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APELAÇÃO AUTÓNOMA
INUTILIDADE ABSOLUTA
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Sumário
As decisões “cuja impugnação com o recurso da decisão final é absolutamente inútil”, a que alude a al. h) do n.º 2 do art.º 644.º, são apenas as decisões cuja retenção poderia ter um efeito material irreversível sobre o conteúdo do decidido, e não aquelas que acarretem apenas mera inutilização de atos processuais.
Texto Integral
Acordam os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte: I. RELATÓRIO
Por apenso ao processo de inventário para partilha de bens subsequente a divórcio, instaurado por AA, em que foi cabeça de casal BB, intentou a requerente/interessada execução para pagamento de quantia certa com base no título executivo constituído pela sentença proferida naquele processo de inventário em 15.01.2013, já transitada em julgado.
Foi penhorado o prédio urbano, destinado a habitação, com casa de cave, rés-do-chão, um anexo para arrumos e outro para indústria, com quintal, sito no Lugar ..., freguesia ... e concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ...27 – ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...04.º da freguesia ....
Por requerimento de 26.10.2017, o executado BB requereu que a venda não se realizasse até ao trânsito em julgado da oposição por embargos por si deduzida, ou que a venda aguardasse a decisão a proferir em primeira instância sobre a decisão dos embargos.
A exequente pronunciou-se no sentido do indeferimento do pedido formulado pelo executado.
Sobre aquele requerimento recaiu o despacho proferido em 30.11.2018, com o seguinte teor:
«Ref. ...23: o executado BB veio requerer que a venda do imóvel penhorado não se realize até ao trânsito em julgado da oposição por embargos deduzida por si, ou, nomeadamente, que a venda aguarde a decisão a proferir em primeira instância sobre a matéria dos embargos. Fundamentou a sua pretensão no facto de o prédio ser a sua casa de habitação e aí residir com o seu agregado familiar, composto por si, pela sua esposa, e por duas filhas menores de idade. Cumprido o contraditório, a exequente opôs-se à pretensão do executado. Cumpre decidir. Dispõe o artº 733º, nº 5, do CPC, que se o bem penhorado for a casa de habitação efectiva do embargante, o juiz pode, a requerimento daquele, determinar que a venda aguarde a decisão proferida em 1ª instância sobre os embargos, quando tal venda seja susceptível de causar prejuízo grave e dificilmente reparável. Dado que o executado não prestou caução que suspendesse os termos da execução e que os embargos, em 1ª instância, foram julgados improcedentes, inexiste fundamento legal para que seja dada cobertura legal à pretensão do executado, motivo pelo qual se indefere o requerido. Custas do incidente a cargo do executado, sem prejuízo do apoio judiciário concedido. Notifique.»
Não se conformando com o referido despacho, o executado interpôs do mesmo recurso de apelação, que foi admitido por despacho proferido em 02.12.2021, a subir em separado, imediatamente e com efeito devolutivo.
Por requerimento de 17.12.2024, a exequente requereu a venda do prédio penhorado, por inexistir qualquer entrave a tal diligência.
O executado opôs-se ao requerido considerando que a decisão objeto de recurso ainda não transitou em julgado.
Sobre aquele requerimento recaiu o despacho proferido em 17.02.2025, com o seguinte teor:
«A 17 de dezembro de 2024, veio o Exequente requerer a venda do bem penhorado, alegando que, apesar do recurso da decisão que não determinou a suspensão da execução, a mesma tem efeito devolutivo. Notificado o executado, alegou que a decisão referida ainda não transitou em julgado. Cumpre apreciar e decidir. Compulsados os autos, verifica-se que a 2 de dezembro de 2021 foi admitido o recurso interposto a 7 de janeiro de 2019 com efeito devolutivo. Tal recurso versa sobre o despacho de 30 de novembro de 2018 onde não se acolhe a pretensão do executado, não se determinando a suspensão da execução. A verdade é que, apesar de tal decisão não ter transitado em julgado (conforme invocado pelo executado), tendo sido fixado o efeito devolutivo (cfr. artigo 647.º ex vi artigo 852.º. ambos do Código de Processo Civil) é possível executar a decisão recorrida na pendência do recurso. Pelo exposto, tal como referido pela Exequente, devem os autos prosseguir quanto ao bem em causa. Comunique-se o presente despacho ao agente de execução.»
Não se conformando com o referido despacho, o executado interpôs do mesmo recurso de apelação, no qual formulou as seguintes conclusões:
«A A 7 de janeiro de 2019 o executado interpôs Recurso, com efeito devolutivo, de um Despacho que não determinou a suspensão da execução. Tal Recurso foi admitido a 2 de dezembro de 2021, não tendo ainda transitado em julgado. B A 17 de dezembro de 2024 o exequente requereu a venda do bem penhorado a que o executado se opôs dizendo que o Recurso admitido a 2 de dezembro de 2021 ainda não transitou em julgado. O bem penhorado consiste na sua casa de habitação e morada de família do executado / recorrente. Ora, se se proceder à venda deste bem e a venda for concluída com êxito sem se saber o resultado do Recurso interposto, o executado / recorrente perderá a sua casa de morada de família, a sua casa de habitação. Isto é, se a Decisão de Recurso venha a ser favorável ao executado / recorrente, este já terá perdido a sua casa de habitação. Tendo a venda deste bem, casa de habitação do executado / recorrente, se convertido num ato inútil e prejudicial ao executado / recorrente. Assim entende o executado / recorrente que se deve esperar o transito em julgado do Recurso admitido em 2 de dezembro de 2021, prevenindo assim a realização de um ato inútil e prejudicial ao executado / recorrente. D Foi violado o disposto no artigo 628º do C.P.C. Tal disposição deveria ter sido interpretada e aplicada e com o sentido de que se deve aguardar o transito em julgado do Recurso admitido em 2 de dezembro de 2021 evitando assim a realização de atos inúteis e prejudiciais ao executado / recorrente. Termos em que pede a procedência do presente Recurso, revogando-se a Decisão sub judice, e assim a realização de JUSTIÇA.»
A exequente contra-alegou e formulou as seguintes conclusões:
«1ª- O douto despacho em apreço não admite recurso; 2ª- Antes de verificar se determinada decisão judicial admite recurso autónomo, importa apreciar se tal decisão admite recurso; 3ª- De qualquer modo, inexiste preceito legal que possa fundamentar o recurso que supostamente se estribe na alínea i), do nº 2, do artigo 644º do CPC; 4ª- Conforme sucessivamente decidido pelos tribunais portugueses, a decisão sobre a venda cabe ao agente de execução e, em derradeira instância, ao juiz da causa; 5ª- Não releva o efeito da apelação se no caso sub judice não é admissível apelação; 6ª- Ainda que fosse recorrível — e não é — ainda assim não seria invocável, no caso em apreço, o estatuído na alínea b), in fine, do nº 3 do artigo 647º do CPC, tanto mais que o invocado preceito legal diz respeito a decisões que ponham termo ao processo, o que manifestamente não se verifica; 7ª- A decisão recorrida não versa sobre a posse ou a propriedade da casa de habitação nem versa sobre a anulação da venda. NESTES TERMOS, e nos mais de direito que V.Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado improcedente, com todas as consequências legais, assim se fazendo inteira e sã J U S T I Ç A!»
Em 31.03.2025 foi proferido despacho com o seguinte teor:
«O despacho colocado em crise não é passível de recurso (cf. art 629.º e 644 a contrario do CPC), pelo que se rejeita o mesmo. Com efeito, o que o recorrente pretende é alteração do efeito fixado ao recurso já interposto do despacho de 30 de novembro de 2018 onde não se acolheu a sua pretensão de ser determinada a suspensão da execução. Tal recurso foi interposto a 7 de janeiro de 2019, tendo sido admitido a 2 de dezembro de 2021 com efeito devolutivo. Para obviar à continuação da execução, deveria o recorrente ter sindicado o efeito do recurso. Não o tendo feito, não pode agora recorrer do despacho que é mera decorrência da atribuição do efeito devolutivo.»
Inconformado com o referido despacho, o executado apresentou a presente reclamação, na qual formulou as seguintes conclusões:
«A O executado / reclamante interpôs Recurso, (constante na referência CITIUS 17441804 de 27-02-2025), contra a 1.ª parte do Douto Despacho de 17-02-2025, (constante na referência CITIUS 195048829 de 17-02-2025), Despacho este que ordenou o prosseguimento dos autos e consequentemente a venda da casa. Despacho que é do seguinte teor: “A 17 de dezembro de 2024, veio o Exequente requerer a venda do bem penhorado, alegando que, apesar do recurso da decisão que não determinou a suspensão da execução, a mesma tem efeito devolutivo. Notificado o executado, alegou que a decisão referida ainda não transitou em julgado. Cumpre apreciar e decidir. Compulsados os autos, verifica-se que a 2 de dezembro de 2021 foi admitido o recurso interposto a 7 de janeiro de 2019 com efeito devolutivo. Tal recurso versa sobre o despacho de 30 de novembro de 2018 onde não se acolhe a pretensão do executado, não se determinando a suspensão da execução. A verdade é que, apesar de tal decisão não ter transitado em julgado (conforme invocado pelo executado), tendo sido fixado o efeito devolutivo (cfr. artigo 647.º ex vi artigo 852.º. ambos do Código de Processo Civil) é possível executar a decisão recorrida na pendência do recurso. Pelo exposto, tal como referido pela Exequente, devem os autos prosseguir quanto ao bem em causa.” B É do seguinte teor o Douto Despacho sub judicee objeto da presente reclamação: “O despacho colocado em crise não é passível de recurso (cf. art 629.º e 644 a contrario do CPC), pelo que se rejeita o mesmo. Com efeito, o que o recorrente pretende é alteração do efeito fixado ao recurso já interposto do despacho de 30 de novembro de 2018 onde não se acolheu a sua pretensão de ser determinada a suspensão da execução. …”, (sublinhado nosso). C Ora, contrariamente ao constante no Douto Despacho sub judice, (que não admitiu o Recurso interposto pelo recorrente / reclamante), o que o recorrente / reclamante visa com o recurso não admitido é, que o Despacho objeto do recurso admitido a 02 de dezembro de 2021 ainda não transitou em julgado. D Ora, o executado / reclamante com este recurso e ao contrário do que o M.mo Juiz a quorefere no seu Douto Despacho sub judice, não pretende uma alteração do efeito fixado ao Recurso mas sim que o Despacho objeto do recurso admitido a 02 de dezembro de 2021 ainda não transitou em julgado. E
O executado e recorrente / reclamante com a interposição deste Recurso não admitido pretende apenas e tão-só a prevenção de atos inúteis em virtude do Despacho objeto do recurso admitido a 02 de dezembro de 2021 ainda não transitado em julgado ! F Conforme conclusões apresentadas no Recurso interposto em 27-02-2025 e não admitido, conclusões que aqui se transcrevem: “CONCLUSÕES A A 7 de janeiro de 2019 o executado interpôs Recurso, com efeito devolutivo, de um Despacho que não determinou a suspensão da execução. Tal Recurso foi admitido a 2 de dezembro de 2021, não tendo ainda transitado em julgado. B A 17 de dezembro de 2024 o exequente requereu a venda do bem penhorado a que o executado se opôs dizendo que o Recurso admitido a 2 de dezembro de 2021ainda não transitou em julgado. O bem penhorado consiste na sua casa de habitação e morada de família do executado / recorrente. C Ora, se se proceder à venda deste bem e a venda for concluída com êxito sem se saber o resultado do Recurso interposto, o executado / recorrente perderá a sua casa de morada de família, a sua casa de habitação. Isto é, se a Decisão de Recurso venha a ser favorável ao executado / recorrente, este já terá perdido a sua casa de habitação. Tendo a venda deste bem, casa de habitação do executado / recorrente, se convertido num ato inútil e prejudicial ao executado / recorrente. Assim entende o executado 7 recorrente que se deve esperar o trânsito em julgado do Recurso admitido em 2 de dezembro de 2021, prevenindo assim a realização de um ato inútil e prejudicial ao executado / recorrente. D Foi violado o disposto no artigo 628º do C.P.C. Tal disposição deveria ter sido interpretada e aplicada e com o sentido de que se deve aguardar o transito em julgado do Recurso admitido em 2 de dezembro de 2021 evitando assim a realização de atos inúteis e prejudiciais ao executado / recorrente.” G Fica assim claro, que o recorrente / reclamante com a interposição do Recurso não admitido visou tão-só a alegação de que o Despacho que foi objeto do recurso admitido a 02 de dezembro de 2021 ainda não transitou em julgado, H E não impugnar o efeito atribuído ao Recurso admitido em 02 dezembro de 2021, conforme certamente por lapso entendeu o M.mo Juiz a quono Douto Despacho sub judice de 02-04-2025 que não admitiu o Recurso interposto pelo recorrente / reclamante de 27-02-2025. Termos em que o Recurso interposto e constante na referência CITIUS 17441804 de 27-02-2025, deverá ser admitido para se afirmar ou não, que se deve aguardar o trânsito em julgado do Recurso admitido em 02 de dezembro de 2021, prevenindo assim a realização de um ato inútil e prejudicial ao executado / reclamante, e assim a realização de Justiça.»
Por decisão singular de 15.05.2025, foi decidido «julgar improcedente a presente reclamação, não se admitindo, pois, o recurso interposto pelo reclamante BB.».
O reclamante impugnou tal decisão e requereu que sobre a respetiva matéria recaia um acórdão.
Apresentou as seguintes
CONCLUSÕES
«A A 7 de janeiro de 2019 o executado interpôs Recurso, com efeito devolutivo, de um Despacho que não determinou a suspensão da execução, tal recurso foi admitido a 2 de dezembro de 2021, não tendo ainda transitado em julgado. B Nessa execução foi requerida a venda do bem penhorado pelo exequente – bem penhorado este que consiste na sua casa de habitação e morada de família do executado / recorrente. C Se se proceder à venda deste bem e a venda for concluída com êxito sem se saber o resultado do Recurso interposto, e admitido a 2 de dezembro de 2021, o executado / recorrente perderá a sua casa de morada de família, a sua casa de habitação, tendo a venda deste bem, casa de habitação do executado / recorrente, se convertido num ato inútil e prejudicial ao executado / recorrente. C Assim entende o executado / recorrente que se deve esperar o transito em julgado do Recurso admitido em 2 de dezembro de 2021, prevenindo assim a realização de um ato inútil e prejudicial ao executado / recorrente. D Foi violado o disposto no artigo 628.º do C.P.C. Tal disposição deveria ter sido interpretada e aplicada e com o sentido de que se deve aguardar o trânsito em julgado do Recurso admitido em 2 de dezembro de 2021 evitando assim a realização de atos inúteis e prejudiciais ao executado / recorrente. Termos em que pede a procedência da presente IMPUGNAÇÃO, e que seja proferido ACÓRDÃO sobre a matéria da Decisão Singular sub judice, que julgou improcedente a RECLAMAÇÃO e consequentemente seja revogada a Decisão do M.mo Juiz a quo que não admitiu o Recurso interposto em 7 de janeiro de 2019 e admitido a 2 de dezembro de 2021, e assim a realização de JUSTIÇA.»
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Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1ª parte e 639.º, n.ºs 1 e 2 – sendo que o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de apreciar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, cumpre apreciar a questão de saber se o despacho sob censura é suscetível de apelação autónoma ou se a respetiva impugnação terá de ser relegada para momento ulterior.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A factualidade a atender para efeito de decisão da presente reclamação é a que dimana do antecedente relatório. IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Prescreve o art.º 852.º que “[a]os recursos de apelação de decisões proferidas no processo executivo são aplicáveis as disposições reguladoras do processo de declaração e o disposto nos artigos seguintes.”
Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 853.º, “[é] aplicável o regime estabelecido para os recursos no processo de declaração aos recursos de apelação interpostos de decisões proferidas em procedimentos ou incidentes de natureza declaratória, inseridos na tramitação da ação executiva.”
Nos termos do n.º 2, do mesmo preceito, “[c]abe ainda recurso de apelação, nos termos gerais:
a) Das decisões previstas no n.º 2 do artigo 644.º, quando aplicável à ação executiva;
b) Da decisão que determine a suspensão, a extinção ou a anulação da execução;
c) Da decisão que se pronuncie sobre a anulação da venda;
d) Da decisão que se pronuncie sobre o exercício do direito de preferência ou de remição.”
Acrescenta o n.º 3, do mesmo preceito, que “[c]abe sempre recurso do despacho de indeferimento liminar, ainda que parcial, do requerimento executivo, bem como do despacho de rejeição do requerimento executivo proferido ao abrigo do disposto do artigo 734.º.”
O art.º 644.º distingue as decisões sujeitas a recurso imediato - as decisões que ponham termo ao processo, procedimento cautelar ou incidente autónomo (n.º 1, al. a)), bem como os despachos saneadores referidos na al. b) e as decisões tipificadas no n.º 2 - daquelas cuja impugnação é relegada para momento ulterior - as restantes decisões interlocutórias, independentemente da sua natureza, que apenas podem ser impugnadas juntamente com o recurso de alguma das decisões previstas no n.º 1 ou, se não houver esse recurso (por não ser admissível ou por ser interposto), num recurso único a interpor depois de a mesma transitar em julgado, desde que a impugnação tenha interesse autónomo para a parte (n.º 4).
Preceitua o n.º 2 do citado art.º 644.º que “[c]abe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância:
a) Da decisão que aprecie o impedimento do juiz;
b) Da decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal;
c) Da decisão que decrete a suspensão da instância;
d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova;
e) Da decisão que condene em multa ou comine outra sanção processual;
f) Da decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo;
g) De decisão proferida depois da decisão final;
h) Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil;
i) Nos demais casos especialmente previstos na lei.”
Cumpre, assim, determinar se se mostram verificados os requisitos formais de admissibilidade do recurso interposto pelo recorrente, o que passa por analisar se o despacho proferido em 17.02.2025 - que decidiu pelo prosseguimento dos autos quanto ao bem penhorado, na sequência do requerimento apresentado pela exequente a requerer a venda do referido bem por o recurso da decisão que não determinou a suspensão da execução ter efeito devolutivo - será passível de ser objeto de apelação autónoma ou se, ao invés, terá a respetiva impugnação de ser relegada para momento ulterior.
Ora, resulta evidente, pela simples leitura do art.º 853.º, n.º 2, que a situação dos autos não se integra nas alíneas b), c) e d) do referido normativo, assim como resulta evidente, pela simples leitura do art.º 644.º, n.º 2, que a situação dos autos não se integra nas suas alíneas a) a g) e i), pelo que importa analisar se o despacho recorrido será suscetível de apelação autónoma à luz do disposto na al. h) do n.º 2 do referido normativo, tal como parece ser o entendimento do recorrente.
A respeito da interpretação do conceito indeterminado contido na al. h) do n.º 2 do art.º 644.º, a doutrina e a jurisprudência vêm considerando que as decisões “cuja impugnação com o recurso da decisão final é absolutamente inútil” são apenas as decisões cuja retenção poderia ter um efeito material irreversível sobre o conteúdo do decidido, e não aquelas que acarretem apenas mera inutilização de atos processuais[1].
Em conformidade com tal entendimento, que igualmente perfilhamos, a inutilidade absoluta exigida pela lei só se verifica quando o despacho recorrido produza um resultado irreversível, de tal modo que, seja qual for a decisão do tribunal ad quem, ela será completamente inútil, mas não quando a procedência do recurso possa conduzir à eventual anulação do processado posterior à sua interposição. O que se pretende evitar é, deste modo, a inutilidade do recurso, e não dos atos processuais entretanto praticados, eventualidade que o legislador previu e com a qual se conformou.
Assim, o recurso só será inútil se em nada aproveitar ao recorrente, o que ocorrerá apenas quando, revogada embora a decisão impugnada, a situação se mantenha inalterada por os efeitos desta se terem tornado irreversíveis por via da demora na apreciação do recurso.
Ora, não é essa a situação sub judice, porquanto, ainda que venha a ser revogado o despacho que indeferiu a pretensão do executado de que a venda do imóvel penhorado não se realizasse até ao trânsito em julgado da oposição por embargos por si deduzida, ou que a venda aguardasse a decisão a proferir em primeira instância sobre a matéria dos embargos, a decisão assim favorável ao apelante produziria na íntegra os seus efeitos, dando embora origem à anulação do processado subsequente, consequência legal com a qual, conforme se referiu, o legislador se conformou.
Isto posto, considerando que a situação dos autos não se integra, de igual modo, na al. h) do n.º 2 do art.º 644.º, resta-nos concluir que o despacho sob censura não é suscetível de apelação autónoma à luz do disposto no n.º 2 do referido normativo e, por conseguinte, à luz do disposto no seu n.º 3, a respetiva impugnação por via recursiva só pode ter lugar a final e com a decisão que, na 1.ª instância, venha a pôr termo ao processo.
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V. DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar improcedente a reclamação, não se admitindo, pois, o recurso interposto pelo reclamante BB.
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Custas a cargo do reclamante (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2), sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido.
Notifique.
Guimarães, 18 de junho de 2025
Susana Raquel Sousa Pereira – Relatora
Maria Gorete Morais – 1ª Adjunta
João Peres Coelho – 2º Adjunto
[1] Cf., na doutrina, LEBRE DE FREITAS e RIBEIRO MENDES, Código Processo Civil Anotado, vol. III, p. 81 e ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, 7.ª Edição Atualizada, pp. 256-257. Na jurisprudência, entre outros, os acórdãos da Relação de Lisboa de 16.10.2009 (processo n.º 224298/08.4YIPRT-B.L1) e de 5.03.2010 (processo n.º 265853/08.6YIPRT-A.L1).