1. - Constituindo a reclamação à relação de bens em processo de inventário um incidente, a que se aplicam as disposições gerais dos incidentes da instância, a respetiva tramitação carateriza-se pela brevidade e simplicidade (art.ºs 1091.º, n.º 1, 1105.º, n.ºs 1 a 3, e 292.º a 295.º, todos do CPCiv.).
2. - O atual processo de inventário está sujeito a diversas fases processuais e a decorrentes preclusões, devendo todas as questões que se prendam com a relação de bens e respetiva reclamação – ou, mais latamente, todas as questões suscetíveis de influir na partilha e na determinação dos bens a partilhar – ser/estar invocadas/resolvidas, no máximo, até ao/no despacho de saneamento do processo.
3. - Por isso, tendo ocorrido reclamação à relação de bens e vício gerador de nulidade processual por falta de decisão a respeito, tal nulidade teria de ser arguida, no limite, até ao despacho de saneamento do processo.
4. - Não tendo assim ocorrido, a arguição depois da realização da conferência de interessados, em que o interessado arguente esteve presente e onde requereu a realização de avaliação e, posteriormente, licitou, é manifestamente extemporânea, encontrando-se sanada também à luz do disposto nos art.ºs 195.º, n.º 1, e 199.º, n.º 1, ambos do NCPCiv..
(Sumário elaborado pelo Relator)
Em processo especial de inventário mortis causa, para partilha da herança deixada por AA e cônjuge, BB, ambos com os sinais dos autos,
em que é requerente e atual cabeça de casal CC e demais interessados DD e EE, estes também com os sinais dos autos,
tramitados, no âmbito judicial, os autos ([1]), com apresentação de relação de bens e conferência de interessados – em cujo âmbito foi requerida e deferida a realização de avaliação de bens, com subsequente junção de relatório pericial a respeito –, com licitações,
veio o interessado DD, invocando ter deduzido “reclamação ao inventário/relação de bens”, arguir:
«a) A nulidade por omissão de pronuncia (art. 186º e ss CPC) relativamente à reclamação tempestivamente apresentada, com as legais consequências relativamente a todo o processado;
b) Com a subsequente substituição do cabeça de casal.
c) Com a apresentação de nova relação de bens que reflita de forma integral o património da herança, nos termos legais, para efeitos de igualação e partilha equitativa nos termos legais.».
O mesmo interessado, DD, veio ainda requerer que o interessado CC fosse notificado para proceder à entrega imediata das chaves de um identificado prédio urbano, de molde a possibilitar-lhe o livre acesso, nomeadamente para se inteirar do estado atual do imóvel.
Ao que o interessado CC se opôs.
Após audiência prévia (datada de 02/10/2024), foi proferido despacho, em 08/10/2024 “(ref.ª Citius n.º 37712031)”, com o seguinte o teor (composto por duas partes e com destaques retirados):
a) «Da nulidade invocada pelo interessado DD.
O interessado DD apresentou requerimento a 04.06.2024 (ref.ª Citius n.º 3614589) asseverando ter apresentado reclamação à relação de bens a 06.06.2022, colocando em crise a designação do cabeça-de-casal e, bem assim, invocando a falta de relacionamento de bens móveis. Igualmente refere ter sido arguida a falta da descrição dos montantes depositados em contas bancárias e que constam da declaração de imposto de selo.
O interessado CC apresentou requerimento referindo que o processo de inventário é preclusivo e que o interessado DD não cumpriu com o disposto no artigo 1105.º do Código de Processo Civil, pugnando pelo indeferimento.
*
1. Do teor da reclamação apresentada.
Compulsados os autos, constata-se que, efectivamente, o interessado DD apresentou reclamação à relação de bens a 06.06.2022 (ref.ª Citius n.º 2914280), contudo, da mesma não consta qualquer menção à falta da descrição dos montantes depositados em contas bancárias e que constam da declaração de imposto de selo, pelo que tal questão não foi arguida.
*
2. Da nulidade.
Como se referiu, o interessado DD apresentou reclamação à relação de bens a 06.06.2022, de forma tempestiva, não tendo constituído mandatário, constituição essa que não é obrigatória e, ainda, não tendo procedido ao respectivo pagamento da taxa de justiça devida.
Vejamos.
Dispõe o artigo 195.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que “Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.”.
Ainda, e com interesse para a questão em apreço, a presente acção, em face da sua natureza, não carece da constituição de mandatário, a não ser que se pretenda suscitar ou discutir qualquer questão de direito ou interpor recurso, conforme dispõe o artigo 1090.º do Código de Processo Civil.
A omissão alegadamente praticada – a ausência de decisão quanto à reclamação apresentada – traduz-se numa omissão susceptível, naturalmente de influir no exame ou decisão da causa, reconduzindo-se à previsão do artigo 195.º do Código de Processo Civil.
Não se tratando de nulidade de que o tribunal deva conhecer oficiosamente, nos termos do artigo 196.º a contrario do Código de Processo Civil, a mesma sempre carece de ser invocada, nos termos do artigo 197.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, pelo interessado, in casu, na prática do acto omitido.
Todavia, a verdade é que, após a alegada omissão por parte do tribunal, o interessado DD foi notificado para apresentar forma à partilha (cfr. ref.ª Citius n.º 36313527, de 26.09.2023) e, após, foi notificado para a conferência de interessados (cfr. ref.ª Citius n.º 36573963, de 27.11.2023), sem que nada tivesse arguido.
Ainda que assim não fosse, e se entendesse que não poderia ter invocado a referida nulidade em momento anterior, o interessado em causa esteve presente na conferência de interessados, tendo inclusive licitado, conforme se pode constatar da mera consulta da acta da diligência em causa (ref.ª Citius n.º 36837834, de 20.12.2023).
Assim, o interessado renunciou tacitamente à arguição da nulidade em causa, nos termos e para os efeitos do artigo 197.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Pelo exposto, indefere-se o requerido considerando-se não verificada a nulidade arguida, nos termos do artigo 197.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Notifique.»;
b) «Requerimento de 04.06.2024 (ref.ª Citius n.º 3614610) e requerimento de 17.06.2024 (ref.ª Citius n.º 3628033):
O interessado DD veio requerer a notificação do interessado CC para que lhe entregue as chaves do prédio urbano descrito sob o n.º ...43.
O interessado CC apresentou requerimento, recusando a entrega das chaves, atenta a sua responsabilidade enquanto cabeça-de-casal.
Uma vez que decorre do artigo 2079.º do Código Civil que a administração dos bens da herança, até à sua liquidação e partilha, cabe ao cabeça-de-casal, indefere-se o requerido pelo interessado DD.
Notifique.».
Inconformado, o aludido DD veio interpor recurso, apresentando alegação, culminada com as seguintes
Conclusões ([2]):
«a) O presente recurso versa sobre o despacho judicial com a refª 37712031 que indeferiu a arguição da nulidade de omissão de pronuncia quanto à reclamação à relação de bens apresentada e quanto à não entrega das chaves de imóvel que faz parte da herança.
b) A reclamação foi apresentada tempestivamente, pelo ora recorrente, desacompanhado de advogado por não ser legalmente obrigatório, com todas as consequências legais nomeadamente ao nível de pagamento de taxa de Justiça.
c) A reclamação impugnou a nomeação de cabeça de casal nos termos do art. 2080 do C. Civil, segundo o qual o cargo compete ao filho mais velho que neste caso é o ora recorrente e não o interessado CC, conforme certidões de nascimento juntas aos presentes.
d) Com a substituição legal do cabeça de casal, tendo o ora recorrente a faculdade de apresentar nova relação de bens todas as demais questões suscitadas ficam prejudicadas, nomeadamente no tocante à falta de relacionamento de bens.
e) A preterição do ora recorrente para o cargo de cabeça de casal a favor do interessado CC ocorreu sem qualquer fundamento legal, de forma arbitraria, quando nem sequer tinha sido citado, ao contrário do interessado FF relativamente ao qual houve lugar a citação edital, num tratamento absolutamente desigual.
f) É acusada a falta de relacionamento dos bens móveis existentes na casa dos autores da herança.
g) Finalmente na reclamação é declarado pelo ora recorrente a pretensão de ser recompensado na adjudicação de bens imóveis por ter permitido a adjudicação das quantias depositas em contas bancárias aos demais interessados, no valor global de 46.593,63€, através de procuração notarial.
h) Sendo de meridiana evidencia que o que o recorrente pretende é o relacionamento dos valores que faziam parte do acervo hereditário, para que exista partilha justa e equitativa, sendo certo que as quantias estão perfeitamente identificadas na declaração de imposto de selo subscrita pelo atual cabeça de casal, documentação junta aos presentes, constituindo facto notório do conhecimento do Tribunal.
i) O não relacionamento dos valores depositados e levantados pelos interessados CC e GG para efeito de igualação da partilha violaria ostensivamente o princípio da economia processual na medida em que obrigaria o recorrente a novos processos para seu ressarcimento.
j) Em conclusão a reclamação é perfeitamente percetível nos pontos abordados e no peticionado, estribada quer em termos legais, quer em prova documental constante dos presentes.
k) Sendo absolutamente indefensável que tenha existido renuncia tácita relativamente ao teor e aos pretensos efeitos pretendidos pela reclamação, por parte do ora recorrente. (art. 197 nº 2 CPC), inexistindo qualquer declaração explicita ou implícita nesse sentido.
l) Não se podendo olvidar que o ora recorrente não tinha constituído mandatário, sendo uma mero utente dos Tribunais sem quaisquer conhecimentos jurídicos, provido somente com o senso comum do homem médio.
m) Mesmo no caso de ter participado nas licitações e adjudicação de bens no caso concreto nunca poderiam criar a convicção de renuncia pelo facto do próprio recorrente em momento anterior aos presentes ter “patrocinado” a adjudicação dos valores depositado em contas bancárias aos demais interessados.
n) O acto de renuncia tem sempre que estar estribado numa vontade qualificada, madura, livre, esclarecida e licita no plano da motivação o que inexiste por manifesta falta de conhecimento tecnico/juridico.
o) O Estado, enquanto administrador da justiça(poder deber) não deve nem pode ficar atrás de uma muralha tecnico juridica quando o utente não estava sequer representado por Advogado, sob pena de previsivel e indesejável condenação no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
p) Pelo facto do ora recorrente estar desacompanhado de Advogado deveria ter existido um especial cuidado por parte do tribunal, tomando posição atempada sobre a reclamação apresentada com o objetivo único de fazer justiça material.
q) No tocante às chaves do imóvel identificado na verba 1 da relação de bens, todos os herdeiros enquanto detentores em partes iguais da herança indivisa têm direito a chaves da referida casa, inexistindo qualquer fundamento legal ou outro para que assim não seja.
r) O despacho recorrido viola o art. 2080 nº 4 do Código civil(cabecelauto), o artigo 2139 do C.Civil( partilha equitativa).
s) O despacho recorrido viola os principios da igualdade das partes (art. 4º do CPC e art. 13º da Constituição Portuguesa, da aquisição procesual (artigo 413 CPC), da prevalência da decisão de mérito constante no artigo 6º do CPC, principio da economia procesual e do direito de propriedade que o recorrente detem nos bens imóveis que compoem a herança indivisa.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, por provado, com a anulação do despacho com a refª 37712031 com nova decisão que:
a) determine a substituição do cabeça de casal nos termos legais (art. 2080 CC) pelo ora recorrente (filho mais velho dos autores da herança),
b) Procedendo à apresentação de nova relação de bens que reflita a totalidade do acervo hereditário, nomedamente bens móveis e valores depositados em contas bancárias à data do obito dos autores da herança, com a consequente partilha igualitária nos termos legais.
c) Determine a entrega de chaves do imóvel descrito na verba 1 da relação de bens, a todos os herdeiros/interessados.
Fazendo-se assim justiça!
O que requer a este Venerando Tribunal.».
Porém, o Tribunal a quo, com fundamento em irrecorribilidade daqueles segmentos do despacho, não admitiu o recurso [cfr. despacho de 09/01/2025, com “Referência: 38075901”].
De tal decisão veio o Recorrente reclamar ([3]) para este Tribunal da Relação, nos termos do disposto no art.º 643.º, n.º 1, do NCPCiv., vindo o TRC, por decisão do relator ([4]), a decidir assim:
«a) Defere-se a reclamação apresentada, face à aludida recorribilidade, no âmbito do recurso interposto, da decisão de indeferimento de arguição de nulidade processual prevista no art.º 195.º, n.º 1, do NCPCiv.;
b) Assim se admitindo o recurso interposto no respetivo processo – mas somente naquela parte objeto de reclamação ([5]) –, o qual é de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito suspensivo – cfr. art.ºs 629.º, n.º 1, 645.º, n.º 2, 646.º, e 1123.º, n.ºs 1, 2, al.ª b), e 3, todos do NCPCiv., entendendo-se, à luz deste último preceito legal, que a questão a ser apreciada pode afetar a utilidade prática das diligências a realizar em conferência de interessados.
Sem custas.
Notifique e requisite o processo/recurso em separado (com observância do disposto no art.º 646.º do NCPCiv.), visto o aludido modo de subida, ao Tribunal recorrido, que o deve fazer subir no prazo de 10 dias – art.º 643.º, n.º 6, do NCPCiv..».
Remetidos os autos a este TRC e nada obstando, na legal tramitação recursiva, ao conhecimento da matéria da apelação, cumpre apreciar e decidir.
Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito recursório ([6]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (NCPCiv.) –, o thema decidendum consiste em saber:
a) Se a invocada nulidade processual se mostra sanada, por extemporaneidade da sua arguição;
b) Se, não estando sanada, resulta ela demonstrada, determinando a anulação requerida de atos processuais.
O quadro fáctico a atender é o enunciado no antecedente relatório, cujo teor aqui se dá por reproduzido, a que se acrescenta o seguinte ([7]):
1. - Da ata de conferência de interessados datada de 20/12/2023 consta que o interessado DD esteve presente no ato, tendo até requerido a avaliação dos bens imóveis da relação de bens, o que lhe foi deferido, logo se determinando a avaliação por perito singular (cfr. processo físico);
2. - Da ata de conferência de interessados datada de 22/05/2024 – após a realização da avaliação – consta que o interessado DD esteve presente no ato, tendo ocorrido licitações, com este interessado a licitar as verbas n.ºs 3 e 4, após o que foi proferido despacho determinando o cumprimento do disposto no n.º 1 do art.º 1120.º do CPC, bem como o pagamento dos honorários ao perito (cfr. processo físico);
3. - Só após, em 04/06/2024, veio o interessado DD invocar que “no dia 6/6/2022 por requerimento constante dos presentes sob a referência 2914280 deduziu reclamação ao inventário/relação de bens” e, com esse fundamento, arguir a dita nulidade (cfr. processo físico).
B) Do direito aplicável
Da extemporaneidade de arguição da nulidade e sua consequente sanação
Analisada a factualidade antecedente e a demais materialidade resultante dos autos, logo se torna claro que, como admitido pelo Tribunal recorrido, «o interessado DD apresentou reclamação à relação de bens a 06.06.2022, de forma tempestiva (…)», sendo que a «omissão alegadamente praticada – a ausência de decisão quanto à reclamação apresentada – traduz-se numa omissão susceptível, naturalmente de influir no exame ou decisão da causa, reconduzindo-se à previsão do artigo 195.º do Código de Processo Civil.».
Porém, entendeu aquele Tribunal que, não «se tratando de nulidade de que o tribunal deva conhecer oficiosamente, nos termos do artigo 196.º a contrario do Código de Processo Civil, a mesma sempre carece de ser invocada, nos termos do artigo 197.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, pelo interessado, in casu, na prática do acto omitido», o que, a seu ver, não ocorreu.
Assim, esgrime a 1.ª instância que, «após a alegada omissão por parte do tribunal, o interessado DD foi notificado para apresentar forma à partilha (cfr. ref.ª Citius n.º 36313527, de 26.09.2023) e, após, foi notificado para a conferência de interessados (cfr. ref.ª Citius n.º 36573963, de 27.11.2023), sem que nada tivesse arguido.
Ainda que assim não fosse, e se entendesse que não poderia ter invocado a referida nulidade em momento anterior, o interessado em causa esteve presente na conferência de interessados, tendo inclusive licitado, conforme se pode constatar da mera consulta da acta da diligência em causa (ref.ª Citius n.º 36837834, de 20.12.2023).».
Daí o entendimento, com que não se conforma o Recorrente, no sentido de ter ele renunciado “tacitamente à arguição da nulidade em causa, nos termos e para os efeitos do artigo 197.º, n.º 2 do Código de Processo Civil”.
Perante o exposto, será de admitir ter ocorrido a omissão/irregularidade em causa, tratando-se de omissão de um ato processual – decisão quanto à reclamação à relação de bens – relevante e legalmente prescrito, com influência no exame e decisão da causa.
Com efeito, dispõe o art.º 195.º, n.º 1 do NCPCiv. que, fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
Preenchido este requisitório legal, é de ter por verificada a dita nulidade processual, com as implicações, prima facie, a que aludem os n.ºs 1 e 2, do dito art.º 195.º.
Porém, tal nulidade processual não é de conhecimento oficioso (art.ºs 195.º e 196.º do NCPCiv.), antes devendo ser arguida/invocada, pelo interessado, em prazo (cfr. art.ºs 197.º, 199.º e 200,º, n.º 3, todos do mesmo Cód.).
A este propósito, especificamente quanto ao prazo de arguição, dispõe o art.º 199.º, n.º 1, do NCPCiv.:
“Quanto às outras nulidades, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência” (destaques aditados).
Assim, logo haveria que determinar, in casu, se a parte, tendo intervindo em diversos atos praticados no processo, deveria, em dez dias, ter arguido a invalidade processual, sob pena de sanação.
Ora, é patente, salvo o devido respeito, que o Recorrente, após a sua reclamação à relação de bens de “06.06.2022” ([8]), interveio, pessoalmente, na conferência de interessados ocorrida de 20/12/2023 (um ano e meio depois), de cuja ata consta, não só que o interessado DD esteve presente no ato, mas também que até requereu a avaliação dos bens imóveis da relação de bens, o que lhe foi deferido, logo se determinando a avaliação por um perito (perícia singular).
Óbvio é que, se nisso tinha interesse, haveria, ao menos então, de ter invocado a nulidade processual, o que não fez.
Mais. Da ulterior ata de conferência de interessados, datada de 22/05/2024 – após a realização da avaliação –, consta também que o interessado DD esteve presente no ato, tendo ocorrido licitações, com este interessado a licitar as verbas n.ºs 3 e 4, após o que foi proferido despacho determinando o cumprimento do disposto no n.º 1 do art.º 1120.º do CPC (mapa da partilha), bem como o pagamento dos honorários ao perito.
O Recorrente voltou a não invocar qualquer nulidade processual, antes intervindo nas licitações.
Só em 04/06/2024, mediante requerimento escrito, veio arguir a dita nulidade.
Daí que, quando o fez, esta já se mostrasse – sem prejuízo, desde logo, de regras operantes de preclusão (a que seguidamente se aludirá) – há muito sanada, por falta de arguição tempestiva.
Não se trata, pois, de um caso de “renúncia” à invocação do vício – inexiste declaração nesse sentido –, mas, simplesmente, da sanação deste pelo decurso do tempo, ou seja, por não invocação tempestiva.
Decorrido o prazo para arguição, o vício ficou sanado, já não podendo ser invocado.
Aliás, noutra perspetiva, perante o regime específico do processo de inventário atual, é sabido que tal processo está sujeito a diversas fases processuais e a decorrentes preclusões, devendo, por isso, todas as questões que se prendam com a relação de bens e respetiva reclamação, ou, mais latamente, todas as questões suscetíveis de influir na partilha e na determinação dos bens a partilhar, ser/estar “resolvidas, no máximo, no despacho de saneamento do processo” ([9]).
De tal modo que, quando se transite para a fase da conferência de interessados, com o objeto a que aludem os art.ºs 1111.º e segs. do NCPCiv., as ditas questões suscetíveis de influir na partilha e na determinação dos bens a partilhar já terão de ter ficado anteriormente arrumadas, não podendo ser introduzidas – para decisão – nessa fase, por não ser viável “passar para a subsequente fase da conferência de interessados sem que estejam resolvidas todas as questões cuja apreciação não possa ser ou não tenha sido relegada para os meios comuns”, salvo caso de superveniência ([10]).
Donde que, in casu, não pudesse proceder, como não procedeu, a arguição de nulidade, termos em que soçobra o recurso interposto, que se encontra restringido a esta parcela decisória e recursiva, tendo em conta que a reclamação contra a não admissão do recurso se limitava a tal parcela.
Por isso, de nada mais importa conhecer.
Em suma, decai a pretensão recursiva do Apelante, inexistindo qualquer invocada violação de lei e sendo aquele responsável pelas custas do recurso, por nele ficar vencido (art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do NCPCiv.).
*
IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.): (…)
Custas da apelação pelo Recorrente (vencido).
Coimbra, 24/06/2025
Escrito e revisto pelo relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).
Assinaturas eletrónicas.
Vítor Amaral (relator)
João Moreira do Carmo
Carlos Moreira
([1]) Os quais tiveram início na esfera notarial, mas foram remetidos a tribunal.
([2]) Que se deixam transcritas, com destaques subtraídos.
([3]) Referiu, desde logo, delimitando o objeto da reclamação, que, «não conformado com despacho (…) que rejeita recurso relativo à arguição de nulidade por manifesta omissão de pronuncia quanto a reclamação ao inventário/relação de bens tempestivamente apresentada, vem apresentar reclamação (…)».
([4]) Datada de 21/03/2025.
([5]) «Excluído fica (…) o segmento decisório referente à indeferida matéria/pretensão de notificação do cabeça de casal para entrega de chave de imóvel (embora recorrido, a rejeição do recurso não foi, nessa parte, objeto de reclamação).».
([6]) Excetuando questões de conhecimento oficioso, desde que não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([7]) À luz do que consta documentado nos autos.
([8]) Constituindo a reclamação à relação de bens em processo de inventário um incidente, a que se aplicam as disposições gerais dos incidentes da instância, a respetiva tramitação carateriza-se pela brevidade e simplicidade, também no plano probatório e de garantias das partes/interessados (art.ºs 1091.º, n.º 1, 1104.º, n.º 1, 1105.º, n.ºs 1 a 3, e 292.º a 295.º, todos do CPCiv.).
([9]) Cfr. art.º 1110.º, n.º 1, al.ª a), do NCPCiv. e Abrantes Geraldes e outros, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2022, ps. 609 e seg. e 620.
([10]) Cfr. Abrantes Geraldes e outros, op. cit., ps. 621 e seg.. Como também referem estes Autores, é na fase do saneamento do processo – anterior à conferência de interessados – que “obrigatoriamente deverão ser apreciadas exceções dilatórias (…) e outras questões de cariz adjetivo que contendam com o prosseguimento dos autos ou ponham em causa a regularidade da tramitação”, como as “nulidades processuais” de ocorrência anterior e “que ainda não tenham sido objeto de pronúncia”. Estas, uma vez cometidas, têm de ser tempestivamente arguidas, não podendo ser deixadas para arguição e decisão posterior.