociedade. Em terceiro lugar, a recusa é lícita quando sua prestação ocasione violação de segredo imposto por lei. O interesse da sociedade em confronto com o interesse do accionista deve ser aferido em concreto e deve prevalecer sobre o direito à informação quando for de concluir que a prestação da informação prejudica mais a sociedade do que favorece o accionista que a requereu”.

No caso vertente, o autor constituiu uma sociedade com actividade em concorrência com a “L II, Lda.”, a que deixou de prestar trabalho; convenceu trabalhadores desta sociedade a irem trabalhar para a sociedade S..., Lda.; utilizou os conhecimentos que adquiriu ao serviço da sociedade L II, Lda. desenvolver actividade em nome da sociedade S..., Lda., de que era gerente de facto, mediante a interposição fictícia de uma filha em idade escolar, tudo em frontal ofensa dos interesses económicos e do escopo social da sociedade L II, Lda.. Neste contexto, há receio justificado de que a informação pretendida seja utilizada para fins estranhos à sociedade L II, Lda., em prejuízo dos seus interesses e em benefício da sociedade S..., Lda., ocorrendo fundamento de recusa lícita de informação subsumível ao disposto nos arts. 215.º, n.º 1, e 291.º, n.º 4, al. a), ambos do CSC. Não colhendo o argumento esgrimido pelo autor, de que a L II, Lda. apenas foi criada para o autor aí desenvolver a sua actividade, de modo que, aquela empresa só existia em função do trabalho desenvolvido pelo autor, e do seu know how. A participação do autor no seu capital social era inferior a 10%, não podendo concluir-se que a sua exploração se destinasse ao proveito exclusivo do autor.

No tocante à sociedade “Nualux – Automação e Instalações Industriais, Lda.”, demonstra-se que o direito à informação do sócio não foi satisfeito, e que a informação foi efectivamente recusada, sem que se tivessem demonstrado factos integradores da licitude da recusa, que à sociedade incumbia provar, nos termos do art. 342º, nº 2, do CCivil e 215.º do CCivil. Pelo que nessa parte deverá o procedimento proceder, determinando-se o inquérito judicial requerido, para averiguação dos pontos de facto elencados no item 70.º respeitantes à sociedade “Nualux – Automação e Instalações Industriais, Lda.”, e apenas a esta.”

Decisão esta que, no que respeita à «Nualux», contrariou a necessidade de demonstração dos requisitos do art. 215º, 1, do CSC, que a sentença de 1.ª instância tinha entendido ter sido verificada; com a fundamentação a saber:

“Vimos já que AA é sócio das sociedades NUALUX – Automação e Instalações Industriais, Lda. e L II, Lda.. É sócio, em nome próprio, não carecendo da invocação da qualidade de cabeça de casal da herança aberta e indivisa por óbito de BB para demandar estas sociedades nesta ação. Sobretudo quando estão em causa as mesmas participações sociais, supra indicadas nos factos provados 10 e 11 (a referida herança não é titular de outras participações sociais, alegando o Autor, ainda que sem o provar, que as participações sociais referidas em 10 e 11 são bem comum do casal, para defender a propositura da presente ação, também, na indicada qualidade). E sempre importaria, caso existissem participações sociais da titularidade da de cujus, apurar quem poderia exercer os correspondentes direitos sociais, onde se incluem o direito à informação e o de requerer inquérito judicial (a saber, o representante comum, nos termos do art. 222º do Código das Sociedades Comerciais), não sendo uniforme a resposta a esta questão (que, porém, aqui não se coloca (…)).

Sendo o Autor sócio das indicadas sociedades, pode, por conseguinte, pedir-lhes informações, nos termos dos artigos 214º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais e pode, perante a recusa na prestação destas informações ou perante a prestação de informação presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa, requerer ao tribunal inquérito à sociedade (art. 216º do diploma legal citado).

(…)

Dos autos resulta que o Autor dirigiu às sociedades referidas (NUALUX eL II, Lda.) as interpelações constantes dos documentos 8 e 9, juntos com a petição inicial (cfr. facto provado 20). Nada mais se provou relativamente a pedidos de informações apresentados pelo Autor.

Provou-se, ainda, que as sociedades em apreço, representadas pelo seu gerente EE, desde 2017, não prestam ao Autor qualquer esclarecimento sobre o respetivo património, atividade e funcionamento, nomeadamente através dos relatórios de gestão, livros, documentos de prestação de contas, escrituras de compra e venda, atas, relações de créditos, documentos bancários, contratos (facto provado 17). Mais se provou que desde 2017, aquelas sociedades, representadas pelo mesmo gerente, não permitem ao Autor aceder às respetivas sedes / instalações (facto provado 18).

Temos, assim, a recusa do solicitado pelo Autor.

Olhando mais atentamente para as solicitações enviadas pelo Autor, verifica-se que o mesmo requereu o “envio dos relatórios de gestão, atas de aprovação de contas, as respetivas contas do exercício e todos os documentos de prestação de contas relativos à sociedade, nomeadamente IRC e IES do período relativo aos anos de 2016 até ao ano de 2020”.

Destas solicitações não resulta factualidade que permita convocar o disposto no n.º 2 do art. 214º do Código das Sociedades Comerciais, ou seja, não podemos afirmar que o Autor procura obter informações por suspeitas de práticas suscetíveis de fazerem incorrer o seu autor em responsabilidade, nos termos da lei, julgar da exatidão dos documentos de prestação de contas ou ainda habilitar-se a votar em assembleia geral convocada. Nem mesmo a alegada (nesta ação) estranheza (e suspeitas quanto à veracidade dos negócios) quanto aos negócios realizados pela sociedade L..., S.A., referidos nos factos provados 22 a 25, de todo o modo não convocada nos pedidos de “informação” dados como provados no facto provado 20, já que se prendem com a atuação desta concreta sociedade (e não das demais), sendo que quanto a esta ao Autor não assiste o direito de requerer informações e pedido de inquérito, como vimos.

Com o que a recusa da prestação da informação pode ter lugar nos termos do n.º 1 do art. 214º e seguinte.

Por outro lado, do facto provado em apreço não resulta qualquer pedido de informação em concreto, mas apenas pedido de fornecimento / envio de diversos documentos atinentes à vida / atividade das sociedades indicadas.

Ora, uma primeira palavra se impõe: o direito à informação convocado pelo Autor permite-lhe a consulta, na sede social das sociedades Rés, da respetiva escrituração, livros e documentos.

O local da consulta (e não fornecimento de documentos) é na sede social, como preceitua o n.º 1 do art. 214.º, não podendo o sócio exigir a consulta noutro local que não aquele (podendo apenas pedir informações escritas, o que não se confunde com a consulta de documentos). Dito de outro modo, a última parte do n.º 1 do art. 214º citado prevê o envio de informações por escrito se o requerente das mesmas o solicitar, o que significa, apenas, que podem ser obtidas informações escritas, como respostas a questões colocadas, não se confundindo estas informações por escrito com o envio de documentos ou cópias deles, sob pena de se esvaziar de conteúdo a primeira parte do preceito legal em apreço.

(…)

No âmbito desta consulta, não pode o sócio exigir da gerência que lhe entregue cópias dos documentos de que a sociedade dispõe — poderá, sim, tirar cópias ou, por qualquer outro meio, obter a reprodução do documento em causa (v.g. através de fotografia), atenta a faculdade que lhe é conferida pelo disposto no art. 576.º do Código Civil, aplicável ex vi do citado n.º 4 do art. 214.º, com a precisão, porém, de que esta «faculdade é condicionada a mostrar-se necessária a reprodução e o gerente não alegar motivo grave para se lhe opor».

Sabemos, atentos os factos provados, que as sociedades indicadas não enviaram ao Autor os documentos referidos. Mas não estavam obrigadas a enviá-los, para o exercício do direito à informação que assiste ao Autor, como vimos.

Porém, apurou-se que as sociedades indicadas não prestam, desde 2017, qualquer esclarecimento sobre o respetivo património, atividade e funcionamento, mormente através de relatórios de gestão, livros, documentos de prestação de contas, escrituras de compra e venda, atas, relações de créditos, documentos bancários, contratos (facto provado 17). E impedem o Autor de aceder às suas sedes / instalações (facto provado 18), o que necessariamente inviabiliza o seu direito de consulta da respetiva escrituração, livros e documentos. Podemos daqui concluir que ainda que o Autor tivesse dirigido às indicadas sociedades pedido concreto de informação sobre a respetiva atividade, património e funcionamento, ou a consulta, na respetiva sede, dos elementos de escrituração, livros e documento, obteria a mesma resposta de recusa.

Ora, o pedido de inquérito judicial, como supra se referiu, tem por base o direito à informação do sócio não satisfeito, por a informação ter sido negada, não ter sido suficiente ou quando seja de presumir que o não será.

E considera-se, do modo acabado de descrever, que ao Autor se mostra recusada a informação, ou seja, considera-se que as sociedades Requeridas L II, Lda.. e NUALUX – Automação e Instalações Industriais, Lda. recusaram o pedido de informação / consulta.

(…)

E quanto à sociedade NUALUX – Automação e Instalações Industriais, Lda.? Será a recusa igualmente lícita?

O objeto social desta sociedade é distinto do objeto social da sociedade S..., Lda. (cfr. factos provados 5 e 34). Por outro lado, não se demonstrou – nem tal foi alegado – que o Autor desviou clientes daquela e/ou aliciou trabalhadores da mesma, que incluiu na mão de obra da sociedade S..., Lda..

Contudo, as sociedades requeridas, todas elas, foram constituídas e mostram-se geridas / administradas pela mesma pessoa, o aqui Réu EE, sogro do Autor. Trata-se de sociedades de cariz familiar, onde, de algum modo, “a família” assume enorme importância e onde o indicado Réu assume o papel mais relevante, de gerente / administrador único, não obstante na sociedade NUALUX aparecerem como gerentes (eventualmente apenas de “direito”) não só o indicado OO, mas também os Réus GG e DD, seus filhos.

E na produção de prova resultou a enorme animosidade entre o referido OO e o Autor. Da prova produzida e dos factos provados, resulta ainda a prova de várias ações / processos de natureza criminal propostos pelo Autor. E resulta, ainda, o receio, sério de que este possa utilizar as informações obtidas em prejuízo desta sociedade, pois já a terá utilizado em prejuízo da sociedade L II, Lda.. Basta, entende-se, o receio, ainda que fundamentado, para legitimar a recusa da informação / consulta.

Este receio, por todo o circunstancialismo apurado, afigura-se-nos evidente e intenso.

E o Autor pode, a qualquer altura, alterar o objeto social da sociedade referida em 34, para nele incluir matéria da atuação da NUALUX – Automação e Instalações Industriais, Lda., como pode constituir nova sociedade, com idêntico objeto social (como a sua irmã referiu na audiência de julgamento, o Autor pode “abrir as empresas que quiser”).

Temos, assim, por justificado o receio a que o art. 215º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais faz referência, para justificar a recusa da informação / consulta que esteve na base do presente inquérito judicial.

Note-se que o Autor, quanto a esta sociedade, e mesmo quanto à sociedade L II, Lda.., se pretendia, tão somente, obter informações sobre as suas contas, perceber se havia passivo e qual, se havia receitas e quais, se havia lucro e qual, podia (e, acrescentamos, devia, até mesmo para apurar da situação patrimonial das mesmas, com vista à eventual valorização da participação social que nelas possui, ainda que para efeito do exercício da sua função de cabeça de casal, como alegado) ter requerido a convocação de assembleia de sócios para que as contas fossem prestadas. E não sendo estas prestadas, poderia requerê-las em inquérito judicial. Podia, também, requerer a declaração de nulidade ou anulabilidade das eventuais deliberações sociais de aprovação das contas, se aprovadas. Mas o Autor preferiu instaurar o presente processo que, é certo, a lei prevê… mas com limites, prevendo, contudo e igualmente, a recusa lícita das informações / consultas, conforme demonstrado nos autos.

Sendo ademais certo que com o inquérito judicial, a devassa da vida da sociedade é incrementada, permitindo-se o acesso, de um (ou mais) estranhos à sociedade (mormente o perito a nomear), a matéria que muitas vezes se quer resguardada do conhecimento dos demais, não podendo esquecer-se que, muitas vezes, “o segredo é a alma do negócio”. “O direito de requerer o inquérito judicial, atento o seu tão acentuado caráter intrusivo na vida da sociedade visada, é ou mostra-se suscetível de ser tão grave e perturbador, que não deve ser utilizado em situações de impasse ou desconfiança, atendendo a que a sua utilização tende, não raras vezes, a agravar essas situações, colocando os tribunais como “polícias das sociedades”, tendo, nessa medida, um efeito mais negativo do que positivo. Se assim é, o inquérito também não deve ser tomado como mecanismo para a obtenção de meios de prova relativos a outros processos em curso, como tantas vezes ocorre no âmbito de conflitos societários”, continuando este autor “… o inquérito judicial deve ser encarado como um instrumento subsidiário do direito à informação e tem, como dissemos, uma inequívoca natureza sancionatória, pois representa forçosamente uma intromissão do tribunal, ou seja, uma intervenção autoritária externa na vida da sociedade, devendo ser reservado para os casos em que o direito à informação é violado, sem possibilidade de auto-composição interna dos interesses no âmbito societário” (cfr. “O inquérito judicial enquanto meio de tutela do direito à informação nas sociedades por quotas”, Prof. Dr. Diogo Lemos e Cunha, página 332).

Importando, assim, acrescentar que, sendo o recurso ao inquérito judicial um instrumento subsidiário, ainda que a lei o não diga expressamente, e existindo ao dispor do sócio outros meios para obtenção da informação que procura obter, não devendo o inquérito judicial ser utilizado para obtenção de meios de prova relativos a outros processos em curso (como o inventário), não demonstrou o Autor ter recorrido, sem sucesso, a esses outros meios de obtenção da informação e fundamento válido e bastante para o inquérito que aqui procurou obter.”

3. Uma vez sendo a sociedade requerida pertinente para a revista uma sociedade por quotas, interessa saber que o art. 215º, 1, do CSC prescreve que a informação, a consulta ou a inspecção só podem ser recusados pelos gerentes quando for de recear que o sócio as utilize para fins estranhos à sociedade e com prejuízo desta e, bem assim, quando a prestação ocasionar violação de segredo imposto por lei no interesse de terceiros.

Não estamos perante pressupostos cumulativos, antes duas situações autónomas de justificação da ilicitude da recusa de informação; situações estas que, a não ser se houver cláusula adicional no pacto social que não se traduza em negação ou excessiva limitação do direito (215º, 1, 1.ª parte, 214º, 2, CSC)1, são taxativas2.

Assim vistas, sempre que se avança para “inquérito judicial” sanador do vício da informação devida e não prestada na modalidade relevante ou adequada3, é sobre a sociedade demandada que recai o ónus de alegação e prova dos factos dos quais se possa retirar ou inferir a licitude da recusa da prestação da informação pedida, uma vez que são factos impeditivos do direito do requerente credor da informação (art. 342º, 2, CCiv.); seja porque (i) existe o receio objectivo de que o sócio a utilize para fins estranhos à sociedade e com prejuízo desta, seja porque (ii) a prestação da informação solicitada pelo sócio acarreta violação de segredo imposto por lei no interesse de terceiros. Tal significa que cabe à sociedade alegar e provar que a recusa da informação foi lícita ou que a informação prestada é verdadeira ou completa, sempre com factos concretos instrumentais para tais conclusões do regime legal, pois é inequívoco que o inquérito não pode servir para que o requerente use o tribunal para aceder a informação que fundaria uma recusa lícita por parte da sociedade.4

Como e com que substância probatória?

Para o primeiro fundamento, “o receio há-de ser objetivamente fundado (não releva a eventual suscetibilidade timorata ou fóbica dos gerentes). Existirá receio legitimador da recusa quando, atendendo à natureza da informação pedida e à situação do sócio requerente na sociedade e fora dela, haja forte probabilidade de a mesma informação ser utilizada para fins diferentes dos licitamente prosseguíveis pelos sócios na ou através da sociedade, daí resultando (não negligenciável) prejuízo para esta. Por exemplo, um sócio é concorrente da sociedade e pretende consultar os documentos sociais donde constam as listas nominativas de clientes, as condições de pagamento oferecidas pelos fornecedores e os preços de venda praticados pela sociedade”5. Porém, será preciso alegar e provar algo mais para se poder concluir que também seja de recear que aquela utilização cause prejuízo à sociedade: “por exemplo, porque é de recear que a sociedade concorrente faça seus os clientes e receitas da primeira”6.

Para o segundo fundamento, o “segredo imposto por lei” abrange as informações não publicitadas e que por lei não podem ser comunicadas pela sociedade, como sejam os segredos de Estado e várias espécies de segredo profissional7.

4. O que a sociedade «Nualux» alega é ter havido recusa licitamente feita com base no primeiro fundamento: considera que, designadamente, “o fornecimento dos Contratos de automação, instrumentação, importação, exportação de material elétrico e eletrónico que tenham sido celebrados pela Sociedade Nualux – Automação e Instalações Industriais, Lda., desde 16 de Outubro de 2016, até à presente data, se destina a ser usado para fins estranhos à Recorrente e com evidente prejuízo dela”, estando ao serviço desta demonstração os factos provados 32. a 51., tendo com eles cumprido suficiente e bastamente a sociedade Ré e aqui Recorrente o ónus que sobre ela incumbia.

Porém, em face do também provado nos factos 16., 17., 18., 20., 21. e 31., o que se vislumbra nessa factualidade não respeita à sociedade «Nualux», mas sim no essencial à sociedade «L II, Lda.» e à recusa de informação desta em face das relações do Autor com a sociedade «S..., Lda.».

Na verdade, a factualidade que subsiste assente não consente, por ora, que se haja como demonstrado, com o sentido invocado pela Ré e aqui Recorrente, enquanto uma das sociedades requeridas no processo, que seja de afastar da esfera de conhecimento do Autor os pontos de facto que sejam relevantes e pedidos na presente diligência judicial; logo, não se vislumbra na matéria de facto provada o preenchimento do primeiro fundamento de recusa lícita de informação para a sociedade «Nualux», conclusão esta decorrente da subsunção jurídico-normativa que em sede de revista o art. 682º, 1, do CPC proporciona em exclusivo.

Note-se que o “receio legitimador” é objectivamente fundado e assente numa probabilidade forte e verosímil de utilização ilícita e prejudicial e não se verifica perante meras suposições de índole subjectiva ou antecipação de comportamentos concorrenciais tidos como previsíveis do sócio requerente – mesmo que relacionados com os factos provados tocantes à sociedade «L II, Lda.» –, que não encontram arrimo na materialidade apurada como assente para aferição dos requisitos legais do fundamento em causa e contemplado no disposto pelo art. 215º, 1, do CSC.

Outro cenário – ulterior e a comprovar – será o da utilização indevida das informações prestadas e das suas consequências, de acordo com o art. 214º, 6, do CSC – o que não é nem pode ser objecto do presente recurso.

Razões pelas quais se adere ao argumentado e decidido pelo acórdão recorrido, falecendo as Conclusões da revista.

III. DECISÃO

Em conformidade, julga-se improcedente a revista.

Custas da revista pela Recorrente.

STJ/Lisboa, 9 de Julho de 2025

Ricardo Costa (Relator)

Maria Olinda Garcia

Luís Correia de Mendonça


SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CSC)

__________________________________________________

1. Realce feito por PAULO OLAVO CUNHA, Direito das sociedades comerciais, 7.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019 (reimp.: 2021), pág. 407.↩︎

2. RAÚL VENTURA, Sociedades por quotas. Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Vol. II – Artigos 197.º a 239º, 2.ª ed., Almedina, Coibra, 1989, sub art. 215º, págs. 309-310.↩︎

3. Para este âmbito, v. o Ac. do STJ de 26/1/2021, processo n.º 4951/19, Rel. ANA PAULA BOULAROT, in www.dgsi.pt (“na base do pedido do inquérito judicial a uma sociedade por quotas está: (i) a recusa de informação; (ii) ou a prestação de informação presumivelmente falsa; (iii) ou prestação de informação não esclarecedora.”).↩︎

4. V., na doutrina, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO/ANA ALVES LEAL, “Artigo 216º”, Código das Sociedades Comerciais anotado e regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais (DLA), coord.: António Menezes Cordeiro, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2024, págs. 768-769, REMÉDIO MARQUES, “Artigo 216º”, Código das Sociedades Comerciais em comentário, coord.: J. M. Coutinho de Abreu, Volume II (Artigos 175º a 245º), 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2023, págs. 345-346. Inequivocamente, o Ac. do STJ de 29/10/2013, processo n.º 3829/11, Rel. HÉLDER ROQUE, in www.dgsi.pt (v. ponto IV. do Sumário).↩︎

5. COUTINHO DE ABREU, Curso de direito comercial, Volume II, Das sociedades, 8.ª ed., Almedina, Coimbra, 2024, págs. 269-270.↩︎

6. ALEXANDRE DE SOVERAL MARTINS, “Artigo 215º”, Código das Sociedades Comerciais em comentário, coord.: J. M. Coutinho de Abreu, Volume II (Artigos 175º a 245º), 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2023, págs. 320-321.↩︎

7. COUTINHO DE ABREU, ob. cit., pág. 269.↩︎