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RESPONSABILIDADE CIVIL
ADVOGADO OFICIOSO
PERDA DE CHANCE
Sumário
I - Ao declarar que os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante, a lei exige que o facto seja “susceptível de produzir efeitos jurídicos e releva[r] para a decisão da controvérsia”, facto esse que “pode assumir várias nuances: constitutivo dum dever ou sujeição do declarante; extintivo ou impeditivo de um direito do declarante; modificativo de uma situação jurídica favorável ao declarante; negação de um facto constitutivo de um direito do declarante; negação de um facto extintivo ou modificativo de um direito ou sujeição do declarante, o que se afere em função da controvérsia. II – A responsabilidade civil profissional do Advogado nomeado oficiosamente, seja no âmbito da lei do Apoio judiciário, seja no âmbito do n.º 3 do art.º 64º do CPP, é de natureza contratual. III – Tendo o R., na qualidade de defensor oficioso comunicado à arguida, aqui 1ª A., quando ainda se encontrava a decorrer o prazo para interpor recurso, que não havia fundamento para interpor recurso da sentença, e tendo a mesma aceite tal entendimento, não tendo, nomeadamente, requerido a nomeação de novo defensor nem tendo invocado nos autos que, ao contrário do que havia sido afirmado pelo R., afinal havia fundamentos para o recurso, impõe-se entender que o 1º R. não praticou, neste âmbito, qualquer facto ilícito, ou seja, não violou qualquer dever emergente da relação específica estabelecida com a 1ª A., mais concretamente os deveres emergentes dos art.ºs 97º e 100º do EOA. IV –Tendo o 2º A. constituído o R. como mandatário tendo em vista a instauração de um processo de revisão de sentença, a sua remuneração não estava abrangida pelo apoio judiciário de que aquele gozava no processo principal e, deste modo, havia lugar, naturalmente, ao pagamento dos respectivos honorários.
Texto Integral
ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
1. Relatório AA e BB instauraram acção declarativa de condenação contra CC e DD pedindo a condenação “dos RR. a ressarcir os Autores de todos os danos por estes sofridos como consequência adequada do evento descrito, nas seguintes quantia: “4.1) O 1º Réu a pagar à 1ª Autora, a título de indemnização, por danos patrimoniais a quantia de 5.540,00 €, e por danos morais a quantia de 1.500,00 €, acrescida de juros de mora contados, desde a citação, à taxa legal aplicável, até efetivo pagamento; 4.2) A 2ª Ré a pagar ao 2º Autor, a título de indemnização, por danos patrimoniais a quantia de 4.000,00 €, e por danos morais a quantia de 1.000,00 €, acrescida de juros de mora contados, desde a citação, à taxa legal aplicável, até efetivo pagamento; 4.3) O 1º Réu a restituir, aos Autores, a quantia de 2.000,00 €, acrescida de juros de mora contados, desde a citação, à taxa legal aplicável, até efetivo pagamento; 4.4) Em custas e procuradoria condigna.”
Alegaram para tanto, e em síntese, que no âmbito do processo crime nº 306/12.6GAPTL, o 1º R., Advogado, foi nomeado patrono à 1ª A. e a 2ª R., Advogada, foi nomeada patrona ao 2º A.; no referido processo os AA., na qualidade de arguidos, foram condenados numa pena de multa e no pagamento de uma indemnização aos ofendidos; logo após a leitura da sentença, os AA. comunicaram aos RR. a sua discordância quanto à sentença e a intenção de que os mesmos apresentassem recurso; o 1º R. concordou com os AA.; os AA. contactaram a 2ª Ré que declarou que o recurso só faria sentido se ambos os arguidos recorressem; os AA. contactaram o 1º R. que prometeu contactar com a 2ª Ré; 15 dias depois o 2º A. contactou com a 2ª Ré que informou que não tinha sido contactada pelo 1º R.; o 2º A. contactou o 1º R. que declarou que já havia contactado com a 2ª Ré e tinham concluído que não havia fundamento para o recurso; o 2º A. confrontou o 1º R. com a declaração da 2ª Ré de que não tinha sido contactada pelo 1º R. tendo o mesmo dito que alguém estava a mentir e que voltaria a falar com a 2ª Ré e que iria avançar com o recurso; 15 dias depois o 2º A. contactou com a 2ª Ré que declarou que não havia sido contactada pelo 1º R. e que apenas apresentaria recurso se os dois arguidos, os ora AA., o fizessem, o que, não tendo sucedido, a levou a não apresentar recurso, mais informando que o prazo para o efeito já tinha terminado; o 2º A. falou novamente com o 1º R. que declarou que tinha falado com a 2ª Ré e que não tinham recorrido por não existirem fundamentos.
Alegaram, ainda, que mais tarde, o 1º R reuniu com o 2º A e transmitiu-lhe que havia argumentos para apresentar recurso da sentença, sendo necessário, para o efeito, procuração de ambos os arguidos, ora AA., bem como a quantia de €1.000,00; questionado o 1º R. quanto à necessidade de pagar a referida quantia uma vez que gozava do benefício do apoio judiciário, aquele respondeu que o recurso não estava abrangido pelo mesmo; o 2º A. entregou a quantia de € 1.000.00 e o 1ª R. entregou-lhe a declaração que junta; o 1º R. nunca informou ou esclareceu o 2º A. sobre o significado de “recurso de revisão” ou “recurso ordinário” nem sobre a distinção de ambos, sempre criando a convicção de que se trataria do recurso da sentença condenatória; o 2º A. apercebeu-se que a declaração referia adiantamento de honorários, o que contrariava a sua convicção de que aquela quantia corresponderia ao pagamento total; o 2º A. contactou o 1º R. que lhe disse que a quantia total dos honorários era de € 2.000,00, pelo que eram necessários mais € 1.000,00; o 2º A. entregou ao 1º R. a quantia de € 1.000,00; posteriormente os AA. foram citados em processo de execução para pagamento de quantia certa, tendo como título executivo a sentença proferida no processo 306/12.6GAPTL; o 2º A. entregou as referidas citações ao 1º R. que disse que ia tratar do assunto; decorridos mais de dois anos os AA. deixaram de ter qualquer notícia do 1º R., furtando-se o mesmo ao contacto; os RR. não apresentaram o recurso, apesar de instruídos para o efeito pelos AA. e de terem aceite apresentar recurso; o 1º R. além de não ter apresentado qualquer recurso, ainda recebeu indevidamente a quantia de € 2.000,00 uma vez que em face do apoio judiciário estava proibido de receber qualquer remuneração diversa da que está prevista na lei, além de que o apoio judiciário se estende ao processo principal e a todos os seus apensos.
Alegaram também que os AA. tiveram de pedir emprestado os € 2.000,00, são pessoas sem rendimentos e parco património, vivendo com dificuldades e à custa do apoio que recebem de instituições de caridade e de alguns familiares; pagaram em prestações a multa de € 1.250,00; não conseguiram pagar a indemnização; no processo de execução de sentença foram penhorados junto de bancos, residência e empregadores enquanto estiveram empregados e três veículos automóveis e o quinhão hereditário do 2º A.; a não apresentação do recurso gorou as esperanças dos AA. de verem reposta a verdade dos factos ou, pelo menos, de ver reduzida substancialmente a pena e a indemnização; sofreram danos na medida das multas e indemnização; passaram a possuir condenações nos respectivos registos criminais; os AA. confiavam no trabalho dos RR., como Advogados, no sentido de que tudo fariam para defender da melhor forma os seus interesses e direitos, e sentiram-se enganados, especialmente em relação ao 1º R., que os manteve nessa situação de engano durantes anos, pois comunicava que tudo estava a ser tratado da melhor forma; os AA. sentiram e sentem um grande sofrimento, angústia e constrangimento.
Citada, a 1ª Ré contestou dizendo, em síntese, que o 2º A. nunca antes lhe esboçou o mínimo protesto ou desacordo, sempre tendo manifestado apreço e satisfação pelo trabalho desenvolvido pela mesma; conhecida a sentença condenatória logo comunicou ao 2º A. que não via qualquer viabilidade ou vantagem num eventual recurso, dada a prova incriminatória evidenciada em julgamento; poucos dias depois, após melhor ponderação e após ter contactado telefonicamente o 1º R., reuniu com o 2º A. tendo-lhe comunicado que não via fundamento ético ou jurídico para o recurso, pelo que não iria recorrer, informando-o que caso não concordasse teria de requerer novo patrono ou nomear advogado para o efeito; o 2º A. compreendeu e aceitou a posição da R., pedindo apenas para que requeresse o pagamento da multa em prestações, o que a R. fez; a R. voltou a contactar o A. a fim de indagar se aceitava a prestação de trabalho a favor da comunidade em lugar da multa, o que o A. recusou e a R. comunicou ao tribunal; a R. foi notificada de que o 2º A. havia constituído mandatário no processo em questão; o comportamento do A. , de vir agora demandar a R., configura abuso de direito.
Terminou requerendo a intervenção principal provocada da Seguradora EMP01... Company SE, Sucursal em ..., para intervir como sua associada e parte principal, para assegurar a sua eventual responsabilidade civil.
Citado o 1º R. também contestou dizendo, em síntese, que após proferida sentença e ainda dentro das instalações do tribunal, os RR. trocaram impressões, tendo ambos referido que não viam qualquer viabilidade ou fundamento para apresentação do recurso; acordaram estudar o caso e depois comunicar aos AA. o resultado desse estudo; dias depois o 1º R. contactou a 2ª Ré e ambos decidiram, face à clareza dos factos e das provas produzidas, não existirem fundamentos para o recurso, tendo cada um dos RR. comunicado tal decisão aos AA. quando ainda se encontrava a decorrer o prazo do recurso, o que foi aceite por aqueles, até que a sentença transitou em julgado; ainda que existisse alguma responsabilidade do 1º R., pelo facto de não recorrer da sentença, o direito da A. em peticionar tal responsabilidade já se encontra prescrito.
Mais alegou que representou a 1ª A. no processo 2342/13.6TAVCT no âmbito do qual foi proferido despacho de arquivamento; os ofendidos requereram a abertura de instrução, que terminou com despacho de não pronúncia; tal processo teve inicio em certidão extraída do processo n.º 306/12.6GAPTL; o R. fez saber aos AA. que caso fosse proferido despacho de não pronúncia haveria a possibilidade de apresentar um processo de revisão de sentença; o 2º A. declarou que iriam seguir esse caminho e queria que o R. o representasse em tal processo; o R. respondeu que apenas era o defensor da 1ª A. e para o poder representar teria de lhe outorgar procuração e pagar os honorários; o 2º A. outorgou a procuração e pagou € 1.000,00.
Alegou ainda que após ter sido proferido despacho de não pronúncia, o 1º R. chamou os AA. ao escritório informando-os que após o trânsito em julgado de tal despacho poderia apresentar o recurso de revisão, tendo o 2º A. manifestado a vontade de seguir em frente e solicitado ao R. que tratasse de tudo; o R. voltou frisar que para o poder representar este teria de lhe outorgar procuração e pagar os honorários; dias depois o A. entregou a quantia em dinheiro, tendo a funcionária do 1º R. emitido declaração de pagamento especificando ser adiantamento para honorários, que entregou ao 2º A.; no próprio dia o A. deslocou-se ao escritório do 1º R. solicitando declaração que especificasse que a quantia se destinava ao pagamento do recurso de revisão, ao que a funcionária do escritório acedeu; tendo a mesma solicitado a devolução da 1ª declaração, o 2º A. invocou que não a tinha e que depois a devolveria; após outras insistências que refere, o 2º A. nunca devolveu a primeira declaração, tendo o mesmo usado as duas declarações para apresentar contra o R. na Ordem dos Advogados e apresentar queixa-crime no DIAP de Ponte de Lima, a qual foi arquivada; pelas razões que explica é falso que durante dois anos os AA. não tenham tido notícias do R.; estando em preparação o recurso de revisão e em função dos factos que descreve, relacionados com a colega de escritório e as funcionárias, enviou uma carta ao 2º A. acompanhada de um cheque pessoal no valor de € 866,16 referente ao acerto de despesas e honorários até àquele momento e concedendo-lhe o prazo de dois dias para informar se pretendia que o recurso de revisão fosse apresentado em juízo; o A. compareceu no escritório do R., pediu que o recurso fosse apresentado, outorgou procuração e declarou que não pretendia proceder ao desconto do cheque; o recurso de revisão foi apresentado; um dia antes o 2º A. apresentou queixa contra o 1º R. alegando que o mesmo o havia ameaçado e agredido; os AA. solicitaram ao R. que intentasse uma acção declarativa e a resolução de um processo administrativo; o R. não levou ao fim os processos porque renunciou à procuração e relativamente aos quais os AA. nada pagaram.
O R. deduziu pedido reconvencional, que, dada a economia do recurso não releva aqui descrever, e incidente de intervenção principal provocada da Seguradora EMP02... – Companhia de Seguros, S.A., para intervir como sua associada e parte principal, para assegurar a eventual responsabilidade civil do R.
Os autores responderam à excepção dizendo, em síntese, que a responsabilidade civil de advogado é contratual, pelo que o prazo de prescrição é ordinário, de vinte anos e, por isso, discordam que o direito invocado se encontre prescrito, replicaram quanto ao pedido reconvencional e impugnaram os documentos juntos pelo 1º R.
Foi admitida a intervenção de EMP02..., S.A. e de EMP01... Company SE, Sucursal em ... a título acessório.
EMP02..., S.A., após ter sido citada, apresentou contestação, arguindo a excepção de ilegitimidade passiva, dizendo que apenas exerce a actividade de corretagem de seguros, sendo mediadora entre o tomador de seguros e a companhia de seguros; impugnou os factos constantes da petição inicial e concluiu que nenhuma responsabilidade lhe pode ser assacada porque não foi parte no contrato de seguro referido nos autos, terminando pedindo a procedência da excepção de ilegitimidade e, em consequência, a sua absolvição da instância ou, caso assim não se entenda, a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.
A EMP01... Company SE, ..., após citação, apresentou contestação, alegando, em síntese, que nos termos do Seguro de Responsabilidade Civil Profissional celebrado com a Ordem dos Advogados, segura o risco decorrente de acção ou omissão dos Advogados com inscrição em vigor na OA, no exercício da sua profissão, sendo estes os beneficiários de tal seguro; nos termos da apólice não é relevante para a determinação da sua aplicabilidade a data da verificação dos factos eventualmente susceptíveis de gerar responsabilidade civil profissional, mas a data da primeira reclamação dos factos; a apólice subscrita pela interveniente tem como limite de indemnização o valor de € 150.000,00, com uma franquia de € 5.000,00, a cargo dos réus; os factos alegados na PI e imputados aos RR. “foram consciencializados em 2015”, em momento anterior ao da contratação da apólice, tendo a 2ª R. comunicado, apenas em Novembro de 2021, os factos e circunstâncias em causa; os alegados direitos de indemnização dos AA. prescreveram em 2019, pois o prazo é de três anos, considerando que não houve lugar a qualquer contrato de mandato estabelecido entre as partes; impugnou os factos.
Concluiu, peticionando a procedência das excepções invocadas, com a sua absolvição do pedido, ou caso assim não se entenda, que se julgue a acção improcedente, por não provada, absolvendo-se o réu e interveniente do pedido.
A 2ª Ré respondeu.
Foi proferido despacho saneador que declarou admitir a coligação de autores, admitiu a reconvenção deduzida pelo 1º R., fixou o valor da causa em € 23.689,98, pronunciou-se sobre o objecto do litígio, consignou os temas da prova e pronunciou-se quanto aos requerimentos probatórios, não tendo sido objecto de reclamações.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida sentença cujo decisório tem o seguinte teor: Pelo exposto: a) Julgo totalmente improcedente a presente acção, por não provada e, em consequência absolvo os réus CC e DD, dos pedidos; b) Julgo totalmente improcedentes os pedidos reconvencionais, por não provados e, em consequência absolvo os reconvindos AA e BB, dos pedidos; c) Condeno os autores no pagamento das custas do processo, e o réu CC, no pagamento das custas da instância reconvencional – art. 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
Os AA. interpuseram recurso, pedindo a alteração da sentença no sentido de o 1º Réu ser condenado nos pedidos formulados na petição inicial, sob os pontos 4.1) e 4.3) e 4.4), tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:
1.ª) A sentença recorrida deu como provados e não provados factos de forma que consideram incorretamente julgados; 2.ª) Os meios de prova que impõem decisão diversa sobre a matéria de factos são os documentos juntos ao processo, designadamente as Declarações, junta como documento n.º 6 e 7 com a p.i., - Declaração junta como documento n.º 7 com a p.i., e a Carta e Motivação do Recurso de Revisão, junta como como documento n.º 7 e 8 com a contestação do 1º Réu; 3.ª) Deste meio de prova documental extrai-se a seguinte matéria de facto: 4.ª) O 1º Réu, na qualidade de advogado, recebeu a quantia total de 2.000,00 € (dois mil euros ), de BB, ora Recorrente, a 15/01/2016; 5.ª) O 1º Réu assumiu, perante os Arguidos, ora Autores e Recorrentes, o compromisso de instaurar recurso (ordinário) da sentença o processo n.º 306/12.6GAPTL, o que não sucedeu; 6.ª) Esta factualidade deveria ter sida da como provada em face dos meios de prova indicados, bem como que o 1º Réu: - que o facto provado no ponto 17, sucedeu antes de 15/01/2026 e que o recurso, ordinário, se referia ao processo n.º n.º306/12.6GAPTL; - que o os factos provados no ponto 18 e 19 ocorram no dia 15/01/2026; 7.ª) Bem como deveria ter sida dado como provado o que a sentença recorrida deu como não provado, nomeadamente: - que o 1º Réu concordou em avançar com o recurso ordinário (parte da alínea c) e g) dos factos dados como não provados); - e alíneas k), l) a s); 8.ª) E como não provado os pontos 44, 45, 50, 52, 55, 57, 58, 60. 9.ª) Deste modo, violou, o Tribunal a quo, os artigos 342º, 352º, 358º, 376º C. Civil. 10.ª) Por conseguinte, verificam-se todos os requisitos da responsabilidade civil, devendo, o 1º Réu ser condenado na obrigação indemnizar os Autores, em conformidade com os pedidos formulados na pi.; 11.ª) O Tribunal a quo fez uma errada interpretação do artigos 496º, 566º, 799º, 1161º do C. Civil, o art. 9º, e 100º do E.O.A, e os artigos 3º e 18º da Lei n.º 34/2004, e deveria, de acordo com uma correta interpretação destes mencionados preceitos, condenar o 1º Réu a indemnizar os Autores.
Não consta tenham sido apresentadas contra-alegações.
2. Questões a apreciar
O objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso, cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
O Tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas (isto é, questões que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” (cfr. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, p. 139).
Pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, pelo que não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida.
As questões que cumpre apreciar são:
- deve ser dado como provado que o facto provado no ponto 17, sucedeu antes de 15/01/2016 [certamente por lapso os AA. referem 2026] e que o recurso, ordinário, se referia ao processo n.º n.º306/12.6GAPTL?
- deve ser dado como provado que os factos provados nos pontos 18 e 19 ocorreram no dia 15/01/2016 [certamente por lapso os AA. referem 2026]?
- deve ser considerado provado que o 1º Réu concordou em avançar com o recurso ordinário (parte da alínea c) e g) dos factos dados como não provados)?
- deve ser considerada provada a factualidade constante das alíneas k), l) a s)?
- deve ser considerada não provada a factualidade constante dos pontos 44, 45, 50, 52, 55, 57, 58, 60?
- verificam-se todos os requisitos da responsabilidade contratual, devendo o 1º R. (o recurso não coloca minimamente em crise a absolvição da Ré DD) ser condenado a indemnizar os AA. nos termos peticionados? 3. Fundamentação de facto
3.1. O tribunal a quo considerou:[1] A – Factos provados
Da instrução e discussão da causa, julgou-se provada a seguinte factualidade:
Da petição inicial
1. Os Autores foram, na qualidade de arguidos, julgados e condenados em pena de multa e em indemnização, aos demandantes, por sentença transitada em julgado, no processo comum n.º 306/12.6GAPTL, no presente Tribunal, Juiz 2 (documento de fls. 11 e ss., que se dá por integralmente reproduzido);
2. Os Autores, na referida sentença, foram condenados, cada um, numa pena de multa global de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros), e, solidariamente, na quantia global de € 9.830,00 (nove mil oitocentos e trinta euros), a título de indemnização cível;
3. O 1º Réu usa o nome profissional de Dr. CC, é advogado, inscrito na Ordem dos Advogados, com a cédula n.º ...29..., e foi nomeado patrono à 1ª Autora, no supra aludido processo, com a notificação da Acusação, a 29.11.2013;
4. A 2ª Ré usa o nome profissional de Dra. DD, é advogada, inscrita na Ordem dos Advogados, com a cédula n.º ...03..., e foi nomeada patrona ao 2º Autor, no supra aludido processo, com a notificação da Acusação, a 29.11.2013;
5. A sentença, proferida no referido processo, foi lida na presença, entre outros, dos aqui Autores e Réus, em simultâneo, a 09.06.2015;
6. E, no mesmo dia, depositada na Secretaria da Secção do Tribunal;
7. Os Autores, no dia 09.06.2015, logo após a leitura da sentença, comunicaram aos Réus a sua discordância quanto à sentença e a sua intenção de estes apresentassem o competente recurso da sentença;
8. Os Autores sempre negaram a prática do crime;
9. Acresce que os Autores não aceitavam, ainda, o facto de ser ter dado como não provado, na sentença, que, pelas 2h do dia 17.06.2012, os Arguidos, ora Autores, estavam em ..., no café EMP03...;
10. Os Autores, poucos dias depois, contactarem a Dra. DD, ora 2ª Ré, e reiteraram a sua intenção de recorrer da sentença;
11. Tendo esta 2ª Ré declarado, nessa reunião, o seu entendimento que o recurso só faria sentido se ambos os Arguidos, ora Autores, recorressem;
12. Os Autores, de seguida, contactaram o Dr. CC (1º Réu), reiterando a sua intenção de recorrer da sentença e informando-o do entendimento da 2ª Ré;
13. Tendo este 1º Réu prometido contactar a 2ª Ré no sentido de definirem, em colaboração com a aquela, os argumentos de recurso;
14. O autor foi informado, por este, que já havia contactado a Dra. DD (2ª Ré) e que tinham concluído que não havia fundamento para recurso;
15. O autor contactou a Dra. DD, que lhe transmitiu que apenas apresentaria o recurso se os dois Arguidos, ora Autores, o fizessem;
16. O Dr. CC (1º Réu), algum tempo mais tarde, telefonou ao 2º Autor e pediu-lhe para comparecer no seu escritório;
17. O Dr. CC (1º Réu), nesta reunião, transmitiu ao 2º Autor que, afinal, após melhor estudo, havia argumentos para apresentar recurso da sentença, sendo necessário, para o efeito, procuração do Autor, bem como a quantia de € 1.000,00 (mil euros);
18. O 2º Autor, em data não concretamente apurada, compareceu no escritório do 1º Réu e entregou-lhe a quantia de € 1.000,00, tendo o 1º Réu, por sua vez, entregue uma declaração (documento nº 6 da p.i., que se dá por integralmente reproduzido);
19. O 2º Autor entregou ao 1º Réu mais € 1.000,00 (mil euros), tendo este, por seu turno, entregue uma declaração - cfr. doc. n.º 7, que se dá por integralmente reproduzido;
20. Os Autores, posteriormente, foram citados em processo de execução para pagamento de quantia certa, tendo como título executivo a sentença proferida no processo identificado em 1);
21. Os Réus não apresentaram o recurso (ordinário), da sentença referida em 1);
22. Os Autores, a 05.06.2018, apresentaram participação disciplinar do Dr. CC (1º Réu), à Ordem dos Advogados;
23. Os Autores tiveram de pedir emprestado os € 2.000,00 (dois mil euros) que entregaram ao 1º Réu;
24. Os Autores passaram a possuir condenações nos respetivos registos criminais;
Da contestação da ré DD
25. O Autor manifestou apreço e satisfação pelo trabalho desenvolvido pela ré, nomeadamente quando se deslocava ao seu escritório, inclusive no âmbito de outro processo que posteriormente patrocinou, em defesa da sua companheira, ora Autora;
26. Conhecida a sentença condenatória, no mesmo dia a Ré comunicou ao Autor que não via qualquer viabilidade ou vantagem num eventual recurso, dada a prova incriminatória direta e indirecta evidenciada em julgamento;
27. Poucos dias após a leitura da sentença, após melhor ponderação e após haver auscultado telefonicamente o colega (ora 1º R.), que ali patrocinou a autora, a ré reuniu com o Autor no seu escritório, tendo-lhe comunicado que não via fundamento ético ou jurídico para recurso, pelo que não iria recorrer;
28. Informando-o que, caso não concordasse (o que não foi o caso), teria que requerer novo patrono ou nomear advogado para o efeito;
29. Nessa circunstância, o Autor manifestou compreender e aceitou a posição da Ré, de não interpor recurso, mostrando-se satisfeito com o seu trabalho;
30. Pedindo apenas para que se requeresse o pagamento em prestações da multa em que fora condenado, o que a Ré fez;
31. Ainda em Dezembro de 2015, a Ré voltou a contactar o Autor, a fim de indagar se aceitava a prestação de trabalho a favor da comunidade, em lugar da multa, após o que comunicou ao tribunal a sua recusa, mediante requerimento de 10.12.2015;
32. Sendo que mediante notificação recebida em 15.03.2016, veio a Ré a tomar conhecimento de que o Autor constituíra mandatário no âmbito do processo em questão;
33. A ré desconhece quanto o Autor possa ter combinado ou declarado ao primeiro Réu e vice-versa;
34. Como nunca esteve presente no escritório do 1º Réu e nunca participou em qualquer reunião com o mesmo, com vista a preparar qualquer defesa ou iniciativa processual;
35. Em 2019 veio a Ré a ser nomeada defensora da Autora, no âmbito de um processo crime que correu termos no Juízo Central Criminal de Viana do Castelo;
36. Tendo nessa data o Autor, como co-arguido, comparecido no escritório da Ré, acompanhado da autora;
37. Nessa altura, novamente o Autor voltou a elogiar o trabalho da Ré, manifestando o seu contentamento e satisfação por ser ela a tratar do assunto;
38. Satisfação essa que verbalizou sempre durante todo o processo, o qual veio a culminar com a absolvição da arguida (e da condenação dele), isto a ponto de promover mesmo uma reunião no escritório da Ré, onde fez questão que estivesse também a patrona que o representara (Dra. EE);
39. Aí tendo uma vez mais louvado e agradecido particularmente o trabalho da Ré;
40. A Ré celebrou e possui seguro de responsabilidade civil o qual está transferido para a “EMP01... Company SE, ...”, com a apólice nº ...22;
Da contestação/reconvenção do réu FF
41. Após proferida sentença, e ainda dentro das instalações do Tribunal, os Réus trocaram impressões sobre a existência ou não de fundamentos para apresentação de recurso, tendo ambos referido que não viam qualquer viabilidade ou vantagem num eventual recurso, atenta a prova carreada para os autos, quer em sede de inquérito, quer em sede de audiência de discussão e julgamento;
42. Mesmo assim, acordaram, na presença dos Autores, estudar o caso e depois comunicar-lhes o resultado desse estudo;
43. Dias depois, o 1º Réu, contactou a 2ª Ré e ambos decidiram, face à clareza dos factos e das provas produzidas, não existiam fundamentos para recurso;
44. Tendo cada um dos Réus, comunicado aos Autores, tal decisão, quando, ainda se encontrava o prazo de recurso a decorrer;
45. O que, foi aceite pelos Autores;
46. Até que, a referida sentença acabou por transitar em julgado;
47. O Réu também representou a Autora no processo crime que correu termos sob o nº 2342/13.6TAVCT, do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, no âmbito do qual foi proferido despacho de arquivamento, em 24.11.2014;
48. Na sequência do qual os ofendidos, não se conformando com o mesmo, requereram a abertura de instrução, que terminou com despacho de não pronúncia, em 02.11.2016;
49. O Réu fez saber aos Autores, na sequência do dito despacho de arquivamento e de abertura de instrução apresentado pelos ofendidos, que na sua opinião deveriam aguardar o desfecho desse processo;
50. E, caso fosse proferido despacho de não pronúncia, haveria a possibilidade de apresentar um novo processo de revisão de sentença, uma vez que, alguns dos factos alegados em ambos os processos estavam interligados, nomeadamente, quanto aos objectos de ouro e tiveram resultados opostos;
51. Nessa altura, o Autor BB encontrava-se no gabinete do Réu, disse logo que iriam seguir esse caminho e, queria que o Réu também o representasse nesse novo processo de revisão de sentença;
52. Ao que o Réu respondeu, que apenas era defensor oficioso da Sra. AA, portanto, para o poder representar também, o Autor BB, este teria que lhe outorgar procuração forense para o efeito, bem como, pagar os seus honorários, uma vez que, deixaria de ter apoio judiciário para esse efeito e, teria que comunicar à Colega Dra. DD;
53. Tal processo teve início com a certidão de fls. 1 a 77, extraída do inquérito nº 306/12.6 GAPTL, remetida pelo ..., para ..., com vista à investigação autónoma da eventual, prática de crime de furto qualificado, por ambos ao Autores – BB e AA;
54. O que efectivamente aconteceu;
55. Tendo o Autor outorgado a procuração necessária a favor do Réu e pago € 1.000,00 (mil euros) para adiantamento de despesas e honorários como o processo;
56. Posteriormente, logo após ter sido proferido o despacho de não pronúncia, que correu em finais do ano 2016, portanto, cerca de dois anos mais tarde ao trânsito em julgado da sentença proferida no âmbito do processo nº 306/12.6 GAPTL;
57. Nessa altura, o Réu, chamou ao seu escritório os Autores, informando-os que após o trânsito em julgado deste despacho (o que ocorreu em Janeiro/Fevereiro de 2017), poderia apresentar o novo processo de recurso de revisão de sentença;
58. Manifestando, mais uma vez, o Autor, a vontade de seguir em frente solicitando ao Réu, que tratasse de tudo;
59. O Autor usou as duas declarações descritas em 18) e 19), para apresentar na Ordem dos Advogados contra o Réu, e apresentar no DIAP de Ponte de Lima, queixa crime que correu termos sob o processo nº 90/18.0PAPTL, sobre a qual foi proferido despacho de arquivamento;
60. No início do ano 2017, o Réu iniciou a recolha de elementos, a audição das testemunhas de ambos os processos, consulta de processos e deu início ao estudo dos mesmos;
61. No dia 18 de Junho de 2018, o réu redigiu uma carta, na qual descreveu cronologicamente os factos, o trabalho que tinha realizado, assim como as despesas;
62. Além de que, fez juntar à referida missiva um cheque pessoal, no valor de € 866,16 (oitocentos e dezasseis euros e dezasseis cêntimos), referente ao acerto de despesas e honorários até aquele momento;
63. Concedendo, ao Autor, um prazo de dois dias, para informar se pretendia que o recurso de revisão fosse ou não apresentado em juízo;
64. O recurso de revisão foi apresentado em juízo no dia 28 de Junho de 2018;
65. O Autor apresentou queixa crime contra o réu, alegando que no interior do seu escritório o Réu o havia ameaçado e agredido;
66. Factos estes, que deram origem à abertura de um inquérito nº 90/18.0PAPTL, sobre o qual, entretanto foi proferido despacho de arquivamento;
67. O réu é advogado de profissão e tem o seu escritório situado no seio da ...;
68. O réu sente-se vexado, indignado, triste e angustiado por toda esta situação;
69. O Réu tem seguro de responsabilidade civil;
Da réplica
70. O processo judicial n.º 891/18.9T8PTL foi instaurado pelo Dr. CC, sem poderes do Autor;
Contestação da chamada EMP02..., S.A.
71. A EMP02..., S.A. exerce a actividade de corretagem de seguros; Contestação da chamada EMP01...
72. A “EMP01... COMPANY SE, ...” segura, nos termos das Condições Particulares, Gerais e Especiais do Seguro de Responsabilidade Civil Profissional celebrado com a Ordem dos Advogados (tomador do seguro) e designado Apólice n.º ...1..., o risco decorrente de acção ou omissão, dos Advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, no exercício da sua profissão;
73. A Apólice de Seguro de Responsabilidade Civil profissional em questão foi celebrada pela Ordem dos Advogados, o Tomador do Seguro, tendo como beneficiários todos os Advogados com inscrição em vigor na mesma;
74. A Ré, Drª DD, contratou com a Interveniente, a apólice de reforço, a qual tem vindo a ser sucessivamente renovada, vigorando nesta anuidade com o nº ...22;
75. Esta apólice de reforço é facultativa, actuando no excesso da cobertura da apólice de grupo, pelo capital seguro adicional de € 150.000,00 até ao montante total de € 250.000,00;
76. Bem como, dispensa o pagamento da franquia relativa à apólice supra mencionada.
B - FACTOS NÃO PROVADOS
Dos relevantes para a decisão da causa, não resultaram provados os seguintes factos:
a) Que os autores entendessem que a prova indiciária, como tal qualificada na sentença era falsa e sempre seria insuficiente para a sua condenação;
b) Que o supra referido fosse em face do depoimento da testemunha GG;
c) Que o Dr. CC tenha concordado com os Autores, acrescentando que a prova não era suficiente para a condenação e que em recurso, com toda a certeza, a sentença seria favorável aos Arguidos, ora Autores;
d) Que o 2º Autor, cerca de 15 dias depois, na falta de notícias dos Réus, tenha contactado a Dra. DD (2ª Ré), a qual o informou que não tinha sido contactada pelo Dr. CC (1º Réu);
e) Que o 2º Autor, nesse dia, tenha ido ao escritório do Dr. CC (1º Réu) indagar a situação do recurso;
f) Que o 2º Autor, perante esta contradição, tenha confrontado o 1º Réu com a informação prestada pela 2ª Ré que este não a havia contactado;
g) Que o 1º Réu tenha respondido que alguém estava a mentir, mas que voltaria a falar com a 2ª Ré e que iria avançar com o recurso;
h) Que o 2º Autor, decorridos cerca de 15 dias, suspeitando que o prazo para o recurso estaria a terminar, tenha contactado novamente, a Dra. DD;
i) Que esta tenha esclarecido, tal como anteriormente, que não havia sido contactada pelo Dr. CC e que apenas apresentaria o recurso se os dois Arguidos, ora Autores, o fizessem;
j) Que por não ter sucedido a levou a não apresentar recurso;
k) Que o descrito em 16) tenha ocorrido a 14.01.2016;
l) Que aquando o descrito em 17) o réu tenha dito ao autor que era necessária procuração forense da autora;
m) Que o 1º Réu, ainda nesta reunião, tenha sido questionado pelo 2º Autor sobre a necessidade de pagar aquela quantia, em virtude do apoio judiciário, e que tenha declarado que o recurso não estava abrangido pelo mesmo;
n) Que o descrito em 18) tenha ocorrido a 15.01.2016, pelas 11h da manhã;
o) Que o Dr. CC (1º Réu) nunca tenha informado ou esclarecido o 2º Autor sobre o significado de “recurso de revisão” ou “recurso ordinário”, nem sobre a distinção entre ambos;
p) Que sempre tenha criado a convicção no 2º Autor que trataria do recurso da sentença condenatória;
q) Que o 2º Autor se tenha apercebido, ao chegar à sua casa, que a declaração referia adiantamento de honorários, o que contrariava a sua convicção de que aquela quantia corresponderia ao pagamento total;
r) Que o 2º Autor, no mesmo dia 15.01.2016, pelas 14h da tarde, tenha comparecido novamente, no escritório do 1º Réu que lhe transmitiu que a quantia total dos honorários era de € 2.000,00, pelo que eram necessários mais € 1.000,00 €;
s) Que tenha sido no mesmo dia 15.01.2016, pelas 18h da tarde, que o autor entregou ao 1º Réu a quantia 1.000,00 € (mil euros), que deu origem à declaração doc. n.º 7;
t) Que o 2º Autor tenha entregue as citações ao 1º Réu, que lhe disse que iria tratar do assunto;
u) Que os Autores, decorridos mais de dois anos, tenham deixado de ter qualquer notícia do 1º Réu, nomeadamente acerca do recurso ou da execução da sentença;
v) Que o Dr. CC (1º Réu), em Junho de 2018, já se furtasse ao contacto com os Autores, não lhes atendendo o telefone e nunca estando disponível no seu escritório, não os informando, designadamente quanto à apresentação do recurso;
w) Que aquando o descrito em 21) os réus tenham sido expressamente instruídos pelos autores nesse sentido e de terem aceite apresentar o recurso;
x) Que os autores tenham sofrido frustração, angústia e depressões nervosas, com repercussões na saúde;
y) Que os Autores sejam pessoas sem rendimentos e parco património, vivendo com dificuldades e, em grande medida, à custa do apoio que recebem de instituições de caridade e de alguns familiares;
z) Que os Autores tenham pago, em prestações, a pena de multa, na quantia de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros) cada um;
aa) Que os Autores não tenham conseguido pagar, até à presente data, a quantia a que foram condenados a título de indemnização;
bb) Que os Autores tenham sido, em processo de execução, da sentença proferida no processo identificado em 1), respeitante a indemnização a que foram condenados a pagar aos Ofendido Demandante, penhorados junto de Bancos, residência e de empregadores, enquanto estiveram empregados;
cc) Que em virtude de penhora no aludido processo de execução, tenham sido vendidos três veículos automóveis, pertencentes aos Executados;
dd) Que o 2º Autor tenha visto penhorado o seu quinhão hereditário;
ee) Que a não apresentação do recurso tenha gorado todas as esperanças dos Autores de verem reposta a verdade dos factos ou, pelo menos, de ver reduzida substancialmente a pena aplicada ou a indemnização cível;
ff) Que os Autores confiassem no trabalho dos Réus, como advogados, no sentido que tudo fariam para defender da melhor forma os seus interesses e direitos, e se tenham sentido enganados;
gg) Que tais sentimentos tenham ocorrido especialmente em relação ao 1º Réu que os manteve, nessa situação de engano, durante anos, pois comunicava que tudo estava a ser tratado da melhor forma;
hh) Que os Autores tenham sentido e ainda sintam um grande sofrimento, uma grande angústia e um grande constrangimento;
ii) Que o descrito em 27) tenha ocorrido, por um lado, e perante a inconsistência da principal alegação do ora A. (ali Arguido), consubstanciada no depoimento da testemunha GG, de que estaria no café EMP03... em ..., pelas 2 horas, no dia do crime;
jj) Que tal depoimento tenha resultado contraditado, não apenas face às demais declarações testemunhais, como em particular perante o próprio auto de notícia, que dá conta da hora a que foi efectuado o pedido de intervenção policial - 1h30m – hora a que os ofendidos, chegados a casa, depararam com os ora AA. e com o desaparecimento do ouro;
kk) Que no âmbito do processo crime 709/17.0T9PTL que correu termos no Juízo Central Criminal de Viana do Castelo - Juiz 3, ambos os AA fossem acusados “em co-autoria material, de cinco crimes consumados de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 26.º, 29.º, 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1, por referência à alínea a) do artigo 202.º, todos do Código Penal, e oito crimes de falsificação ou contrafação de documento, previsto e punido pelos artigos 255.º, alínea a) e 256.º, n.º 1, alíneas a) a e) e n.º 3, ambos do Código Penal, sendo que o arguido BB e AA, de modo consumado, e em concurso real, nos termos do artigo 30.º, n.º 1 do Código Penal, incorreu ainda na prática de um crime de falsas declarações, previsto e punido pelo artigo 348.º-A, n.ºs 1 e 2 do Código Penal.”;
ll) Que nesse processo o autor tenha sido condenado em três anos de prisão suspensa;
mm) Que aquando o descrito em 38) o autor tenha louvado e agradecido particularmente o trabalho da Ré como advogada competente e trabalhadora;
nn) Que o Réu tenha voltado a frisar que, para poder representar também o Autor marido, este teria que lhe outorgar procuração forense para o efeito, bem como pagar os seus honorários, uma vez que, deixaria de ter apoio judiciário para o efeito, só se mantendo o apoio judiciário quanto há Autora mulher;
oo) Que o tenha informado que certamente iria demorar algum tempo para recolher toda a informação, ouvir depoimentos de ambos os processos etc.;
pp) Que o Autor tenha respondido que o que interessava é que o recurso ficasse bem feito;
qq) Que tenha voltado a afirmar que outorgaria a procuração necessária a favor do Réu e, que dentro de dias efectuaria o pagamento dos € 1.000,00 (mil euros) que já tinha solicitado para adiantamento de despesas e honorários com o processo;
rr) Que tenha sido durante o mês de Janeiro de 2017, que o autor foi ao escritório do Réu entregar a referida quantia em dinheiro, tendo a funcionária HH, emitido de imediato uma declaração de pagamento especificando ser para adiantamento de honorários e pagamento de despesas, que lhe entregou;
ss) Que o autor tenha sido informado aquele que no final do processo com o pagamento total dos honorários, lhe seria emitido o recibo relativo ao valor total dos mesmos;
tt) Que, porém, nesse mesmo dia o Autor marido se tenha deslocado novamente ao escritório do Réu, alegando que a declaração que lhe havia sido fornecida não especificava o processo para o qual se destinavam os € 1.000,00 entregues, solicitando à funcionária HH para emitir outra declaração referindo que tal quantia se destinava ao pagamento de recurso de revisão;
uu) Que na sequência, a funcionária do Réu tenha acedido a tal solicitação e, passado outra declaração, na qual mencionou que os € 1.000,00 entregues no escritório do Réu se referiam a adiantamento de honorários para intentar o recurso de revisão de sentença no processo
vv) Que no momento em que ia entregar ao Autor a segunda declaração, tenha solicitado que aquele lhe devolvesse a primeira declaração que lhe havia entregue nesse dia, com vista a anular a mesma;
ww) Que de imediato, o Autor se tenha exaltado, começado a falar alto, dizendo que havia deixado a declaração no carro e que posteriormente a devolveria;
xx) Que, no entanto, a funcionária ainda tenha insistido com aquele para que fosse buscar a declaração ao carro e a entregasse, levando consigo a nova declaração que foi emitida;
yy) Que este, de forma cada vez mais exaltada, tenha continuado a referir que a declaração estava no carro e que posteriormente a devolveria, acrescentando “está a desconfiar de mim, a declaração está no carro, eu trago-a”;
zz) Que na sequência desta troca de palavras, a funcionária, de boa fé e acreditando nas palavras do Autor marido, embora relutante, tenha acabado por lhe entregar a nova declaração;
aaa) Que tenha voltado a solicitar para que logo que pudesse, lhe devolver a declaração anteriormente emitida;
bbb) Que o Autor marido tenha dito para não se preocupar;
ccc) Que aquele não tenha procedido à devolução da referida declaração, nos dias seguintes, nem até à presente data;
ddd) Que o Réu só tenha tido conhecimento deste facto quando recebeu da Ordem dos Advogados a dita Participação;
eee) Que não obstante, sempre que se deslocava ao escritório do Réu, o que fazia amiúde, a funcionária o instasse, para que devolvesse a dita declaração e este dava a mesma desculpa, que se havia esquecido, que a mesma permanecia no carro, quando voltasse ao escritório a entregaria;
fff) Que a funcionária, numa das muitas interpelações que lhe fez, tenha referido ao mesmo que tal situação poderia colocar em causa o seu posto de trabalho;
ggg) Que o Autor marido tenha respondido para não se preocupar, que quando voltasse ao escritório lhe entregaria a declaração;
hhh) Que as ditas declarações tenham sido emitidas em 2017 e não em 2016, conforme consta das mesmas, após o transito em julgado da sentença de não pronúncia;
iii) Que a data constante das mesmas, de 2016, esteja errada e, tal certamente se deva ao facto de a funcionária ter usado alguma minuta existente nos computadores e, não ter alterado a data, por lapso;
jjj) Que aquando o descrito em 60), o réu tenha tirado fotocópias e que o processo (recurso de revisão) fosse “um caso complexo e moroso”;
kkk) Que que durante todo este tempo, os Autores se tenham deslocado várias vezes ao escritório do Réu, para se inteirarem da preparação do processo, bem como para tratar de outros assuntos, designadamente do processo de execução que se encontrava a correr por apenso ao processo crime 306/12.6GAPTL;
lll) Que os Autores fizessem inúmeros telefonemas para o escritório para esse efeito;
mmm) Que quando o Réu já tinha praticamente o recurso elaborado, tenha tomado conhecimento que o Autor BB, no processo executivo que se encontrava a correr termos por apenso ao processo nº 306/12.6GAPTL, tinha colocado em causa o bom nome da colega de escritório – Dra. II, fazendo uma falsificação de assinatura numa das procurações;
nnn) Que nessa sequência, aquela tenha renunciado de imediato ao mandato e o Réu ficou a ponderar se deveria ou não apresentar o referido recurso de revisão;
ooo) Que o réu tenha acabado por conversar com a colega que lhe referiu “uma coisa nada tem a ver com outra, por mim não se prenda e faça o que tem a fazer”;
ppp) Que mesmo assim, o Réu tenha decidido chamar ao seu escritório o Autor BB, que na presença da colega, negou ter falsificado as assinaturas dos irmãos, alegando que aquelas correspondiam à assinatura do punho dos mesmos;
qqq) Que nessa altura, porque o Réu não gostou da forma como o Autor marido se dirigiu à sua Colega, e posteriormente às funcionárias na sala de espera, tenha decidido redigir, nesse mesmo dia, a carta descrita em 61), que enviou;
rrr) Que no dia 20 de Junho de 2018, o Autor BB se tenha deslocado sozinho ao escritório do Réu e novamente na presença da Colega Dra. II, tenha pedido que o dito recurso de revisão de sentença fosse apresentado até ao final do mês (30.06.2018), tendo à data, outorgado procuração forense e referido que não pretendia proceder ao desconto do cheque;
sss) Que os Autores tenham escondido do Réu que no dia 19.06.2018 tinham apresentado queixa crime contra o mesmo, alegando que no interior do seu escritório este o havia ameaçado e agredido;
ttt) Que a autora tenha apresentado queixa crime contra o réu;
uuu) Que após terem os Autores apresentado a referida participação, satisfeitos com o trabalho desenvolvido por este e, designadamente quanto à motivação do recurso de revisão, tenham solicitado os seus ofícios, para intentar uma acção declarativa na qual requeriam que o senhorio do prédio onde habitavam fosse obrigado a realizar obras no arrendado Proc. nº 891/19.9T8PTL;
vvv) Que na mesma data tenham solicitado ao Réu a resolução de um processo administrativo a correr termos na Câmara Municipal ...;
www) Que no decorrer do processo nº 306/12.6GAPTL, os Autores tenham sido aconselhados pelo Réu a prestar caução, enquanto não obtivessem o resultado do recurso de revisão, o que não fizeram, porque não quiseram;
xxx) Que o Réu não tenha levado tais processos até ao fim, porquanto, entendeu renunciar à procuração;
yyy) Que os Autores não tenham pago ao Réu, o que quer que fosse;
zzz)Que o réu sempre tenha pautado a sua conduta profissional pelo total respeito pelas regras deontológicas da profissão;
aaaa) Que o réu nunca tenha tido qualquer tipo de condenação;
bbbb) Que o réu sempre tenha zelado para que a relação com o cliente se pautasse pela confiança;
cccc) Que o réu tenha dado a sua opinião conscienciosamente sobre o merecimento do direito ou pretensão que o cliente, das inúmeras reuniões que teve com os Autores e sempre os tenha informado do andamento dos processos que lhe tinham confiado;
dddd) Que o réu lhes tenha explicado quais seriam os seus honorários e como seriam fixados, relativamente ao Autor marido, o que estes aceitaram, referindo sempre que queriam que representasse os dois e, que o Autor BB, tinha que pagar os honorários;
eeee) Que à excepção dos € 1.000,00 que recebeu do Autor, o Reconvinte, não tenha recebido qualquer outra quantia, a título de honorários;
ffff) Que, a título de honorários, se encontrem em dívida as seguintes quantias: a) € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), por conta do denominado “Recurso de Revisão de Sentença”; b) € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), por conta dos honorários referentes ao processo nº 891/19.9T8PTL; c) € 250.000 (duzentos e cinquenta euros) pelos serviços prestados pelo Reconvinte no âmbito do Processo Administrativo que correu termos no Município ...;
gggg) Que o Autor/Reconvindo – BB, deva ao Reconvinte, a quantia de 3.074,99 (três mil e setenta e quatro euros e noventa e nove cêntimos) = €1.500,00 + 1.250,00 + 125,00 + 199,99;
hhhh) Que a Autora /Reconvinda, deva ao Reconvinte, a quantia de € 1.574,99 (mil quinhentos e setenta e quatro euros e noventa e nove cêntimos) = 1.250,00 + 125,00 + 199,99;
iiii) Que o réu tenha interpelado diversas vezes os autores, para a sua liquidação;
jjjj) Que desde que souberam a decisão sobre o referido recurso de revisão, os autores tenham iniciado uma campanha de difamação contra o Reconvinte;
kkkk) Que o Reconvinte seja por todos considerado e estimado, designadamente pelos seus clientes;
llll) Que o reconvinte sempre tenha pautado a sua actuação profissional por regras de sua conduta de transparência e honestidade;
mmmm) Que o reconvinte tenha visto o seu nome manchado na praça pública pelos Reconvindos que em qualquer esquina da Vila ou até mesmo no átrio do Tribunal, a troco de nada, difamavam o Reconvinte, inventando, que este os ameaçou com uma pistola e que os agrediu dento do seu escritório;
nnnn) Que os autores tecessem comentários depreciativos ao seu desempenho como advogado;
oooo) Que as pessoas comentassem com o réu e lhe contassem o descrito em nnn);
pppp) Que os Reconvindos tenham interferido, pela negativa, no exercício da actividade profissional do Reconvinte;
qqqq) Que o processo nº 891/18.9T8PTL tenha sido instaurado pelo Réu sem poderes de representação da autora;
rrrr) Que o seguro de responsabilidade civil do réu esteja transferido para a EMP02... – Companhia de Seguros S.A., com sede na Av. ... – 2º, ... Lisboa.
3.2. Da impugnação de facto 3.2.1. Enquadramento jurídico - Requisitos
Dispõe o art.º 640º do CPC, cuja epígrafe é “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)”
As exigências legais visam uma clara e inequívoca delimitação do objecto do recurso em matéria de facto e conferir efectividade ao princípio do contraditório, pois só na medida em que se sabe o que é que é objecto de impugnação, quais os meios de prova convocados, é que será possível à parte contrária exercer o contraditório.
Abrantes Geraldes in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, pág. 197-199, procede a uma análise das exigências legais da impugnação da decisão de facto, nomeadamente quanto ao “lugar” (alegações ou conclusões) em que as mesmas devem ser observadas e que são:
a) o recorrente deve indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (alínea a) do n.º 1 do art.º 640º), com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões, dizendo em nota (335) que são as conclusões que delimitam o objecto do recurso, conforme dispõe o art.º 635º, de modo que a indicação dos pontos de facto cuja modificação é pretendida pelo recorrente não poderá deixar de ser enunciada nas conclusões;
b) deve ainda especificar, na motivação, os concretos meios de prova (alínea b) do n.º 1 do art.º 640º), constantes do processo (documentos ou confissões reduzidas a escrito) ou de registo (depoimentos que não foi possível gravar, mas que foram reduzidos a escrito, como sucede com cartas rogatórias) ou gravação nele realizada (depoimentos orais prestados em audiência que ficaram gravados em áudio ou vídeo), que no seu entender determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos objecto de impugnação ou, acrescentamos nós, bloco de factos conexos;
c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação tenha por base, no todo ou em parte, a prova gravada, cumpre ainda ao recorrente indicar (alínea a) do n.º 2 do art.º 640º) com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere pertinentes, sob pena de imediata rejeição do recurso;
d) o recorrente deixará, expresso, na motivação a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (alínea c) do n.º 1 do art.º 640º), tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos (cfr. o AUJ n.º 12/2023, proferido no processo n.º 8344/17.6T8STB.E1-A.S1, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 220, de 14 de novembro de 2023 e objecto de Declaração de retificação n.º 25/2023, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 230, de 28 de novembro de 2023, uniformizou jurisprudência no seguinte sentido: “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil, o recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.”)
3.2.2. Em concreto
Os recorrentes:
i) indicaram nas conclusões a pretensão de impugnação da factualidade enunciada nos pontos 17, 18, 19, 44, 45, 50, 52, 55, 57, 58, 60 dos factos provados e alíneas k), l) a s) dos factos não provados;
ii) indicaram nas conclusões que os pontos 17, 18 e 19 dos factos provados devem ser alterados nos termos que indicam; os pontos 44, 45, 50, 52, 55, 57, 58, 60 dos factos provados devem ser considerados não provados; as alíneas k), l) a s) dos factos não provados devem ser consideradas provadas.
iii) indicaram nas alegações os meios de prova com base nos quais entendem que a solução deveria ter sido outra: os documentos n.º 6 e 7 juntos com a PI; os documentos n.º 6 e 8 juntos com a contestação do 1º R..
Quanto ao último requisito vd. o Ac. do STJ de 16/01/2024, proc. 3674/21.5T8VIS.C1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj, onde se afirma que o recorrente que impugna a decisão de facto “deve especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, que no seu entender determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos, numa relacionação clara dos meios de prova com cada um dos pontos de facto que se pretende alterar”.
Muito embora a factualidade impugnada esteja toda ela relacionada entre si porque, naturalmente, faz parte da mesma trama factual, a verdade é que a mesma abrange aspectos muito específicos.
Sucede que os AA. invocaram os citados documentos sem especificar na motivação em que medida ou de que forma determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos objecto de impugnação, não tendo, sequer, separado a factualidade em blocos.
No entanto, a jurisprudência (a título exemplificativo o Ac. do STJ de 16/01/2024 já referido) vem entendendo que à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, a rejeição imediata do recurso pelo incumprimento dos ónus impostos deverá decorrer necessariamente da gravidade das consequências da conduta processual do recorrente, no que concerne a uma adequada inteligibilidade da pretensão recursória, em termos de objeto e finalidade.
No caso e tendo em consideração, por um lado, a factualidade impugnada e, por outro, os meios probatórios invocados – apenas quatro documentos – entende-se, à luz dos citados princípios, que não se suscitam especiais dificuldades na inteligibilidade da impugnação (o que, naturalmente, nada tem a ver com o respectivo mérito).
3.3. Da modificabilidade da decisão de facto 3.3.1. Enquadramento jurídico
O art.º 662º do CPC, com a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, dispõe (sublinhado nosso): “1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” (…)”
Está em causa saber como deve a Relação mover-se no domínio da modificabilidade da decisão de facto em virtude da sua impugnação.
A apreciação, pela Relação, da decisão de facto impugnada não visa um novo julgamento global ou latitudinário da causa, mas, antes, uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal a quo com vista a corrigir eventuais erros da decisão (cfr. o Ac. do STJ de 01/07/2021, processo 4899/16.0T8PRT.P1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj) quanto a pontos determinados.
O sentido deste normativo é o de impor à Relação o dever de modificar a matéria de facto, sempre que, havendo impugnação da mesma e no respeito do princípio do dispositivo quanto ao objecto do recurso, os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, entendendo-se que:
i) incumbe ao Tribunal da Relação formar o seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em 1.ª instância e objecto de impugnação, de acordo com as provas produzidas constantes dos autos e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir [cfr. nº 2, als. a) e b) do citado art.º 662º], à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC (cfr. o Ac. do STJ de 01/07/2021, processo 4899/16.0T8PRT.P1.S1 e em sentido semelhante os Ac.s do STJ de 14/09/2021, proc. 60/19.0T8ETZ.E1.S1, e de 13/04/2021, proc. 2395/11.1TBFAF.G2.S1 todos consultáveis in www.dgsi.pt/jstj) assumindo-se o mesmo como tribunal de instância (Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª edição, pág. 334);
ii) no processo de formação de uma convicção autónoma, a Relação não está adstrita “aos meios de prova que tiverem sido convocados pelas partes e nem sequer aos indicados pelo tribunal recorrido” (o Ac. do STJ, de 20.12.2017, proc. 3018/14.2TBVFX.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj), tendo plena aplicação o disposto no art.º 413º do CPC.
De referir, ainda, que, na sequência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, caso a Relação proceda à alteração da mesma e se verifique ser necessário, em função da reapreciação conjunta e global dos factos, alterar algum facto não impugnado, pode a Relação fazê-lo a bem da coerência daquela decisão (cfr. Ac. do STJ de 29/04/2021, proc. 684/17.0T8ABT.E1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj).
Importa, ainda, neste âmbito, ponderar o princípio da livre apreciação da prova e que também se aplica à Relação na reapreciação da prova.
O n.º 4 do art.º 607º do CPC dispõe que “ Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”
A análise crítica das provas a que se refere o n.º 4 citado, significa, em primeiro, uma análise conjugada de toda a prova produzida e, em segundo, uma análise segundo os critérios de valoração racional e lógica do julgador e da experiência, dispondo, a este respeito, o n.º 5 do art.º 607º que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, o que tem em vista a prova por declarações de parte, salvo na parte em que constituam confissão, a prova documental escrita a que falte algum dos requisitos exigidos na lei, a prova pericial, a prova por inspecção e a prova testemunhal, provas relativamente às quais a lei dispõe, expressamente (cfr. artºs 466º n.º 3 do CPC e art.ºs. 366º, 389º, 391º e 396º do CC, respectivamente), que estão sujeitas à livre apreciação do tribunal.
O n.º 4, ao determinar que o juiz especifique os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, impõe que o juiz explique como se convenceu com as provas que se produziram, que motive a decisão de facto.
Assim, a motivação consiste em exarar o raciocínio do tribunal para uma dada decisão de facto e deve conter, para além da indicação dos concretos elementos probatórios que lograram aceitação por parte do tribunal, as razões ou motivos dessa aceitação.
São estes dois factores - o convencimento e a dificuldade de apurar a verdade - que se misturam e impõem que o juiz explique como se convenceu com as provas que à sua frente se produziram.
A este respeito refere Manuel Tomé Soares Gomes in Da Sentença Cível, CEJ, 2014, https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202, pág. 29: “A motivação do julgamento de facto tem como matriz um discurso argumentativo problemático, parcelado na órbita de cada juízo probatório, sem prejuízo da sua compatibilização no universo da trama factual, e rege-se por razões práticas firmadas na análise dos resultados probatórios, à luz das regras da experiência comum ou qualificada e dos padrões de valoração (prova bastante e prova de verosimilhança) estabelecidos na lei.”
Por outro lado, no que tange à formulação dos juízos probatórios, importa não esquecer que a prova “não é uma operação lógica visando a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente)… a demonstração da realidade de factos desta natureza, com a finalidade do seu tratamento jurídico, não pode visar um estado de certeza lógica, absoluta,… A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto” (cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Revista e Actualizada, p. 435 a 436).
Ou seja: a prova judicial não tem que criar no espírito do juiz uma certeza absoluta acerca dos factos a provar; a prova judicial nunca é a realidade naturalística das coisas; o que a prova judicial deve determinar é um grau de probabilidade (do facto) tão elevado que baste para as necessidades da vida.
Como refere Manuel Tomé Soares Gomes, in ob. cit. pág. 25, “… a valoração da prova, por parte do tribunal, consubstancia[-se] na formação de juízos de razoabilidade sobre os factos controvertidos relevantes para a resolução do litígio, em função do material probatório obtido através da atividade instrutória, à luz das regras da experiência e da coerência lógica dum raciocínio pragmático sobre as ocorrências da vida.“
E mais adiante, pág. 26: “prova judicial tem como objetivo lograr uma compreensão suficientemente provável da realidade em causa, nos limites de tempo e condições humanamente possíveis, que satisfaça a resolução justa e legítima do caso.“
Importa atentar que o disposto no art.º 607º também é aplicável à Relação nos termos do disposto no art.º 663º n.º 2 do CPC, com as devidas adaptações, porquanto, muito embora na eventual reapreciação da decisão da matéria de facto caiba à Relação formar a sua própria convicção quanto à prova produzida, tal reapreciação, como já referido. não visa um novo julgamento global ou latitudinário da causa, mas, antes, uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal a quo com vista a corrigir eventuais erros da decisão relativamente aos concretos pontos de facto impugnados.
É, aliás, a interpretação que se coaduna com o n.º 1 do art.º 662º quando dispõe que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (neste sentido o Ac. desta RG de 04/02/2021, proc. 184/19.4T8AMR.G2, consultável in www.dgsi.pt/jtrg).
Uma vez que é perante si que toda a prova é produzida, o juiz da 1ª instância encontra-se numa posição privilegiada para proceder à sua valoração, já que, através da imediação, tem acesso ao comportamento das partes e das testemunhas, o que lhe permite aferir, de forma cabal, da respectiva espontaneidade e credibilidade.
Tal não sucede com a Relação, que apenas dispõe do registo de som e não também de imagem.
Mas essa é uma consequência das opções assumidas pelo legislador.
E, como tem vindo a ser sublinhado (nomeadamente Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, pág. 349 e jurisprudência citada na nota 552, pág. 350), não pode ser invocado como óbice a uma plena e efectiva reapreciação dos meios de prova.
Como afirma Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, pág. 350 “se a Relação, procedendo à reapreciação dos meios de prova postos à disposição do tribunal a quo, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, a convicção acerca da existência de erro, deve proceder à correspondente modificação da decisão. E para isso tem de pôr em prática as regras ditadas acerca da impugnação e reapreciação da decisão da matéria de facto.”
Destarte e em síntese incumbe à Relação apreciar a impugnação da decisão da matéria de facto e formar a sua própria convicção, com base nos elementos que lhe estão acessíveis e motivar a decisão de alterar ou não alterar a decisão da 1ª instância, expressando a análise critica das provas produzidas, com base nas regras da experiência e normalidade.
3.3.2. Em concreto
Os AA. sustentam a impugnação nos documentos n.ºs 6 e 7 juntos com a PI e nos documentos n.º 6 e 8 juntos com a contestação do 1º R.
Vejamos O doc. 6 junto com a PI é um escrito intitulado “Declaração” em que consta: “Eu, abaixo assinado: CC, advogado (…) declaro para os devidos e legais efeitos que o Sr. BB (…) entregou neste escritório para pagamento de despesas a quantia de € 1.000,00 (mil euros). Esta declaração não serve como recibo, o qual deverá solicitar neste escritório. Por ser verdade passo a assinar a presente declaração. ..., 15 de Janeiro de 2016”
De seguida consta um carimbo com os dizeres: “CC Advogado (…)”
E sobre tal carimbo uma assinatura ilegível
O doc. 7 junto com a PI é um escrito intitulado “Declaração” em que consta: “Eu, abaixo assinado: CC, advogado (…) declaro para os devidos e legais efeitos que o Sr. BB (…) entregou neste escritório para adiantamento de honorários com vista à instauração de recurso de revisão de sentença proferido no âmbito do processo n.º 306/12.6GAPTL, que correu termos na Comarca de Viana do castelo, Instância local de Ponto de lisma, J2, a quantia de € 1.000,00 (mil euros). Esta declaração não serve como recibo, o qual deverá solicitar neste escritório. Por ser verdade passo a assinar a presente declaração. ..., 15 de Janeiro de 2016”
De seguida consta um carimbo com os dizeres: “CC Advogado (…)”
E sobre tal carimbo uma assinatura ilegível
O doc. 6 junto com a contestação do R. CC constitui a carta a que se referem os pontos 61 a 63 dos factos provados e que dada a sua extensão aqui se dá integralmente por reproduzida.
O doc. 8 junto com a contestação constitui o formulário e a petição de recurso de revisão, a que se refere o ponto 64 dos factos provados e que dada a sua extensão aqui se dão integralmente por reproduzidos.
Apreciemos agora a impugnação à luz de tais elementos. - Ponto 17 dos factos provados e alíneas k), l), m), o) e p) dos factos não provados
O ponto 17 tem o seguinte teor: 17. O Dr. CC (1º Réu), nesta reunião, transmitiu ao 2º Autor que, afinal, após melhor estudo, havia argumentos para apresentar recurso da sentença, sendo necessário, para o efeito, procuração do Autor, bem como a quantia de € 1.000,00 (mil euros);
Os AA. pretendem se considere provado que:
- a reunião e a conversa nela havida conforme consta do ponto 17, ocorreram antes de 15/01/2016 (sendo manifesto o lapso a indicação do ano de 2026);
- o recurso a que se refere o ponto em causa era “ordinário”;
- e que o recurso se referia ao processo 306/12.6GAPTL.
Importa começar por verificar que o ponto dos factos provados que antecede aquele, o ponto 16, tem o seguinte teor: 16. O Dr. CC (1º Réu), algum tempo mais tarde, telefonou ao 2º Autor e pediu-lhe para comparecer no seu escritório;
Os AA. haviam alegado (parte final do art.º 27º da PI) que o 2ª A. compareceu no escritório do A. no dia 14/01/2016.
Porém, foi dado como provado na alínea k) dos factos não provados, também impugnada pelos AA., o seguinte: k) Que o descrito em 16) tenha ocorrido a 14.01.2016;
Salvo melhor opinião, mas uma vez que o que está descrito no ponto 16) é apenas o facto de 1º R. ter telefonado ao 2º A. e ter-lhe pedido para comparecer no seu escritório e uma vez que, segundo a alegação dos AA. (art.º 27º da PI) o dia 14/01/2016 corresponde ao dia em que se reuniu com o 1º R., a alínea k) não se pode referir ao telefonema que consta do ponto 16, mas à reunião a que se refere o ponto 17, pelo que a mesma enferma de lapso manifesto.
É patente e manifesto que nenhum dos documentos indicados pelos AA. para sustentar a sua impugnação permite, de per si, dar como provado, que a reunião e a conversa nela havida conforme consta do ponto 17, ocorreram antes de 15/01/2016, ou seja isso não resulta de nenhum dos documentos invocados.
Por outro lado, os AA. pretendem que se dê como provado um facto novo, ou seja, que o recurso a que se refere o ponto 17 era um recurso “ordinário”, já que isso não consta do ponto 28º da PI, que é a origem do ponto de facto em referência.
Mas ainda que se considerasse que era um facto complementar e que podia ser considerado oficiosamente pelo tribunal, o mesmo não resulta, minimamente, dos documentos invocados pelos recorrentes, os quais, com excepção da declaração que constitui o doc. 6 junto com a PI, que não tem qualquer menção a recurso, seja ele ordinário ou de revisão, se referem todos a recurso de revisão.
Os AA. pretendem ainda que se altere o ponto 17 no sentido de ali incluir que o recurso da sentença se referia ao processo 306/12.6GAPTL.
Na factualidade antecedente faz-se referência, única e exclusivamente, à sentença proferida em tais autos, pelo que a expressão “recurso da sentença“ não pode deixar de ser interpretada tendo tal processo como referencial.
Em face do exposto, a introdução da citada menção ao processo 306/12.6GAPTL é inútil.
Ainda relacionado com o que consta do ponto 17, os AA. pretendem que se considere provado o que consta das alíneas l), m), o), p) e q) dos factos não provados as quais têm o seguinte teor: l) Que aquando o descrito em 17) o réu tenha dito ao autor que era necessária procuração forense da autora; m) Que o 1º Réu, ainda nesta reunião, tenha sido questionado pelo 2º Autor sobre a necessidade de pagar aquela quantia, em virtude do apoio judiciário, e que tenha declarado que o recurso não estava abrangido pelo mesmo; o) Que o Dr. CC (1º Réu) nunca tenha informado ou esclarecido o 2º Autor sobre o significado de “recurso de revisão” ou “recurso ordinário”, nem sobre a distinção entre ambos; p) Que sempre tenha criado a convicção no 2º Autor que trataria do recurso da sentença condenatória;
Basta a mera leitura dos documentos invocados para se concluir que esta factualidade não resulta de nenhum dos documentos invocados.
Em face do exposto improcede a alteração do ponto 17 dos factos provados e concomitantemente que se considere provado o que consta da alínea k) dos factos não provados devidamente compreendida, ou seja, querendo referir-se ao que consta do ponto 17, em conformidade com o alegado e também a impugnação quanto às alíneas l), m), o) e p) dos factos não provados.
- Pontos 18 e 19 dos factos provados e alíneas n) e s) e q) e r) dos factos não provados -
Os pontos 18) e 19) têm o seguinte teor: 18. O 2º Autor, em data não concretamente apurada, compareceu no escritório do 1º Réu e entregou-lhe a quantia de € 1.000,00, tendo o 1º Réu, por sua vez, entregue uma declaração (documento nº 6 da p.i., que se dá por integralmente reproduzido); 19. O 2º Autor entregou ao 1º Réu mais € 1.000,00 (mil euros), tendo este, por seu turno, entregue uma declaração - cfr. doc. n.º 7, que se dá por integralmente reproduzido;
Estritamente relacionadas com tais pontos porquanto os AA. pretendem que que se dê como provado que os factos constantes dos pontos 18 e 19 ocorreram no dia 15/06/2016, estão as alíneas n) e s) dos factos não provados, também impugnadas pelos AA., alíneas essas que têm o seguinte teor: n) Que o descrito em 18) tenha ocorrido a 15.01.2016, pelas 11h da manhã; s) Que tenha sido no mesmo dia 15.01.2016, pelas 18h da tarde, que o autor entregou ao 1º Réu a quantia 1.000,00 € (mil euros), que deu origem à declaração doc. n.º 7.
Resulta do doc. 6 junto com a PI que o 1º R. declarou que o 2º A. lhe entregou a quantia € 1.000,00 para pagamento de despesas e que o referido documento tem aposta as seguintes menções: ..., 15 de Janeiro de 2016”
E resulta do doc. 7 junto com a PI que o 1º R. declarou que o 2º A. lhe entregou a quantia € 1.000,00 para adiantamento de honorários com vista à instauração de recurso de revisão de sentença proferido no âmbito do processo n.º 306/12.6GAPTL, que correu termos na Comarca de Viana do Castelo, Instância Local de Ponto de Lima, J2 e que o referido documento tem aposta as seguintes menções: ..., 15 de Janeiro de 2016”
A questão que se coloca é a de saber se os referidos documentos impõem que se considere provada a data neles aposta (e apenas importa considerar tais documentos porque é manifesto que dos restantes nada se extrai de útil quanto à questão em referência).
Para tal há que considerar que estamos perante documentos particulares e, assim, convocar as competentes normas de direito probatório material.
A autoria dos referidos documentos foi imputada ao 1º R. e não foi impugnada, pelo que nos termos do n.º 1 do art.º 374º do CC a mesma está reconhecida.
Estabelece o n.º 1 do art.º 376º, nº 1 do CC que o documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.
Ou seja: o documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena de que a pessoa a quem é atribuído fez as declarações dele constantes.
É o que sucede no caso.
Questão diversa, é a de saber qual é a eficácia que a lei atribui à declaração que está plenamente provada pelo documento particular.
E a esta questão responde o n.º 2, dizendo que os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão.
Ou seja: os factos documentados só se consideram provados se forem desfavoráveis ao declarante “porquanto, tratando-se de declarações, ninguém pode ser testemunha em causa própria e, tratando-se de declarações de vontade, ninguém pode constituir um título a seu favor.
Ou dito de outra forma (Ac. da RP de 16/1272009, proc. 1282/06.0TVPRT.P1 consultável in www.dgsi.pt/jtrp) “os factos compreendidos na declaração consideram-se provados se e na medida em que a declaração possa ser considerada como confissão, o que significa que a prova dos factos compreendidos na declaração não decorre da força probatória do documento particular (que se limita a provar plenamente a emissão da declaração), mas sim da força probatória que a lei atribui à confissão que, eventualmente, esteja contida na declaração constante do documento. A confissão é, segundo o disposto no art. 352º, o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária. Por outro lado, a confissão constante de documento particular configura uma confissão extrajudicial que, em conformidade com o disposto no art. 358º nº 2, apenas tem força probatória plena quando for feita à parte contrária ou a quem a represente, sendo apreciada livremente pelo tribunal quando feita a terceiro (cfr. nº 4 da mesma disposição legal). Ou seja, a força probatória da plena da declaração confessória (reconhecimento de um facto desfavorável) apenas vigora entre o declarante e a pessoa a quem a declaração é dirigida (ou seu representante) e a quem aproveita e beneficia o reconhecimento daquele facto.”
Ao declarar que os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante, a lei exige que o facto seja “susceptível de produzir efeitos jurídicos e releva[r] para a decisão da controvérsia”, facto esse que “pode assumir várias nuances: constitutivo dum dever ou sujeição do declarante; extintivo ou impeditivo de um direito do declarante; modificativo de uma situação jurídica favorável ao declarante; negação de um facto constitutivo de um direito do declarante; negação de um facto extintivo ou modificativo de um direito ou sujeição do declarante” (cfr. Luís Sousa in Direito Probatório Material, Almedina, 2ª edição, pág. 91) o que se afere em função da controvérsia ou, como se refere no Ac. da RC de 23/01/2024, processo 249/23.8T8LRA.C1, consultável in www.dgsi.pt/jtrc“os factos deverão ser tidos como contrários ou não aos interesses do declarante, em função da posição das partes no processo.”
Feito este excurso a questão a que cabe responder é a de saber se a data aposta nas referidas declarações é desfavorável ao 1º R. e favorece o 2º A. de tal forma que, em caso de resposta afirmativa, deva ser considerada provada nos termos do n.º 2 do art.º 376º do CC e, assim, alterados os pontos 18 e 19.
No ponto 4.3) do petitório, os AA. pedem que o 1º Réu seja condenado a restituir, aos Autores, a quantia de 2.000,00 €, acrescida de juros de mora contados, desde a citação, à taxa legal aplicável, até efetivo pagamento.
E na PI alegam apenas que o 1º R. além de não ter apresentado qualquer recurso, ainda recebeu indevidamente a quantia de € 2.000,00 uma vez que em face do apoio judiciário estava proibido de receber qualquer remuneração diversa da que está prevista na lei, além de que o apoio judiciário se estende ao processo principal e a todos os seus apensos.
Neste quadro não se vislumbra em que medida ou de que forma é que a data (e é apenas isto que aqui está em causa, já que a entrega das quantias está provada) em que o 1º R. recebeu as quantias referidas nos pontos 18 e 19 seja um facto contrário aos interesses do mesmo já que, nomeadamente, não se vislumbra que seja constitutivo dum dever ou sujeição do mesmo; extintivo ou impeditivo de um direito do mesmo; modificativo de uma situação jurídica favorável ao mesmo; negação de um facto constitutivo de um direito do mesmo; negação de um facto extintivo ou modificativo de um direito ou sujeição do mesmo.
Assim, pese embora os docs. 6 e 7 sejam documentos particulares, pese embora a sua autoria, imputada ao 1º R., esteja reconhecida e em função disso, as mesmas façam prova plena de que o 1º R. fez as declarações dele constantes, em face do exposto não é possível considerar que a data neles aposta seja um facto contrário aos interesses do declarante, 1º Réu, pelo que não é possível aplicar, quanto a eles, o disposto no n.º 2 do art.º 376º do CC e, em consequência, impõe-se julgar improcedente a pretensão dos AA. de alteração dos factos referidos nos pontos 18 e 19 e de se considerar provada a factualidade constante das alíneas n e s).
Relacionadas com a pretensão dos AA. estão as alíneas q) e r), também impugnadas pelos AA., que têm o seguinte teor: q) Que o 2º Autor se tenha apercebido, ao chegar à sua casa, que a declaração referia adiantamento de honorários, o que contrariava a sua convicção de que aquela quantia corresponderia ao pagamento total; r) Que o 2º Autor, no mesmo dia 15.01.2016, pelas 14h da tarde, tenha comparecido novamente, no escritório do 1º Réu que lhe transmitiu que a quantia total dos honorários era de € 2.000,00, pelo que eram necessários mais € 1.000,00 €;
Sucede que nenhum dos indicados pelos AA. e nomeadamente o documento n.º 7, “contrariava a sua convicção de que aquela quantia corresponderia ao pagamento total”, nem que “o 2º Autor, no mesmo dia 15.01.2016, pelas 14h da tarde, tenha comparecido novamente, no escritório do 1º Réu que lhe transmitiu que a quantia total dos honorários era de € 2.000,00, pelo que eram necessários mais € 1.000,00 €.”
Em face do exposto improcede a impugnação quanto aos pontos 18 e 19 dos factos provados e alíneas n), q), r) e s) dos factos não provados. - Dos pontos 44 e 45 dos factos provados e alíneas c) e g) dos factos não provados –
Estes pontos têm o seguinte teor: 44. Tendo cada um dos Réus, comunicado aos Autores, tal decisão, quando, ainda se encontrava o prazo de recurso a decorrer; 45. O que, foi aceite pelos Autores;
Estes pontos, que os AA. pretendem sejam considerados não provados, são antecedidos pela seguinte factualidade, não impugnada: 41. Após proferida sentença, e ainda dentro das instalações do Tribunal, os Réus, trocaram impressões sobre a existência ou não de fundamentos para apresentação de recurso, tendo ambos referido que não viam qualquer viabilidade ou vantagem num eventual recurso, atenta a prova carreada para os autos, quer em sede de inquérito, quer em sede de audiência de discussão e julgamento; 42. Mesmo assim, acordaram, na presença dos Autores, estudar o caso e depois comunicar-lhes o resultado desse estudo; 43. Dias depois, o 1º Réu, contactou a 2ª Ré e ambos decidiram, face à clareza dos factos e das provas produzidas, não existiam fundamentos para recurso;
Os pontos 44 e 45 estão ainda relacionados com as alíneas c) e g) dos factos não provados, que os AA. também impugnam, alíneas essas que têm o seguinte teor: c) Que o Dr. CC tenha concordado com os Autores, acrescentando que a prova não era suficiente para a condenação e que em recurso, com toda a certeza, a sentença seria favorável aos Arguidos, ora Autores; g) Que o 1º Réu tenha respondido que alguém estava a mentir, mas que voltaria a falar com a 2ª Ré e que iria avançar com o recurso;
Lidos e relidos os documentos indicados pelos AA. para sustentar a impugnação da decisão quanto aos pontos e alíneas em referência, nada resulta dos mesmos (nem, em rigor, os recorrentes o invocam) que imponha a este tribunal ad quem a sua alteração.
Em face do exposto improcede a impugnação quanto aos pontos 44 e 45 dos factos provados e alíneas c) e g) dos factos não provados
- Pontos 50, 52, 55, 57 e 60 dos factos provados -
Estes pontos integram um conjunto encadeado de factos, pelo que para a sua cabal compreensão e da impugnação impõe-se transcrever todo o conjunto:
47. O Réu, também representou a Autora, no processo crime que correu termos sob o nº 2342/13.6TAVCT, do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, no âmbito do qual, foi proferido despacho de arquivamento, em 24.11.2014;
48. Na sequência do qual, os ofendidos, não se conformando com o mesmo, requereram a abertura de instrução, que terminou com despacho de não pronúncia, em 02.11.2016;
49. O Réu fez saber aos Autores, na sequência do dito despacho de arquivamento e de abertura de instrução apresentado pelos ofendidos, que na sua opinião deveriam aguardar o desfecho desse processo; 50. E, caso fosse proferido despacho de não pronúncia, haveria a possibilidade de apresentar um novo processo de revisão de sentença, uma vez que, alguns dos factos alegados em ambos os processos estavam interligados, nomeadamente, quanto aos objectos de ouro e tiveram resultados opostos;
51. Nessa altura, o Autor – BB, encontrava-se no gabinete do Réu, disse logo que iriam seguir esse caminho e, queria que o Réu também o representasse nesse novo processo de revisão de sentença; 52. Ao que o Réu respondeu, que apenas era defensor oficioso da Sra. AA, portanto, para o poder representar também, o Autor – BB, este teria que lhe outorgar procuração forense para o efeito, bem como, pagar os seus honorários, uma vez que, deixaria de ter apoio judiciário para esse efeito e, teria que comunicar à Colega Dra. DD;
53. Tal processo teve início com a certidão de fls. 1 a 77, extraída do inquérito nº 306/12.6 GAPTL, remetida pelo ..., para ..., com vista à investigação autónoma da eventual, prática de crime de furto qualificado, por ambos ao Autores – BB e AA;
54. O que efectivamente aconteceu; 55. Tendo o Autor outorgado a procuração necessária a favor do Réu e pago € 1.000,00 (mil euros) para adiantamento de despesas e honorários como o processo; 56. Posteriormente, logo após ter sido proferido o despacho de não pronúncia, que correu em finais do ano 2016, portanto, cerca de dois anos mais tarde ao trânsito em julgado da sentença proferida no âmbito do processo nº 306/12.6 GAPTL; 57. Nessa altura, o Réu, chamou ao seu escritório os Autores, informando-os que após o trânsito em julgado deste despacho (o que ocorreu em Janeiro/Fevereiro de 2017), poderia apresentar o novo processo de recurso de revisão de sentença; 58. Manifestando, mais uma vez, o Autor, a vontade de seguir em frente solicitando ao Réu, que tratasse de tudo;
59. O Autor usou as duas declarações descritas em 18) e 19), para apresentar na Ordem dos Advogados contra o Réu, e apresentar no DIAP de Ponte de Lima, queixa crime que correu termos sob o processo nº 90/18.0PAPTL, sobre a qual foi proferido despacho de arquivamento; 60. No início do ano 2017, o Réu iniciou a recolha de elementos, a audição das testemunhas de ambos os processos, consulta de processos e deu início ao estudo dos mesmos;
Lidos e relidos os documentos indicados pelos AA. para sustentar a impugnação da decisão quanto aos pontos e alíneas em referência, nada resulta dos mesmos (nem, em rigor, os recorrentes o invocam) que imponha a este tribunal ad quem a sua alteração.
Em face do exposto improcede a impugnação quanto aos pontos 50, 52, 55, 57 e 60 dos factos provados.
4. Fundamentação de direito 4.1. Enquadramento jurídico 4.1.1. Responsabilidade obrigacional v. Responsabilidade extra-obrigacional
Uma das fontes das obrigações é a responsabilidade civil, entendida como o conjunto de factos que dão origem à obrigação de indemnizar os danos sofridos por outrem - Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, I, 4ª edição, pág. 267-270.
O Código Civil consagrou um sistema dualista de responsabilidade: a responsabilidade obrigacional (art.sº 798º e segs), por um lado e a responsabilidade extra-obrigacional (art.º 483º e segs.) por outro.
A responsabilidade obrigacional resulta do incumprimento de obrigações; pressupõe a existência de uma relação inter-subjectiva, que primariamente atribuía ao lesado um direito à prestação, surgindo como consequência da violação de um dever emergente dessa relação específica.
Como refere Carneiro da Frada, Uma “terceira via“ no direito da responsabilidade civil?, 1997, pág. 22-23 “a responsabilidade obrigacional destina-se à tutela e à realização das expectativas ligadas ao vínculo obrigacional. (…) Por isso, a responsabilidade obrigacional pauta-se pelo interesse no cumprimento da obrigação. Ela protege contra um risco específico de dano, aquele que decorre de uma relação creditícia precedentemente instituída entre as partes e que é, afinal, o risco de falha ou frustração do plano obrigacional estabelecido. É, pois, uma responsabilidade que ocorre entre pessoas determinadas e deriva de um vínculo específico (creditício) estabelecido entre elas.”
E precisa ainda o mesmo aut. ob. cit. pág. 23 que “[n]ão é qualquer dano que desencadeia a responsabilidade obrigacional, mas apenas o dano produzido com ofensa de uma situação jurídica creditícia. Só esta, quando violada, dá lugar a responsabilidade obrigacional. Ao determinar, pelo modo referido, as posições dos sujeitos protegidas pela responsabilidade obrigacional, a situação de responsabilidade identifica também a pessoa do beneficiário da protecção: credor da indemnização é o titular da posição jurídica creditícia. Isto mesmo exprime o art.º 798º ao estabelecer a responsabilidade do devedor que falta ao cumprimento da obrigação perante o credor.”
Na responsabilidade delitual está em causa a violação de deveres genéricos de respeito, de normas gerais destinadas à protecção de outrem ou a prática de Tatbestände delituais específicos - Menezes Leitão, ob.cit. pág. 270.
Ou como afirma Carneiro da Frada in Contrato e deveres de protecção, pág. 125, o fundamento da responsabilidade delitual é um facto ou comportamento social que afecta a ordenação geral dos bens, afirmando ainda a pág. 129 que a responsabilidade extracontratual há-de ser entendida como ordenada à defesa geral de uma ordem de coexistência pacífica pela protecção de determinadas posições jurídicas.
Ao contrário do que sucede com a responsabilidade obrigacional, a responsabilidade delitual não tutela qualquer relação obrigacional pré-existente. Trata de proteger posições jurídicas contra interferências danosas de terceiros através de valorações gerais que se exprimem nas suas normas impositivas ou proibitivas.
A determinação das posições jurídicas susceptíveis de protecção busca a conciliação entre a necessidade de assegurar a paz jurídica e a liberdade de acção dos sujeitos.
No nosso sistema jurídico, a lei indica as posições geradoras de um dever (delitual) de responder, apresentando duas previsões gerais no art.º 483º n.º 1 – violação de um direito de outrem e violação de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios - e previsões específicas nos artigos 484º a 486º e 491º a 493º, todos do CC.
Relativamente à primeira previsão geral, ao exigir-se a lesão de um direito subjectivo específico, a mesma limita a indemnização à frustração das utilidades proporcionadas pelo direito subjectivo, não se conferindo tutela aos danos puramente patrimoniais (pure economic loss) ( idem Carneiro da Frada, Uma “terceira via“.., pág. 37), ou seja, não se tem em vista tutelar todo o património do sujeito, mas apenas as utilidades que lhe proporcionava o direito subjectivo objecto de violação – Menezes Leitão, ob. cit. pág. 276.
Nesta modalidade estão abrangidos os direitos sobre os bens jurídicos pessoais como a vida, corpo, saúde, liberdade, os direitos de personalidade em geral (art.º 70º n.º 2 do CC) direitos reais, direitos de propriedade industrial e direitos de autor).
Os direitos de crédito não encontram guarida na responsabilidade delitual.
Relativamente à segunda previsão geral, Antunes Varela, in Das Obrigações em geral, I, 4ª edição, pág. 505, refere que abrange a infracção das leis que, embora protejam interesses particulares, não conferem aos respectivos titulares um direito subjectivo a essa tutela (e in nota, refere que a lei quer proteger esses interesses, mas não quer deixar a respectiva tutela na livre disponibilidade das pessoas a quem ela respeita) abrange as normas de protecção.
4.1.2. Da natureza da responsabilidade civil profissional de Advogado
Um advogado pode exercer a actividade própria da profissão mediante duas vias principais:
- mediante contrato de mandato – cuja definição consta do art.º 1157º do CC e que é a seguinte: mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta de outra;
- ou por via de nomeação oficiosa, ocorra ela no âmbito do beneficio do apoio judiciário ou ocorra ela no âmbito do processo penal (cfr. maxime o n.º 3 do art.º 64º do CPP, o qual dispõe que se o arguido não tiver advogado constituído nem defensor nomeado é obrigatória a nomeação de defensor quando contra ele for deduzida acusação, devendo a identificação do defensor constar do despacho de encerramento do inquérito).
Exercendo o Advogado as suas funções por via do contrato de mandato, caso o mesmo viole um dever emergente do mesmo, não há dúvidas que a via para a sua responsabilização é a da responsabilidade contratual.
Já quando o Advogado exerce as suas funções por nomeação oficiosa há divergências, havendo quem entenda – como a decisão recorrida, acompanhando o Ac. da RE de 31/01/2019, processo 1322/17.7T8STR.E1, consultável in www.dgsi.pt/jtre – que a responsabilização do advogado segue a via da responsabilidade extra-contratual e quem entenda que mesmo em tal situação segue a via da responsabilidade contratual.
A questão já foi apreciada pelo aqui Relator no Acórdão desta RG de 27/04/2023, proferido no processo 247/22.9T8BRG.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg, em que foi 1ª Adjunta a Exm.ª Sra. Juiz Desembargadora aqui 2ª Adjunta tendo-se considerado que, face à doutrina e à jurisprudência, a responsabilidade civil profissional do advogado nomeado oficiosamente é de natureza obrigacional.
E as razões essenciais para tal são, desde logo, que na estrita responsabilidade profissional de advogado, não está em causa a violação de deveres genéricos de respeito, de normas gerais destinadas à protecção de outrem ou a prática de Tatbestände delituais específicos, mas a violação do dever de prestar.
Por outro lado, apesar de a prestação de serviços pelo advogado nomeado não ter por fonte, ao contrário do que sucede com o mandato, “duas ou mais declarações de vontade (oferta ou proposta, de um lado; aceitação, do outro), contrapostas mas perfeitamente harmonizáveis entre si, que visam estabelecer uma regulamentação unitária de interesses” (seguindo a definição de contrato dada por Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, I, 5ª edição, pág. 215), mas um acto complexo formado pela decisão do ISS de concessão do beneficio do apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e pelo acto da Ordem dos Advogados de nomeação ou um acto judicial, os quais têm como fonte, respectivamente, a Lei do Apoio Judiciário e o CPP (cfr. art.º 64º do CPP), por um lado tais actos determinam a constituição de uma relação inter-subjectiva entre o advogado oficioso e o beneficiário da nomeação oficiosa e, por outro, o exercício da actividade de advogado em caso de contrato e em caso de nomeação oficiosa não é substancialmente diferente, antes estando sujeitos às mesmas regras, pelo que as obrigações a que o advogado está adstrito em caso de contrato, são, também, as que está adstrito em caso de nomeação oficiosa.
Assim, afirma Orlando Guedes da Costa, in Direito Profissional do Advogado - Noções Elementares, 7.ª Edição, Almedina, 2010, p. 401 que mesmo a responsabilidade do advogado nomeado oficiosamente não poderá também deixar de ser obrigacional «(…) apesar de a prestação de serviços pelo nomeado não se basear propriamente num contrato entre ele e o patrocinado oficiosamente (…) não se opera[…] com a nomeação uma substancial alteração do estatuto do patrono ou do defensor em relação ao Advogado constituído, de forma a poder afirmar-se que a responsabilidade daqueles deixaria de ser contratual para ser extracontratual.»
E ainda na mesma página refere que «o contrato inominado ou atípico de patrocínio ou de mandato judicial é regulado por um conjunto de obrigações para com o cliente impostas ex lege ao Advogado quer pelo interesse público da profissão quer pelo dever de independência do advogado e na prestação de serviços por nomeação oficiosa não pode deixar de se exigir o mesmo conjunto de obrigações do patrono ou do defensor para com o patrocinado oficiosamente, pois a prestação de serviços pelo advogado está enformada pelas mesmas regras num e no outro caso.»
No mesmo sentido – de que a responsabilidade civil profissional do Advogado nomeado oficiosamente é de natureza contratual - Vítor Manuel Azevedo Furtado Sousa, in Responsabilidade civil dos advogados pela violação de normas deontológicas, in Dissertação de Mestrado em Direito - Ciências Jurídico-Privatísticas, Faculdade de Direito da Universidade do Porto, julho de 2014, pp. 48-49, acessível na internet em https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/78338/2/34287.pdf, afirma (sublinhado nosso) que «de facto, ao ser nomeado e não existindo motivo de escusa, o advogado encontra-se vinculado ao cumprimento da sua prestação no âmbito do Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais (Lei n.º Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho) e de igual forma vinculado ao cumprimento dos seus deveres deontológicos. Logo, a verdade é que o patrono ou defensor nomeado oficiosamente continuará de igual modo vinculado a um conjunto de obrigações (nas quais se incluem as normas deontológicas) cujo incumprimento se deverá situar no âmbito da responsabilidade obrigacional. Portanto, a responsabilidade do advogado nomeado oficiosamente não poderá também deixar de ser obrigacional.».
E também António Barroso Rodrigues, in Sobre a Responsabilidade Profissional do Advogado e das Sociedades de Advogados, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 82, n.º 1/2 (2022), páginas 111-115, máxime 114 onde afirma (sublinhado nosso): “A diferença ao nível da fonte, não se [projecta] para os efeitos. A relação obrigacional funda-se, ao invés, directamente na lei e constitui o beneficiário do respectivo apoio como credor da prestação do serviço jurídico em causa. De facto, o dever jurídico assumido conforma-se ainda na prestação do serviço jurídico no interesse do beneficiário do apoio judiciário.”
A jurisprudência maioritária segue idêntico entendimento.
Assim:
- no Ac. da RP de 14/07/2010, proc. 2555/07.3TBVNG.P1, consultável in www.dgsi.pt/jtrp, afirma-se que “No entanto, mesmo o patrono nomeado (que não actua por conta da entidade que o nomeia nem do Estado) não deixa de estar sujeito aos mesmos deveres inerentes à profissão de advogado, como qualquer outro a quem seja conferido mandato, nem de defender, com a independência e autonomia técnica inerente à função, os interesses do patrocinado, da mesma forma que o advogado mandatado pelo cliente. Até porque ao solicitar a nomeação, o requerente aceita o patrocínio do que vier a ser nomeado, e este, não pedindo escusa, aceita patrocinar aquele, ficando em posição semelhante á do mandatário forense, no que concerne à observância dos deveres deontológicos e ao tipo (ainda que se recorra á analogia) de responsabilidade (a contratual), com o ónus, na situação de violação de tais deveres (o facto ilícito), ter de demonstrar não haver culpa da sua parte. Isto é, também o patrono nomeado, no âmbito do apoio judiciário, nas suas relações com o patrocinado, incorre em responsabilidade civil, a que se deve aplicar o disposto do artigo 799º do CC, se violando os deveres de diligente patrocínio, com isso lhe causar danos.
- Ac. da RL de 10/02/2015, proc. 5105/12.2TBSXL.L1-1 , consultável in www.dgsi.pt/jtrl, decidiu-se que «quer se trate de Advogado constituído pela parte, quer seja Patrono nomeado, há que verificar se o recorrido incumpriu os deveres constantes do Estatuto da Ordem dos Advogados, equiparando-se a situação daquele à existência de um verdadeiro contrato de mandato entre as partes. (...) Ora, ao Advogado impõem-se, para lá dos comuns vínculos de mandatário, particulares deveres deontológicos, muito em especial, na relação com o seu cliente, como seja o vínculo de estudar com cuidado, e de tratar com zelo, a questão de que ele o incumba, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade. Se o não fizer, corre o risco de ter de o indemnizar pelos prejuízos que, com esse comportamento, ele sofra».
- Ac. desta RG de 28/09/2017, proc. 4364/12.5TBGMR.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg, decidiu-se: «Não vemos razão para entender que a nomeação do advogado por via do regime do apoio judiciário para praticar os atos jurídicos em conformidade com o fundamento do pedido que motivou o pedido de nomeação do mesmo, afaste a aplicação a esta relação assim estabelecida, da eventual responsabilidade contratual porquanto uma vez aceite a nomeação, o advogado nomeado prestará ao requerente os serviços por este pretendidos precisamente em termos análogos ao contrato do mandato, como tal estando o advogado nomeado sujeitos às obrigações decorrentes do artigo 1161º do CC ainda que limitado ao fim para que o pedido de apoio judiciário foi requerido e no que às contas e remuneração concerne, ao disposto na lei do Apoio Judiciário.»
- Ac. da RL de 07/05/2020, proc. 7848/17.5T8LSB.L1-6, consultável in www.dgsi.pt/jtrl, em que se afirma que: A situação enquadra-se, em consequência, na norma do artigo 16.º, n.º 1, alínea b), da Lei 34/2004, de 29 de Julho, que estabelece em concreto que o apoio judiciário compreende as seguintes modalidades (…) nomeação e pagamento da compensação de patrono. O artigo 98.º, n.º 1, da Lei 145/2015, de 9 de Setembro (Estatuto da Ordem dos Advogados – EOA), instaura uma fundamental igualdade entre o patrocínio com origem convencional ou decorrente de nomeação legal, justamente na fonte da sua constituição, a aceitação pelo advogado. Por seu turno, o Regulamento 330-A/2008, de 24 de Junho, relativo à organização e funcionamento do sistema de acesso ao direito e aos tribunais, assimila o patrocínio aos deveres constantes do EOA, conforme resulta patente da norma do seu artigo 10.º que se transcreve na parte pertinente: sem prejuízo dos deveres previstos no Estatuto da Ordem dos Advogados, na Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais e na Regulamentação em vigor, constituem deveres dos Advogados, designadamente os seguintes: a) exercer o patrocínio judiciário, por nomeação da Ordem dos Advogados, no rigoroso cumprimento de todas as regras deontológicas. Entendemos assim, que, independentemente da origem formalmente contratual, tal determina que deve assimilar-se a situação de patrocínio com origem em nomeação legal ao mandato forense com origem em contrato, a saber ao regime do mandato forense previsto no EOA, sub-espécie do mandato civil previsto nos artigos 1157.º a 1184.º, do CC. Concordamos assim inteiramente com a primeira instância quanto ao enquadramento da responsabilidade em sede contratual, o que, não obstante, não conduzirá a resultados dissemelhantes dos que seriam obtidos em enquadramento aquiliano.
- Ac. da RL de 08/03/2022, proc. 5247/17.8T8LSB.L1-7, consultável in www.dgsi.pt/jtrl, constando do respectivo sumário que: 1. É obrigacional a responsabilidade do advogado nomeado oficiosamente, apesar de a prestação dos seus serviços não se basear propriamente num contrato de mandato celebrado entre ele e o patrocinado.
4.1.3. Responsabilidade obrigacional – pressupostos
Dispõe o art.º 798º que o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.
Desta norma resulta uma clara equiparação dos pressupostos da responsabilidade obrigacional aos pressupostos da responsabilidade civil delitual, uma vez que também aqui se estabelece uma referência a um facto voluntário do devedor (“o devedor que”) cuja ilicitude resulta do não cumprimento da obrigação (“falta (…) ao cumprimento da obrigação”), exigindo-se da mesma forma a culpa (“culposamente”), o dano (“torna-se responsável pelos prejuízos“) e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (“ que causa ao credor“) – Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, I, pág. 329.
Na responsabilidade obrigacional, a ilicitude consiste na inexecução da obrigação, que o art.º 798º define como a falta de cumprimento.
Consistindo o cumprimento na realização pelo devedor da prestação a que está vinculado (art.º 762º n.º 1), este actuará ilicitamente sempre que se verifique qualquer situação de desconformidade entre a sua conduta e o conteúdo obrigacional.
Tendo a responsabilidade obrigacional como pressuposto a violação de uma obrigação, a sua existência tem de ser provada pelo credor nos termos do art.º 342º n.º 1 do CC.
Na medida em que o cumprimento da obrigação aparece como facto extintivo desse direito de crédito, nos termos do art.º 342º n.º 2 incumbe ao devedor o ónus da prova do cumprimento.
Quanto à culpa, importa considerar que o art.º 799º n.º 1 do CC dispõe que incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento da obrigação não procede de culpa sua.
Neste sentido caberá ao devedor demonstrar que não lhe é pessoalmente censurável o facto de não ter adoptado o comportamento devido, o que sucederá sempre que esse não cumprimento seja devido a facto do credor, de terceiro ou a caso fortuito ou de força maior.
Tal presunção não é afastada na obrigação de meios, como refere Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, I, 4ª edição, pág. 129-130, aceitando a critica da distinção entre obrigação de meios e obrigação de resultado feita por Gomes da Silva, in O dever de prestar e o dever de indemnizar, Lisboa, 1944, afirmando que em ambas as obrigações ao devedor cabe sempre o ónus da prova de que realizou a prestação (art.º 342º n.º 2) ou de que a falta de cumprimento não procede de culpa sua (art.º 799º).
Dispõe o n.º 2 do art.º 799º que a culpa é apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil (art.º 487º do CC), ou seja, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, o que nos remete, no que releva aos autos, para o “bom profissional” da mesma categoria do Advogado do caso, isto é, se é um generalista ou um especialista, um recém-licenciado ou alguém com vários anos de experiência.
Trata-se de um critério objectivo de aferição da culpa, já que o modelo a empregar para determinar aquilo que se podia exigir àquele concreto profissional é exterior ao específico agente, sendo pensado em função de um paradigma ideal abstractamente edificado. A abstracção não é, no entanto, absoluta, já que o arquétipo é forjado com base em elementos extraídos da hipótese considerada.
4.1.4. A ilicitude e o dano da perda de chance processual na actuação de Advogado
Dispõe o n.º 2 do art.º 97º do Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pela Lei n.º 145/2015 de 9 de setembro que o advogado tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas.
Nesta sequência, nas suas relações com o cliente, o advogado tem o dever de dar a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que o cliente invoca – art.º 100º n.º 1 alínea a) do EOA.
E ligado a este dever está o disposto no art.º 100º n.º 1 alínea b) do mesmo Estatuto: nas suas relações com o cliente, o advogado deve estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito, todos os recursos da sua experiência, saber e actividade.
Resulta claro do preceito citado que o Advogado não está obrigado a um resultado. O resultado é, quase sempre, em maior ou menor grau, aleatório ou incerto. A obrigação do advogado é de meios.
Como diz o n.º 2 do art.º 97º, o advogado tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, o que significa que está obrigado a actuar com a diligência necessária para que o resultado seja obtido. Mas não está obrigado a um resultado, nem o garante.
O Advogado, fica constituído na obrigação de assegurar a diligente promoção e o esclarecido acompanhamento do caso, estudando-o com cuidado, tratando-o com zelo e movendo para esse efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade.
E isto apesar de se reconhecer que a distinção entre obrigação de meios e de resultado é objecto de critica, porquanto na obrigação de meios há, ainda assim, vinculação a um fim: o interesse do credor (Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, I, 4ª edição, pág. 129, seguindo Gomes da Silva, O dever de prestar e o dever de indemnizar, Lisboa, 1944).
Na verdade, a obrigação aprece sempre como um mecanismo funcionalmente orientado para um fim que nela não contido - a satisfação de um concreto interesse do credor.
Mas nas obrigações de meios o interesse final do credor, a realização da prestação debitória constitui, apenas, um instrumento ou um meio para a satisfação daquele interesse final, e o cumprimento verifica-se com a adopção dessa conduta, “encaminha” para a obtenção do resultado pretendido pelo credor, ainda que este não se venha a produzir. A incerteza desta obtenção torna inviável que o resultado seja objecto da obrigação – o qual terá de ser constituído pela diligência e competência dirigidas a essa obtenção – Rute Teixeira Pedro, in Responsabilidade Civil do Médico – Reflexões Sobre a Noção de Perda de Chance e a Tutela do Doente Lesado, Coimbra Editora, pág. 116.
E mais adiante refere a mesma autora, ob. cit. pág. 117 (sublinhados nossos): “Consideremos as obrigações de meios para compreender que a realidade é plural, sob o ponto de vista funcional, urgindo, por consequência, identificar, no respectivo quadro obrigacional, dois resultados distintos: um imediato, que equivale à satisfação daquele interesse instrumental, e outro mediato ou ulterior (“ l’eventuale «risultato del risultato » ) que corresponde à efectivação do interesse final. Assim, numa obrigação de meios, há também, pelo menos, um resultado a alcançar: o imediato. Por isso, a distinção maniqueísta entre obrigações de meios e de resultado, não parece totalmente de acolher, já que todas as obrigações são de resultado – o resultado é que é diferente. “
E aplicando ao Advogado, mutatis mutandis, o que ali se refere para o médico (ob. cit pág. 119 e 120), o resultado imediato traduz-se no aproveitamento das chances que o caso apresenta para alcançar o resultado final, o que passa pela adopção de um comportamento atento, cuidadoso, em suma diligente.
Se, por facto que lhe é imputável, o advogado dissipa as referidas chances de obtenção do resultado final, estará a impedir a obtenção do resultado imediato (e consequentemente do resultado final).
E incumpre, assim, a obrigação de aproveitar as chances de obtenção do resultado final (que poderiam, ou não, vir a concretizar-se na produção do resultado final desejado).
Para não ser responsabilizado, caberá ao advogado demonstrar que aplicou a aptidão e diligência que lhe era exigível.
Surge assim o dano autónomo e emergente da perda de chance processual.
Em termos puramente naturalísticos, entende-se por dano a supressão de uma vantagem.
No entanto, esta noção não é suficiente para definir o dano em termos jurídicos, já que as vantagens que não sejam juridicamente tuteladas não são susceptíveis de indemnização.
Assim o dano terá de ser definido de modo fáctico-normativo e corresponderá à frustração de uma utilidade que era objecto de tutela jurídica - Menezes Leitão, Direito das Obrigações, I, 4ª edição, pág. 314.
A perda de chance traduz-se no malogro da possibilidade de obter uma vantagem ou de evitar uma desvantagem. Malogro de uma possibilidade, dada a incerteza da verificação do efeito favorável pretendido e da ocorrência do efeito desfavorável indesejado, respectivamente – Rute Pedro, A Responsabilidade Civil do Médico, Coimbra Editora, pág. 187.
Como se afirma no AUJ n.º 2/22, publicado no Diário da República n.º 18/2022, Série I de 2022-01-26, páginas 20 – 42 e consultável in www.dgsi.pt/jstj pelo proc. 34545/15.3T8LSB.L1.S2-A, o cerne do dano autónomo e emergente da perda de chance processual não é o resultado final desfavorável da causa (relativamente ao autor, no não “ganhar”; relativamente ao R., no “perder” a causa) mas na própria perda da possibilidade/oportunidade de obter um resultado favorável (de “ganhar” a causa ou não “perder” a causa), o qual é causado pela falta de diligência do advogado.
Refere-se no texto do citado AUJ que “a toda a chance ou oportunidade perdida (a todo o ato lesivo e a todo o processo perdido) não se segue, como que automaticamente e sem mais uma indemnização por dano de perda de chance: a verificação do ilícito não contém já em si o dano a indemnizar. (…) Não há indemnização civil sem dano e este tem de ser certo, sendo que a certeza do dano de chance (que, por isso, merece a tutela do direito a ser indemnizado) está exactamente na probabilidade suficiente, em função da consistência da chance, do resultado favorável da ação comprometida. Uma “chance” puramente abstrata e especulativa – isto é, independente da prova de qualquer concreta probabilidade – não é, de modo algum, um dano certo; assim como não atingirão a certeza exigível, não sendo indemnizáveis, as “perdas de chance” que correspondam a uma pequena probabilidade de sucesso da ação comprometida.”
E mais adiante afirma-se (sublinhado nosso): “ (…) colocando-se num processo (…) a questão da indemnização pelo dano da perda de chance, tal probabilidade – o mesmo é dizer, a consistência concreta da oportunidade ou “chance” processual que foi comprometida – tem sempre que ficar apurada/provada, uma vez que, sem a mesma estar apurada/provada, não se poderá falar em “dano certo” e sem este não pode haver indemnização. Apuramento este que terá assim que ser feito na apreciação incidental – o já chamado “julgamento dentro do julgamento” – a realizar no processo onde é pedida a indemnização pelo dano de perda de chance, em que se indagará qual seria a decisão hipotética do processo em que foi cometido o ato lesivo (a falta do mandatário), indagação que no fundo irá permitir estabelecer, caso se apure que a ação comprometida tinha uma suficiente probabilidade de sucesso (ou seja, no mínimo, uma probabilidade de sucesso superior à probabilidade de insucesso), que há dano certo (a tal chance “consistente e séria”) e ao mesmo tempo o nexo causal entre o facto ilícito do mandatário e tal dano certo. Apreciação/decisão hipotética em que, sendo assim, se procurará, num juízo de prognose póstuma, reconstituir, para efeitos da possível indemnização do dano da perda de chance, o desenrolar e a decisão que o processo (onde foi cometida a falta do mandatário) teria tido – na perspetiva do tribunal que o teria que decidir – sem tal falta do mandatário, com o que, concluindo-se que o processo teria tido uma suficiente (no referido limiar mínimo) probabilidade de sucesso, se estará também a concluir ter sido o evento lesivo conditio sine qua non (requisito mínimo da causalidade jurídica) do dano.”
E finalmente afirma-se: “ Assim, (…) após o incidental “julgamento dentro do julgamento”, concluindo-se que “se não pode estabelecer (no caso) o grau de probabilidade da amplitude do êxito da ação, sem afastar, inclusive, a sua improcedência”, a conclusão imediata e “automática” será a de, então, dizer que não se provou a consistência e seriedade da perda de chance, ou seja, que não se provou um dano de perda de chance suscetível de indemnização, não se podendo assim passar, justamente por não se ter provado o requisito (da responsabilidade civil) do dano[29], à fixação duma indemnização com base na equidade (nos termos do art. 566.º/3 do C. Civil).”
E concluiu fixando jurisprudência no sentido de que: O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade.
Antes de avançar para a análise concreta, cabe referir que o direito de se fazer representar e aconselhar por um advogado constitui uma garantia elementar do processo num Estado de direito democrático.
Por outro lado, a obrigatoriedade de constituição de advogado em determinados processos resulta da consideração de que os interesses das partes são melhor defendidos quando as mesmas actuam através de profissionais munidos da adequada preparação técnico-jurídica.
Como referem Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 190: “ Os litigantes não são, do ponto de vista dos seus próprios interesses, as pessoas mais indicadas para orientarem o processo O conflito directo de interesses aguça, sem dúvida, o engenho das pessoas e estimula a sua combatividade; mas as paixões geradas pela luta em juízo privam as partes da serenidade de espírito indispensável á defesa mais eficaz da sua posição na lide. Por outro lado, faltam ao comum das partes a experiência e os conhecimentos técnicos necessários á exacta valoração das razões que lhes assistem em face do direito aplicável. Só entre os profissionais do foro, com o saber, a experiência e as regras deontológicas próprias do mandato judicial, se podem encontrar os colaboradores ideias da administração da justiça que a função jurisdicional requer”
Sustenta-se e vive este entendimento do valor da confiança: confiança na adequada preparação técnico-jurídica daqueles a quem é facultado o exercício da actividade de advogado e na observância dos deveres deontológicos estabelecidos para o respectivo exercício.
Neste sentido diz o art.º 88º n.º 1 do EOA que o advogado é indispensável à administração da justiça, como tal, deve ter um comportamento profissional adequado à dignidade e responsabilidades da função que exerce, cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres consignados no EOA e todos aqueles que a ali, os usos, costumes e tradições profissionais lhe impõem.
Mas diz também o n.º 1 do art.º 81º do EOA que o advogado exercita a defesa dos direitos e interesses que lhe sejam confiados sempre com plena autonomia técnica e de forma isenta, independente e responsável.
Este preceito significa, além do mais, que a orientação do patrocínio cabe inteira e exclusivamente ao advogado, pelo que só a ele compete escolher os meios que entenda mais adequados à defesa dos interesses que lhe são confiados.
No entanto, caso incorra em erro na escolha dos meios técnicos ou omita o meio técnico adequado, daí resultando a perda da acção por parte do cliente, ficará sujeito a responsabilidade civil se não alegar e demonstrar que aplicou a aptidão e diligência que lhe era exigível, exigibilidade que será aferida pelo bom profissional nas circunstâncias do caso.
4.2. Em concreto 4.2.1. O 1º R, enquanto defensor da 1ª A. no processo n.º 306/12.6GAPTL e a não interposição de recurso ordinário
Resulta da factualidade provada (pontos 3 e 1) que o 1º Réu usa o nome profissional de Dr. CC, é Advogado, inscrito na Ordem dos Advogados, com a cédula n.º ...29... e foi nomeado defensor oficioso à 1ª Autora, no processo comum n.º 306/12.6GAPTL, com a notificação da Acusação, a 29.11.2013..
Mais resulta da factualidade provada (pontos 1, 5 e 8) que no processo comum n.º 306/12.6GAPTL, do Juiz 2 da Secção de Competência Genérica da Instância Local de Ponte de Lima, Comarca de Viana do Castelo, os AA. foram, na qualidade de arguidos, julgados e condenados em pena de multa e em indemnização, aos demandantes, por sentença transitada em julgado, tendo a sentença sido lida na presença, entre outros, dos aqui Autores e do 1º R., a 09.06.2015 e depositada na Secretaria no mesmo dia.
Está ainda provado (ponto 8) que os Autores, logo após a leitura da sentença, comunicaram aos Réus a sua discordância quanto à sentença e a sua intenção de que estes apresentassem o competente recurso da sentença.
Está ainda provado que:
41. Após proferida sentença, e ainda dentro das instalações do Tribunal, os Réus, trocaram impressões sobre a existência ou não de fundamentos para apresentação de recurso, tendo ambos referido que não viam qualquer viabilidade ou vantagem num eventual recurso, atenta a prova carreada para os autos, quer em sede de inquérito, quer em sede de audiência de discussão e julgamento;
42. Mesmo assim, acordaram, na presença dos Autores, estudar o caso e depois comunicar-lhes o resultado desse estudo;
43. Dias depois, o 1º Réu, contactou a 2ª Ré e ambos decidiram, face à clareza dos factos e das provas produzidas, não existiam fundamentos para recurso;
44. Tendo cada um dos Réus, comunicado aos Autores, tal decisão, quando, ainda se encontrava o prazo de recurso a decorrer;
45. O que, foi aceite pelos Autores;
A primeira ilação que se impõe extrair da factualidade provada é que o 1º R. não foi nomeado defensor do 2º A. no processo acima identificado.
Como resulta do ponto 4, no citado processo foi-lhe nomeado defensora, na acusação, nos termos do n.º 3 do art.º 64º do CPP, a Dra. DD, a qual, tendo sido demandada nestes autos, foi absolvida de tudo o peticionado pela sentença recorrida, absolvição essa que não foi colocada em crise no recurso.
Não tendo o 1º R. sido nomeado defensor ao 2º A., a essa luz não se estabeleceu entre ambos uma relação inter-subjectiva, ainda que de origem legal, que atribuísse ao último o direito a uma “prestação”, ou seja, a que o primeiro praticasse em nome e representação do último actos jurídicos no processo comum n.º 306/12.6GAPTL. Destarte e quanto ao 2º A. e sob o prisma em referência – não interposição de recurso da sentença proferida no processo 306/12.6GAPTL - a presente apelação é patente e manifestamente infundada e nessa medida deve improceder. A questão da eventual violação de um dever, apenas pode ser colocada na relação inter-subjectiva entre o 1º R. e a 1ª A.
Tendo ficado provado que o 1º R. comunicou à 1ª A., quando ainda se encontrava a decorrer o prazo para interpor recurso, que não havia fundamento para interpor recurso da sentença e tendo a mesma aceite tal entendimento, não tendo, nomeadamente, requerido a nomeação de novo defensor, tendo-se, portanto, conformado com tal entendimento, é patente e manifesto que o 1º R. não praticou, neste âmbito, qualquer facto ilícito, ou seja, não violou qualquer dever emergente da relação específica estabelecida com a 1ª A., mais concretamente os deveres emergentes dos art.ºs 97º e 100º do EOA.
Ou seja: concretamente ao contrário do que era invocado na PI, o 1º R. não deixou, pura e simplesmente, passar o prazo do recurso sem nada ter feito nem, como se afirma no recurso, abandonou o patrocínio: ainda dentro do prazo do recurso comunicou à 1ª A. que não havia fundamentos para recorrer, o que a mesma aceitou, pelo que não pode, agora, imputar ao 1º R. a violação do “dever” de interpor recurso.
Poder-se-ia dar o caso de, afinal, haver fundamentos para o recurso e o 1ª R. , afinal, não ter estudado com cuidado e zelo a questão, utilizando para o efeito, todos os recursos da sua experiência, saber e actividade.
Sucede que a 1ª A. na petição inicialnada invocou no sentido de que, ao contrário do que havia sido afirmado pelo 1º R., afinal havia fundamentos para o recurso, havia uma possibilidade séria e consistente de obter a reversão da condenação ou uma diminuição da pena e/ou da indemnização, o que, como resulta do AUJ supra citado, se faria realizando o “julgamento dentro do julgamento”, ou seja, indagando, através de um juízo de prognose póstuma, qual seria a decisão hipotética.
Bem pelo contrário, pois logo na petição inicial afastou tal possibilidade, ao afirmar, em sede de direito, o seguinte: “Por outro lado, não caberá a este tribunal sindicar a sentença não recorrida, transitada em julgado, de forma a avaliar a possibilidade de sucesso do recurso.”
Carece assim de fundamento a alegação, nesta apelação, que o recurso da sentença proferida no processo 306/12.6GAPTL “tinha viabilidade jurídica”.
E em face de tudo o exposto, fica prejudicado tudo o alegado no recurso quanto ao dano e à sua indemnização.
Destarte, não está demonstrada a violação de qualquer dever profissional de advogado por parte do 1º R. enquanto defensor oficioso da 1ª A. no que respeita à não interposição de recurso ordinário no processo 306/12.6GAPTL, pelo que nesta parte o recurso improcede.
4.2.2. O 1º R, enquanto defensor da 1ª A. no processo n.º 306/12.6GAPTL e mandatário do 2º A. e a interposição de recurso de revisão
Mas resulta ainda da factualidade provada, lida em conjunto e de forma articulada, que foi instaurado um inquérito nº 2342/13.6TAVCT de ..., o qual teve origem numa certidão extraída do inquérito nº 306/12.6 GAPTL, remetida pelo ..., com vista à investigação autónoma da eventual, prática de crime de furto qualificado, por ambos os Autores – BB e AA (ponto 53)..
No referido inquérito a aqui 1ª A. era “representada” pelo aqui 1º R. (ponto 47).
O referido inquérito foi objecto de despacho de arquivamento (ponto 47).
Os ofendidos requereram a abertura da instrução (ponto 48).
O 1º R. fez saber aos Autores, na sequência do dito despacho de arquivamento e de abertura de instrução apresentado pelos ofendidos, que na sua opinião deveriam aguardar o desfecho desse processo e que, caso fosse proferido despacho de não pronúncia, haveria a possibilidade de apresentar um novo processo de revisão de sentença, uma vez que, alguns dos factos alegados em ambos os processos estavam interligados, nomeadamente, quanto aos objectos de ouro, e tiveram resultados opostos (pontos 49 e 50).
Nessa altura, o 2º A. encontrava-se no gabinete do Réu e disse que iriam seguir esse caminho e queria que o Réu também o representasse nesse processo de revisão de sentença, ao que o Réu respondeu, que apenas era defensor oficioso da Sra. AA, pelo que, para o poder representar, o mesmo teria que lhe outorgar procuração forense para o efeito, bem como, pagar os seus honorários, uma vez que, deixaria de ter apoio judiciário para esse efeito, tendo o Autor outorgado a procuração necessária a favor do Réu e pago € 1.000,00 (mil euros) para adiantamento de despesas e honorários como o processo (pontos 51, 52 e 55).
É neste quadro que deve ser entendida a factualidade constante dos pontos 16 a 19:
16. O Dr. CC (1º Réu), algum tempo mais tarde, telefonou ao 2º Autor e pediu-lhe para comparecer no seu escritório;
17. O Dr. CC (1º Réu), nesta reunião, transmitiu ao 2º Autor que, afinal, após melhor estudo, havia argumentos para apresentar recurso da sentença, sendo necessário, para o efeito, procuração do Autor, bem como a quantia de € 1.000,00 (mil euros);
18. O 2º Autor, em data não concretamente apurada, compareceu no escritório do 1º Réu e entregou-lhe a quantia de € 1.000,00, tendo o 1º Réu, por sua vez, entregue uma declaração (documento nº 6 da p.i., que se dá por integralmente reproduzido);
19. O 2º Autor entregou ao 1º Réu mais € 1.000,00 (mil euros), tendo este, por seu turno, entregue uma declaração - cfr. doc. n.º 7, que se dá por integralmente reproduzido;
Face a esta factualidade, entre o 1º R. e o 2º A foi celebrado um contrato de mandato forense, sub-espécie do contrato de mandato, tendo em vista a instauração de um recurso de revisão da sentença proferida no processo 306/12.6 GAPTL, tendo o 1º R, em virtude disso, ficado adstrito aos deveres já supra referidos, emergentes dos art.ºs 97º, n.º 2 e 100º do Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pela Lei n.º 145/2015 de 9 de setembro.
Entretanto foi proferido despacho de não pronúncia (ponto 48).
Logo após ter sido proferido o despacho de não pronúncia, que correu em finais do ano 2016, cerca de dois anos após o trânsito em julgado da sentença proferida no processo nº 306/12.6 GAPTL, o Réu, chamou ao seu escritório os Autores, informando-os que após o trânsito em julgado deste despacho (o que ocorreu em Janeiro/Fevereiro de 2017), poderia apresentar o novo processo de recurso de revisão de sentença, manifestando, mais uma vez, o Autor, a vontade de seguir em frente solicitando ao Réu, que tratasse de tudo (pontos 56, 57 e 58).
Mais resultou provado que no início do ano 2017, o Réu iniciou a recolha de elementos, a audição das testemunhas de ambos os processos, consulta de processos e deu início ao estudo dos mesmos (ponto 60) e no dia 28 de Junho de 2018 apresentou o recurso de revisão (ponto 64).
Feito este excurso, impõe-se concluir não se encontrar na factualidade provada – e é a esta que o tribunal tem de atender – qualquer elemento que permita concluir que o 1º R. violou algum dos deveres a que estava adstrito na relação estabelecida com os AA. no âmbito do processo de revisão, o qual foi instaurado.
É certo que o 1º R. recebeu a quantia de € 2.000,00 do 2º A. – e única exclusivamente deste, como resulta dos pontos 55, 18 e 19 – e não também da 1ª A. como se afirma no recurso.
Porém, tendo o 2º A. constituído o 1º R. como mandatário, a sua remuneração não estava abrangida pelo apoio judiciário de que gozava no processo nº 306/12.6 GAPTL (facto que não está espelhado na factualidade provada, mas que tendo sido afirmado na PI, não foi colocado em crise pelo 1º R. na contestação) e, deste modo, havia lugar, naturalmente, ao pagamento dos respectivos honorários, como consta do ponto 52.
Em face do exposto, também nesta parte o recurso deve improceder.
4.3. Custas
Dispõe o art.º 527º, n.º 1 do CPC que: 1 - A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito. 2 - Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Os recorrentes ficaram totalmente vencidos, pelo que são integralmente responsáveis pelas custas, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam.
5. Decisão
Termos em que acordam os Juízes da 1ª secção da Relação de Guimarães em manter a decisão recorrida e em consequência julgar a apelação improcedente.
Custas da apelação pelos recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam.
Notifique-se
*
Guimarães, 18/06/2025
(O presente acórdão é assinado electronicamente)
Relator: José Carlos Pereira Duarte
Adjuntos: Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade
Maria Gorete Roxo Pinto Baldaia de Morais
[1] Tem vindo a ser sucessivamente observado pela doutrina e pela jurisprudência que os enunciados de facto devem ser ordenados de acordo com a sequência lógica e cronológica que é conforme à realidade histórica que é suposto ser retratada.
Na doutrina António Abrantes Geraldes in A sentença cível”, 2014, pág. 10-11, consultável in https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2022/09/asentencacivelabrantesgeraldes.pdf, refere (sublinhado nosso) que “na enunciação dos factos apurados o juiz deve observar uma metodologia que permita perceber facilmente a realidade que considerou demonstrada, de forma linear, lógica e cronológica, a qual, uma vez submetida às normas jurídicas aplicáveis, determinará o resultado da ação. Por isso, é inadmissível (…) que se opte pela enunciação desordenada de factos, uns extraídos da petição, outros da contestação ou da réplica, sem qualquer coerência interna.”
E Manuel Tomé Soares Gomes in A sentença Cível CEJ, 2014, pág. 22, consultável in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202 afirma (sublinhado nosso): “Os enunciados de facto devem também ser expostos numa ordenação sequencial lógica e cronológica que facilite a conjugação dos seus diversos segmentos e a compreensão do conjunto factual pertinente, na perspetiva das questões jurídicas a apreciar. Com efeito, a ordenação sequencial das proposições de facto, bem como a ligação entre elas, é um fator de inteligibilidade da trama factual, na medida em que favorece uma interpretação contextual e sinótica, em detrimento de uma interpretação meramente analítica, de enfoque atomizado ou fragmentário. Por isso mesmo, na sentença, cumpre ao juiz ordenar a matéria de facto - que se encontra, de algum modo parcelada, em virtude dos factos assentes por decorrência da falta de impugnação - na perspetiva do quadro normativo das questões a resolver. De resto, só uma adequada ordenação dos factos provados permite compatibilizar toda a matéria factual adquirida, como se determina no artigo 607.º, n.º 4, parte final, do CPC.”
Na jurisprudência e a título meramente exemplificativo o Ac. desta RG de 10/07/2023, processo 4607/21.4T8VNF-A.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg, cujas notas 7 e 8 contêm indicações jurisprudenciais e doutrinais.
No caso dos autos é patente que a Sra. Juiz a quo não teve em consideração as referidas regras, antes tendo procedido a uma enunciação dos factos pela ordem dos articulados apresentados no processo. Assim uns foram extraídos da petição, outros das contestações dos RR., um da réplica e outros das contestações das intervenientes, pelo que o resultado final é uma falta de sequência e ligação lógico-cronológica entre os factos.
Seria então caso de proceder a tal reordenação lógica e cronológica.
Porém, tal tarefa só seria viável se os enunciados de facto permitissem, de per si, sem necessidade de qualquer alteração ou ajustamento de redacção, a sua ordenação sequencial, bem como estabelecer a ligação entre eles.
No caso, isso não sucede pois verifica-se a necessidade de introduzir ajustamentos, seja mediante alteração da redacção de alguns enunciados, seja mediante a eliminação de segmentos de outros, o que, para maior segurança, impunha a análise de toda a prova produzida.
Sucede que a Relação só pode alterar a decisão de facto havendo impugnação da mesma ou nas situações previstas na alínea c) do n.º 2 do art.º 662º: deficiência obscuridade, contradição ou necessidade de ampliação.
Não é patente nenhuma deficiência obscuridade, contradição ou necessidade de ampliação.
Os AA. impugnaram a decisão de facto.
Porém a apreciação pela Relação da decisão de facto impugnada não visa um novo julgamento global ou latitudinário da causa, mas antes uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal a quo com vista a corrigir eventuais erros da decisão quanto a concretos e determinados pontos, ou seja, tal reapreciação está limitada pelo principio do dispositivo.
Neste contexto não é viável a referida reordenação lógica e cronológica.