EMBARGOS DE EXECUTADO
RECURSO SUBORDINADO
ADMISSIBILIDADE
CONVOLAÇÃO
AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
OBRIGAÇÃO ILÍQUIDA
Sumário


I – Do regime estatuído no nº1 do art. 631º e no nº1 do art. 633º do C.P.Civil de 2013, resulta que, ficando ambas as partes vencidas, qualquer delas tem direito de recorrer na parte que lhe é desfavorável (desde que estejam verificados os demais requisitos formais, entre os quais ressalta o atinente ao valor da sucumbência, em conjugação com o valor da alçada do Tribunal a quo), podendo fazê-lo de modo independente apresentando o seu recurso (autónomo). Todavia pode não estar interessada em recorrer de forma independente, porque a sua perda não ter relevância em função da decisão lhe ser favorável (isto, para além da situação em que, em concreto, não está preenchido o requisito da sucumbência) e, por via disso, optar por aguardar que a parte contrária apresente um recurso independente da parte que lhe foi desfavorável, e fazer depender a sua impugnação da decisão na parte em que desfavorece a posição que seja assumida pela parte contrária. Confrontada com o teor do recurso independente da parte contrária, pode entender que a sua perda passa a ter relevância e (para além de contra-alegar) pode apresentar recurso subordinado.
II - Prevê-se art. 636º/1 do C.P.Civil de 2013 que a parte recorrida possa suscitar, nas contra-alegações de recurso, a reapreciação das questões em que tenha decaído, prevenindo os riscos de uma eventual resposta favorável do tribunal de recurso às questões que tenham sido suscitadas pelo recorrente ou mesmo a outras questões de conhecimento oficioso: não tendo legitimidade para interpor recurso em razão da decisão final lhe ser favorável, a lei concede-lhe a faculdade de actuar por forma a integrar no objecto do recurso interposto pela contraparte os fundamentos (questões) em que decaiu, por forma a assegurar por qualquer das vias a manutenção do resultado final.
III - O nº3 do art. 193º do C.P.Civil de 2013 tem por objecto a correção do erro cometido pela parte quanto ao meio processual utilizado para a prática de determinado acto, caso em que se impõe ao tribunal a convolação oficiosa do acto indevidamente qualificado pela parte para o meio processual de que deveria ter-se socorrido, desde que o seu conteúdo seja adequável com este último.
IV - O prosseguimento da acção executiva depende da verificação de dois pressupostos: um pressuposto formal, constituído pelo título executivo (art. 10º do C.P.Civil de 2013) e um pressuposto material, constituído por uma obrigação certa, exigível e líquida (art. 713º do C.P.Civil de 2013).
V - Embora o C.P.Civil de 2013 não conceda exequibilidade à generalidade dos documentos particulares assinados pelo devedor (com excepção dos títulos de crédito), por força da decisão plasmada no Ac. do TC nº408/2015, ficam ressalvados aqueles que, tendo sido elaborados antes da entrada em vigor daquele diploma (ou seja, antes de 01/09/2013), preencham os requisitos que estavam estabelecidos na alínea c) do nº1 do art. 46º do C.P.Civil de 1961.
VI – A exigência de que a prestação se mostre certa, exigível e líquida configura um conjunto de condições de carácter material que, intrinsecamente, condicionam a exequibilidade do direito na medida em que, sem estarem verificados, não é admissível a satisfação coactiva da prestação e daí que, no art. 713º, o legislador determine que “A execução principia pelas diligências, a requerer pelo exequente, destinadas a tornar a obrigação certa, exigível e líquida, se o não for em face do título executivo”.
VII - Podemos assentar que a obrigação é: certa quando a prestação se mostra qualitativamente determinada (ainda que esteja por liquidar ou individualizar); exigível quando se encontra vencida ou o seu vencimento depende, de acordo com estipulação expressa ou com a norma geral supletiva do art. 777º/1 do C.Civil, de simples interpelação do devedor [assinale-se que a interpelação pode ocorrer através da citação para a acção executiva - cfr. arts. 551º/1 e 610º/2b) do C.P.Civil de 2013]; e líquida quando tem por objecto uma prestação cujo quantitativo está apurado, não necessitando de liquidação.
VIII - Está-se perante uma obrigação ilíquida quando não se encontra determinada a sua quantidade, carecendo da efectivação de cálculos aritméticos ou da alegação de factos que, depois de submetidos ao contraditório, permitam a sua quantificação (cfr. art. 716º do C.P.Civil de 2013).
IX - A liquidação pode depender de simples cálculo aritmético ou não: depende de simples cálculo aritmético quando, embora ilíquida, a obrigação assenta em factos não controvertidos que se encontram abrangidos pela segurança do título executivo, e o exequente especifica os valores que considera compreendidos na prestação devida, concluindo o requerimento executivo com um pedido líquido e efectuando os necessários cálculos aritméticos (cfr. nº1 do art. 716º do C.P.Civil de 2013); não depende de simples cálculo aritmético, quando os pressupostos do cálculo da obrigação pecuniária a que se reporta a condenação genérica assentam em factos novos, susceptíveis de prova, que não estão abrangidos pela segurança do título executivo e não sejam notórios, nem de conhecimento oficioso.

Texto Integral

ACÓRDÃO[1]
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ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES,
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1. RELATÓRIO
1.1. Da Decisão Impugnada
AA e BB, executados no proc. nº1495/22.7T8GMR, vieram deduzir oposição à execução, mediante embargos de executado, contra a Exequente EMP01..., S.A. formulando os seguintes pedidos: «devem os presentes embargos serem julgados procedentes, por provados, e, consequentemente: - Ser reconhecido que a dívida se encontra paga, encontrando-se extinta a obrigação exequenda; - Falta do pressuposto processual de legitimidade da exequente face aos títulos dados à execução em razão da cessão de créditos ser ineficaz em relação aos executados; - Inexistência ou inexequibilidade dos títulos executivos; - A obrigação exequenda não ser exigível, certa e líquida, sendo a execução declarada extinta e cancelada a penhora».
Fundamentaram a sua pretensão, essencialmente, no seguinte: «as quantias peticionadas nos presentes autos de execução correspondem às quantias peticionadas no processo executivo n.º 4838/21.7T8GMR, que corre termos no Juiz 2 do Juízo de Execução de Guimarães; a origem da dívida e o capital em dívida é o mesmo; a dívida exequenda nestes e naqueloutro processo, não é uma dívida dos Executados, mas de terceiros pela qual um bem dos Executados alegadamente responde; no âmbito do processo executivo n.º 4838/21.7T8GMR, a Exequente procedeu à junção de requerimento (com data de 31/05/2022) no qual informa que se encontra ressarcida da quantia peticionada naqueles autos, e juntou Conta Corrente Discriminada da Execução da qual consta que foi obtido o pagamento da quantia de 151.816,03 €, correspondendo tal quantia à mesma que é peticionada nestes autos; encontra-se cumprida a obrigação da qual emergem os presentes autos e verifica-se a extinção da dívida da obrigação garantida pela hipoteca; nos presentes autos invoca a Exequente ter celebrado com a Banco 1... contrato de cessão de créditos assinado em 12/07/2019, a qual nunca foi notificada aos Executados; a notificação da cessão de crédito deveria ter sido efetuada antes da instauração da presente ação executiva, pois só após a mesma a cessão se torna eficaz e a cessionária pode demandar o pagamento; a Exequente não tem legitimidade para a ação; os alegados títulos de crédito que servem de base à presente execução são “um contrato de mútuo” celebrado em 06/02/2002 com a sociedade EMP02... & C.ª, Lda no valor de 449.918,00€ e “um contrato de mútuo” celebrado com a mesma sociedade no mesmo dia 6.02.2002 no valor de 548.677,69€; a exequente dá à execução dois escritos ditos “contratos” que são cópias e que não se mostram assinados pelo banco alegado mutuante, e vêm desacompanhados de quaisquer outros elementos; os documentos juntos com o requerimento executivo ditos “contratos” não constituem títulos executivos; o documento cópia de escritura de hipotecas, por sua vez, destinar-se-ia a cumprir as condições estipuladas pelo banco mutuante das obrigações assumidas nos ditos “contratos” em que nada assumiu; o cessionário só pode exigir a prestação ao devedor após a notificação prevista no artigo 583º do CC, que não foi efetuada, pelo que a obrigação é inexigível; a obrigação exequenda não resulta dos documentos juntos ao requerimento executivo; não foi junto extrato bancário de conta corrente ou outro documento que permita determinar o valor da obrigação exequenda; falta um pressuposto à presente execução, o da certeza e liquidez da obrigação exequenda; a Exequente invoca, decorrente de um “contrato”, um capital em dívida de 53.116,45€ e juros no valor de 5.730,67€, num montante total de 58.847,12 €; invoca um segundo contrato de mútuo celebrado um dia depois do primeiro, alega que a mutuária insolvente faltou ao pagamento, estando em dívida o valor de 78.971,59 e (capital), 8.520,16€ (juros) e 173,97€ (despesas), num montante total de 87.665,72€; não há documentos que sirvam de base aos valores peticionados; cabia à Exequente tornar certa, líquida e exigível a obrigação exequenda, alegando os factos com tal efeito no seu requerimento executivo e juntando documentos atestadores de tais alegações, o que não fez; o Banco cedente da alegada obrigação reclamou o seu crédito, e consta da lista de créditos reconhecidos, no processo de insolvência da devedora “EMP02..., Lda.”; caberia à exequente, em alegação completa e suficiente, no requerimento executivo, dizer o que recebeu, se recebeu no âmbito da insolvência».
A Exequente/Embargada contestou, terminando pedindo: «a) A presente oposição ser julgada totalmente improcedente, por não provada; b) Ser indeferida a requerida suspensão do prosseguimento dos autos; c) Prosseguir-se a execução para cobrança do valor em dívida à Exequente até efectivo e integral pagamento, com todas as legais consequências».
Alegou, essencialmente, que: «por via de acordo logrado com os Executados no processo 4838/21.7T8GMR, a Exequente foi parcialmente ressarcida do seu crédito, sendo que na presente data, encontram-se em dívida, do contrato de mútuo com o n.º ...00, o capital de 33.062,96€ e os juros de 88,17 €, num total de 33.151,13€ e, do contrato de mútuo com o n.º ...00, o capital de 49.245,28 €, os juros de 131,32€ e despesas de  49.376,60 €, no valor global de 82.527,73€; face ao pagamento parcial que teve lugar no processo 4838/21.7T8GMR, impõe-se a redução da quantia exequenda pelo que requer a redução da quantia exequenda para o montante global de 82.527,73€; a Embargada juntou com o Requerimento Executivo o contrato de venda créditos celebrado entre a Banco 1... e a Exequente, através do qual aquela cedeu a sua posição contratual quanto ao crédito em causa a esta; a Embargada cumpriu com os trâmites impostos pela lei quanto à notificação da Cessão de Carteira de Créditos aos devedores originários; os Embargantes não são, nem nunca foram devedores da Exequente nem da Banco 1..., não constando os mesmos da escritura de serve de base a esta execução, e nessa medida, não lhes foi comunicada a cessão, nem tinha de ser; na presente execução não é invocada a responsabilidade pessoal dos Embargantes pelo cumprimento do empréstimo celebrado pela Embargada com terceiros, pretendendo-se executar a garantia real de que a Embargada é titular sobre a fração indicada à penhora, da qual os Embargantes são proprietários, bem imóvel esse que garante os créditos da Exequente; não sabe, nem consegue justificar o motivo pelo qual os contratos não foram oportunamente assinados pela entidade bancária, mas as quantias peticionadas foram efetivamente entregues à sociedade EMP02..., Lda.; estão reunidos todos os requisitos do título compósito dado à execução e mostrando-se a obrigação exequenda vencida, certa, líquida e exigível; como os Embargantes bem sabem os 2 imóveis que foram cedidos à Embargada, concretamente a fração dos Embargantes e a fração “...”(indicada à penhora no processo 4838/21.7T8GMR- Juízo de Execução), foram alvo de exclusão do processo de insolvência, motivo pelo qual a Exequente viu-se forçada a dar entrada das ações judiciais para se ver ressarcida dos seus créditos».
Através de requerimento apresentado em juízo na data de 05/09/2022, para além do mais, os Embargantes deduziram incidente de litigância de má fé contra a Embargada, pedindo que se condene a «Embargada no pedido de litigância de má fé contra si deduzido, condenando-a no pagamento de multa e de uma indemnização aos embargantes/Executados em valor nunca inferior a € 10.000,00, bem como no pagamento dos honorários à sua advogada em montante não inferior a 5.500,00€».
Notificada para responder ao incidente, a Embargada apresentou requerimento datado de 15/09/2022, no qual, para além do mais, requer que «seja considerado totalmente improcedente o pedido de condenação da ora Embargada como Litigante de Má-fé por falta de verificação dos requisitos formais e legais alegados pelos Embargantes nos termos do artigo 542.º do CPC., com a consequente absolvição da Embargada».
Na data de 07/10/2022, foi proferido despacho no qual, para além do mais, se ordenou a notificação do «Exequente para, no prazo de dez dias, juntar aos autos os originais dos contratos de mútuo dados à execução, devendo os mesmos encontrar-se assinados pela exequente».
Na sequência, a Embargada apresentou o requerimento datado de 20/10/2022, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
Os Embargantes vieram pronunciar sobre este requerimento de 20/10/2022 através de requerimento apresentado em juízo na data de 03/11/2022, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
Na data de 14/12/2022, realizou-se audiência prévia.
Na sequência foi junta aos autos certidão judicial do processo executivo n.º4838/21.7T8GMR, do Juiz 2 do Juízo de Execução de Guimarães
Na data de 18/03/2023, foi proferido despacho saneador, no qual, para além do mais, se relegou «para final o conhecimento das excepções invocadas», se fixou o objecto do litígio (“Constitui thema decidendum a determinação da existência, e na afirmativa, da medida, da responsabilidade dos embargantes/executados pelo pagamento da quantia exequenda”) e se enunciaram os temas da prova (“Os factos essenciais a provar que constituem os temas da prova consistem, nomeadamente, em apurar: 1- Do pagamento da dívida efectuada por EMP02..., Lda., respeitante aos contratos de mútuo com os nºs ...00 e ...00 no âmbito do processo nº 4838/21.7T8GMR, deste Juízo. 2- Do valor em dívida. 3- Da notificação da cessão de créditos aos devedores originários. 4- Da conduta processual da embargada”).
Foi realizada a audiência final.
Entre a 1ªsessão e a 2ªsessão, através de requerimento datado de 25/09/2023, os Embargados vieram «invocar a verificação da Exceção do Caso Julgado», relativamente ao já referido processo n.º 4838/21.7T8GMR, nos termos que constam do requerimento, cujo teor se dá aqui por reproduzido, requerendo que se «declare verificada a invocada exceção de caso julgado, absolvendo, consequentemente, os embargantes da instância».
A Embargada pronunciou-se sobre esta excepção de caso julgado através de requerimento datado de 04/10/2023, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, requerendo que se julgue «improcedente, por não provada, a excepção de caso julgado invocada».

Após o encerramento da audiência final (na respectiva 4ªsessão), na data de 19/11/2023, foi proferido despacho (transcrito na parte relevante):
“(…)
No caso em apreço, no momento em que nos encontrávamos a proferir a sentença constatamos que apesar de o Tribunal ter ordenado a junção aos autos “certidão de tais autos – Processo nº 3374/07.9TBGMR, do extinto 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Guimarães, onde conste:
- Sentença proferida, certificando o trânsito em julgado da mesma;
- Eventual petição de reclamação de créditos apresentada pela embargada e pela Banco 1...;
- Informação sobre o reconhecimento do crédito reclamado pela embargada e Banco 1...;
- Estado de tais autos e eventual recebimento de algum valor pela embargada e Banco 1..., o que deve ser oficiado pela Secção”, o certo é que, por mero lapso, não foi efectuado, documentos esses que se mostram importantes atento o alegado nos autos.
Do mesmo modo, deve a secção oficiar ao mencionado processo no sentido de remeter certidão da sentença proferida no Apenso – S- acção de restituição de bens intentada pelos executados, certificando ainda (se for o caso) o trânsito em julgado da mesma (…)”.
Foi junta certidão judicial do processo nº 3374/07.9TBGMR, do extinto 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Guimarães.
Foi reaberta a audiência final.
Na data de 03/05/2024, o Tribunal a quo proferiu sentença, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, transcrevendo o respectivo decisório:
“Pelo exposto, julgo os presentes embargos de executado totalmente procedentes e, em consequência, determina-se a extinção da acção executiva apensa”.
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1.2. Do Recurso da Embargada/Exequente e do Recurso Subordinado dos Embargantes/Executados
Inconformada com a sentença, a Embargada/Exequente interpôs recurso de apelação, pedindo que seja a “sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e substituída decisão que considere a obrigação exequenda como certa, líquida e exigível, com as demais consequenciais legais”, e formulando as seguintes conclusões no final das respectivas alegações:
«A - No apenso de Embargos de Executado veio o Tribunal a quo decidir que “a exequente não cumpriu adequadamente esse ónus a seu cargo – especificação dos valores que compreendem o capital em dívida, bem como a prova dos mesmos, não se descortina como foi fixado tal valor, mostrando-se assim ilíquida a obrigação - artigos 731.º e 729.º, al. e), ambos do CPC, não suprida, o que acarreta a extinção da execução.”, julgando os presentes embargos de executado totalmente procedentes e, em consequência, determina-se a extinção da acção executiva apensa.”
B - Não se podendo aqui Recorrente conformar com a decisão tomada, uma vez que na presente ação executiva são peticionados os valores devidos por conta dos contratos de mútuo celebrados com a sociedade EMP02..., Lda. e que se encontram garantidos por um imóvel titulado pelos Embargantes.
C - Salvo melhor opinião, tal facto resulta provado no caso concreto através a análise dos extratos juntos aos autos.
D - No que respeita, ao contrato de crédito n.º ...00, celebrado em 06/02/2002, cujo valor a entregar ao mutuário poderia ascender aos 448.918,11€ (quatrocentos e quarenta e oito mil novecentos e dezoito euros e onze cêntimos), conforme resulta do contrato dado à execução. E - A Recorrente juntou aos autos, como Documento n.º 7 da sua Contestação, 1ª Página, um extrato que comprova todas as quantias mutuadas à devedora originária.
F - Ora, deste documento resulta que foi creditada na conta do mutuário ..., o montante total de 548.677,69 € (quinhentos e quarenta e oito mil seiscentos e setenta e sete euros e sessenta e nove cêntimos).
G - Do mesmo documento resulta que o capital em divida, à data do incumprimento 14/04/2014, ascendia a 53.116,45€ (cinquenta e três mil cento e dezasseis euros e quarenta e cinco cêntimos).
H - Ora, foi esse o valor de capital que foi peticionado e que foi cedido à Recorrente constando do extrato por si junto quanto a este contrato de crédito, como Documento n.º 1, do requerimento com ref. ...86, de 23/01/2023.
I - Do referido documento resulta ainda a liquidação da obrigação, após o pagamento parcial rececionado pela Recorrente, sendo que em 23/01/2023 a dívida dos Embargantes ascendia a 33.922,60 (trinta e três mil novecentos e vinte e dois euros e sessenta cêntimos) - (33.062,96€ (trinta e três mil e sessenta e dois euros e noventa e seis cêntimos) correspondente a capital e 859,54€ (oitocentos e cinquenta e nove euros e cinquenta e quatro cêntimos) correspondente a juros de mora vencidos à taxa de 4%).
J - De igual modo, no que respeita, ao contrato de crédito n.º ...00, celebrado em 06/02/2002, cujo valor a entregar ao mutuário poderia ascender aos 548.677,69€ (quinhentos e quarenta e oito mil seiscentos e setenta e sete euros e sessenta e nove cêntimos), conforme resulta do contrato dado à execução.
K - A Recorrente juntou aos autos, como Documento n.º 8 da sua Contestação, 1ª Página, um extrato que comprova todas as quantias mutuadas à devedora originária.
L - Ora, deste documento resulta que foi creditada na conta do mutuário ..., o montante total de 548.677,69 € (quinhentos e quarenta e oito mil seiscentos e setenta e sete euros e sessenta e nove cêntimos).
M - Do mesmo documento resulta que o capital em divida, à data do incumprimento 29/01/2014, ascendia a 78.971,59€ (setenta e oito mil novecentos e setenta e um euros e cinquenta e nove cêntimos).
N - Ora, foi esse o valor de capital que foi peticionado e que foi cedido à Recorrente constando do extrato por si junto quanto a este contrato de crédito, como Documento n.º 2, do requerimento com ref. ...86, de 23/01/2023.
O - Do referido documento resulta ainda a liquidação da obrigação, após o pagamento parcial rececionado pela Recorrente, sendo que em 23/01/2023 a dívida dos Embargantes ascendia a 50.525,66€ (cinquenta mil quinhentos e vinte e cinco euros e sessenta e seis cêntimos). -49.245,28€ (quarenta e nove mil duzentos e quarenta e cinco euros e vinte e oito cêntimos) correspondente a capital e 1.280,38€ (mil duzentos e oitenta euros e trinta e oito cêntimos) correspondente a juros de mora vencidos à taxa de 4%.).
P – Assim, dos extratos juntos como Documento n.º 7 e 8 da Contestação e Documento n.º 1 e n.º 2 do requerimento com ref. ...86, de 23/01/2023, resultam inequivocamente quais montantes inicialmente depositados na conta à ordem do Mutuário n.º ... conforme estabelecido contratualmente, o que levou à constituição definitiva da obrigação contratualizada, neste sentido o Acórdão da Relação de Coimbra, Proc. 8478/16.4T8CBR.C1, disponível em www.dgsi.pt.
Q - Considerando que, a obrigação peticionada está na verdade devidamente liquidada, uma vez que a mesma foi liquidada aquando do envio de requerimento executivo e em sede de Embargos de Executado requerida a redução da quantia exequenda para que o prosseguimento dos autos já considerasse o pagamento”.
Os Embargantes/Executados apresentaram contra-alegações, pugnando por dever “manter-se o douto aresto recorrido no que concerne à procedência dos embargos com base na iliquidez da obrigação, e instauraram recurso subordinado, pedindo que seja “julgado totalmente provado e procedente, e em consequência revogada a douta decisão recorrida, neste particular, e substituindo-a por decisão que julgue procedente a exceção de caso julgado», formulando as seguintes conclusões no final das respectivas alegações quanto ao recurso subordinado:
«A) Vem o presente recurso interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” que decidiu julgar “os presentes embargos de executado totalmente procedentes e, em consequência, determina-se a extinção da acção executiva apensa.”, sendo certo que só merecerá reparo dos Recorrentes quanto à improcedência da exceção de caso julgado invocada, impetrando-o no recurso subordinado que apresentam.
B) No aresto recorrido, entendeu o Tribunal “a quo” não se verificar a exceção de caso julgado, decidindo que,
“Sucede que a mencionada execução nº 4838/21.7T8GMR, que foi declarada extinta, por inutilidade superveniente da lide, atento o pagamento, não consubstancia excepção de caso julgado relativamente aos presentes autos, nem tem força de autoridade de caso julgado.
Com efeito, não podemos olvidar que, desde logo, os sujeitos são distintos nas duas execuções, pelo que não sendo os sujeitos os mesmos, não se verifica a excepção de caso julgado ou autoridade de caso julgado.”.
C) Entendem os Recorrentes que se verificam todos os pressupostos processuais e materiais para a verificação e procedência da exceção de caso julgado.
D) Iniciamos por referir que da matéria de facto dada como provada, dando-se aqui por integralmente reproduzido o que acima se transcreveu do aresto recorrido e por economia de escrita nos dispensamos de novamente transcrever, consta que a Exequente/Embargada intentou, em 10/03/2022, a execução a que se apensou os presentes autos de embargos, para cobrança, aos Recorrentes, do valor de € 146.512,84 (cento e quarenta e seis mil, quinhentos e doze euros e oitenta e quatro cêntimos), tendo por base dois contratos de mútuo celebrados entre a Banco 2... e EMP02.... Lda;
E) Para garantia de cumprimento dos contratos, foram constituídas hipotecas, entre outros, sobre as frações ..., propriedade dos Executados/Embargantes, aqui Recorrentes, e “...”, propriedade de CC e de DD, frações que integram o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº...13, constituído em regime de propriedade horizontal;
F) Alegou a Exequente que o valor em dívida se refere aos contratos n.º ...00 e ...00, garantidos pelas hipotecas constituídas sobre os prédios referidos;
G) Em 15.09.2021, a Exequente/Embargada intentou contra CC e DD processo executivo para cobrança da quantia de € 143.944,46 (cento e quarenta e três mil, novecentos e quarenta e quatro euros e quarenta e seis euros), na qualidade de proprietários da fracção ... do prédio mencionado nos autos, alegando que tal valor decorre da celebração dos contratos ...00 e ...00 – execução que correu termos sob o processo nº 4838/21.7T8GMR, no Juízo de Execução de Guimarães;
H) Em 23/06/2022, o Sr. agente de execução extinguiu a execução que correu termos sob o processo nº 4838/21.7T8GMR, no Juízo de Execução de Guimarães “tendo em consideração que a exequente considerou como satisfeita a relação obrigacional através do pagamento, conforme informação da exequente, a saber: "EMP01... – S.A., Exequente nos autos à margem identificados, vem informar que se encontra ressarcida da quantia peticionada nos presentes autos pelo que requer a V. Exa. a extinção da presente instância
por inutilidade superveniente da lide, com custas a cargo dos Executados. Mais requer a V. Exa. e em conformidade com o requerido supra, que se digne a proceder ao cancelamento da penhora registada sobre o imóvel penhorado nos autos”;
I) Na nota discriminativa referente à execução n.º 4838/21.7T8GMR consta que foi obtido o pagamento da quantia de € 151.816,03 (cento e cinquenta e um oitocentos e dezasseis euros e três cêntimos).
J) Pode extrair-se da matéria de facto provada que quer a execução dos presentes autos, quer a execução que correu termos sob o processo n.º 4838/21.7T8GMR, no Juízo de Execução de Guimarães, tinham por base a cobrança coerciva dos mesmos alegados créditos invocados pela Exequente. K) Para efeitos de qualidade das partes quanto ao direito invocado, a Exequente invocava a alegada existência de um direito de crédito garantido pela hipoteca registada quanto às frações ... e ... do prédio acima identificado.
L) A Exequente assumiu-se na posição de credora e, os Executados, quer nos presentes autos executivos, quer nos autos executivos n.º 4838/21.7T8GMR, assumem a posição de proprietários das frações hipotecadas que garantem o pagamento da mesma alegada obrigação não cumprida.
M) Veja-se que, perante os processos executivos, a Exequente, credora, e os executados, “devedores” com as vicissitudes já acima referidas, assumem-se, em ambos os processos, as mesmas partes, nas mesmas qualidades processuais.
N) De acordo com a matéria de facto provada no aresto recorrido, no âmbito do processo executivo n.º 4838/21.7T8GMR, a Exequente assumiu-se ressarcida da quantia peticionada nos autos.
O) Dando origem à decisão do Exmº. Senhor Agente de Execução pela extinção dos autos executivos n.º 4838/21.7T8GMR, atento o facto de a Exequente considerar satisfeita a relação obrigacional através do pagamento.
P) Igualmente, a nota discriminativa referente à execução n.º 4838/21.7T8GMR refere que o pagamento obtido ascendeu à quantia de € 151.816,03 (cento e cinquenta e um mil, oitocentos e dezasseis euros e três cêntimos).
Q) A Recorrida/Exequente, no processo executivo n.º 4838/21.7T8GMR, considerou satisfeita a relação obrigacional através do pagamento; afirmou estar ressarcida da quantia peticionada naqueles autos; tudo vertido na decisão do Exmº. Senhor Agente de execução – que não foi alvo de censura pela Exequente, transitando em julgado – decisão essa com valor de sentença, que homologou, a título definitivo, a declaração da Exequente quanto ao
ressarcimento da quantia peticionada.
R) Importa, após tudo isto, extrair se a decisão e posição da Exequente/Recorrida no âmbito do processo 4838/21.7T8GMR configura caso julgado no âmbito dos presentes autos executivos, o que desde já se afirma.
S) Nos termos da lei, são requisitos do caso julgado “uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir” – artigo 581º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
T) Sendo certo que, a identidade quanto aos sujeitos processuais, ao pedido e à causa de pedir não terá de ser absoluta, dispondo-se que referente aos sujeitos releva se “as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica”; referente ao pedido releva “quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico”; referente à causa de pedir releva que “a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico” – artigo 581º do CPC.
U) Em particular, quanto à identidade de sujeitos, releva ainda a extensão subjetiva da eficácia do caso julgado estendendo-se a identidade de sujeitos àqueles que, não sendo partes, são ou, hão de, ser abrangidos pela força do caso julgado formado na primeira ação (vide Varela – Bezerra – Nora, Manual cit., p.302).
V) Igualmente há que atender, na definição de identidade das partes, à extensão subjetiva da eficácia da sentença, pois a identidade de sujeitos estende-se, além das partes: aos terceiros juridicamente indiferentes (o credor comum, ou outro titular de direito relativo, perante a sentença que declare que o seu devedor, ou outra contraparte, não é titular de certo direito absoluto, cuja titularidade é de quem com ele litigou — sem prejuízo do recurso de revisão fundado na simulação do litígio); aos titulares de situação jurídica concorrente com a que a sentença reconheceu (credor ou devedor solidário; credor de obrigação indivisível; contraente beneficiário da nulidade de cláusula contratual geral; comproprietário, co-herdeiro na fase da comunhão hereditária ou contitular de outro património comum (…); aos titulares de situação jurídica cuja conservação (subcontrato) ou constituição (direito de preferência; contrato a favor de terceiro) dependa do exercício da vontade negocial duma das partes no processo; ao sócio que não impugne a deliberação social; ao chamado a intervir como parte principal ou acessória que não intervenha; ao adquirente do direito litigioso ou do direito já reconhecido ou constituído pela sentença e aos outros substituídos processuais(…). Todos os casos de extensão a terceiros da eficácia da sentença são equiparados aos da estrita identidade de partes, para o efeito dos arts. 577.º-e e 581.º do CPC.”. – vide Lebre de Freitas (“Um polvo chamado autoridade do caso julgado”, in ROA, Ano 79.º, Jul.-Dez. 2019, pp. 694-695) citado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo n.º 7960/14.2T8LSB-A.L1-2, datado de 24/03/2022, disponível para consulta em http://www.gde.mj.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039 802565fa00497eec/bb44cd552062b4bb802588240047295d .
W) Os Recorrentes nos presentes autos executivos são titulares de situação jurídica concorrente com a que a sentença reconheceu na medida em que a relação obrigacional que impendia sobre os Executados no âmbito do processo n.º 4838/21.7T8GMR foi satisfeita pelo ressarcimento da quantia peticionada, produzindo efeitos na relação obrigacional entre os Recorrentes e a Exequente.
X) O direito de crédito invocado em ambas as execuções é o mesmo, existindo correspondência total entre os contratos de mútuo que servem de base aos processos executivos, assim como existe correspondência total quanto aos alegados valores quanto aos quais pretende a Exequente fazer valer as garantias.
Y) Concluindo-se que a decisão do Exmº. Senhor Agente de Execução, tal como acima transcrita, que resulta diretamente das declarações prestadas pela Exequente, e sendo certo que a decisão aludida não foi sindicada, configura situação jurídica concorrente com a dos Recorrentes na medida em que o cumprimento por parte Executados naqueloutro processo e a declaração de ressarcimento do peticionado pela Exequente, tem consequência direta nasituação jurídica dos Recorrentes.
Z) E, inexistindo qualquer montante em dívida, não haverá qualquer responsabilidade a assacar-se aos Recorrentes, reforçando-se o já anteriormente dito: a hipoteca não é um título de crédito.
AA) Ainda quanto à identidade dos sujeitos releva o decidido no Douto Acórdão do STJ, datado de 05/12/2017, proferido no âmbito do processo 1565/15.8T8VFR-A.P1.S1, disponível para consulta em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/B2074A7D03F4D3CE802581F 3003673FD .
BB) Os Recorrentes, Executados nos autos principais, e os Executados que figuraram no processo executivo n.º 4838/21.7T8GMR, possuem a mesma qualidade jurídica perante o objeto da causa, daí advindo a sua identidade enquanto “litigantes titulares da relação jurídica material controvertida ajuizada”.
CC) Ambos os Executados, nos presentes autos principais de execução e nos autos de execução n.º 4838/21.7T8GMR, respondem pelo incumprimento da mesma obrigação, na mesma qualidade, isto é, são “devedores” da mesma obrigação.
DD) A Recorrida é Exequente/Credora em ambas as execuções.
EE) No que respeita à identidade do pedido, conforme resulta da matéria de facto provada, pretende a Recorrida/Exequente a obtenção, nestes autos executivos, do mesmo montante peticionado no âmbito do processo n.º 4838/21.7T8GMR, que correu termos no Juízo de Execução de Guimarães – Juiz 2, isto é, exatamente o mesmo pedido.
FF) Quanto à causa de pedir, os alegados títulos de crédito que servem de base às execuções são os contratos de mútuo n.º ...00 e ...00, que possuem total e integral correspondência em ambas as execuções (mesmos factos jurídicos) – verificando-se identidade quanto à causa de pedir.
GG) Resulta dos argumentos expendidos o preenchimento de todos os pressupostos para a verificação da exceção dilatória de caso julgado, porquanto, ocorre identidade de sujeitos, pedidos e causa de pedir, o que requer seja reconhecido pelo Tribunal de Recurso.
HH) Decidindo, como decidiu, o Tribunal “a quo” não fez adequada aplicação do direito, designadamente do disposto nos artigos 580.º, 581.º e 619.º do CPC e demais legislação aplicável, pelo que, a decisão em crise deve ser revogada, neste particular, e substituída por Douto Acórdão que julgue verificada a exceção de caso julgado.»[2]
A Embargada/Exequente não contra-alegou relativamente ao recurso subordinado.
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Por despacho proferido na data de 24/09/2024, o recurso principal foi admitido pelo Tribunal de 1ª instância como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito devolutivo. E, por despacho complementar proferido na data de 08/11/2024, o recurso subordinado foi admitido pelo mesmo Tribunal.
Tais despachos não foram objecto de alteração neste Tribunal da Relação.
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Foram colhidos os vistos legais.
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2 - QUESTÃO PRÉVIA - DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO SUBORDINADO E DA CONVOLAÇÃO

Do regime estatuído no nº1 do art. 631º (“… os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido”) e no nº1 do art. 633º (“Se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável, podendo o recurso, nesse caso, ser independente ou subordinado”), ambos C.P.Civil de 2013), resulta que, ficando ambas as partes vencidas, qualquer delas tem direito de recorrer na parte que lhe é desfavorável (desde que estejam verificados os demais requisitos formais, entre os quais ressalta o atinente ao valor da sucumbência, em conjugação com o valor da alçada do Tribunal a quo), podendo fazê-lo de modo independente apresentando o seu recurso (autónomo). Todavia pode não estar interessada em recorrer de forma independente, porque a sua perda não ter relevância em função da decisão lhe ser favorável (isto, para além da situação em que, em concreto, não está preenchido o requisito da sucumbência) e, por via disso, optar por aguardar que a parte contrária apresente um recurso independente da parte que lhe foi desfavorável, e fazer depender a sua impugnação da decisão na parte em que desfavorece a posição que seja assumida pela parte contrária. Confrontada com o teor do recurso independente da parte contrária, pode entender que a sua perda passa a ter relevância e (para além de contra-alegar) pode apresentar recurso subordinado.    

No caso em apreço, como decorre do relatório que antecede, os Embargantes/Executados interpuseram recurso subordinado relativamente à sentença recorrida, verificando-se através das respectivas conclusões [cfr. A) a HH)] que apenas pretendem impugnar o segmento em que o Tribunal a quo, conhecendo o fundamento de embargos de executado consistente na excepção do caso julgado, entendeu não estar verificada tal excepção (segmento que corresponde à 1ª parte do ponto «III - Fundamentação de Direito»).
Sucede que, em conformidade com o teor da sentença recorrida, por considerar verificado e procedente um dos vários fundamentos de embargos aduzidos pelos Embargantes/Executados (designadamente, a iliquidez da obrigação exequenda), o Tribunal a quo julgou «os embargos de executado totalmente procedentes» e, consequentemente, determinou a «extinção da acção executiva apensa».
Logo, estabelecido o confronto entre esta decisão e a sua defesa por embargos de executado, conclui-se que são parte vencedora e não parte vencida: obtiveram a procedência da oposição à execução e a extinção da execução.   
Em face desta procedência total, os Embargantes/Executados não ficaram vencidos e, por isso, não podem recorrer, nem de forma independente (autónoma), nem de forma subordinada - cfr. nº1 do art. 631º e nº1 do art. 633º.
Embora tenha sido admitido pelo Tribunal a quo e liminarmente admitido por despacho do aqui relator, verifica-se agora, nesta conferência de juízes que constituem este Tribunal ad quem, esta questão da sua inadmissibilidade legal, em razão dos Embargantes/Exequentes não terem as condições necessárias para recorrer: falta de legitimidade ad recursum que decorre da circunstância de serem a parte vencedora (cfr. art. 641º/1a) do C.P.Civil de 2013)
Porém, a pretensão dos Embargados/Executados de que «seja revogada a decisão recorrida» quanto ao fundamento de embargos consistente na excepção do caso julgado e «substituindo-a por decisão que julgue procedente a exceção de caso julgado», pode ser enquadrada no disposto no art. 636º/1 do C.P.Civil de 2013: “No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação”.
Prevê-se neste normativo que a parte recorrida possa suscitar, nas contra-alegações de recurso, a reapreciação das questões em que tenha decaído, prevenindo os riscos de uma eventual resposta favorável do tribunal de recurso às questões que tenham sido suscitadas pelo recorrente ou mesmo a outras questões de conhecimento oficioso: não tendo legitimidade para interpor recurso em razão da decisão final lhe ser favorável, a lei concede-lhe a faculdade de actuar por forma a integrar no objecto do recurso interposto pela contraparte os fundamentos (questões) em que decaiu, por forma a assegurar por qualquer das vias a manutenção do resultado final[3].
Ou seja, embora não tenham sido aceites, de forma total ou parcial, os fundamentos da acção ou da defesa, a parte acabou por obter vencimento quanto ao resultado final decretado pela decisão (não sendo, por isso, vencida), mas pode promover a ampliação do objecto do recurso interposto pela contraparte, requerendo a reapreciação do fundamento (ou dos fundamentos) em que tenha decaindo, precavendo, desta forma, o eventual acolhimento pelo tribunal ad quem dos argumentos de facto e/ou de direito que sejam suscitados pelo recorrente ou mesmo de alguma nulidade da decisão. Neste caso, pode revelar-se importante para a defesa dos interesses do recorrido que sejam acolhidas, no âmbito do mesmo recurso, os fundamentos que oportunamente esgrimiu e que mereceram resposta desfavorável por parte do tribunal a quo, sendo esta a utilidade e função da ampliação do objecto do recurso previsto no art. 636º[4].
Assinale-se que não se pode confundir a interposição de recurso subordinado com a ampliação do objecto do recurso, já que, para além de serem diferentes os objectivos que se pretendem alcançar com um e com outro instrumento processual, são diversas as circunstâncias que os motivam: aquele implica que a parte ficou vencida em relação ao resultado declarado na sentença; esta pressupõe apenas  que não foi acolhido o fundamento (ou fundamentos) invocado pela parte para sustentar a decisão que, apesar disso, lhe foi favorável (ou mesmo a verificação de alguma nulidade da decisão)[5].
Revertendo ao caso em apreço, os Embargantes/Executados alicerçaram a oposição à execução, por meio de embargos de executado, em vários fundamentos (pela ordem de alegação na petição de embargos): extinção da obrigação exequenda por pagamento; ilegitimidade da exequente (por falta de notificação da cessão de créditos); inexistência/inexequibilidade de título executivo; incerteza, inexigibilidade e iliquidez da obrigação exequenda; e a excepção de caso julgado (esta apenas foi deduzida em requerimento datado de 25/09/2023).
Da análise da sentença recorrida resulta que o Tribunal a quo considerou verificado o fundamento da iliquidez da obrigação exequenda (e com base no mesmo julgou procedente os embargos de executado), mas previamente não acolheu (considerou não verificados) os fundamentos da excepção de caso julgado nem da ilegitimidade da exequente, sendo que considerou prejudicada a apreciação dos restantes fundamentos.
Neste “quadro”, verifica-se que estamos perante um caso de pluralidade de fundamentos da oposição à execução (isto é, da defesa), relativamente aos quais, embora sejam parte vencedora, os Embargantes/Executados decaíram relativamente a dois deles, sendo que, em sede de contra-alegações, embora através do meio processual errado (recuso subordinado), formularam pretensão expressa (incluindo a formulação de conclusões) no sentido deste Tribunal ad quem conhecer (reapreciar) a decisão recorrida no segmento em que julgou não verificado o fundamentos da excepção de caso julgado.
Esta pretensão, embora não possa configurar legal e validamente um recurso subordinado, tem enquadramento legal (corresponde) no disposto no nº1 do art. 636º, correspondendo, portanto, sim e efecticamente, à promoção de uma ampliação do objecto de recurso por forma a abranger o conhecimento (reapreciação) de um dos fundamentos de embargos que foi julgado inverificado (e no qual a parte vencedora decaiu).  
Era, portanto, este (ampliação do recurso) o meio processual legal que devia ter sido usado pelos Embargantes/Executados.
Prescreve o nº3 do art. 193º do C.P.Civil de 2013: “O erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados”.
Este normativo tem por objecto a correção do erro cometido pela parte quanto ao meio processual utilizado para a prática de determinado acto, caso em que se impõe ao tribunal a convolação oficiosa do acto indevidamente qualificado pela parte para o meio processual de que deveria ter-se socorrido, desde que o seu conteúdo seja adequável com este último[6].
Uma vez que, apesar de não terem utilizado o meio utilizado ajustado ao regime legal aplicável, os Embargantes/Executados revelaram uma clara vontade de que seja reapreciado um dos fundamentos de embargos que foi julgado inverificado (excepção do caso julgado) e fizeram-no dentro do prazo em que lhes era legítimo assumir uma posição com tal significado (isto e, no prazo das contra-alegações), ao abrigo do citado art. 193º/3 (que consagra a ideia de que devem privilegiar-se os aspectos de ordem substancial em detrimento da hipervalorização de elementos de ordem formal), nesta conferência de juízes que constituem este Tribunal ad quem, entende-se como justificada a requalificação do meio utilizado pelos Embargos/Executados e, por via disso, convola-se a pretensão consistente em que «seja revogada a douta decisão recorrida, neste particular, e substituindo-a por decisão que julgue procedente a exceção de caso julgado» [à qual respeitam as conclusões A) a HH) das respectivas contra-alegações] em pedido de ampliação do recurso ao abrigo do disposto no art. 636º/1 do C.P.Civil de 2013, sendo apreciada enquanto tal no âmbito da presente decisão do recurso.
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3. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR
Por força do disposto nos arts. 635º/2 e 4 e 639º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (as conclusões limitam a esfera de actuação do Tribunal), a não ser que se tratem de matérias de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, ou que sejam relativas à qualificação jurídica dos factos (cfr. art. 608º/2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, nº2, in fine, e 5º/3, todos do C.P.Civil de 2013).
Mas o objecto de recurso é também delimitado pela circunstância do Tribunal ad quem não poder conhecer de questões novas (isto é, questão que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis”[7] (pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida[8]).
Neste “quadro legal”, atentas as conclusões do recurso de apelação interposto pela Embargada/Exequente, e em face do decidido no âmbito da antecedente questão prévia, são três as questões a apreciar por este Tribunal ad quem (segundo uma ordem de precedência lógica):
1) Apurar se se verifica ou não o fundamento de embargos consistente na iliquidez da obrigação exequenda (recurso da Embargada/Exequente);
2) Caso se conclua em sentido negativo, apurar se se verifica ou não o fundamento de embargos consiste na excepção do caso julgado (ampliação do recurso)
3) E caso se conclua em sentido negativo às duas questões anteriores, apurar se verifica algum dos remanescentes fundamentos de embargos deduzidos pelos Embargantes/Executados (inexistência e/ou inexequibilidade de título executivo; incerteza e/ou inexigibilidade obrigação exequenda; e pagamento da dívida exequenda). 
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4. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Na decisão ora impugnada, o Tribunal a quo considerou como provados os seguintes factos:
Da execução apensa:
1º - EMP01..., S.A. intentou a execução com o nº 1494/22.7T8GMR, em 10.03.2022, a que o presente está apenso, contra os embargantes AA e BB, para cobrança da quantia de € 146.512,84 (cento e quarenta e seis mil quinhentos e doze euros e oitenta e quatro cêntimos).
2º - A exequente deu à execução:
3º - a) o documento junto a fls. dos autos principais, cujo original se encontra junto a fls. 168 a 171, respeitante a um contrato de mútuo, celebrado a 6 de Fevereiro de 2002, cujo teor se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
4º - Consta do contrato de mútuo, em que são identificados como outorgantes Banco 1..., representada por EE, na qualidade de primeiro outorgante, EMP02.... Lda., designada por parte devedora, representada por EMP02..., designado por segundo outorgante, que outorga por si e na qualidade de sócio-gerente da referida sociedade; e FF, casada com o segundo outorgante, e se encontra assinado pelos mesmos, constando do mesmo, entre o mais, que o segundo outorgante confessa a sociedade sua representada devedora à Banco 1... da quantia de 448.918,11 (quatrocentos e quarenta e oito mil novecentos e dezoito euros e onze cêntimos), que a título de mútuo dela recebem, destinando-se, segundo declara à construção dos Blocos ... e ... de um prédio constituído por quatro blocos a edificar nos seguintes imóveis:
- Prédio urbano composto de casa de rés-do-chão, dependência, ambas a demolir, logradouro e quintal sito na Rua ... da freguesia ... do concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº ...70, da freguesia ... e seus averbamentos, inscrito na respectiva matriz predial, sob o artigo ...75,
- Prédio misto composto de casa de rés-do-chão e 1º andar, a demolir, logradouro e por prédio de horta, sito na Rua ... da freguesia ... do concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº ...59, inscrito na respectiva matriz predial urbana, sob o artigo ...61, encontrando-se a parte rústica omissa à matriz.
5º - A quantia mutuada será creditada na conta de depósitos à ordem nº ... constituída no balcão da Banco 1..., em ..., em nome da parte devedora. (…)
6º - Por conta do referido empréstimo, a parte devedora recebe neste acto a quantia de € 89.783,62, sendo a entrega da restante quantia mutuada, no montante de € 359.134,49, efectuada, por uma ou mais vezes, quando a Banco 1..., em função do estado de desenvolvimento da construção, autorizar o seu levantamento.
7º - Consta da cláusula 8º - “Para garantia do integral cumprimento das obrigações emergentes e assumidas no presente contrato pela parte devedora, bem como das emergentes de qualquer livrança subscrita pela parte devedora que se destine a novar as obrigações emergentes deste contrato, foi constituída pela parte devedora uma garantia hipotecária unilateral com cláusula de efeito abrangente, por escritura de 05.02.2002 (…)”.
8º - b) o documento junto a fls. dos autos principais, cujo original se encontra junto a fls. 173 a 176, respeitante a um contrato de mútuo, celebrado a 6 de Fevereiro de 2002, cujo teor se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
9º - Consta do contrato de mútuo, em que são identificados como outorgantes Banco 1..., representada por EE, na qualidade de primeiro outorgante, EMP02.... Lda., designada por parte devedora, representada por EMP02..., designado por segundo outorgante, que outorga por si e na qualidade de sócio-gerente da referida sociedade; e FF, casada com o segundo outorgante, e se encontra assinado pelos mesmos, constando do mesmo, entre o mais, que o segundo outorgante confessa a sociedade sua representada devedora à Banco 1... da quantia de 548.677,69 (quinhentos e quarenta e oito mil seiscentos e setenta e sete euros e sessenta e nove cêntimos), que a título de mútuo dela recebem, destinando-se, segundo declara à construção dos Blocos .. e .. de um prédio constituído por quatro blocos a edificar nos seguintes imóveis:
- Prédio urbano composto de casa de rés-do-chão, dependência, ambas a demolir, logradouro e quintal sito na Rua ... da freguesia ... do concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº ...70, da freguesia ... e seus averbamentos, inscrito na respectiva matriz predial, sob o artigo ...75,
- Prédio misto composto de casa de rés-do-chão e 1º andar, a demolir, logradouro e por prédio de horta, sito na Rua ... da freguesia ... do concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº ...59, inscrito na respectiva matriz predial urbana, sob o artigo ...61, encontrando-se a parte rústica omissa à matriz.
10º - A quantia mutuada será creditada na conta de depósitos à ordem nº ... constituída no balcão da Banco 1..., em ..., em nome da parte devedora. (…)
11º - Por conta do referido empréstimo, a parte devedora recebe neste acto a quantia de € 219.471,08, sendo a entrega da restante quantia mutuada, no montante de € 329.206,61, efectuada, por uma ou mais vezes, quando a Banco 1..., em função do estado de desenvolvimento da construção, autorizar o seu levantamento.
12º - Consta da cláusula 8º - “Para garantia do integral cumprimento das obrigações emergentes e assumidas no presente contrato pela parte devedora, bem como das emergentes de qualquer livrança subscrita pela parte devedora que se destine a novar as obrigações emergentes deste contrato, foi constituída pela parte devedora uma garantia hipotecária unilateral com cláusula de efeito abrangente, por escritura de 05.02.2002 (…)”.
13º - Por escritura de hipoteca outorgada no dia 05.02.2002, no ... Cartório Notarial ..., em que compareceram como outorgantes, EMP02..., em representação da sociedade comercial EMP02..., Lda., que declarou:
14º - “A sociedade que representa é dona e legítima possuidora dos seguintes prédios, situados na Rua ..., aludida freguesia ...:
a) Urbano. Casa de rés-do-chão, dependência, e logradouro e quintal, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº ...70, da freguesia ..., registado a favor da mesma sociedade pela inscrição ... e inscrito na matriz sob o artigo ...75, ao qual é atribuído o valor de cento e oitenta mil euros:
b) Misto. Casa de rés-do-chão e 1º andar, logradouro e terreno de horta, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº ...59, de ... (…), prédio este a que é atribuído o valor de trezentos e setenta e quatro mil euros e foi adquirido pela mesma sociedade por escritura de hoje, lavrada imediatamente anterior a esta.
15º- “Que a favor da Banco 1... (…), em nome da sociedade que representa, constituiu hipoteca sobre os referidos imóveis, para garantia do integral pagamento de qualquer quantia de que a referida Banco 2... seja ou venha a ser credora da dita sociedade (…).
16º - Consta da cláusula 1º que a hipoteca garante até ao limite global máximo de capital de novecentos e noventa e sete mil e seiscentos euros, o pagamento de todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir, concretamente:
17º - (…) b) Toda e qualquer quantia que a referida Banco 1... tenha emprestado ou venha a emprestar, através de mútuo, abertura de crédito, saldos devedores ou descobertos em conta de depósito, que a sociedade sua representada em conjunto ou isoladamente seja devedora (…)”.
18º - O montante máximo de capital e acessórios garantido pela hipoteca é de um milhão duzentos e oitenta e um mil novecentos e dezasseis euros (…)”.
19º - Por contrato de cessão de créditos, celebrado em 12/07/2019, registado em 15.01.2020, a Banco 1... cedeu a EMP01... diversos créditos, incluindo os créditos que a Banco 1... possuía respeitantes aos crédito(s) identificados como ...00 e ...00, que detinha sobre a sociedade EMP02.... Lda., com todas as garantias e acessórios, incluindo as hipotecas supra descritas.
20º - Os prédios mencionados em 14) foram anexados e dessa anexação resultou o prédio descrito naquela Conservatória sob o nº...13, constituído em regime de propriedade horizontal, estando a hipoteca ali registada sob a inscrição ....
21º - A predita hipoteca impende actualmente, sobre a fracção autónoma designada pela letra ... do prédio que pertence aos executados.
22º - Encontrando-se registada a favor da exequente pela Ap. ...88 de 2020/01/15.
23º - EMP01..., S.A. intentou a execução com o nº 4838/21.7T8GMR, em 15.09.2021, neste Juízo, contra CC e DD, para cobrança da quantia de € 143.944,46 (cento e quarenta e três mil novecentos e quarenta e quatro euros e quarenta e seis euros), na qualidade de proprietários da fracção ... do prédio mencionado nos autos, alegando que tal valor decorre da celebração dos contratos ...00 e ...00.
24º - Em 23.06.2022, o Sr. agente de execução decidiu extinguir “presente execução, tendo em consideração que a exequente considerou como satisfeita a relação obrigacional através do pagamento, conforme informação da exequente, a saber: "EMP01... – S.A., Exequente nos autos à margem identificados, vem informar que se encontra ressarcida da quantia peticionada nos presentes autos pelo que requer a V. Exa. a extinção da presente instância por inutilidade superveniente da lide, com custas a cargo dos Executados. Mais requer a V. Exa. e em conformidade com o requerido supra, que se digne a proceder ao cancelamento da penhora registada sobre o imóvel penhorado nos autos.
Verifica-se assim a situação a que se refere a alínea f) do nº 1 do artº 849º do C. P.C. - extinção por inutilidade superveniente da lide pelo pagamento, pelo que se declara extinta a presente execução”, conforme documento junto a fls. 106 verso, cujo teor se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
25º - Na nota discriminativa da execução identificada em 23) consta que foi obtido o pagamento da quantia de € 151.816,03
26º - Por sentença proferida em 12.10.2007, transitada em julgado, no Processo nº 3374/07.9TBGMR, do 4º Juízo Cível do Tribunal de Guimarães, a sociedade EMP02..., Lda. foi declarada insolvente.
27º - No âmbito dos autos identificados em 26), a Banco 1... reclamou o crédito de € 53.000,00, de capital e € 433,16 e 180,91 juros, despesas e encargos do crédito identificado em 3 a), num total de € 56.614,07.
28º - No âmbito dos autos identificados em 26), a Banco 1... reclamou o crédito de € 83.347,75, de capital e € 717,24 e 289,63, juros, despesas e encargos do crédito identificado em 8 b), num total de € 84.354,62.
29º - Consta da reclamação de créditos “por força de diversos pagamentos a hipoteca impende actualmente sobre as fracções autónomas designadas pelas letras ..., ... e ... do referido prédio.
30º - Os créditos mencionados em 27º e 28º foram reconhecidos pelo Sr. administrador de insolvência como créditos privilegiados.
31º - No âmbito do processo de insolvência a exequente deduziu o incidente de habilitação de cessionário, no que respeita aos contratos ...00 e ...00.
32º - Por decisão de 23.04.2020, após notificação dos intervenientes processuais, a exequente foi declarada habilitada como adquirente para prosseguir a causa em substituição da Banco 1..., no que se refere aos créditos respeitantes aos contratos a que a requerente alude nos autos.
33º- Na proposta de rateio final, não consta qualquer pagamento a favor da Banco 1... ou da exequente.
34º - Por sentença datada de 13.09.2021, transitada em julgado, proferida no Apenso S dos referidos autos de insolvência, o tribunal decidiu:


35º - A cessão de créditos não foi notificada aos embargantes.
36º - Após a homologação da transacção que celebrou no processo nº 4838/21.7T8GMR, a exequente reduziu o valor da quantia exequenda para o montante de € 82.527,73.
37º - A cessão de créditos foi notificada aos devedores originários.
38º - A execução apensa deu entrada em Juízo em 10.03.2022.
Na decisão ora impugnada, o Tribunal a quo considerou que como não provados os seguintes factos:
a) À data da declaração de insolvência da sociedade EMP02..., Lda. encontrava-se em incumprimento o capital de € 53.000,00 e de € 83.347,75.
b) No âmbito da execução identificada em 23), a exequente recebeu, em 25.05.2022, apenas o montante de € 65.000,00.
c) A embargada agiu com o propósito de entorpecer a acção da justiça e impedir a descoberta da verdade.
* * *
5. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

5.1. Da Iliquidez da Obrigação Exequenda
A acção executiva pressupõe sempre o dever de realização de uma prestação, de uma obrigação e tem por finalidade a reparação efectiva de um direito violado - arts. 2º/2 e 10º/4 do C.P.Civil de 2013.
E, nos termos do nº5 do referido art. 10º do C.P.Civil de 2013, “toda a execução tem por base um título executivo, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva”.

Segundo Miguel Teixeira de Sousa[9], “o título executivo é o documento do qual resulta a exequibilidade de uma pretensão e, portanto, a possibilidade de realização coactiva da correspondente prestação, através de uma acção executiva. Esse título incorpora o direito de execução, ou seja, o direito do credor a executar no património do devedor ou de um terceiro para obter a satisfação efectiva do seu direito à prestação”. E nas palavras de Remédio Marques[10], o título executivo “trata-se de um documento a que, com base na aparência ou na probabilidade do direito nele documentado, o ordenamento jurídico assinala um suficiente grau de certeza e de idoneidade para constitui uma condição de exequibilidade extrínseca da pretensão”.
Podemos assentar que título executivo é um documento que titula um acto constitutivo ou certificativo de obrigações, ao qual a lei reconhece a eficácia de servirem de base ao processo executivo[11].
O prosseguimento da acção executiva depende da verificação de dois pressupostos: um pressuposto formal, constituído pelo título executivo (art. 10º do C.P.Civil de 2013) e um pressuposto material, constituído por uma obrigação certa, exigível e líquida (art. 713º do C.P.Civil de 2013).
Importa notar que o título executivo judicial ou extra-judicial não dá ao Tribunal a certeza absoluta da existência do direito, mas tão somente a probabilidade séria da sua existência. Como salienta Pessoa Jorge[12], “só há certeza jurídica de que o direito existe no momento em que o título é emitido; no momento em que o credor pretende desencadear as actuações coercivas, a existência do direito é hipotética”.
É, por isso, que a defesa dos direitos do executado pode sempre exercitar-se através do meio de oposição previsto no art. 728º do C.P.Civil de 2013 - embargos de executado -, no qual o executado exerce a sua defesa na execução, com base num fundamento processual ou material.
A oposição à execução mediante embargos de executado consubstancia uma acção declarativa, estruturalmente autónoma, mas instrumental e funcionalmente dependente e ligada à acção executiva, pela qual o executado pretende impedir/obstar a produção dos efeitos do título executivo e/ou da acção em que ele se baseia.
Através desta forma de oposição à execução visa-se a extinção, total ou parcial, da execução, mediante o reconhecimento da actual inexistência (total ou parcial) do direito exequendo ou da falta de um pressuposto, especifico ou geral da acção executiva (com a concomitante declaração da sua inadmissibilidade): quando integram uma oposição de mérito à execução, pretende-se um acertamento negativo da situação substantiva (obrigação exequenda), de sentido contrário ao acertamento positivo consubstanciado no título executivo, cuja finalidade é obstar ao prosseguimento da acção executiva mediante a eliminação, por via indirecta, da eficácia do título executivo enquanto tal; quando integra um fundamento processual, pretende-se, não um acertamento negativo do direito exequendo, mas sim um acertamento, também negativo, da falta dum pressuposto processual, que pode ser o próprio título executivo, igualmente obstando ao prosseguimento da acção executiva, mediante o reconhecimento da sua inadmissibilidade[13].
O credor só pode dar início à acção executiva desde que tenha título executivo: este é a condição necessária (sem título executivo não há execução) e suficiente da acção executiva. Mas “ao interesse do credor em ver o seu direito satisfeito com celeridade contrapõe-se o do devedor em não ver o seu património envolvido na execução sem que o direito do credor portador do título esteja devidamente comprovado, corresponda à verdade. A lei não podia deixar de tomar em consideração como tomou, a contraposição de interesses do credor e do devedor, do exequente e do executado, tentando conciliar, na medida do razoável, o interesse do credor que exige que a execução seja pronta, com o interesse do devedor, que exige que a execução seja justa. A conciliação destes interesses faz-se concedendo a lei ao devedor a faculdade de debater a relação jurídica material, entre ele e o pretenso credor formada, numa acção de oposição enxertada pelo devedor na acção executiva - os embargos de executado”[14].
Apesar da sua função de defesa, é o tipo de título executivo que determina a maior ou menor amplitude dos fundamentos que o executado pode invocar na petição embargos.
Quando esse título for constituído por uma sentença, a oposição apenas se pode alicerçar nos fundamentos discriminados no art. 729º do C.P.Civil de 2013, sendo que, a petição aproximar-se-á, nuns casos, do recurso de revisão por ilegalidade [por exemplo, no caso previsto na alínea d)] e, noutros casos, das acções de reabertura de contraditório por factos supervenientes [por exemplo, no caso previsto na alínea g)].
Quando a execução for baseada noutro título (como é o caso do presentes autos), atento o disposto no art. 731º do mesmo diploma legal, para além daqueles que constam do art. 729º, o executado pode alegar quaisquer outros fundamentos que possam ser invocados como defesa no processo de declaração, sendo que a petição de embargos aproximar-se-á de uma contestação, com conteúdo impugnatório e dedução de excepções: afirma-se no Ac. do STJ de 14/07/2009[15] que “tratando-se de oposição à execução baseada em título executivo extrajudicial, pode o oponente invocar, sem qualquer limite temporal, todas as causas impeditivas, modificativas ou extintivas do direito do exequente, e até, por vezes, negar os factos constitutivos do mesmo direito, achando-se na mesma posição em que se encontraria perante a petição inicial de uma acção declarativa”.
A razão pela qual é facultada ao executado esta defesa mais ampla contra o título executivo extrajudicial assenta precisamente na circunstância de que, não tendo ele tido a possibilidade de, antes, em acção declarativa prévia, se defender da pretensão do Exequente, então a lei possibilita-lhe agora tanto a defesa por excepção como a defesa por impugnação.
Nos embargos de executado a distribuição do ónus da prova observa as regras gerais sobre a matéria, cabendo, em princípio, ao executado/embargante a prova dos fundamentos alegados (cfr. art. 342º/1 do C.Civil)[16], mas há em casos em que tal ónus recai sobe o próprio exequente/embargado. Explica-se, de forma muito assertiva, no Ac. do STJ de 09/11/2009[17]: “(…) o exequente/requerido na oposição já tratou de fundamentar o seu direito no momento em que apresentou o requerimento executivo e juntou o título que suporta a execução e faz presumir o direito exequendo, nessa medida cumprindo antecipadamente ao momento da dedução da oposição pelo executado o ónus de alegação e prova a seu cargo, quanto aos elementos constitutivos do crédito que pretende realizar coercivamente. Ora, da aplicação das regras gerais sobre o ónus da prova, contidas no referido art.342º, decorre que nem sempre recai sobre o opoente à execução o ónus de provar todos os fundamentos da oposição que deduz: será efectivamente assim quando o executado estruture a sua oposição numa defesa por excepção, invocando como suporte desta factos «novos», de natureza impeditiva, modificativa ou extintiva que lhe cumprirá naturalmente provar, - mas já não quando se limite estritamente a impugnar os factos constitutivos do crédito do exequente, documentado pelo título executivo, eventualmente completado pela alegação constante do requerimento executivo. Tal defesa por impugnação - e não por excepção - poderá, desde logo, ter como objecto os factos complementares ao título executivo, que, por deste não constarem, o exequente tenha alegado no requerimento executivo, nos termos previstos na al. b) do nº3 do art. 810º do CPC: sendo estes negados pelo opoente/executado - e não estando obviamente cobertos pela força probatória que dimana do título executivo - é evidente que recairá inteiramente sobre o exequente o respectivo ónus probatório, enquanto elementos constitutivos do direito que pretende realizar coercivamente, impugnados pela parte contrária. Para além disto, pode evidentemente o opoente deduzir impugnação que abale a força probatória de primeira aparência de que gozava o título executivo em que se fazia assentar a própria execução - e que, ao menos nos títulos desprovidos de natureza judicial, tem de ser naturalmente atacável pelo executado, ficando afectada quando este consiga abalar com a sua oposição o grau de certeza quanto à existência do crédito exequendo que normalmente lhes subjaz, passando, consequentemente, a incidir sobre o exequente/requerido na oposição - destruída que esteja a presunção de existência do direito que decorreria do título dado à execução - o ónus de prova de factos constitutivos do crédito exequendo” (os sublinhados são nossos).
No caso em apreço, embora tenha indicado «escritura» no campo denominado «título executivo, certo é que, analisando o teor do requerimento executivo e os documentos que o acompanham, constata-se que, efectivamente, a Exequente/Embargada apresenta e alega, como título executivo, dois contratos de mútuo (com os nºs. ...35 e ...43) celebrados, através de escrito particular (cujos originais se encontram a fls. 168 a 171 e a fls. 173 a 176) e na data de 06/02/2002, entre a Banco 1..., na qualidade de mutuante, e EMP02...., Lda., na qualidade de mutuária, tendo esta sociedade confessado ser devedora àquela das quantias de € 448.918,11 e de € 548.677,69 que «a título de mútuo dela recebem» (o que, aliás, está em consonância com os factos provados nºs. 2 a 4, 8 e 9), sendo que, no requerimento executivo (arts. 4º e 14º do ponto «II»), mais se alega que «a mutuária faltou ao pagamento das prestações contratadas e devidas à Exequente em 14/04/2014».
Com o requerimento executivo, a Exequente/Embargada apresentou ainda:
- escritura pública de constituição de hipoteca por parte da sociedade EMP02...., Lda. outorgada em 02/02/2002, a qual incidiu sobre um prédio urbano e um prédio misto, e que garantia, para além do mais, também o pagamento das quantias que lhe foram mutuadas pela Banco 1... através dos dois identificados contratos de mútuo (em conformidade com a cláusula 8ª de cada um deles - cfr. factos provados nºs. 7 a 12);
- certidão do registo predial que comprova que a anexação daqueles dois prédios deu origem a um prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, que aquela hipoteca foi registada a favor da Banco 1..., que o registo da hipoteca a favor da Exequente por transmissão de crédito da Banco 1..., que a hipoteca continua a incidir sobre a fracção autónoma ... e que a propriedade desta está registada a favor dos Executados/Embargantes desde 22/07/2014;
- e escritura pública de cessão de créditos outorgada em 12/07/2019 entre a Banco 1... e a Exequente, sendo que, no requerimento executivo (arts. 1º e 2º do ponto «II»), alega-se que aquela «vendeu» a esta «os créditos com os nºs. ...35 e ...43».
Daqui decorre que, no requerimento executivo, o Embargado/Exequente invoca a sucessão no direito de crédito da Banco 1... (entidade que figura nos títulos executivos como credor) e, com vista à cobrança coactiva da obrigação exequenda, pretende fazer valer a garantia real (hipoteca) que incide sobre um bem de terceiros (os Executados/Embargantes), tudo nos termos do art. 54º do C.P.Civil de 2013 [“1 - Tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda; no próprio requerimento para a execução o exequente deduz os factos constitutivos da sucessão. 2 - A execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro segue diretamente contra este se o exequente pretender fazer valer a garantia, sem prejuízo de poder desde logo ser também demandado o devedor (…)”].
É consabido que o regime de numerus clausus de títulos executivos que o legislador consagrou no art. 703º do C.P.Civil de 2013 (diploma legal em vigor à data da instauração da execução - 15/09/2021) não reconheceu tal qualidade aos documentos particulares. (“À execução apenas podem servir de base: a) As sentenças condenatórias; b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação; c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo; d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva”).
Porém, o Tribunal Constitucional, através do Ac. nº408/2015, de 23/09/2015[18], declarou, “com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho”. Assinala-se na respectiva fundamentação que “é retirada força executiva a documentos particulares que anteriormente a detinham, se ainda não acionados”, sendo “esta afetação, a nível processual, da posição creditória, ocasionada pela alteração legislativa, que configura a questão de constitucionalidade”, acentuando-se que “ao suprimir a ligação que antes se estabelecia entre o valor probatório dos documentos particulares e a exequibilidade extrínseca da pretensão neles materializada, a norma sob escrutínio introduziu uma modificação que era imprevisível”, concluindo que “no regime transitório constante do artigo 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013 não decorre uma acomodação ajustada dos interesses em presença, pois dele resulta uma lesão particularmente intensa da confiança legítima do particular - que perde o título executivo que possuía e de acordo com o qual tinha feito planos de vida, com base na lei - para prosseguir um interesse público que, embora relevante, poderia ser igualmente alcançado de forma eficaz através de meios menos lesivos”.
Nestes termos, embora o C.P.Civil de 2013 não conceda exequibilidade à generalidade dos documentos particulares assinados pelo devedor (com excepção dos títulos de crédito), por força da decisão plasmada no Ac. do TC nº408/2015, ficam ressalvados aqueles que, tendo sido elaborados antes da entrada em vigor daquele diploma (ou seja, antes de 01/09/2013), preencham os requisitos que estavam estabelecidos na alínea c) do nº1 do art. 46º do C.P.Civil de 1961[19] (“Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto”).
Nos presentes embargos, para além do mais, os Embargantes/Executados invocaram como fundamento a «inexistência/inexequibilidade do título», alegando, essencialmente, por um lado, que «os dois escritos ditos “contratos” dados à execução são cópias e não se mostram assinados pelo banco alegado mutuante, pelo que não reconhece a existência de qualquer obrigação e não se vinculou» e, por outro lado, que «os empréstimos não foram celebrados por “escritura” inexistindo como títulos executivos à luz do disposto no art. 703º, nº1, al. c) do CPC».
No item da sentença recorrida correspondente à fundamentação de direito sobre o fundamento «Do título executivo, sua inexequibilidade e da incerteza, inexigibilidade, e liquidez da obrigação exequenda», o Tribunal a quo considerou que a obrigação exequenda é «ilíquida», não se pronunciando concretamente sobre as supra identificadas alegações no sentido da «inexistência/inexequibilidade do título». Porém, é manifesto que tais alegações não colhem: por um lado, como resulta da factualidade provada (cfr. factos provados nºs. 3, 4, 8 e 9), embora não o tenha feito com o requerimento executivo, certo é que, posteriormente, a Embargada/Exequente apresentou os originais de ambos os contratos de mútuo (a fls. 168 a 171 e a fls. 173 a 176 destes autos ), os quais se encontram devidamente subscritos (assinados) também pelo banco mutuante (Banco 1...); e, por outro lado, os dois contratos de mútuo apresentados como títulos executivos na presente execução para pagamento de quantia constituem documentos particulares elaborados na data de 06/02/2002 (ou seja, antes da entrada em vigor do C.P.Civil de 2013) e, por isso, beneficiam do decidido no Ac. do TC nº408/2015, enquadrando-se no âmbito de previsão do citado art. 46º/1c) do C.P.Civil de 1961 (independentemente da questão da iliquidez da obrigação que adiante será apreciada, é inquestionável que estamos perante documentos particulares nos quais, para além do mais, a sociedade mutuária se confessou devedora à Banco 1... «das quantias de € 448.918,11 e de € 548.677,69 que a título de mútuo dela recebem»), não lhe sendo aplicáveis o regime do art. 703º do C.P.Civil de 2013.
Nos presentes embargos, os Embargantes/Executados também invocaram como fundamento a «incerteza, inexigibilidade e iliquidez da obrigação exequenda», alegando, essencialmente, que «a obrigação exequenda não resulta dos documentos juntos ao requerimento executivo; não foi junto extrato bancário de conta corrente ou outro documento que permita determinar o valor da obrigação exequenda; nada foi alegado quanto à entrega efetiva pelo banco mutuante à sociedade mutuária  da quantia que consta dos contratos; a Exequente invoca, decorrente de um “contrato”, um capital em dívida de 53.116,45€ e juros no valor de 5.730,67€, num montante total de 58.847,12 €; invoca um segundo contrato de mútuo, alega que a mutuária insolvente faltou ao pagamento, estando em dívida o valor de 78.971,59 e (capital), 8.520,16€ (juros) e 173,97€ (despesas), num montante total de 87.665,72€; não há documentos que sirvam de base aos valores peticionados; cabia à Exequente tornar certa, líquida e exigível a obrigação exequenda, alegando os factos com tal efeito no seu requerimento executivo e juntando documentos atestadores de tais alegações, o que não fez».
Na sentença recorrida, o Tribunal a quo veio a entender que “a exequente não cumpriu adequadamente esse ónus a seu cargo – especificação dos valores que compreendem o capital em dívida, bem como a prova dos mesmos, não se descortina como foi fixado tal valor, mostrando-se assim ilíquida a obrigação - artigos 731.º e 729.º, al. e), ambos do CPC, não suprida, o que acarreta a extinção da execução”, com base, essencialmente, no seguinte:
“(…)
- Por conta do referido empréstimo, a parte devedora recebe neste acto a quantia de € 89.783,62, sendo a entrega da restante quantia mutuada, no montante de € 359.134,49, efectuada, por uma ou mais vezes, quando a Banco 1..., em função do estado de desenvolvimento da construção, autorizar o seu levantamento.
(…)
- Por conta do referido empréstimo, a parte devedora recebe neste acto a quantia de € 219.471,08, sendo a entrega da restante quantia mutuada, no montante de € 329.206,61, efectuada, por uma ou mais vezes, quando a Banco 1..., em função do estado de desenvolvimento da construção, autorizar o seu levantamento.
Ora, o documento em causa não contém qualquer indicação no sentido de para além das quantias que foram inicialmente entregues - € 219.471,08 e € 89.783,62, a mutuante entregou as restantes quantias previstas nos contratos, não existindo qualquer evidência de qual foi o capital que foi entregue à sociedade EMP02..., Lda., pelo que tal documento é insuficiente para determinar a constituição da obrigação pecuniária que, por via da presente execução, se pretende exigir ao executado.
Essa determinação deveria ter sido feita pela exequente, juntando a documentação pertinente, demonstrativa dos meios concretamente utilizados pela sociedade para movimentação dos fundos disponibilizados pela exequente, com discriminação dos respectivos montantes e de acordo com o clausulado nos contratos.
(…)
No caso, não resulta dos contratos celebrados a concessão efectiva de qualquer crédito, para além dos valores que foram inicialmente entregues.
Ora, tal como alegam os embargantes, nestes contratos de mútuo não foi reconhecida ou constituída qualquer obrigação pela sociedade para além do valor do capital inicialmente entregue, não resultando dos mesmos a efectiva entrega dos restantes valores à sociedade, mas tão-somente importa a futura constituição de obrigações, mediante a efectiva disponibilização à sociedade dos restantes valores previstos nos contratos.
Por outro lado, não resultou demonstrado que à data da declaração de insolvência da sociedade EMP02..., Lda. encontrava-se em incumprimento o capital de € 53.000,00 e de € 83.347,75 e que no âmbito da outra execução a exequente recebeu, em 25.05.2022, apenas o montante de € 65.000,00.
Deste modo, não resultando demonstrado qual o valor do capital em dívida, cabendo à exequente (tendo sido impugnado o valor do capital em dívida), na sua contestação, alegar (e provar) os valores que considera compreendidos na prestação devida.
(…)”.
No presente recurso, a Embargada/Exequente defende que a «obrigação peticionada foi liquidada aquando do envio de requerimento executivo», invocando, essencialmente, que: relativamente ao contrato de crédito n.º ...35, «juntou aos autos, como Documento n.º 7 da sua Contestação, 1ª Página, um extrato que comprova todas as quantias mutuadas à devedora originária, resultando deste documento que foi creditada na conta do mutuário ..., o montante total de 548.677,69 € e que o capital em dívida, à data do incumprimento 14/04/2014, ascendia a 53.116,45€»; e relativamente ao contrato de crédito n.º ...43, «juntou aos autos, como Documento n.º 8 da sua Contestação, 1ª Página, um extrato que comprova todas as quantias mutuadas à devedora originária, resultando deste documento que foi creditada na conta do mutuário ..., o montante total de 548.677,69 € e que o capital em dívida, à data do incumprimento 29/01/2014, ascendia a 78.971,59€» [cfr. conclusões D a H, J a N, e Q].

Vejamos.
Como antedito, um segundo pressuposto da acção executiva é exigência de que a prestação se mostre certa, exigível e líquida - cfr. art. 713º do C.P.Civil de 2013.
Configuram condições de carácter material que, intrinsecamente, condicionam a exequibilidade do direito na medida em que, sem estarem verificados, não é admissível a satisfação coactiva da prestação e daí que, no citado art. 713º, o legislador determine que “A execução principia pelas diligências, a requerer pelo exequente, destinadas a tornar a obrigação certa, exigível e líquida, se o não for em face do título executivo”.
Portanto, o direito a uma prestação, para poder ser objecto de uma execução, deve corresponder a uma obrigação que o executado deva cumprir ao tempo da citação e que se mostre qualitativa e quantitativamente determinada[20].
Podemos assentar que a obrigação é: certa quando a prestação se mostra qualitativamente determinada (ainda que esteja por liquidar ou individualizar); exigível quando se encontra vencida ou o seu vencimento depende, de acordo com estipulação expressa ou com a norma geral supletiva do art. 777º/1 do C.Civil, de simples interpelação do devedor [assinale-se que a interpelação pode ocorrer através da citação para a acção executiva - cfr. arts. 551º/1 e 610º/2b) do C.P.Civil de 2013]; e líquida quando tem por objecto uma prestação cujo quantitativo está apurado, não necessitando de liquidação (como refere Rui Pinto[21], “a liquidez é a qualidade da obrigação que esteja quantitativamente determinada. O acertamento da obrigação cujo objecto não esteja quantificado em face do título é um dos pressupostos da execução, já que ele irá dar a medida do ataque ao património do executado. Por conseguinte, o exequente não pode, na execução, formular pedido ilíquido, sem proceder à respectiva liquidação”).
Está-se perante uma obrigação ilíquida quando não se encontra determinada a sua quantidade, carecendo da efectivação de cálculos aritméticos ou da alegação de factos que, depois de submetidos ao contraditório, permitam a sua quantificação (cfr. art. 716º do C.P.Civil de 2013)[22].
Se a correspondente actividade preparatória, exigida pelo aludido art. 713º, não for promovida logo no requerimento executivo, o juiz deve impedir o prosseguimento da acção executiva, através da prolação de despacho de aperfeiçoamento, conferindo ao exequente a oportunidade de sanar a irregularidade, e só perante o não acatamento deste convite terá lugar o indeferimento subsequente nos termos do nº5 do art. 726º do C.P.Civil de 2013. Porém, nada disto afasta a possibilidade de o executado, em sede de oposição por embargos, invocar a incerteza, a inexigibilidade ou a iliquidez da obrigação exequenda, alegando que tais requisitos materiais não se verificavam aquando da instauração da acção executiva ou não foram posteriormente supridos [cfr. art. 729º/e) do C.P.Civil de 2013][23]
A liquidação pode depender de simples cálculo aritmético ou não: depende de simples cálculo aritmético quando, embora ilíquida,  a obrigação assenta em factos não controvertidos que se encontram abrangidos pela segurança do título executivo, e o exequente especifica os valores que considera compreendidos na prestação devida, concluindo o requerimento executivo com um pedido líquido e efectuando os necessários cálculos aritméticos (cfr. nº1 do art. 716º do C.P.Civil de 2013)[24]; não depende de simples cálculo aritmético, quando os pressupostos do cálculo da obrigação pecuniária a que se reporta a condenação genérica assentam em factos novos, susceptíveis de prova, que não estão abrangidos pela segurança do título executivo e não sejam notórios, nem de conhecimento oficioso[25].

No caso em apreço, no requerimento executivo, a obrigação exequenda foi apresentada como líquida (ou seja, como quantitativamente determinada) relativamente a cada um dos contratos de mútuo apresentados como título executivo. Com efeito, está nele consignado:
“(…) LIQUIDAÇÃO DA OBRIGAÇÃO
Valor Líquido: 132 088,04 €
Valor dependente de simples cálculo aritmético: 173,97 €
Valor NÃO dependente de simples cálculo aritmético: 11 682,45 €
Total: 143 944,46 €
1) DO CONTRATO DE MÚTUO COM O N.º ...00
- Capital em dívida: 53.116,45 €
- Juros: 4.697,85€
Total: 57.814,30 €
2) DO CONTRATO DE MÚTUO COM O N.º ...00
- Capital em dívida: 78.971,59€
- Juros: 6.984,60 €
- Despesas: 173,97€
Total: 86.130,16€
Na presente data, o valor global em dívida relativamente ao supra mencionados contratos (Contrato n.º ...00 e Contrato n.º ...00) é de 143.944,46€ (cento e quarenta e três mil novecentos e quarenta e quatro euros e quarenta e seis cêntimos) valor a que acrescem os respectivos juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, calculados sobre o capital em dívida à taxa legal em vigor de 4%.
(…)”.
Sucede que, analisando o teor de cada um dos contratos de mútuo apresentados como título executivo e analisando o teor do alegado no requerimento executivo, temos necessariamente que concluir que nem aqueles contêm os elementos necessários à determinação do quantitativo em dívida, nem este contém a demonstração das operações que a Exequente efectuou para liquidar a obrigação exequenda nos termos em que a liquidou. Concretizando.
Primeiro.
Embora nos contratos esteja consignado que a sociedade mutuária se confessa devedora à Banco 1... respectivamente «das quantias de € 448.918,11 e de € 548.677,69 que a título de mútuo dela recebem», certo é que, como bem se explica na sentença recorrida (e a Embargada/Exequente não o coloca em causa), resulta inequivocamente das cláusulas dos mesmos contratos que, na data da sua celebração, a sociedade mutuária apenas recebeu, por conta dos dois empréstimos, as quantias de € 89.783,62 e de € 219.471,08, sendo que a entrega das restantes quantias mutuadas (de € 359.134,49 e de € 329.206,61) seria efectuada «por uma ou mais vezes, quando a Banco 1..., em função do estado de desenvolvimento da construção, autorizar o seu levantamento» (cfr. factos provados nºs. 3, 4, 6, 8, 9 e 11).
E como igualmente bem se refere na sentença recorrida, estes contratos não comprovam que, posteriormente, foram entregues à sociedade mutuante outras quantias para além das inicialmente entregues, o que, por si só, impede a determinação de qual foi o montante total do capital concretamente mutuado no âmbito de ambos empréstimos, acrescendo que, no requerimento executivo, a Embargada/Exequente não alega um único facto que, sendo susceptível de prova, pudesse demonstrar quais as quantias posteriormente entregues, os respectivos valores parcelares e as datas da sua disponibilização na conta da sociedade mutuante, tal como, com esse requerimento, não apresentou qualquer documento que comprovasse tais factos.
Frise-se que estes factos não estão abrangidos pela segurança dos documentos apresentados como títulos executivos (os aludidos contratos de mútuo), pelo que incumbia à Embargada/Exequente os ónus de alegação e de prova de tal factualidade no âmbito da respectiva liquidação da obrigação exequenda que, neste aspecto, não dependia de simples cálculo aritmético - cfr. art. 716º/4 do C.P.Civil de 2013.
E tal omissão de alegação manteve-se na contestação aos embargos de executado, mesmo apesar da questão da iliquidez ter sido deduzida na petição de embargos. Na verdade, ao contrário do que a Embargada/Exequente quer dar a entender em sede de recurso, na contestação, não foi alegado um único facto (susceptível de prova) relativamente às quantias posteriormente entregues no âmbito de cada contrato, aos valores parcelares e às respectivas datas de disponibilização, sendo que aquela se limitou a alegar, no respectivo art. 57º, que «já juntou aos autos como Docs. 7 e 8, a cópia dos extractos de movimentos que comprovam de forma inequívoca as quantias mutuadas à devedora originária».
No presente recurso, a Embargada/Exequente volta a remeter para tais documentos, para defender a liquidez da obrigação exequenda quanto à entrega da totalidade da quantia mutuada em cada contrato. Porém, os documentos nºs. 7 e 8 juntos com a contestação (fls. 67 a 71 e 73 a 77) não assumem a virtualidade que aquele pretende.
Por um lado, como é consabido o ónus da prova pressupõe o da alegação, pelo que a mera junção de documentos não visa (nem pode visar) a supressão da falta de concretização dos factos que sustentam uma pretensão, mas sim e apenas fazer prova de factos concretos previamente alegados. Assim, tais documentos não suprem a falta de cumprimento do ónus de alegação que recaía sobre a Embargada/Exequente relativamente à liquidação do valor total do capital mutuado.
Por outro lado, os documentos nºs. 7 e 8 juntos com a contestação não se encontram subscritos (assinados) nem pela entidade mutuante nem pela sociedade mutuária, mais acrescendo que não representam extractos bancários da conta de depósitos à ordem nº ... (constituída no balcão da Banco 1..., em ...), da qual a sociedade era titular e na qual, por força do estipulado contratualmente, deviam ser creditadas todas as quantias mutuadas, quer as inicialmente entregues, quer as que viessem a ser posteriormente entregues (cfr. factos provados nºs. 5 e 10). Assinale-se que, ao contrário do que se pretende fazer crer no presente recurso, em nenhum lugar de qualquer das páginas destes documentos está consignado o número daquela conta bancária, pelo que, para além de não comprovarem disponibilização de quantias nessa conta, apenas configuram meros documentos internos aparentemente da Banco 1.... Logo, tais documentos não só não constituem títulos executivos (nem mesmo à luz do art. 46º/1c) do C.P.Civil de 1961), como nem sequer podem ser considerados como documentos complementares dos contratos apresentados como títulos executivo, sendo que muito menos têm a virtualidade de comprovarem as quantias em dívida à data do alegado incumprimento [importando até relembrar que, embora a Embargada/Exequente o olvide, não logrou sequer provar que, à data da insolvência da sociedade mutuária, esta era devedora, relativamente a tais contratos, das quantias de 53.000,00 e de € 83.347,75 - cfr. facto não provado a)].
Saliente-se que os Embargantes/Executados impugnaram as quantias que, no requerimento executivo, são indicadas como estando alegadamente em dívida, e que os mesmos não tiveram qualquer participação na celebração e na execução dos contratos de mútuo (os mesmos são terceiros relativamente a essas relações jurídicas, estando demandados na presente execução hipotecária nos termos do art. 54º/2 do C.P.Civil de 2013).
Nestas circunstâncias, porque os contratos de mútuo apresentados como títulos executivos não comprovam qual o valor total do capital concretamente mutuado e porque a Embargada/Exequente não cumpriu o ónus de alegação (e, por inerência, o ónus de prova) dos factos que permitem o apuramento do montante desse capital, conclui-se que esta circunstância impede, por si só, a determinação de qual é o efectivo montante em dívida desse capital (não se sabendo o quantum total dos empréstimos, mesmo que se apure o montante total dos pagamentos realizados pelo mutuário, jamais se pode apurar o quantitativo em dívida).
Por conseguinte, e acompanhando-se neste segmento a sentença recorrida, quer em face dos títulos executivos, quer em face do requerimento executivo e/ou da contestação aos embargos, não se vislumbra como é que a Embargada/Exequente apresentou e fixou o valor da obrigação exequenda, a qual tem, por isso mesmo, que se qualificar como uma obrigação ilíquida, o que constitui fundamento legal para a procedência dos embargos nos termos dos arts. 729º/e) e 731º do C.P.Civil de 2013.
Segundo.
Embora o Tribunal a quo não tenha considerado outras razões para a iliquidez, é manifesto que se verificam.
Decorre das cláusulas 2ª, 3ª 4ª de ambos contratos de mútuo (cfr. factos provados nºs. 3 e 8) que foram celebrados pelo prazo de 3 anos a contar da data da sua celebração, prorrogáveis por períodos anuais até ao máximo de 2 anos, e que a mutuária obrigou-se a amortizar o capital mutuado no termo do prazo contratual ou das prorrogações, sendo os juros sobre o capital mutuado (ou seja, os juros remuneratórios) pagos trimestralmente.
Como é notório, os contratos de mútuo apresentados como títulos executivos não podem comprovar quais foram as quantias entregues pela sociedade mutuária à Banco 1... quer relativamente à amortização do capital mutuado quer relativamente ao pagamento dos juros remuneratórios.
Estamos, assim, perante outro conjunto de factos não abrangidos pelos títulos executivos, e que são indispensáveis ao apuramento e quantificação do capital e/ou dos juros remuneratórios em dívida, pelo que também neste aspecto incumbia à Embargada/Exequente os ónus de alegação e de prova de tal factualidade no âmbito da respectiva liquidação da obrigação exequenda que igualmente aqui não dependia de simples cálculo aritmético - cfr. art. 716º/4 do C.P.Civil de 2013.
Analisando quer o requerimento executivo quer a contestação aos embargos, facilmente se constata que a Embargada/Exequente não alegou qualquer pagamento seja relativo a amortização de capital seja relativo a juros remuneratórios, o que, por si só, constitui razão impeditiva do apuramento e quantificação da dívida exequenda: desconhecendo-se o quantum total das amortizações e pagamentos realizados pela sociedade mutuária, jamais se pode apurar o quantitativo em dívida quer de capital quer de juros remuneratórios.
Aliás, no requerimento executivo, a Embargada/Exequente até alega factos que se mostram totalmente incompatíveis com os títulos executivos: com efeito, relativamente a ambos os contratos invoca-se que o incumprimento do pagamento das prestações contratadas ocorreu em 14/04/2014 (arts. 4º e 14º do ponto «II» desse requerimento); ora, como vimos, os contratos foram celebrados em 06/02/2002, pelo período de 3 anos, prorrogável por períodos de 1 ano e num máximo de 2 anos, donde decorre que estariam findos, no máximo, no ano de 2007, relevando-se incompreensível a alegação de um incumprimento no ano de 2014 (!?); e, como também se viu, a amortização do capital era no fim do período contratual, e os juros remuneratórios eram pagos trimestralmente, pelo que se mostra ininteligível a que «prestações» a Embargada/Exequente se reporta.      
Recorde-se, de novo, que os Embargantes/Executados impugnaram as quantias que, no requerimento executivo, são indicadas como estando alegadamente em dívida, e que os mesmos não tiveram qualquer participação na celebração e na execução dos contratos de mútuo.
Nestas circunstâncias, também em razão da omissão de alegação e prova destes factos (relativos aos pagamentos efectuados pela sociedade mutuária para amortização de capital e/ou para satisfação de juros remuneratórios) se mostra impossível entender como é que a Embargada/Exequente apresentou e fixou o valor da obrigação exequenda, a qual também por esta causa se reputa como uma obrigação ilíquida.
Mais: como resulta do requerimento executivo, a Embargada/Exequente incluiu na obrigação exequenda o valor de € 173,97 relativo a despesas e que considera como «valor dependente de simples cálculo aritmético». Sucede que não indicou quais as operações que realizou para quantificar/liquidar este valor de despesas e/ou os elementos de facto que considerou para sustentar tais operações, incumprido, assim, o ónus que lhe é imposto pelo nº1 do art. 716º do C.P.Civil de 2013. Como se decidiu no citado Ac. da RC de 26/10/2021[26], “Mesmo no caso de obrigações ilíquidas dependentes de uma liquidação por simples cálculo aritmético, o exequente tem que indicar as operações que efectuou para liquidar a obrigação exequenda nos termos em que o fez e os elementos de facto com base nos quais levou a efeito aquelas operações”. Deste modo, também relativamente a este valor da obrigação exequenda, não se mostra possível compreender quais os termos em que a Embargada/Exequente assentou e fixou o seu valor, pelo que, por esta razão, a obrigação exequenda relativa às despesas se configura como ilíquida.
Mais ainda: como decorre do requerimento executivo, a Embargada/Exequente incluiu na obrigação exequenda o valor de € 11.682,45 (soma dos valores parcelares € 4.697,85 e € 6.984,60) relativo a juros remuneratórios (já que, em seguida, se alega um segmento específico aos juros de mora) e que a própria entende e considera ser um «Valor NÃO dependente de simples cálculo aritmético». Porém, apesar de reconhecer que os pressupostos do cálculo desta obrigação assentam em factos que estão para além dos abrangidos pelo título executivo, a Embargada/Exequente volta a incumprir os ónus de alegação e de prova da factualidade permitiria liquidar a obrigação exequenda relativamente aos juros remuneratórios (cfr. art. 716º/4 do C.P.Civil de 2013). Logo, igualmente no que concerne a este valor da obrigação exequenda, não se mostra possível compreender quais os termos em que a Embargada/Exequente assentou e fixou o seu valor, pelo que, por mais esta razão, a obrigação exequenda relativa aos juros remuneratórios se configura como ilíquida.
Consequentemente e sem necessidade de outras considerações, a resposta à presente questão que no âmbito do recurso incumbe a este Tribunal ad quem apreciar, é necessariamente no sentido de que está verificado o fundamento de embargos consistente na iliquidez da obrigação exequenda (arts. 729º/e) e 731º do C.P.Civil de 2013), o que implica a extinção da acção executiva e, por via disso, o recurso da Embargada/Exequente terá que improceder quanto a este fundamento
*
4.2. e 4.3. Do Conhecimento do Fundamento de Embargos consistente na Excepção do Caso Julgado (ampliação do recurso) e Do Conhecimento dos Remanescentes Fundamentos de Embargos (inexistência e/ou inexequibilidade de título executivo; incerteza e/ou inexigibilidade obrigação exequenda; e pagamento da dívida exequenda)
Tendo-se respondido negativamente quanto à primeira questão, então está absoluta e definitivamente prejudicada a apreciação da segunda (saliente-se que, como antedito, a ampliação do recurso visa apenas a manutenção do resultado favorável à parte vencedora, pelo que mantendo-se a sentença recorrida quanto à procedência dos embargos, tal manutenção foi assegurada, e carece de utilidade a apreciação da ampliação) e da terceira questões.
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4.4. Do Mérito do Recurso
Perante as respostas alcançadas na resolução das questões supra apreciadas, deverá julgar-se totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Embargada/Exequente, ora Recorrente, e, por via disso, deverá manter-se a sentença recorrida.
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4.5. Da Responsabilidade quanto a Custas
Improcedendo o recurso, uma vez que ficou vencida, deverá a Embargada/Exequente, ora Recorrente, suportar as custas do recurso - art. 527º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013.
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5. DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação:

1) em julgar legalmente inadmissível o recurso subordinado dos Embargantes/Exequentes por falta de legitimidade ad recursum por serem a parte vencedora;
2) em convolar a pretensão dos Embargos/Executados consistente em que «seja revogada a douta decisão recorrida, neste particular, e substituindo-a por decisão que julgue procedente a exceção de caso julgado» [à qual respeitam as conclusões A) a HH) das respectivas contra-alegações] em pedido de ampliação do recurso ao abrigo do disposto no art. 636º/1 do C.P.Civil de 2013, sendo apreciada enquanto tal no âmbito da presente decisão do recurso;
3) em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Embargada/Exequente (Recorrente), mantendo-se a sentença recorrida.
Custas do recurso pela Embargada/Exequente (Recorrente).
* * *
Guimarães, 18 de Junho de 2025.
(O presente acórdão é assinado electronicamente)
 
Relator - Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício;
1ª Adjunta - Maria Gorete Roxo Pinto Baldaia de Morais;
2ºAdjunto - Gonçalo Oliveira Magalhães.



[1]A presente decisão é redigida segundo a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, mas respeita-se, no caso das transcrições, a grafia utilizada nos textos originais.
[2]Não se reproduzem as conclusões II) a MM) porque dizem exclusivamente respeito à matéria das contra-alegações, e não à matéria do recurso subordinado.
[3]Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, e Luís Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, Artigos 1.º a 702.º, 3ª edição, p.  823.
[4]Cfr. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 6ªedição actualizada, Almedina, p. 116.
[5]Cfr. António Abrantes Geraldes, in obra referida, p. 118, nota 188.
[6]Cfr. Ac. STJ 24/01/2022, Juíza Conselheira Rosa Tching, proc. nº1238/20.OT8PTG.E1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[7]António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 6ªedição actualizada, Almedina, p. 139.
[8]Ac. STJ de 07/07/2016, Juiz Conselheiro Gonçalves da Rocha, proc. nº156/12.0TTCSC.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[9]In Acção Executiva Singular, 1998, p. 63.
[10]In Curso de Processo Executivo, 1998, p. 57.
[11]Cfr. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1993, p.58 e 59.
[12]In Lições de Direito Processo Civil, Acção Executiva, 1972/73, p. 8.
[13]Cfr. Lebre de Freitas, in A Acção Executiva, 7ª Edição, p. 195, 215 e 216.
[14]Ac. da RC de 23/04/91, in CJ, 1991, II, p. 95.
[15]Juiz Conselheiro Hélder Roque, proc. nº379/09.9YFLSB, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[16]Neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, in Acção Executiva Singular, p. 177.
[17]Juiz Conselheiro Lopes do Rego, proc. nº2971/07.7TBAGD-A.C1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[18]Publicado in DR, Série I, de 14/10/2015.
[19]Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, e Luís Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Processo de Execução, Processos Especiais e Processo de Inventário Judicial, Artigos 703.º a 1139.º, 2ª edição, p. 24.
[20]Cfr. Ac. RG 14/11/2024, Juíza Desembargadora Margarida Pinto Gomes, proc. nº7411/22.9T8VNF-A.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
[21]In A Acção Executiva, AAFDL, 2025, p. 240.
[22]Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, e Luís Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Processo de Execução, Processos Especiais e Processo de Inventário Judicial, Artigos 703.º a 1139.º, 2ª edição, p. 42. No mesmo sentido, Ac. STJ 30/11/2023, Juiz Conselheiro Nuno Ataíde das Neves, proc. nº569/22.9T8CHV-B.G1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj
[23]Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, e Luís Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Processo de Execução, Processos Especiais e Processo de Inventário Judicial, Artigos 703.º a 1139.º, 2ª edição, p. 42 e 43.
[24]Cfr. Ac. RC 26/10/2021, Juíza Desembargadora Helena Melo, proc. nº2465/20.5T8VIS-A.C1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc.
[25]Cfr. Ac. RL 10/04/2018, Juiz Desembargador Carlos Oliveira, proc. nº15382/16.4T8LSB-A.L1-7, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl
[26]Juíza Desembargadora Helena Melo, proc. nº2465/20.5T8VIS-A.C1.