1. - A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em ação anterior, com objeto parcialmente coincidente ou prejudicial face ao da ação posterior, visando evitar que a relação ou situação jurídica material definida pela sentença anterior seja definida de modo diverso por outra sentença, não se exigindo a identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir.
2. - Só ocorre autoridade de caso julgado na medida/limite do que foi apreciado e decidido, não obstando a que em novo processo seja decidido aquilo que não ficou definido no caso julgado anterior.
3. - Tendo os aqui autores sido condenados, em ação anterior, a entregar determinado prédio/aviário ao réu (ali autor), a que se seguiu execução da sentença condenatória, com entrega de um imóvel, que tais autores defendem ser diverso do objeto da condenação (um outro aviário), erro esse que invocaram nos respetivos embargos e em ação posterior que intentaram, em ambos tendo ficado vencidos, com trânsito em julgado, procede a exceção da autoridade do caso julgado se os mesmos autores vêm, em nova ação, reivindicar o imóvel assim entregue, com fundamento naquele erro, por se tratar de questão essencial já anteriormente decidida e coberta pelo trânsito em julgado.
4. - Doutro modo, tendo aquela matéria/questão sido objeto de julgamento(s) anterior(es), um novo julgamento, sem novos elementos, redundaria na repetição da decisão transitada ou na sua negação, com a consequente incerteza/insegurança para a ordem jurídica.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:
I – RELATÓRIO
AA e BB, com os sinais dos autos,
intentaram a presente ação declarativa condenatória, com processo comum, contra
CC, também com os sinais dos autos,
pedindo que:
a) Seja reconhecido que os AA. são donos e legítimos proprietários do prédio urbano correspondente a um barracão que se destina a aviário, com a área de 1320m2, sito no ..., limite do lugar e freguesia ..., Concelho ..., descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º ...84 da freguesia ... e inscrito na matriz sob o art.º ...93.º da mesma freguesia;
b) Seja o R. condenado a desocupar e restituir aos AA., imediatamente, o referido imóvel livre de pessoas e bens;
c) Seja o R. condenado em indemnização aos AA., pela privação do uso do imóvel e lucros cessantes, a determinar em sede de liquidação de sentença.».
Alegaram que:
- por óbito de DD e de seus pais, EE e FF, foi instaurado, no Tribunal Judicial de Castro Daire, processo de inventário que correu termos sob o n.º 11/1993;
- entre os bens a partilhar, constavam quatro aviários, descritos como verba 18, verba 19, verba 20 e verba 25 (posteriormente, após retificação, verba 24), sendo esta última – a aqui em discussão – caraterizada como “pavilhão destinado a aviário em utilização, composto de um só piso, rés-do-chão, constituído em alvenaria de tijolo sem qualquer revestimento. A cobertura é do tipo autoportante. Omisso na matriz. Atribuo a este bem o valor de 19.752,40”.
- em 08/10/2004, nos autos de inventário, foi celebrada transação, nos termos da qual as verbas 20 e verba 24 foram adjudicadas aos aqui AA., sendo que verba 24 foi descrita como “Um barracão que se destina a aviário, com a área de 1320m2, sito no ..., limite do lugar e freguesia ..., Concelho ..., que confronta de Norte com GG, Nascente com HH, sul com caminho e Poente com II, omisso na matriz, a que foi atribuído o valor de 900.000$00, com os limites destacados a vermelho no doc. 5 que se junta”;
- ao R. foram adjudicadas as verbas 18 e 19, sendo esta descrita como “Um barracão que se destina a aviário, sito no ..., limite do lugar e freguesia ..., que confronta do Nascente, Poente, Norte e Sul com o próprio, inscrito na matriz urbana sob o art.º ...08, com a área de 975 m2”;
- ocorreu lapso na adjudicação entre as verbas 19 e 20 e, por despacho de retificação proferido naqueles autos, foram adjudicadas aos AA. as verbas 19 e 24 e ao R. as verbas 18 e 20;
- os AA. procederam ao registo na CRP sob o n.º ...84, com inscrição de aquisição a seu favor, daquela verba 24 (art.º matricial 1893.º), que correspondia a um aviário em utilização e no qual realizaram obras;
O R. instaurou contra os AA. a ação n.º 156/12...., na qual peticionou ser “reconhecido como proprietário do prédio sito no ..., freguesia ..., concelho e comarca de Castro Daire; confronta do norte com o caminho, sul com JJ, nascente com HH e poente com KK; inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...25, com uma área de 1000m2 – verba n.º 20 do inventário” e que os RR. “sejam condenados a desocupar o referido prédio”;
- os aqui AA. foram citados e nunca colocaram em causa que o R. fosse o dono de tal prédio (“verba n.º 20”), sendo que na contestação não lograram esclarecer as transmissões da propriedade operadas através da partilha;
- essa ação foi julgada procedente, sendo o aqui R. reconhecido como proprietário do prédio e os aqui AA. condenados na sua restituição;
- tal sentença condenatória foi executada no âmbito do processo executivo n.º 3448/15...., com realização de diligência de entrega de coisa certa; porém, em vez de se apreender juridicamente a verba n.º 20 (um aviário em ruínas, pertença do R.), foi apreendida a verba n.º 24 (um aviário em funcionamento, pertença dos AA.);
- assim, o Agente de Execução (AE), em 24/01/2018, procedeu à entrega material de tal imóvel (“verba n.º 24”) ao aqui R., o qual, desde então, tem estado na posse indevida do aviário dos AA., dele retirando todas as vantagens, lucros ou benefícios, em violação do direito de propriedade dos aqui demandantes.
Contestou o R., invocando a exceção do caso julgado, assim concluindo pela sua absolvição da instância, ou, assim não se entendendo, pela improcedência da ação e decorrente absolvição do pedido, para além de pedir a condenação dos AA. como litigantes de má-fé.
Quanto à matéria do caso julgado, alegou que aquilo que os AA. efetivamente pretendem com a presente ação é o reconhecimento do seu direito de propriedade relativamente ao prédio que constituía a “verba 20”, prédio esse que é propriedade do R., termos em que pretendem os demandantes inverter a matéria de facto provada e que serviu de base às várias decisões – já transitadas em julgado – dos processos n.º 156/12...., que correu termos no Tribunal Judicial de Castro Daire, n.º 3448/15.... e apensos, que correram termos no Juízo de Execução de Viseu – Juiz 1, do Tribunal da Comarca de Viseu, e n.º 110/19...., que correu termos também no Tribunal da Comarca de Viseu, no Juízo Central Cível, nas quais se reconheceu o direito de propriedade do aqui R. sobre esse prédio.
Tudo para concluir que o tribunal está impedido de proferir nova decisão sobre a matéria.
Mais alegou que, atendendo apenas ao pedido deduzido pelos AA., estes, de forma ardilosa, querem fazer crer que a sua pretensão será a reivindicação do prédio descrito na CRP sob o n.º ...84, de forma a convencer que a causa de pedir desta ação é diferente das demais, sendo, todavia, que o R. não coloca em causa o direito de propriedade dos AA. sobre a “verba 24”, não sendo esse o bem que o R. possuiu e que lhe foi entregue depois de ver a sua propriedade reconhecida em sede de execução de sentença. Assim, e caso se considerasse que o objeto da presente ação é diferente das anteriores ações, sempre o caso julgado se imporia por via da sua autoridade.
Os AA. exerceram o contraditório, pugnando pela improcedência da exceção de caso julgado, para o que alegaram, em síntese, que nunca correu termos entre as partes uma ação destinada a reconhecer o direito de propriedade dos AA. sobre o prédio que identificam na sua petição inicial, o qual, indevidamente, no âmbito da ação executiva n.º 3448/15.... foi entregue ao ora R., na sequência da sentença proferida na ação declarativa n.º 156/12...., instaurada pelo aqui R. contra os aqui AA., sendo que nessa ação estava em causa a “verba 20” e não a “verba 24”, em causa nestes autos, e sendo do conhecimento do R. que, embora lhe tenha sido reconhecido o direito de propriedade sobre a dita “verba 20”, o prédio que lhe foi entregue judicialmente corresponde à “verba 24” do inventário.
Em audiência prévia foi facultada às partes a discussão de facto e de direito quanto à exceção dilatória de caso julgado/autoridade de caso julgado, após o que foi proferido saneador-sentença (datado de 20/01/2025), decidindo assim:
«(…) julga-se procedente a exceção dilatória de caso julgado, quer na sua vertente positiva (autoridade de caso julgado) quer na sua vertente negativa, e, nos termos do disposto nos artigos 595º, n.º 1 al. a), 577º, al. i), 578º e 576º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, determina-se a absolvição da instância do Réu (…) e, consequentemente a extinção desta instância quanto ao peticionado.
Não se condenam os Autores como litigantes de má fé.
Custas a cargo dos Autores.» (destaques retirados).
Inconformados, os AA. recorrem do assim decidido, apresentando alegação recursiva, onde formulam as seguintes
Conclusões ([1]):
«Primeira) No inventário aberto por óbito de DD e de seus pais, EE e FF e em que foram adjudicados aos autores, foram partilhados quatro aviários relacionados como verbas números 18, 19, 20 e 24.
Segunda) As verbas n.º 19 e 24 foram adjudicadas aos autores e as verbas n.º 18 e 20 ao réu e esta partilha foi homologada por sentença transitada em julgado.
Terceira) Após a partilha autores e réu passaram a fruir as verbas que lhes foram respetivamente adjudicadas.
Quarta) Imprevista e injustificadamente foram os autores citadas para ação n.º 156/12...., na qual o ora réu pedia que lhe fosse reconhecido o direito de propriedade sob o prédio seguinte:
“Prédio urbano sito no ..., freguesia ..., Concelho ..., inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo ...25.º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...21, que confronta de Norte com Caminho, Sul com JJ, Nascente com ... e Poente com KK”
Quinta) Este prédio corresponde à verba n.º 20 que havia sido adjudicada ao réu e que na partilha tinha a identificação seguinte:
“20 - um aviário composto de rés-do-chão, sito no ..., limite no lugar da freguesia ..., que confronta do Norte com o caminho, Nascente com HH, Sul com JJ e Poente com KK, inscrito na matriz urbana sob o art.º ...25, com a área de 1.000m2, ao qual foi atribuído um valor de 216.000$00.”
Sexta) Porém na ação foi julgado o direito de propriedade do réu, mas o Sr. Agente de Execução a quem competiu a entrega (desnecessária) aos mesmos, fez-lhe a entrega da verba n.º 24 que pertencia e pertence aos autores e que tem a seguinte identificação:
“24 – Um barracão que se destina a aviário, com a área de 1320m2, sito no ..., limite do lugar e Freguesia 4 de ..., Concelho ..., que confronta de Norte com GG, Nascente com HH, sul com caminho e Poente com II, omisso na matriz, a que foi atribuído o valor de 900.000$00.”
Sétima) Acresce que os autores inscreveram a sua aquisição de tal prédio em seu nome com base na partilha efetuada o que constitui presunção legal do respetivo direito de propriedade (artigo 7.º do Código do Registo Predial).
Oitava) A douta decisão recorrida foi nitidamente induzida pelo erro criado pelo réu que se aproveita de uma errada interpretação e informação do Sr. Agente de Execução, declarando transitada em julgado a decisão de que o prédio correspondente à verba 24 é propriedade do réu.
Nona) Tal decisão viola assim o disposto no artigo 628.º do Código do Processo Civil invocado na sentença recorrida.
Décima) Deve por isso e em conformidade do exposto, revogar-se a decisão recorrida e, havendo desde já elementos para se declarar o direito de propriedade dos autores sobre a verba n.º 24, deve desde já ser proferido acórdão neste sentido, sem prejuízo deste Venerando Tribunal poder entender que os autos baixem à 1.ª instância para aí ser proferida tal decisão.
Assim se fará justiça.».
Não foi apresentada contra-alegação de recurso.
O recurso foi admitido como de apelação, com o regime e o efeito fixados no processo ([2]), tendo sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido tal regime fixado.
Nada obstando, na legal tramitação recursiva, ao conhecimento do mérito da apelação, cumpre apreciar e decidir.
II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas respetivas conclusões, pressuposto o objeto do processo fixado nos articulados das partes – como é consabido, são as conclusões da parte recorrente que definem o objeto e delimitam o âmbito recursivo ([3]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.) –, está em causa na presente apelação conhecer das seguintes questões ([4]):
a) Caso julgado (nas vertentes negativa e positiva);
b) Reconhecimento do direito de propriedade dos AA. sobre a “verba 24”, na procedência, desde já, da ação.
III – FUNDAMENTAÇÃO
A) Do quadro fáctico da causa
Na 1.ª instância foi julgada assente a seguinte matéria de facto ([5]):
«1) Por óbito de DD e de seus pais, EE e FF foi instaurado no Tribunal Judicial de Castro Daire o processo de inventário que correu termos sob o n.º 11/1993.
2) Entre os bens a partilhar constavam 4 aviários, os quais se encontravam descritos em tais autos da seguinte forma: - vide descrição de bens imóveis constante do processo de inventário referido:
“18º
Um aviário composto de rés-do-chão amplo, sito ao ..., limite do lugar da ..., freguesia ..., que confronta do Norte, Nascente, Sul e Poente com o proprietário DD, inscrita na matriz urbana sob o art.º ...82, com a área de 1.800m2, com valor patrimonial de 524.060$00
19º
Um barracão que se destina a aviário, sito no ..., limite do lugar e freguesia ..., que confronta do Nascente, Poente, Norte e Sul, com o próprio, inscrito na matriz urbana sob o art.º ...08, com a área de 975 m2 e com o valor patrimonial de 62.440$00
20°
Um aviário composto de rés-do-chão, sito no ..., limite do lugar da freguesia ..., que confronta do Norte com o Caminho, Nascente com HH, Sul com JJ e Poente com KK, inscrito na matriz urbana sob o art. ...25, com a área de 1.000 m2 e com o valor patrimonial de 216.000$00.
(…)
25º
Um barracão que se destina a aviário, coma área de 1.320 m2, sito ao ..., limite do lugar e freguesia ..., Concelho ..., que confronta de Norte Com GG, Nascente com HH, sul com caminho e Poente com II, omisso na matriz, avaliado judicialmente em 900.000$00.”
3) Por despacho proferido a 08.04.2002 determinou-se, além do mais que a verba n.º 25º passaria a estar relacionado sob a verba 24º, por força da eliminação da verba n.º 22.
4) No âmbito dos autos de inventário foi levada a efeito conferência de interessados a 8 de outubro de 2004, na qual pelos interessados e respetivos Mandatários foi dito, estarem de acordo quanto ao preenchimento dos respetivos quinhões, bem como na resolução das dívidas passivas, nos seguintes termos: - vide teor do documento 2 junto com a petição inicial.
“(…)
O crédito n. º 5, foi pago por CC, contra entrega, neste momento, do distrate das hipotecas que incidiam sobre as Verbas n.ºs 18 e 19, que lhe serão adjudicadas, dando a Caixa credora quitação;
O crédito n.º 7, será pago pela adjudicação das Verbas n.ºs 20, 22 e 24, pagando o credor á herança a quantia de €55.000,00, da seguinte forma (…)”, sendo tal crédito titulado pelo Autor AA.
5) O acordo de partilhas foi homologado por sentença que transitou em julgado a 11.01.2005 – vide teor da certidão junta como documento 3 da petição inicial.
6) Os interessados AA e mulher, LL, aqui Autores, e CC, aqui Réu, a 7.03.2005, apresentaram nos autos de inventário um requerimento, através do qual alegaram que as verbas 19 e 20 estavam trocadas, sendo que após a conferência de interessados os aqui Autores passaram a tomar posse da verba n.º 19 e o aqui Réu passou a tomar posse da verba n.º 20, requerendo a retificação do lapso de escrita.
7) Tal requerimento veio a ser deferido, e o tribunal adjudicou, definitivamente, aos Autores as verbas n.º 19 e 24 e ao Réu as verbas n.º 18 e 20, assim descritas:
7.1.- 19º - Um barracão que se destina a aviário, sito no ..., limite do lugar e freguesia ..., que confronta do Nascente, Poente, Norte e Sul com o próprio, inscrito na matriz urbana sob o art.º ...08, com a área de 975 m2;
7.2. – 24º – Um barracão que se destina a aviário, com a área de 1320m2, sito no ..., limite do lugar e freguesia ..., Concelho ..., que confronta de Norte com GG, Nascente com HH, sul com caminho e Poente com II, omisso na matriz, a que foi atribuído o valor de 900.000$00.
7.3. - 18º - Um aviário composto de rés-do-chão amplo, sito no ..., limite do lugar da ..., freguesia ..., que confronta do Norte, Nascente, Sul e Poente com o proprietário DD, inscrita na matriz urbana sob o art.º ...82, com a área de 1.800m2”
7.4. – 20º - um aviário composto de rés-do-chão, sito no ..., limite no lugar da freguesia ..., que confronta do Norte com o caminho, Nascente com HH, Sul com JJ e Poente com KK, inscrito na matriz urbana sob o art.º ...25, com a área de 1.000m2, ao qual foi atribuído um valor de 216.000$00.
8) Os Autores procederam à inscrição da verba n.º 24 (com a referida área e confrontações) na caderneta predial urbana ao qual veio a ser atribuído o artigo matricial ...93 e procederam à inscrição do direito de propriedade na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...84, através da Ap. 3 de 12.09.2005, tendo como causa a aquisição por partilha judicial de DD – vide teor do documento 5 e 6 juntos com a petição inicial.
9) O Réu CC instaurou, a 31.05.2012, ação declarativa de condenação contra os Autores AA e mulher LL a qual correu sob o n.º 156/12...., que correu termos no Tribunal Judicial da então Comarca de Castro Daire, peticionando que, na procedência da ação, seja reconhecido como “dono e senhor do prédio que identifica no artigo 1º desta petição inicial, o qual os RR. lhe devem entregar imediatamente devoluto e ainda pagarem-lhe uma indemnização pelos danos que lhe causaram e estão a causar, cujo montante se deverá fixar em execução de sentença” e alegou que:
“1º.
O A. é dono e senhor e, consequentemente, proprietário do seguinte prédio:
Um aviário de rés-do-chão, S.C. 1000 m2, sito no ..., freguesia ..., concelho e comarca de Castro Daire; confronta do norte com o caminho, sul com JJ, nascente com HH e poente com KK; inscrito na matriz urbana sob o artigo ...25, com o valor patrimonial de 3.178,35 € (Doc. 1)
2º
O direito de propriedade do A. sobre o referido prédio, encontra-se registado em seu nome na C.R..P.com o nº. ...21, em 28.04.2005 (Doc. 1-art°. 7°. do Cód. Reg. Predial)
3º
Desde esta data que o referido prédio deveria ser entregue ao A., devoluto.
4º.
Acontece, que, os RR. abusivamente e sem autorização do A. andam a possuir o referido prédio, nele tendo instalado um aviário, que têm vindo a explorar até à presente data, nele criando frangos que compram e vendem.
5º.
O A. tem insistido com os RR. para que estes lhe entreguem o prédio, mas estes continuam a possuí-lo contra sua vontade.
6º.
Os RR. estão a causar ao A. prejuízos, que para já não é possível contabilizar-se quanto, o que só poderá ser feito no momento em que o prédio seja entregue ao A., devoluto.
7º.
A indemnização a que o A. tem direito a ser ressarcido pelos RR., deverá ser liquidada em execução de sentença, para onde se relega o seu pedido.”
10) Os, aqui Autores, apresentaram contestação na ação em processo sumário n.º 156/12...., na qual pugnam, para além do mais, pela improcedência da ação, com o seguinte teor:
“(…)1-Por Impugnação
1º. Tanto quanto sabem os RR é verdade o que é dito pelo Autor nos artigos 1º e 2º da PI, se bem que não foram notificados do documento por este referido e numerado como n.º 1.
2º. Já não corresponde à verdade o que segue alegados nos artigos 3º a 7° daquela peça processual.
Porquanto:
3º. O prédio, identificado pelo AA na sua PI, surge relacionado, como verba 20 da relação de bens da herança de DD apresentada no processo de inventário obrigatório, que correu termos, sob o n.º 11/93, junto do Tribunal Judicial de Castro Daire, conforme certidão que se junta como documento n.º 1 da presente contestação e se dá aqui como reproduzido (vide a fis. 6 do referido documento).
4- Em conferência de interessados, realizada naquele referido processo de inventário, decorrida no dia 8/10/2004, a referida verba 20 surge atribuída, em acta, aos RR, para pagamento de um crédito da herança. (vide documento 1 da contestação. particularmente a fis. 9 e 13 do referido documento).
5- Posteriormente, já em 07/03/2005, Autor e RR vieram ao referido processo de inventario, requerer o seguinte: (…)
6- Em 09/03/2005, é proferido o despacho sobre o requerimento de AA e RR onde se pode ler: «Defere-se a requerida rectificação» (vide documento I da contestação. particularmente a fa 20 do referido documento)
7. Transitado em julgado este último despacho, a acta de conferência de interessados passou a ser título bastante para a comprovação da aquisição do Autor, quanto ao prédio que indica na sua PI.
Posto isto haverá que dizer o seguinte:
8. Em primeiro lugar, não é verdade que o prédio pertencente ao Autor lhe devesse ter sido entregue devoluto em 28/04/2005.
9. Na verdade, conforme resulta do requerimento de fls. 19 do documento 1, aqui oferecido, o Autor confessa ter tomado posse do prédio em causa nos autos, logo após 08/10/2004 e antes de 07/03/2005.
10º O que, salvo melhor opinião, indica que aquele prédio lhe foi entregue, logo apos 08/10/2004.
11- Em segundo lugar, não é verdade que os RR andem a possuir o prédio em causa nos presentes autos.
12- Em terceiro lugar, não é verdade que o Autor tenha interpelado os RR para a entrega de qualquer prédio, seja o em causa nos autos, seja outro qualquer.(…)”.
11) Na ação declarativa n.º 156/12...., por despacho proferido a 16.07.2012, respondeu-se à matéria de facto da seguinte forma:
“(…)
Quesito 1.º - Provado.
Quesito 2.º - provado que desde data não concretamente apurada, mas próxima de 28.04.2005, os réus vêm criando frangos para venda num aviário instalado no prédio identificado em 1.º.
Quesito 3.º- não provado.
A convicção do Tribunal para responder à matéria de facto quesitada em 1.° retira-se de teor da certidão do registo predial junta a fls. 80 a 81 v.º, de onde resulta, por apresentação de 28.4.2005, o registo da aquisição a favor do autor, por partilha deferida em inventário, do prédio inscrito na matriz urbana da freguesia ... sob o artigo ...25. (descrição predial n.º ...21)
A razão da resposta dada como provado ao quesito 2.º resulta do seguinte:
Lidas as confrontações do terreno, tal como descritas no quesito 1.º, à testemunha MM, o mesmo logo o identificou como sendo aquele que no local tem um aviário em funcionamento (o situado acima), esclarecendo que tal terreno, inicialmente, ena da sua sogra e que esta o vendeu a DD, que construiu o aviário (veja-se ainda fls. 80 e 81 foi da partilha subsequente ao óbito de DD que adveio o registo de aquisição a favor do autor). Esclareceu ainda que havia mais dois terrenos, abaixo deste, que também seriam da propriedade de DD. Esta testemunha, que prestou relato que pareceu sincero, respondendo sem hesitações, esclareceu que o aviário sempre foi utilizado pelo réu e que nunca lá viu o Sr. CC, ainda que este lhe diga por várias vezes ser ele o proprietário do terreno. Facto que também foi confirmado por NN, que no essencial do seu depoimento se limitou a referir que nunca viu no aviário de cima (o único que está em funcionamento, como se apercebeu na deslocação ao local) o autor, mas somente o réu.
A última testemunha indicada pelo autor, OO, referindo-se ao aviário da cobertura vermelha (o situado acima, conforme se pôde ver na deslocação ao local) contou que por lá apenas chegou a "apanhar frangos" para o réu, mas nunca para o autor. Para o autor apenas apanhou frangos noutros terrenos, longe do local referido em 1.º dos factos provados.
PP, arrolada pelos réus, viúva de DD, esclarece que no local dos factos, e ao longo de uma descida que se inicia com o aviário em funcionamento, havia vários (ficando o tribunal com a ideia que se referia a pelo menos três) aviários que pertenciam ao seu marido. Contou que primeiro foi construído o aviário do fundo do caminho, depois o do meio, e só mais recentemente o de cima (o único em funcionamento), esclarecendo ainda que ficou com a ideia de que o aviário que teria cabido ao Sr. CC era o do fundo da descida. Todavia, questionada a testemunha sobre quais seriam as confrontações do aviário de cima o que estará em funcionamento identificou as confrontações constantes do artigo 1.º dos factos provados. Aliás, essas mesmas confrontações foram, no essencial, dadas por QQ, irmão do Sr. DD, testemunha arrolada pelos réus (e a quem coube, inicialmente, o terreno mais pequeno com aviário, que não teria cobertura). Perante as confrontações constantes do art. 1.°, confirmou que as mesmas se reportam ao aviário da cobertura vermelha, o de cima. Não obstante isso, tanto as testemunhas QQ como RR esclareceram que nunca por lá viram, pela zona do aviário de cima, o autor, que apenas foi visto há uns anos a limpar os aviários da zona baixo. A testemunha RR acrescentou que o nhu já há uns anos, referindo até mais que dez, já lá cria frangos, razão por que se deu a data quesitada em 2.º como boa, tendo-se por referência também a data indicada a fls. 80 e 81.
Ora, praticamente todas as testemunhas, como acima de deixou escrito, esclareceram que nunca o autor foi visto no aviário de cima, o que estará em funcionamento, que sempre foi utlizado pelos réus. Todavia, no essencial, quase todas elas, confrontadas com a descrição do prédio identificado no artigo primeiro, esclareceram também que tais confrontações dizem respeito ao mesmo aviário onde é visto o réu, razão pela qual deu o tribunal o 2.º quesito como demonstrado. Esclareça-se, para além do mais, que a área de superfície coberta de 1000m2 referida a fls. 81. -v.°, corresponde, no essencial, e daquilo que o tribunal no local se pode aperceber, à área do aviário de cima onde labora o réu.
Quanto à actividade do réu sem autorização do autor nada ficou demonstrado, pois foram referidas pelas testemunhas a existência de várias trocas de terrenos entre autor e réus (aliás, essa troca resulta também do requerimento dirigido ao processo de inventário a fls. 29), pelo que não é certo que autor e réus tenham ficado com a noção exacta sobre qual o prédio que, efectivamente, lhes coube do inventário (e, nessa medida, que a utilização do aviário seja efectuada sem autorização).”
Quanto ao quesito 3.º, a resposta negativa deveu-se ao facto da inexistência de prova cabal quanto ao mesmo. Quanto a tal, apenas a testemunha MM referiu que o autor se queixava de que o réu lhe não entregava o aviário, mas não ficou claro ao tribunal (até porque se notaram, nomeadamente no momento da inspecção ao local, claras desavenças entre autor e réus) que essas queixas resultaram da interpelação para entrega ou se de outro desentendimento decorrente de outros acordos, ou tentativa de celebração de acordos, entre eles.”
12) A 18.12.2013 foi proferida na referida ação declarativa sentença, já transitada em julgado, com o seguinte teor:
“(…)
FUNDAMENTAÇÃO
Factos provados:
Estão provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:
A) Mostra-se registado a favor do autor o prédio urbano sito no ..., freguesia ..., Concelho ..., inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo ...25.º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...21, que confronta de Norte com Caminho, Sul com JJ, Nascente com ... e Poente com KK.
B) Desde data não concretamente apurada, mas próxima de 28/04/2005, os réus vêm criando frangos para venda num aviário instalado naquele prédio.
Enquadramento jurídico:
(…)
DECISÃO
Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência:
1) Declaro reconhecido o direito de propriedade do Autor sobre o prédio urbano sito no ..., freguesia ..., Concelho ..., inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo ...25.º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...21, que confronta de Norte com Caminho, Sul com JJ, Nascente com ... e Poente com KK.
II) E, em consequência, condeno os Réus a restituir ao Autor o referido prédio desocupado de pessoas e bens.
III) Do mais, absolvo os Réus.”
13) Tal sentença foi executada no âmbito da ação executiva n.º 3448/15...., instaurada a 5.6.2025, que correu termos na Instância Central – Secção de Execução, J1 da Comarca de Viseu, instaurada pelo, aqui, Réu CC contra os, aqui Autores, AA e LL.
14) A 4.01.2017, os aqui Autores na qualidade de executados no âmbito da ação executiva deduziram embargos contra o, aqui, Réu e ali exequente, os quais correram termos como apenso B à ação executiva nos quais pugnaram pela extinção da execução em relação aos embargantes, alegando que:
“(…)
1. Tal como referiram os Embargantes no seu requerimento do passado dia 17/11/2016, tinham estes suspeitas que os Exequentes, através da presente execução, tinham intensão de se apossar de um imóvel que veio à posse dos Embargantes através da sentença homologatória da partilha efetuada no processo 11/1993 que correu termos na Comarca de Castro Daire.
2.º Tais suspeitas vieram-se a confirmar quando, no passado dia 05/12/2016, o Sr. Agente de Execução se deslocou ao referido imóvel a fim de promover a entrega do mesmo ao Exequente.
3.º Neste sentido, nos termos do art. 728º, nº 2 e 729º, c), e) e f) do CPC, aplicável por força do art. 860º, nº 1, confirmando-se a incompatibilidade do direito dos Exequentes com o direito dos Embargantes, deduzem-se os presentes embargos a fim de suprir a incerteza quanto ao preenchimento dos pressupostos da instância executiva (neste caso a posse dos Embargados do imóvel cuja propriedade foram condenados a reconhecer) e quanto à obrigação exequenda (verificar qual é o imóvel que deve ser entregue).
II-Dos Factos
II.I-Do inventário 11/1993
4.º No processo de inventário com o nº 11/1993, que correu termos na Comarca de Castro Daire foram partilhados quatro aviários, constantes das seguintes verbas:
Verba n.º 18:
Um aviário composto de rés-do-chão amplo, sito no ..., limite no lugar da ..., freguesia ..., que confronta do Norte, Nascente, Sul e Poente com o proprietário DD, inscrita na matriz urbana sob o art.º ...82, com a área de 1.800m2, com valor patrimonial de 524.060$00.
Verba n.º 19:
Um barracão que se destina a aviário, sito no ..., limite do lugar e freguesia ..., que confronta do Nascente, Poente, Norte e Sul, com o próprio, inscrito na matriz urbana sob o art.º ...08, com a área de 975m2 e com o valor patrimonial de 62.440500.
Verba n. 20:
Um aviário composto de rés-do-chão, sito no ..., limite no lugar da freguesia ..., que confronta do Norte com o caminho, Nascente com HH, Sul com JJ e Poente com KK, inscrito na matriz urbana sob o art. ...25, com a área de 1.000m2 e com o valor patrimonial de 216.000$00.
Verba n.º 25:
Um barracão que se destina a aviário, com a área de 1.320m2, sito no ..., limite do lugar e freguesia ..., Concelho ..., que confronta de Norte com GG, Nascente com HH, sul com caminho e Poente com II, omisso na matriz, avaliado judicialmente em (conforme doc. 1 que se junta e se dá como reproduzido)
5.º Neste inventário foi inicialmente adjudicado ao Exequente a verba 18 e a verba 19, conforme certidão requerida ao Tribunal de Castro Daire, cujo pedido se junta comprometendo-se os Embargantes a juntar a mesma assim que seja emitida.
6.º Aos Embargantes foram inicialmente adjudicadas as verbas 20 e 25, conforme resultará da certidão requerida e a que se reporta o artigo anterior.
7.º Contudo, constataram os referidos interessados que tinha havido um erro na adjudicação das verbas 19 e 20, porquanto pretendiam que a verba 19 fosse adjudicada aos aqui Embargantes e a verba 20 ao Exequente.
8.º Neste sentido, apresentaram no processo de inventário um requerimento pedindo a respetiva retificação, que foi deferida, conforme doc. 2 que se junta e se dá como reproduzido.
9.º É de salientar desde já que, de modo a justificar o lapso cometido, em 07/03/2005, declaram neste documento os ora Embargantes e o Exequente o seguinte:
"...Logo após a conferência de Interessados, cada um dos requerentes tomou posse respetivamente, o AA e mulher, da verba 19 e do CC tomou posse da verba nº 20..." (Conforme doc. 2 junto)
II.II-Da identificação dos imóveis
10. Tal como resulta de tudo o que já foi trazido aos autos, a presente execução prende-se apenas com dúvidas quanto à identificação dos imóveis.
11. Contudo, face aos factos que se passará a alegar, verifica-se que não há qualquer dúvida quanto à propriedade dos imóveis em causa nos autos.
12. Quanto à verba nº 18, não há qualquer dúvida que esta é propriedade e está na posse do Exequente, estando por isso afastada da presente ação.
13.º As verbas 19 e 20, ambas sitas no ..., no lugar e freguesia ..., para além da sua identificação através do artigo matricial, foram identificadas no processo de inventário pelo perito que procedeu à avaliação das mesmas da seguinte forma:
“19. Refere-se a um pavilhão em ruinas que serviu de aviário
20. Refere-se a um pavilhão em avançado estado de ruina que serviu de aviário"
(Conforme doc. 3 que se junta e se dá como reproduzido)
14.º Conforme se verifica pela análise das imagens aéreas do lugar de ..., retiradas do Google Earth, verifica-se, na mais antiga, a existência de dois pavilhões contiguos em ruinas, com circuito amarelo no doc. 4 que se dá como reproduzido e no doc. 5, que igualmente se dá como reproduzido, apenas é assinalada a sua localização que é aproximada por estarem na altura da fotografia já cobertos de vegetação, sendo de salientar que se trata de dois pavilhões de área sensivelmente igual. (o amarelo corresponde à verba n.º 19 e o vermelho à verba n.º 20)
15.º Face ao estado de ruína desses dois aviários, o Sr. Perito avaliou a verba 19 em 2.917,97€ e averba 20 em 2.992,79€, conforme consta do citado doc. 3 junto.
16.º Na sequência da adjudicação, a referida verba 20 encontra-se inscrita na matriz sob o artigo ...25.º da freguesia ... em nome do Exequente, conforme consta do doc. 6 que se junta e se dá como reproduzido e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº ...10, como tendo a área total de 1.000m², conforme consta do documento 7 que igualmente se junta e se dá como reproduzido.
17.º Para além destes prédios em ruinas havia um outro aviário correspondente à verba nº 25, também sito no ..., no lugar e freguesia ..., com a área de 1300m2, ao tempo omisso na matriz predial e na Conservatória do Registo Predial que no inventário foi adjudicado aos ora Embargantes.
18.º Após o inventário e na sequência dessa adjudicação o fizeram inscrever na matriz, tendo-lhe cabido o artigo ...93, documento n.º 8 que se junta e dá como reproduzido - e descrever na Conservatória tendo-lhe cabido o n. ...94 da freguesia ..., com Inscrição a favor dos mesmos Embargantes desde 12 de setembro de 2005, conforme consta do documento n.º 9 que igualmente se junta e dá como reproduzido
19.º O que constitui presunção legal do seu direito de propriedade.
20. A tal aviário refere-se o documento n.º 3 atrás mencionado, dizendo nele o Sr. Perito o seguinte:
"25. Refere-se a um pavilhão destinado a aviário em utilização..."
21.º Face às condições deste imóvel o Sr. Perito avaliou-o em 19.752,40€, ou seja, num valor muito superior aos prédios que estavam em ruinas, conforme o dito doc. 3 já apresentado.
22.º Retomando a observação dos docs. 4 e 5, atrás mencionados, verifica-se que existe ainda um outro pavilhão, de maiores dimensões do que aqueles que se encontram em ruinas, facilmente identificável pelo seu telhado laranja, e que corresponde precisamente à verba n.º 25.
23.º Prédio este junto do qual compareceu o Sr. Agente de Execução no passado dia 05/12/2016 e o qual pretendia entregar ao Exequente.
II.III-Da posse dos imóveis
24.º Tal como já foi alegado no artigo 9.º dos presentes embargos, em março de 2005, logo após a adjudicação, quer os Embargantes quer o Exequente tomaram posse dos imóveis que lhes foram adjudicados.
25.º Tanto assim que expressamente o declararam a quando da correção da adjudicação, conforme doc. 2 junto, sendo que tal declaração constitui a confissão judicial por parte do Exequente de que o aviário que acabou por lhe ser adjudicado é o da verba n.º 20 e não o da verba n.º 25.
26.º Para além desta declaração, o Executado começou a praticar actos materiais de posse sobre o imóvel descrito na verba nº 20, começando por roçar o silvado que o tapava.
27.º Limpou os entulhos do telhado e de parte de paredes que tinham caído, tendo colocado tais entulhos no lixo, na berma da estrada que vai de ... para ..., a cerca de 100m da que foi casa do guarda florestal.
28.º E até um carro velho que lá existia levou (salvo erro um Renault 4L), a que deu destino que se ignora.
29.º Quando exerceu tais actos de posse não teve o Exequente duvida nenhuma de que o prédio dele era um aviário em ruinas já coberto de silvas com a área de 1000m² e que tinha o artigo matricial ...25º.
30.º Ou seja, não teve dúvidas que este era o "aviário com rés-do-chão com 1000m², sito no ..., freguesia ..., concelho e comarca de Castro Daire; que confronta do norte com o caminho, sul com JJ, nascente com HH e poente com KK: inscrito no matriz urbana sob o artigo ...25, com o valor patrimonial de 3.178.35€, cuja entrega aqui peticiona.
31.º A isto acresce que nunca os Embargantes praticaram qualquer ato suscetível de interromper a posse do Exequente sobre o referido imóvel.
32.º Também logo após a adjudicação passaram os Embargantes a possuir os imóveis constantes das verbas 19 e 25, praticando todos os actos de fruição e de conservação dos mesmos.
33.º Nomeadamente, começaram a exercer a sua atividade profissional ligada ao ramo avícola.
34.º Fizeram obras no imóvel (substituição de janelas e seus mecanismos e portas, isolamento do teto, pinturas, reparações elétricas, reparação de paredes e telhados, construção de instalações sanitárias, divisórias necessárias à exploração, procederam a reparações nos equipamentos ligados materialmente ao solo, instalação de sistema de bombagem de água, etc).
35.º E como facto relevante, procederam ainda à inscrição matricial e registo predial da verba n.º 25 que passaram a usar e a fruir sem perturbação fosse de quem fosse e na convicção de possuírem um bem próprio.
36.º À vista de toda a gente e também do Exequente e do público em geral.
37.º Sem levantar dúvidas, questões ou oposição de qualquer natureza, convictos de não lesarem direitos de terceiros.
38.º Atos estes que decorreram sem qualquer interrupção durante mais de 10 anos, usando os Embargantes o pavilhão para a exploração avícola, fazendo neles obras de melhoria e usando igualmente a zona envolvente.
39.º E atendendo à data do registo e de inscrição a seu favor que é de 2005, consumou-se a sua aquisição por usucapião nos termos do artigo 1294.9, alínea a) do Código Civil.
40.º Ora, desde 2005 até à diligência do Sr. Agente de Execução do passado dia 05/12/2016, nunca ninguém levantou qualquer objeção à posse dos Embargantes sobre o referido prédio.
41.º É ainda de salientar uma vez mais que este imóvel, pelas suas características (em funcionamento, devidamente conservado e não em ruínas e pela sua área que é de 1.300m² e não de 1000m², pela sua identificação matricial e na Conservatória do Registo Predial), nada tem a ver com o prédio de que o Exequente é proprietário.
42.º E por isso não pode ser objeto da diligência que o Exequente solicitou ao Tribunal.
III- Do Direito
III.I-Dos embargos
43.º Na ação que deu origem à presente execução, o Exequente peticionou o reconhecimento, por parte dos aqui Embargados, da sua propriedade sobre o imóvel composto por "aviário com
rés-do-chão com 1000m², sito no ..., freguesia ..., concelho e comarca de Castro Daire; que confronta do norte com o caminho, sul com JJ, nascente com HH e poente com KK; Inscrito na matriz urbana sob o artigo ...25, com o valor patrimonial de 3.178,35€".
44.º A sentença proferida nos autos, no seguimento da posição assumida pelos Embargantes que reconheceram a propriedade do Exequente sobre o referido imóvel, "declar[ou] reconhecido o direito de propriedade do Autor sobre o prédio".
45.º No entanto, tal como se verifica pela análise dos autos, face ao objeto do litigio, decorrente dos factos alegados pelas partes, nunca se apreciou em concreto qual era o imóvel do Exequente que compõe a referida verba 20.
46.º Não fez parte do objeto da ação a determinação da localização concreta do imóvel ou a sua distinção face aos demais prédios adjudicados no inventário 11/1993.
47.º Tal questão apenas se colocou nos presentes autos (mesmo considerando a sua parte declarativa) quando o Sr. Agente de Execução tentou promover a entrega do imóvel que os Embargantes adquiriram através do referido inventário, atentando assim contra o seu direito de propriedade.
48.º Ora, não tendo havido uma definição concreta de qual o imóvel que é propriedade do Exequente e havendo um ato suscetível de pôr em causa a propriedade dos Embargantes, nos termos do art. 728º, nº 2 e 729º, c), e) e f) do CPC, aplicável por força do art. 860º, nº 1, tal definição terá que ser feita através dos presentes embargos.
19.º E por último verifica-se que os Embargantes, não só através do processo de inventário, mas ainda por usucapião conforme se invoca, são sem qualquer sobra de dúvida donos e legítimos possuidores do prédio correspondente á verba n.º 25, com todos os sinais referidos nesta peça e que não se confunde com os aviários em ruínas que eram correspondentes às verbas n.º 19 e 20.
III.II-Da contradição de julgados
50.º Mas mesmo que se entenda que na ação que deu causa à execução se verificou que o Exequente é proprietário de um aviário em funcionamento, o que face ao que foi alegado apenas hipoteticamente se pode considerar, verifica-se que no inventário 11/1993 foi adjudicado ao Embargante a verba 25, a qual era constituída por um imóvel, com 1.300m2 composto por "pavilhão destinado a aviário em utilização", enquanto que ao Exequente foi adjudicada a verba
20 composta por um imóvel de 1000 m2 descrito como "um pavilhão em avançado estado de ruina que serviu de aviário".
51.º Ora tal decisão, por força do art. 619º, nº 1 do CPC, faz caso julgado quanto a tais factos.
52.º Verifica-se ainda que, quer nos presentes autos quer no processo de inventário não foi alegado nem provado que o Exequente tenha reconstruído o imóvel em ruinas que adquiriu, nem que tenha procedido a qualquer expansão do mesmo de 1.000m2 para 1.300m2.
53.º Sendo ainda de verificar que este, no processo de inventário confessadamente tomou posse do imóvel em ruinas, conforme doc. 2 junto.
54.º Nesta medida, a eventual e hipotética condenação dos Embargantes a entregarem um aviário que, como se alegou, não está em ruina e está em plena utilização e não tem 1000m2 mas sim 1.300m2 configuraria uma evidente contradição de casos julgados.
55.º Ora atendendo ao disposto no art. 625º do CPC, havendo esta contradição de casos julgados terá que se atender ao que passou em julgado em primeiro lugar.
56.º Ou seja, terá que se verificar que, como foi decidido no inventário 11/1993, os Autores são proprietários do imóvel em causa nos autos e cuja entrega foi tentada e que é composto por um aviário em utilização.
III.III- Da falta de pressupostos processuais
57.º Face ao supra alegado verifica-se que os Embargantes não estão na posse do imóvel cuja entrega o Exequente aqui peticiona.
58.º Por outro lado, verifica-se que o imóvel cuja entrega se pretendeu executar não pertence ao Exequente.
59.º Nesta medida, verifica-se que não estão reunidos os requisitos exigidos pelo art. 859º e segs. do CPC para a prossecução da execução, pelo que deverá a mesma ser declarada extinta.”
15) Após o exequente ter deduzido oposição a tais embargos, em sede de Audiência Prévia marcada para esse efeito foi proferido despacho saneador no qual se julgaram totalmente improcedentes tais embargos, com a seguinte fundamentação:
“(…) A materialidade ora alegada pelos embargantes foi toda tida em conta pelo tribunal que proferiu a sentença que serve de base a nossa execução (confira-se o relatório da sentença onde se consignou que os Réus, alegaram, que o prédio sobre o qual o Autor reclama a sua propriedade surge relacionado como verba n.º 20 na relação de bens da herança de DD, que correu termos sob o n.º 11/93 no Tribunal Judicial de Castro Daire, que foi adjudicado ao Autor, que dele tomou posse antes de 07/03/2005, não sendo verdade que andem a possuir o mencionado imóvel, bem como lhe causem prejuízos; mas sobretudo analise-se a resposta e a fundamentação que o tribunal deu à matéria de facto controvertida, conforme despacho datado de 16.07.2013, proferido na acção declarativa (…).
Mas ainda que essa factualidade não tivesse sido ponderada – e foi – se analisarmos a alegação dos embargantes, exposta nos artigos 4.º a 42.º da sua petição de embargos, verificamos que se trata de factualidade modificativa do direito do exequente anterior à sentença que se executa.
(…) Se essas dúvidas existiam, o que não se concede, elas teriam de ser colocadas e decididas no processo declarativo (e até foram, como se viu) uma vez que, como é evidente, não surgem apenas aquando da entrega jurídica ou material do bem (entrega essa que até já se mostra concretizada na execução).
Por outro lado, não podemos deixar de consignar que os embargantes em 01.10.2015 deduziram oposição à execução invocando o direito a determinadas benfeitorias realizadas no prédio a entregar, introduzindo em juízo uma tese completamente contraditória com aquela que agora sustentam, uma vez que, segundo resulta da sua peça processual anterior, nesse momento não havia qualquer dúvida quanto ao prédio que era objecto do título executivo.
É, pois, manifesto que os embargantes estão a alegar factos velhos pretendendo através deste incidente renovar a instância declarativa, o que o nosso sistema jurídico não admite. (…)
Por sua vez, relativamente ao fundamento alegado pelos embargantes que, em tese, poderia preencher a citada alínea f) – contradição de julgados.
Em primeiro lugar, trata-se de um fundamento que nunca poderia ser admitido numa oposição superveniente à execução, por não se enquadrar manifestamente no disposto no artigo 728.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Se os embargantes entendiam que se verificava a excepção de caso julgado anterior à sentença que se executa teriam de invocar esse fundamento nos embargos que deduziram em Outubro de 2015, ou seja, no prazo previsto no artigo 728.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, o que não fizeram, pelo que está precludido esse direito. (…)”
16) No âmbito da referida ação executiva o AE a 5.12.2016 promoveu a diligência de entrega de coisa certa e 24.01.2018 o AE procedeu à entrega material do imóvel ao Réu.
17) A 28.06.2019 os aqui Autores AA e BB intentaram, junto do Juízo de Competência Genérica de Castro Daire, a qual transitou para o Juízo Central Cível da Comarca De Viseu, contra o Réu CC ação declarativa comum à qual foi atribuído o n.º 110/19...., peticionando que:
“Deve a presente acção ser julgada provada e procedente, e:
a) Reconhecer-se a existência de casos julgados contraditórios entre a sentença proferida no processo de inventário nº 11/1993 e a sentença proferida no processo 156/12...., decretando-se a prevalência da decisão proferida no processo de inventário 11/1993, nos termos do art. 625º, nº 1 do CPC; Consequentemente,
b) Declarar-se que a verba 20, adjudicada ao aqui Réu no aludido inventário e que diz respeito ao prédio urbano a que se alude no art. 2º deste articulado, corresponde a um aviário em avançado estado de ruínas.
c) Declarar-se que o prédio cuja entrega foi ordenada no âmbito do processo executivo nº 3448/15.... não é o prédio a que se alude no art. 2 desta peça, mas sim o relacionado sob a verba 25 (e, posteriormente, sob a verba 24) no processo de inventário e adjudicada aos ora Autores, sendo este um aviário em pleno estado de funcionamento.
d) Dar-se sem efeito todas as decisões e diligências judiciais que tenham tido por pressuposto – incorrecto – que a verba 20 se tratava de um armazém em funcionamento;
e) Ordenar-se a entrega do imóvel em causa nos autos aos Autores;
18) Para tal alegaram que:
“1. Nos termos que adiante se irão alegar, a presente acção tem como causa de pedir a existência de duas decisões contraditórias e transitadas em julgado, proferidas no âmbito dos processos nº 11/1993 e 156/12...., que correram termos no Tribunal Judicial de Castro Daire.
2. Para o que aqui releva, a contradição de julgados prende-se com a identificação do prédio urbano sito no ..., freguesia ..., Concelho ..., inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo ...25 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...21.
3. Sendo que, num primeiro momento, o Tribunal Judicial de Castro Daire identificou o citado prédio como correspondente a um pavilhão em avançado estado de ruína que serviu de aviário e, num segundo processo, posterior, aquele mesmo Tribunal veio determinar que tal prédio era referente a um pavilhão destinado a aviário, em utilização.
4. Perante esta evidente contradição de decisões, impõe-se analisar as decisões proferidas e aferir qual delas deverá prevalecer. Assim,
I.I – Do processo de inventário nº 11/1993
(…)
6. Conforme decorre do doc. 1 junto, no âmbito desse processo de inventário foram partilhados vários prédios, sendo que, com interesse para os presentes autos, foram adjudicadas as seguintes verbas:
• Ao aqui Réu, foi adjudicada a verba relacionada sob o nº 20, correspondente a um aviário composto de rés-do-chão, sito no ..., limite no lugar da freguesia ..., que confronta do Norte com o caminho, Nascente com HH, Sul com JJ e Poente com KK, inscrito na matriz urbana sob o art.º ...25, com a área de 1.000m2, ao qual foi atribuído um valor de 216.000$00 – portanto, o prédio a que se alude no art. 2 deste articulado e cujos contornos se encontram delimitados a cor amarela na imagem aérea que se junta como doc. 2 e se dá por reproduzida (sendo que tais limites são aproximados, na medida em que o prédio em questão se encontram em tal estado de ruína que foi já em grande parte encoberto por silvas e vegetação, tornando difícil a sua demarcação exacta).
• Aos ora Autores, foi adjudicada a verba relacionada sob o nº 25, identificada como um barracão que se destina a aviário, com a área de 1320m2, sito no ..., limite do lugar e freguesia ..., Concelho ..., que confronta de Norte com GG, Nascente com HH, sul com caminho e Poente com II, omisso na matriz, a que foi atribuído o valor de 900.000$00, com os limites destacados a vermelho no doc. 2 junto.
7. Neste processo os bens a partilhar foram objecto de perícia para determinação do seu valor, tendo a descrição feita pelo Sr. Perito sido usada para a identificação das verbas.
8. Assim, no relatório elaborado pelo Sr. perito SS, datado de 02/04/2004,é feita a seguinte descrição das verbas (tudo conforme doc. 1 junto):
• Verba 20: “Refere-se a um pavilhão em avançado estado de ruína, que serviu de aviário, composto de um só piso, rés-do-chão, inscrito na matriz urbana da freguesia ... sob o art. ...25 e as suas paredes são construídas em alvenaria de blocos sem qualquer revestimento. A cobertura arruinada era em chapas de zinco. Sem qualquer porta ou caixilharias. Atribuo a este bem o valor de 2.992,79€”;
• Verba 25: “Refere-se a um pavilhão destinado a aviário em utilização, composto de um só piso, rés-do-chão, construído em alvenaria de tijolo sem qualquer revestimento. A cobertura é do tipo autoportante. Atribuo a este bem o valor de 19.752,40€”.
9. Do exposto resulta inequívoco que:
• A verba 20 correspondia ao prédio sito no ..., limite no lugar da freguesia ..., inscrito na matriz urbana sob o art.º ...25, com a área de 1.000m2 (o tal a que se alude no art. 2 deste articulado),
• A verba 20 foi adjudicada ao aqui Réu e é sua propriedade.
• A verba 20 reportava-se a um pavilhão em avançado estado de ruína, completamente degradado, e que em tempos serviu de aviário.
10. Por contraponto:
• A verba 25 correspondia ao prédio sito no ..., limite do lugar e freguesia ..., Concelho ..., omisso na matriz, com a área de 1320m2;
• A verba 25 foi adjudicada aos Autores e é sua propriedade;
• A verba 25 dizia respeito a um armazém destinado a aviário em funcionamento.
(tudo corroborado pelo doc. 3 que se junta e dá por reproduzido)
11. Em conformidade com as partilhas efectuadas, Autores e Réu trataram de proceder aos competentes registos.
12. Assim, o Réu registou a seu favor o prédio constante da verba 20, corresponde ao prédio referido no artigo 2º do presente articulado, inscrito na matriz urbana da freguesia ..., ..., sob o art. ...25, e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº...04, com uma área de 1000m2,conforme docs. 4 e 5 que se juntam e dão por reproduzidos
13. Em sentido idêntico, os Autores registaram a seu favor o prédio constante da verba 25 em 12-09-2005, tendo o mesmo sido inscrito na matriz urbana da freguesia ... sob o artigo matricial ...93, e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...84, com uma área de 1320m2, conforme docs. 6 e 7 que se juntam e dão como reproduzidos.
14. Sendo que o acordo de partilhas alcançado foi homologado por sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Castro Daire em 16/12/2004, a qual transitou em julgado em 11/01/2005, conforme doc. 1 junto.
15. Face a tal sentença, os Autores passaram a exercer a actividade agrícola no aviário que adquiriram na referida partilha – e o único ali que se encontrava em condições de utilização.
16. Cumpre ainda esclarecer que, na sequência da identificação de erros na descrição de bens inicial (fls 560 a 569), por despacho de 08/04/2002 determinou-se, além do mais, a eliminação da verba ali indicada como nº 22.
17. Assim, fruto dessa eliminação, na descrição de bens final (fls. 747 a 756), o prédio que acima se alude relacionado sob a verba 25, passou a estar relacionado sob a verba 24.
18. Quer isto dizer que, no mapa de partilha e na respectiva sentença de homologação, quando ali se faz referência à verba 24, está-se a falar do prédio identificado como um barracão que se destina a aviário, com a área de 1320m2, que aqui, por facilidade de exposição, foi sempre identificado como “verba 25” – tudo conforme doc. 8 que se junta e dá por reproduzido.
19. Esclareça-se ainda, porque pertinente, que o próprio Sr. Perito, aquando da elaboração do seu relatório, teve por referência a descrição das verbas nos termos constantes da descrição de bens inicial (fls 560 a 569) – o que facilmente se percebe se atentarmos que este faz uma avaliação dos 26 bens constantes dessa descrição inicial, quando na descrição final (de fls. 747 a 756) apenas constam 25 verbas – fruto da eliminação da verba 22.
20. Isto para deixar claro que a verba 25 a que o Sr. perito se refere no seu relatório é, efectivamente, o prédio que veio a ser adjudicado ao aqui Autor.
I.III – Do Processo nº 156/12....
21. Em 31/05/2012, 7 anos depois do processo de inventário a que acima se alude e de os Autores estarem a exercer a sua actividade no prédio que adquiriram no inventário, o aqui Réu intentou acção judicial onde alegava, em suma:
a) Ser proprietário do prédio sito no ..., freguesia ..., concelho e comarca de Castro Daire; confronta do norte com o caminho, sul com JJ, nascente com HH e poente com KK; inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...25, com uma área de 1000m2 – o prédio a que se alude no art. 2 desta petição
b) Que os aqui Autores se haviam apropriado indevidamente desse seu prédio, nele explorando um aviário. (tudo conforme doc. 9 que se junta e dá por reproduzido).
22. Ora, a instauração de tal acção deixou os aqui Autores completamente perplexos, na medida em que desconheciam os fundamentos da mesma.
23. Com efeito, se é verdade que o prédio acima identificado era, e é, propriedade do ora Réu (facto desde sempre reconhecido e decorre, aliás, do acordo de partilhas a que se alude no ponto anterior deste articulado), também não é menos verdade que os Autores nunca se apropriaram do mesmo e muito menos exploraram ali um aviário.
24. E nem o poderiam fazer, porquanto, nos termos já acima exaustivamente referidos, o prédio em questão (inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...25, com uma área de 1000m2 e correspondente à verba 20 no supra aludido processo de inventário), trata-se de um armazém degradado, em avançado estado de ruína, que em tempos serviu de armazém.
25. Situação que, como bem se compreenderá, torna absolutamente impraticável a exploração de um aviário naquele “armazém”, dado o seu estado de degradação.
26. O que fizeram, sim, foi ocupar o seu próprio prédio, relacionado sob a verba 25 no processo de inventário e único aviário ali em funcionamento (e em condições para o efeito), nele desenvolvendo a sua actividade avícola.
27. Contudo, reitera-se, nem os Autores se apropriaram do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...25, nem se encontra instalado qualquer aviário nas ruínas que configuram tal prédio.
28. Veja-se ainda que no referido processo não foi alegado nem provado que os Autores ou o Réu procederam à reconstrução de tal imóvel, tornando-o utilizável para a actividade avícola.
29. Não obstante, pese embora o reprovável mérito da decisão, que agora não revela para o caso, aquele Tribunal acabou por proferir sentença – transitada em julgado em 03/02/2014, conforme doc. 9 junto – que julgou provado o seguinte:
“A) Mostra-se registado a favor do autor o prédio urbano sito no ..., freguesia ..., Concelho ..., inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo ...25 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...21, que confronta do norte com o caminho, sul com JJ, nascente com HH e poente com KK.
B) Desde data não concretamente apurada, mas próxima de 28/04/2005, os réus vêm criando frangos para venda num aviário instalado naquele prédio”.
30. Face ao exposto, e como bem se compreenderá, tal decisão gerou uma situação de enorme confusão e ambiguidade, porquanto os aqui Autores foram condenados a restituir um prédio que não ocupavam, tendo tal decisão transitado em julgado.
31. Ambiguidade que decorreu de um manifesto erro por parte daquele Tribunal, que notoriamente confundiu as identificações dos prédios em questão – nomeadamente, os prédios relacionados sob as verbas 20 e 25 no processo de inventário acima mencionado.
32. Esta evidente confusão entre prédios saiu reforçada quando, em sede de processo executivo (processo nº 3448/15...., a correr termos no Juízo de Execução de Viseu), foi ordenada a entrega ao ora Réu do aviário em pleno estado de funcionamento, explorado pelos Autores, como se do prédio identificado na sentença em execução se tratasse – quando esse prédio, nos termos decorrentes do decidido em processo de inventário, dizia respeito a um armazém em ruínas –, conforme doc. 10 que se junta e dá como reproduzido.
33. Nos termos expostos, tal decisão tem por pressuposto que o prédio relacionado sob a verba 20 no referido inventário e adjudicado ao aqui Réu corresponde a um armazém em funcionamento.
34. Por contraponto, forçosamente o prédio adjudicado aos Autores e relacionado sob a verba 25 diria respeito a um armazém em avançado estado de ruína, pois não existe qualquer outro que possa corresponder ao imóvel que adquiriram no referido inventário nº 11/1993. (…)”
19) Naquela ação declarativa de processo comum n.º 110/19...., a 1.09.2020 foi proferido Despacho Saneador-Sentença, com o seguinte teor
“(…) Analisando os factos alegados em ambas as ações, esta, a ação declarativa supra referida e os embargos que correram termos sob o apenso B e verifica-se essa identidade. As questões essenciais que os AA aqui pretendem, uma vez mais, ver discutidas, já o foram naquelas, ou seja, o efeito jurídico que pretendem com base na mesma realidade, é idêntico. Independentemente da assertividade ou não do mérito, que não está em causa e só por via recursiva poderia ser posto em causa, e não o foi, decidiu-se nos embargos que inexistia qualquer erro ou engano na identificação do prédio a entregar na execução, tendo por base uma sentença condenatória e bem assim que inexistia contradição de julgados entre as ações, como aqui se peticiona. Embora formalmente, o pedido dos embargos seja o da extinção da execução e nesta ação seja formalmente distinto, por se tratar de ação comum, o certo é que o objetivo ou pretensão dos AA é exatamente o mesmo. Ou seja, havendo já sentença transitada que considerou que os RR (aqui AA) ocupavam o prédio do A (aqui Réu) e o condenou a restituir, após a invocação de tal factualidade e havendo já sentença de mérito no apenso declarativo da execução que julgou improcedentes os embargos porque inexistia tal erro e essa questão havia já sido decidida anteriormente e porque inexiste qualquer contradição de julgados, este tribunal não pode, de modo algum, voltar a pronunciar-se sobre essas questões, sob pena de entrar em contradição com o já decidido e violação do caso julgado material. O que os AA pretendem com esta ação é que o Tribunal reverta a decisão transitada no processo 156/12.... e com a qual não se conformam, mas, com todo o respeito, deveriam ter recorrido da mesma, o que não fizeram. Tentaram fazê-lo, sem sucesso, nos embargos e agora novamente, mas este Tribunal está impedido de o fazer, por força do caso julgado material que abrange quer o que aí foi apreciado e decidido, quer o que deveria ter sido e não o foi.
Entendemos, por isso, que assiste razão ao Réu na invocação desta exceção, que se verifica.
(…)
Dispositivo
Termos em que se decide julgar procedente a exceção de caso julgado e em consequência absolve-se o Réu da instância – art-ºs 577º i), 578º, 580º, 581º e 576º nº 2 do CPC.
(…)”
20) Os Autores inconformados com esta decisão, interpuseram recurso junto do Tribunal da Relação de Coimbra, o qual foi julgado improcedente e confirmou a sentença recorrida.».
B) Aspeto jurídico do recurso
Da exceção de causa já julgada / autoridade do caso julgado
Os aqui AA. vieram intentar ação de reivindicação contra o ora R., pedindo, no ora relevante, que lhes seja reconhecido o direito de propriedade sobre o prédio urbano correspondente a um barracão destinado a aviário, com a área de 1320 m2, descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º ...84 e inscrito na matriz sob o art.º ...93.º, tratando-se da “verba 24” que lhes havia sido adjudicada em inventário mortis causa (Proc. ...93) e, bem assim, o R. condenado na respetiva desocupação e restituição.
O Tribunal recorrido entendeu que, quanto a tal pretensão reivindicatória, procede a exceção do caso julgado e, outrossim, da autoridade do caso julgado.
Para melhor compreensão do caso, importa, à luz da factualidade julgada provada na decisão em crise – factualidade esta que se tornou definitiva, por os AA./Recorrentes não terem deduzida recursiva impugnação da decisão relativa à matéria de facto, sendo, pois a única a atender para decisão da matéria recursória –, delinear (recapitulando) alguns contornos mais relevantes da situação decidenda.
Assim, é certo que no aludido inventário foi realizada a partilha, vindo a caber, a final, ao aqui R. as verbas 18 e 20 e aos AA., por sua vez, as verbas 19 e 24, tratando-se de “4 aviários”: (i) a “verba 18” correspondia ao art.º matricial 1682.º, comportando, em termos de área indicada, 1800 m2; (ii) a “verba 19” correspondia ao art.º matricial 1408.º, comportando, em termos de área, 975 m2; (iii) a “verba 20” correspondia ao art.º matricial 1625.º, comportando, em termos de área, 1.000 m2; e (iv) a “verba 24”, então omissa na matriz e sem descrição predial, comportando, em termos de área, 1.320 m2.
Ao bem correspondente a tal “verba 24” viria a caber, posteriormente, o art.º matricial 1893.º e, quanto a registo predial, a descrição n.º ...84.
Assim efetuada a partilha, cuja sentença homologatória transitou em julgado, veio posteriormente o aqui R. a intentar contra os aqui AA. (ali RR.) uma ação de reivindicação – ação n.º 156/12.... –, tendo por objeto o prédio do art.º 1625.º (com descrição n.º ...21), com a área de 1.000 m2, ou seja, o correspondente à aludida “verba 20”, que lhe coubera na dita partilha.
Nessa ação, proferida sentença – transitada em julgado –, foram os ali RR. (aqui AA.) condenados a entregar o referido prédio ao ali demandante (aqui R.).
Seguiram-se os autos de execução de sentença com o n.º 3448/15...., intentados pelo aqui R. (exequente) contra os aqui AA., com vista à execução da sentença condenatória daquela ação declarativa n.º 156/12...., perante o que os executados (aqui AA.) deduziram embargos (apenso B), que vieram a ser julgados improcedentes.
Na decisão de improcedência desses embargos foi exarado, para além do mais, assim:
«A materialidade ora alegada pelos embargantes foi toda tida em conta pelo tribunal que proferiu a sentença que serve de base a nossa execução (…).
Mas ainda que essa factualidade não tivesse sido ponderada – e foi – se analisarmos a alegação dos embargantes, exposta nos artigos 4.º a 42.º da sua petição de embargos, verificamos que se trata de factualidade modificativa do direito do exequente anterior à sentença que se executa.
(…) Se essas dúvidas existiam, o que não se concede, elas teriam de ser colocadas e decididas no processo declarativo (e até foram, como se viu) uma vez que, como é evidente, não surgem apenas aquando da entrega jurídica ou material do bem (entrega essa que até já se mostra concretizada na execução).
Por outro lado, não podemos deixar de consignar que os embargantes em 01.10.2015 deduziram oposição à execução invocando o direito a determinadas benfeitorias realizadas no prédio a entregar, introduzindo em juízo uma tese completamente contraditória com aquela que agora sustentam, uma vez que, segundo resulta da sua peça processual anterior, nesse momento não havia qualquer dúvida quanto ao prédio que era objecto do título executivo.
É, pois, manifesto que os embargantes estão a alegar factos velhos pretendendo através deste incidente renovar a instância declarativa, o que o nosso sistema jurídico não admite. (…)
Por sua vez, relativamente ao fundamento alegado pelos embargantes que, em tese, poderia preencher a citada alínea f) – contradição de julgados.
Em primeiro lugar, trata-se de um fundamento que nunca poderia ser admitido numa oposição superveniente à execução, por não se enquadrar manifestamente no disposto no artigo 728.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Se os embargantes entendiam que se verificava a excepção de caso julgado anterior à sentença que se executa teriam de invocar esse fundamento nos embargos que deduziram em Outubro de 2015, ou seja, no prazo previsto no artigo 728.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, o que não fizeram, pelo que está precludido esse direito. (…)”».
Naqueles autos de execução de sentença, o agente de execução (AE) procedeu, em 24/01/2018, à entrega material de imóvel ao aqui R. (ali exequente).
Posteriormente, em 28/06/2019, os aqui AA. intentaram contra o aqui R. a ação declarativa n.º 110/19...., invocando contradição de julgados (entre o decidido no inventário aludido e o sentenciado na ação n.º 156/12....), pedindo, para além do mais, que fosse declarado que o prédio entregue no âmbito executivo foi o da dita “verba 24”, por isso, de forma indevida, já que se trata de imóvel adjudicado aos AA. e a estes pertencente.
Porém, os AA. decaíram também nesta ação, já que julgada no sentido da absolvição do R. da instância, por procedência da exceção do caso julgado (formado na ação 156/12.... e nos ditos embargos), considerando-se que «As questões essenciais que os AA aqui pretendem, uma vez mais, ver discutidas, já o foram naquelas, ou seja, o efeito jurídico que pretendem com base na mesma realidade, é idêntico. Independentemente da assertividade ou não do mérito, que não está em causa e só por via recursiva poderia ser posto em causa, e não o foi, decidiu-se nos embargos que inexistia qualquer erro ou engano na identificação do prédio a entregar na execução, tendo por base uma sentença condenatória e bem assim que inexistia contradição de julgados entre as ações, como aqui se peticiona. Embora formalmente, o pedido dos embargos seja o da extinção da execução e nesta ação seja formalmente distinto, por se tratar de ação comum, o certo é que o objetivo ou pretensão dos AA é exatamente o mesmo. Ou seja, havendo já sentença transitada que considerou que os RR (aqui AA) ocupavam o prédio do A (aqui Réu) e o condenou a restituir, após a invocação de tal factualidade e havendo já sentença de mérito no apenso declarativo da execução que julgou improcedentes os embargos porque inexistia tal erro e essa questão havia já sido decidida anteriormente e porque inexiste qualquer contradição de julgados, este tribunal não pode, de modo algum, voltar a pronunciar-se sobre essas questões, sob pena de entrar em contradição com o já decidido e violação do caso julgado material. O que os AA pretendem com esta ação é que o Tribunal reverta a decisão transitada no processo 156/12.... e com a qual não se conformam, mas, com todo o respeito, deveriam ter recorrido da mesma, o que não fizeram. Tentaram fazê-lo, sem sucesso, nos embargos e agora novamente, mas este Tribunal está impedido de o fazer, por força do caso julgado material que abrange quer o que aí foi apreciado e decidido, quer o que deveria ter sido e não o foi.».
Absolvição essa do R. da instância, por procedência do caso julgado, que foi confirmada, em recurso, pelo TRC, tornando-se definitiva.
Não obstante tudo isto, vêm ainda os AA., nos presentes autos, pugnar pelo dito erro na determinação do imóvel que foi entregue aos aqui RR. no âmbito da execução de sentença.
Ou seja, invocam, todavia, que foi entregue o imóvel/aviário errado.
Porém, como visto, a questão já foi reiteradamente decidida – bem ou mal, não importa agora –, anteriormente, em outros autos (embargos de executado e ulterior ação declarativa), sempre com trânsito em julgado.
Ademais, os AA. até recorreram de uma dessas decisões desfavoráveis para este TRC, que confirmou a absolvição do R. da instância, por procedência da exceção de caso julgado.
Assim sendo, claro se torna que a decisão da presente ação colidiria com o já decidido anteriormente, em sede de embargos e de ação comum declarativa, a ação n.º 110/19...., onde a questão essencial agora trazida a juízo – da existência de invocado erro, quanto ao bem/imóvel, na entrega executiva – foi já decidida, com trânsito em julgado (colisão por contradição ou mera repetição face ao sentido decisório firmado).
Daí o risco de dupla decisão judicial sobre um mesmo objeto processual ou sobre questão essencial já resolvida.
Como referido em Ac. TRC de 14/11/2017 ([6]):
«I - A excepção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo uma total identidade entre ambas as causas.
II - A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença (razão de certeza ou segurança jurídica), não se exigindo a tríplice identidade.».
É certo também que a “autoridade de caso julgado de uma sentença só existe na exata correspondência com o seu conteúdo e daí que ela não possa impedir que em novo processo se discuta e dirima aquilo que ela mesmo não definiu”, por falta de “um pronunciamento judicativo” ([7]).
In casu, em anteriores processos já foi decidida, com trânsito em julgado, a questão aludida da existência de invocado erro na entrega executiva (quanto à determinação do imóvel objeto de entrega), questão essencial em que se volta a fundar a presente ação.
Como dito na decisão em crise:
«O que realmente está em causa nestes autos, (…) como esteve em causa nos embargos n.º 3348/15.... e na ação declarativa n.º 110/19.... é a concreta determinação e composição das verbas 20º e 24º, sendo por isso que os aqui Autores requereram a realização da prova pericial com o fito de ser determinada a área do prédio que foi entregue ao Réu no âmbito da ação executiva e quais as suas confrontações – vide requerimento apresentado a 20.10.2023.
No que concerne aos embargos de executados deduzidos pelos Autores no âmbito da ação executiva n.º 3448/15.... – Apenso B, importa convocar o disposto no artigo 732º, n.º 6 do CPC, nos termos do qual “Para além dos efeitos sobre a instância executiva, a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda”.
Pois isto, de acordo com os factos assentes no ponto 13, 14, 15 e 16, e perante a mesma alegação fáctica que se mostra deduzida nesta ação declarativa, nos mesmos decidiu-se que não existia qualquer erro ou engano na identificação do prédio a entregar nos autos executivos, levando em consideração o que resulta da fundamentação da sentença condenatória proferida na ação 156/12.... e bem assim que inexistia qualquer contradição de julgados entre a ação 156/12.... e os autos de inventário.
Note-se que a estes autos é questão essencial voltar a apreciar que prédios correspondiam às verbas 20º e 24º e se existiu algum erro na determinação da coisa a entregar no âmbito da ação execução, questão se mostram apreciadas quer na ação declarativa n.º 156 quer nos embargos já identificados, razão pela qual, as pretensões deduzidas na ação declarativa 110 /19.0T8CDR, e nas quais se peticionou que o tribunal declara-se que a verba 20º não corresponde ao imóvel entregue na ação executiva, facto esse essencial e alegado nesta ação para que os Autores obtenham o que realmente pretendem quando intentaram esta ação, as mesmas não foram objeto de conhecimento porquanto ali se entendeu que se verifica-se a exceção de caso julgado/autoridade de caso julgado entre as ações identificadas.
(…)
Quanto à decisão proferida nos embargos, em face do que acima se referiu, a identidade de pedido é avaliada em função da posição das partes quanto à relação material, podendo considerar-se que existe tal identidade sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos (ainda que implícitos), do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objeto do direito reclamado e que ocorre identidade de pedido quando existir coincidência na enunciação da forma de tutela jurisdicional (implícita ou explícita) pretendida pelo autor e do conteúdo e objeto do direito a tutelar, na concretização do efeito que, com a ação, se pretende obter, temos de concluir que se verifica a exceção de caso julgado.
Assim, os factos alegados na presente ação já haviam sido alegados nos referidos embargos, nos quais os Autores, alegando a existência do erro por parte do AE pugnaram pela extinção da execução pois que o imóvel entregue ao Exequente correspondia à verba n.º 24, e pretendem, com esses pedidos, obter o mesmo efeito jurídico, pelo que estamos em presença da identidade de pedidos e o que os Autores visam verdadeiramente alcançar é a procedência do seu pedido já apreciado por uma decisão judicial e transitada em julgado. Deste modo, pretendendo os Autores obter o mesmo efeito útil, estaremos em presença da exceção de caso julgado, porquanto se verifica a tríplice identidade para a verificação da exceção de caso julgado.
Desta forma, e nos termos quer das disposições legais supra citadas, quer da jurisprudência e doutrina também aí referidas, entende-se que se verifica a exceção de caso julgado, quer na sua vertente positiva (autoridade de caso julgado) quer na sua vertente negativa, no caso em apreço, e, nos termos do disposto nos artigos 595º, n.º 1 al. a), 577º, al. i), 578º e 576º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, tal importa a absolvição da instância do Réu CC e, consequentemente a extinção desta instância quanto ao peticionado».
Em suma, perante o expressamente peticionado e decidido naqueloutros anteriores processos, houve expresso julgamento (o que foi reiterado pelo TRC, em recurso) de improcedência da pretensão dos aqui AA., no que tange à dita questão da (in)existência de erro na entrega executiva, quanto à determinação do imóvel a entregar.
Tendo esse pronunciamento judicial transitado em julgado, não pode a questão ser agora reapreciada, sob pena de repetição ou contradição perante aquele transitado juízo anterior.
Donde que, salvo o devido respeito, haja de proceder, ao menos, a exceção da autoridade do caso julgado, impedindo nova pronúncia [cfr. art.ºs 577.º, al.ª i), 580.º e 581.º, todos do NCPCiv.].
Ainda que tivesse havido erro de julgamento sobre essa matéria, o que não está – nem poderia estar – aqui em causa, a parte (AA.), se discordava desse veredito, tinha de pedir a respetiva reapreciação nos próprios autos – interpondo os recursos possíveis (desde logo, no âmbito executivo e apenso de embargos) – e não pedir nova reapreciação da matéria, após trânsito, em subsequentes ações judiciais, mormente na presente, fundada novamente em erro na determinação do imóvel objeto da entrega executiva.
Assim, a pretensão dos AA., salvo o devido respeito, assenta em questão anteriormente já julgada, com cuja decisão desfavorável acabaram por se conformar ou ficaram vencidos em recurso, tendo, pois, ocorrido trânsito em julgado das respetivas decisões.
E, assim sendo, ainda que se considerasse não haver total identidade de pedido e causa de pedir, em termos de afastar a exceção do caso julgado, é patente que a matéria/questão já foi julgada anteriormente, pelo que um novo julgamento nesse âmbito, a ser admitido, nos mesmos moldes do(s) anterior(es) – designadamente, sem quaisquer novos elementos –, redundaria na mera repetição das decisões transitadas ou na sua negação/contradição, o que seria inaceitável, mormente pela incerteza/insegurança que traria à ordem jurídica.
A tal opõe-se a aludida autoridade de caso julgado ([8]), preconizando a utilidade (impedindo a inutilidade) do(s) anterior(es) julgamento(s), ademais, de caráter definitivo.
Em suma, não pode atribuir-se aos Apelantes, pelos motivos enunciados, razão nesta sede recursiva, inexistindo qualquer invocada violação de lei.
Improcede, pois, o recurso – resulta prejudicada a remanescente questão do domínio/reivindicação –, cabendo as respetivas custas aos Recorrentes, ante o seu decaimento (art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do NCPCiv.).
IV – SUMÁRIO (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.): (…).
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação, na improcedência do recurso, em manter a decisão apelada.
Custas da apelação pelos AA./Recorrentes.
Escrito e revisto pelo relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).
Assinaturas eletrónicas.
Coimbra, 24/06/2025
Vítor Amaral (relator)
Fonte Ramos
Luís Cravo
([1]) Cujo teor se deixa transcrito (com destaques retirados).
([2]) Subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
([3]) Excetuadas, naturalmente, questões de conhecimento oficioso, desde que não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([4]) Caso o conhecimento da segunda não resulte prejudicado pela decisão quanto à primeira.
([5]) A considerada relevante para a decisão da exceção suscitada e tida como apurada “por acordo, ou tendo por base a prova documental junta aos autos bem como dos processos que foram retidos a estes autos a título devolutivo” [aludindo, ainda, que «mostram-se juntos a estes autos o Processo de inventário n.º 11/1993 que correu termos no então Tribunal Judicial de Castro Daire; Ação n.º 156/12...., que correu termos no então Tribunal Judicial de Castro Daire; Processo executivo n.º 3448/15.... que correu termo no J1 do Juízo de Execução deste Tribunal e Ação comum n.º 110/19...., que correu termos no J2 deste Juízo Central Cível].
([6]) Proc. 826/14.8T8GRD.C1 (Rel. Jorge Arcanjo), em www.dgsi.pt.
([7]) Assim o Ac. TRC, de 12/12/2017, Proc. 3435/16.3T8VIS-A.C1 (Rel. Isaías Pádua), em www.dgsi.pt.
([8]) Como consta do sumário do Ac. STJ, de 07/03/2017, Proc. 2772/10.5TBGMR-Q.G1.S1 (Cons. Pinto de Almeida), em www.dgsi.pt:
«1. A excepção de caso julgado e a autoridade de caso julgado são duas vertentes, a primeira negativa e a segunda positiva, dessa mesma realidade - o caso julgado; a excepção implica sempre a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir (…). A autoridade do caso julgado não: "a autoridade existe onde a excepção não chega, exactamente nos casos em que não há identidade objectiva". // 2. Esta distinção tem justamente por pressuposto que, na autoridade de caso julgado, existe uma diversidade entre os objectos dos dois processos e na excepção uma identidade entre esses objectos. Naquele caso, o objecto processual decidido na primeira acção surge como condição para apreciação do objecto processual da segunda acção; neste caso, o objecto processual da primeira acção é repetido na segunda. // 3. Está essencialmente em causa a força vinculante da decisão anterior transitada em julgado, que se impõe em termos absolutos, impedindo a repetição (excepção), ou em termos relativos, impedindo apenas a contradição (autoridade). // (…) Na autoridade, há uma conexão ou dependência entre o objecto da segunda acção e o objecto definido na primeira acção, sem que aquele se esgote neste. Aqui, impõe-se que essas questões comuns não sejam decididas de forma diferente, devendo a decisão da segunda acção acatar o que foi decidido na primeira, como pressuposto indiscutível».