APERFEIÇOAMENTO DO ARTICULADO
OMISSÃO DO DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
ANULAÇÃO DA SENTENÇA
PROIBIÇÃO DA ONERAÇÃO DA PARTE PELA RELAÇÃO COM O RISCO DA IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário

I – O estrito cumprimento do poder funcional estabelecido na alínea b) do nº 2 do art. 590º do n.C.P.Civil implica que o Juiz de 1ª instância não pode deixar de dirigir o convite ao aperfeiçoamento do articulado que se revele deficiente.
II – Apenas detetada na 2ª instância a deficiência de alegação factual do articulado, é processualmente possível a anulação pela Relação da decisão proferida pela 1.ª instância com base na deficiência do julgamento da matéria de facto (ex vi do art. 662º, nº 2, al. c), do n.C.P.Civil).
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

*

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                           *

1 – RELATÓRIO

1) AA, titular do NIF ...65 e residente na Rua ..., ..., ..., ..., e

2) BB, titular do NIF ...76, residente na Rua ..., ..., ...,

intentaram ação declarativa sob a forma de processo comum[2], contra

1) CC, titular do NIF ...20, e residente em Estrada ..., ..., ..., ... ..., ...;

2) DD, titular do NIF ...01 e residente em Estrada ..., ..., ..., ... ..., ...;

3) EE, residente em Rua ..., ..., ... ...; e

4) FF, residente em Rua ..., ..., ... ...,

pedindo o reconhecimento do seu direito de nua propriedade (da parte do autor) e usufruto (da parte da autora) sobre um imóvel que identificam, bem como a condenação dos réus a absterem-se de passar no referido terreno, de pé e de carro, condenação dos réus a absterem-se de passar, quer a pé, quer de carro, e mais a absterem-se de praticar atos lesivos deste direito, e ainda numa indemnização a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.

Alegam para o efeito que são respetivamente proprietário e usufrutuária de dois prédios rústicos, ao passo que os réus são todos proprietários de prédios confinantes ou próximos.

Mais alegam que para acesso ao terreno dos primeiros réus existia um caminho público, que foi vedado por ação dos terceiro e quarto réus, tendo os primeiros réus solicitado à autora autorização para utilizarem o terreno desta para acederem ao seu, autorização que a autora concedeu mas apenas a título temporário e apenas para passagem a pé, enquanto a situação com os outros réus não estava resolvida.

Sucedeu porém que os réus, em contravenção/abuso do acordado, começaram a utilizar o terreno também para passagem com trator, o que levou os autores a vedar a passagem, o que por sua vez levou a diversas situações de colocação e retirada de limitadores e marcos de parte a parte; mais alegam que os réus destruíram e queimaram árvores no seu terreno.

Concluem afirmando que nunca existiu no local qualquer servidão de passagem, e alegando e concretizando danos a nível patrimonial e não patrimonial.

                                                           *

Citados os réus, apresentaram contestação, defendendo-se por impugnação, alegando que o caminho que os autores afirmam estar integrado no seu terreno está antes integrado em terreno adquirido pelos réus a outrem, explicando detalhadamente a configuração dos terrenos e a forma como a casa dos terceiro e quarto réus foi construída.

Mais alegam que o caminho a que os autores se referem como “caminho de missa” já não era utilizado há mais de 20/30 anos, face à reorganização da zona a nível de estradas públicas, tendo assim os terceiro e quarto réus, aquando da construção da sua habitação, passado a ceder passagem aos antecessores dos primeiros réus e restantes proprietários de terrenos no local através da parcela de terreno cuja propriedade os autores reivindicam, por ser a mesma mais conveniente, sem oposição de ninguém, passagem esta que continuou a ser utilizada nos mesmos moldes pelos primeiros réus.

Explicam que existiu uma conversa entre os primeiros réus e os autores, mas com contornos diferentes dos alegados por estes, negam ter cortado árvores ou danificado os terrenos dos autores, e que a presente ação é apenas retaliação por se terem os primeiro e segunda réus recusado a adquirir os prédios dos autores.

Em reconvenção, pedem a condenação dos autores em indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais que concretizam, bem como o reconhecimento do direito de propriedade dos terceiro e quarto réus sobre a parcela de terreno que os autores invocam ser sua, e ainda de uma servidão de passagem constituída por usucapião a favor dos primeiros réus sobre tal terreno, ou subsidiariamente considerar-se constituída uma servidão legal nos mesmos moldes.

Pedem também a condenação dos autores como litigantes de má fé.

                                                           *

Por despacho judicial proferido em 04/11/2020 [despacho com a Ref. Citius, 32625427], foi admitida a reconvenção deduzida pelos RR. no articulado de contestação.

                                                           *

Os autores apresentaram réplica, impugnando o teor da reconvenção apresentada.

                                                           *

Foi proferido despacho saneador, fixando o objeto do litígio e os temas da prova e designando data para audiência final, a qual teve lugar no local onde se situam os terrenos, como flui das respetivas Atas.

Na sentença, proferida na sequência, considerou-se, em suma, que de acordo com a matéria dada como provada, resultava que a faixa de terreno em litígio era propriedade dos terceiro e quarto RR., sendo que da banda destes não existia qualquer intenção de impedir a passagem dos primeiros RR., apurando-se, assim, numa passagem iniciada em 1999 e desde então exercida de forma pública, pacífica, de boa fé, na total consciência de que os RR. e seus antecessores não lesavam quaisquer direitos de outrem, e sem qualquer oposição inclusive da parte dos AA. até 2019, donde sempre se consideraria a servidão constituída por usucapião desde aquela data; que quanto à vertente indemnizatória, apenas se apurava a verificação dos pressupostos necessários para o efeito relativamente aos RR., pelo que, na medida em que RR. haviam logrado provar ter sofrido danos não patrimoniais, se entendia condenar os AA. no pagamento, a cada casal de RR., do valor de € 500,00; que face ao decidido, ficava prejudicada a questão relativa ao pedido reconvencional subsidiário referente à constituição de servidão legal a favor dos primeiros RR..

Foi assim o dispositivo:

«V. DECISÃO

Por todo o exposto, o Tribunal julga a presente ação improcedente, absolvendo os réus de todo o pedido.

Mais se julgam as reconvenções parcialmente procedentes, condenando os autores:

a) a reconhecer que a faixa de terreno identificada nos artigos 23.º a 36.º da contestação é propriedade dos réus EE e FF, fazendo parte integrante do prédio urbano inscrito sob o art.º ...39 da freguesia ... e concelho ..., e descrito sob o nº. ...53 da Conservatória do Registo Predial ...;

b) a recolocar os marcos que arrancaram, da estrema dessa faixa de terreno com o prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial;

c) a abster-se de praticar quaisquer atos lesivos do direito de propriedade dos referidos réus sobre a faixa de terreno referida em a);

d) a pagar aos referidos réus a quantia de €500,00 (quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais;

e) a reconhecer que se encontra constituída uma servidão de passagem, por usucapião, a favor do prédio rústico inscrito na matriz sob o art.º 3886 da freguesia ..., concelho ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...99, sobre uma faixa de terreno do prédio rústico dos autores, inscrito sob o artigo ...85º da freguesia ..., concelho ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...30, localizando-se tal passagem a cerca de 50 metros da Rua ..., após passar pelo prédio dos réus EE e FF referido em a), na estrema sul deste, e tendo cerca de 7 metros de comprimento, numa largura de 2,20 metros;

f) a pagar aos réus CC e DD a quantia de €500,00 (quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais.

***

Custas da ação pelos autores.

Custas da reconvenção por ambas as partes, na proporção do decaimento, que se fixa em 1/5 para os réus e 4/5 para os autores.

***

Registe e notifique.

Após trânsito, comunique à Conservatória do Registo Predial.»

                                                           *

            Inconformados com essa sentença, apresentaram os AA. recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões[3]:

«I. Vem o presente recurso, oportunamente interposto da sentença que, nos autos à margem identificados, julgou a acção improcedente, absolvendo os RR., ora Recorridos, de todo o pedido, e por seu turno, julgou os pedidos reconvencionais parcialmente procedentes, condenando os AA., ora Recorrentes,

a) a reconhecer que a faixa de terreno identificada nos artigos 23.º a 36.º da contestação é propriedade dos réus EE e FF, fazendo parte integrante do prédio urbano inscrito sob o art.º ...39 da freguesia ... e concelho ..., e descrito sob o nº. ...53 da Conservatória do Registo Predial ...;

b) a recolocar os marcos que arrancaram, da estrema dessa faixa de terreno com o prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial;

c) a abster-se de praticar quaisquer atos lesivos do direito de propriedade dos referidos réus sobre a faixa de terreno referida em a);

d) a pagar aos referidos réus a quantia de €500,00 (quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais;

e) a reconhecer que se encontra constituída uma servidão de passagem, por usucapião, a favor do prédio rústico inscrito na matriz sob o art.º 3886 da freguesia ..., concelho ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...99, sobre uma faixa de terreno do prédio rústico dos autores, inscrito sob o artigo ...85º da freguesia ..., concelho ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...30, localizando-se tal passagem a cerca de 50 metros da Rua ..., após passar pelo prédio dos réus EE e FF referido em a), na estrema sul deste, e tendo cerca de 7 metros de comprimento, numa largura de 2,20 metros;

f) a pagar aos réus CC e DD a quantia de €500,00 (quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais.

II. Antes de mais, os Recorridos, ao apresentarem contestação, com pedido reconvencional, pagaram apenas uma taxa de justiça.

III. Mas, porquanto existe entre eles coligação e não litisconsórcio, teriam os Recorridos, concretamente, por um lado, os 1º e 2ª RR., e, por outro, os 3º e 4ª RR., que ter procedido ao pagamento de duas taxas de

justiça, nos termos do disposto no nº 4 do art. 530º do CPC.

IV. Não se tendo verificado, haverá que considerar como inexistente e não escrita a contestação em nome dos 3º e 4ª RR., ora Recorridos, tudo com as legais consequências, o que se requer.

V. Por outro lado, verifica-se a nulidade do julgamento, face à forma como decorreram as sessões da audiência final, o que influi na análise e decisão da causa.

VI. A espontaneidade e credibilidade das testemunhas inquiridas mostra-se afectada, porque antes da sua efectiva prestação de depoimento, em 11.06.2024, as testemunhas foram assistindo à produção da prova, o que foi evidente aquando das suas declarações, em que, sem qualquer interpelação fazem menção expressa ao que anteriormente fora afirmado, procurando contrariar.

VII. Acresce ainda que, e particularmente porque o julgamento não decorreu nas instalações do Tribunal, mas no local em apreço, as testemunhas e as próprias partes, nas suas declarações, foram fazendo menções recorrentes a expressões de localização, tais como, “ali”, “aqui”, “atrás”, “em cima”, “lá para baixo”, “daquele lado”, e tantas outras do mesmo género.

VIII. Não tendo, perante a utilização de preposições e/ou advérbios de lugar, ficado a constar ao que a testemunha ou a parte se referia, por exemplo, por referência às imagens registadas no domínio da inspecção ao local, cfr. acta do dia 12.01.2022, e porque a gravação da prova cinge-se ao áudio, fica irremediavelmente afectada e impossibilitada a efectiva e concreta reapreciação da prova gravada.

IX. Por fim, apesar de regular e validamente prescindida a testemunha GG, foi a mesma foi inquirida e prestou declarações nessa qualidade.

X. O que não poderia ter sido admitido, porque prescindida e porque não foi ordenada a sua inquirição oficiosamente.

XI. Pelo que, por tudo o exposto, verifica-se assim um vício que influi no exame e na decisão da causa, o que determina assim a nulidade do julgamento, cfr. art. 195º, nº 1 do CPC, o que se invoca, devendo, em conformidade, ser anuladas as sessões da audiência final, determinando-se, em consequência, a repetição da prova, o que se requer, tudo com as legais consequências.

XII. Caso assim não se entenda, o que por mera hipótese académica se admite, a sentença é nula, nos termos da al. b) do nº 1 do art. 615º do CPC, o que se invoca, tudo com as legais consequências.

XIII. Porquanto o Tribunal a quo limita-se a afirmar que resultou provada a versão dos Recorridos, fazendo um resumo das declarações prestadas, sem que, contudo, tenha levado a cabo uma apreciação, crítica, de toda a prova, de forma a tornar-se compreensível o raciocínio do Julgador e as razões, objectivas, que levaram o Tribunal a considerar provada uma versão, em detrimento de outra.

XIV. E, quanto ao facto dado como provado sob o nº 6), a fundamentação é absolutamente inexistente.

XV. E quanto à factualidade julgada não provada, o Tribunal a quo indicou apenas considerações vagas, no sentido de que não se convenceu da versão apresentada pelos Recorrentes, mas, novamente, sem explicar o seu raciocínio.

XVI. Assim, não está devidamente fundamentada a sentença proferida, o que se invoca, tudo com as legais consequências.

XVII. Por outro lado, por não ter correspondência com o declarado pela Testemunha GG quanto aos costumes, importa proceder-se à rectificação da acta da sessão de julgamento do dia 11.06.2024, neste domínio, da qual deve passar a constar, o que se requer: “Aos costumes disse ser primo dos autos e vizinhos dos 1º e 2ª réus, primo e padrinho do 3º R., e primo da 4ª R.”

XVIII. Sem conceder, para efectiva reapreciação da prova gravada, requer-se, em conformidade, a audição, por parte de V. Exas., Venerandos Desembargadores, de toda a prova produzida em sede de audiência final, realizadas nas sessões dos dias 12.01.2022, 20.04.2023 e 11.06.2024, gravada através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo.

XIX. O Tribunal a quo, em desrespeito pelas regras da experiência comum e da lógica, do direito probatório e pelas normas legais aplicáveis, sem que tenha sido produzida prova suficiente que permitisse dar como provado, julgou incorrectamente os factos patentes sob os nºs 6) a 20), 21), este quanto às expressões “em resposta” e “onde antes existiam os marcos”, 22), 23), 25) a 36), este a partir de “causando os terceiros e quatro réus incómodos, aborrecimentos, estados de tristeza e de revolta.”, 37) e 38) da factualidade dada como provada e os factos constantes das al. a) a i) da matéria de facto dada como não provada, sem prejuízo do lapso, que se entende de escrita, quanto aos factos dados como provados sob os nºs 1) e 2).

XX. O lapso quanto facto nº 1) da matéria de facto julgada provada, que se entende ser de escrita, decorre da incorrecta identificação da apresentação, como se alcança pela informação predial junta aos autos como doc. nº 2 junto com a p.i., consta Ap. 1395/02/05 e deve constar Ap. 1395, de 2015/02/05, rectificação que se requer.

XXI. Verifica-se ainda erro de julgamento quanto aos factos dados como provados sob os nºs 1) e 2), no que diz respeito às áreas dos prédios.

XXII. Uma vez que, as áreas, correctas, constam do Sistema de Informação Cadastral Simplificada – BUPi, respectivamente, cfr. doc. nº 1 a 3 juntos com a p.i.

XXIII. Não foi produzida, sequer tentada qualquer prova que permitisse ilidir as informações ali constantes, que resultam de um procedimento oficial, e devidamente certificado e cujas informações são verificadas e validadas por um técnico.

XXIV. Pelo que deve a redacção dos factos dados como provados sob os nºs 1) e 2), ser igualmente alterada, no que diz respeito às áreas, de onde deve constar as áreas constantes do Sistema de Informação Cadastral Simplificada – BUPi, o que se requer.

XXV. Nos demais factos dados como provados pelo Tribunal a quo e ora impugnados, 6) a 20), 21) quanto às expressões “em resposta” e “onde antes existiam os marcos”, 22), 23), 25) a 36), este a partir de “causando os terceiros e quatro réus incómodos, aborrecimentos, estados de tristeza e de revolta.”, 37) e 38), é absolutamente inadmissível a conclusão alcançada pelo Tribunal a quo.

Com efeito,

XXVI. Os documentos juntos com a contestação sob os nº 1 a 3 além de terem sido expressamente impugnados, cfr. réplica, e os doc. nº 2 e 3 não serem válidos, cfr. art. 110º, nº 2 do Código do Registo Predial, não evidenciam, nem são aptos a demonstrar o invocado pelos Recorridos.

XXVII. Dos mesmos apenas se pode extrair que, nos termos do registo predial, ab initio, a área do rústico descrito sob o nº ...99, inscrito na respectiva matriz predial sob o art. ...82, era de 4.100 m2.

XXVIII. Nem os próprios 3º e 4ª Recorridos declararam que a sua casa se encontra situada em quatro prédios rústicos distintos.

XXIX. E nenhuma prova foi produzida para demonstrar as áreas de cada alegado prédio.

XXX. Não poderia o Tribunal a quo bastar-se com prova testemunhal, quando a lei exige prova documental, com força probatória plena, cfr. art. 393º do CC.

XXXI. O doc. nº 3 junto com a contestação, encerra em si uma sequência de eventos ilógica, que o Tribunal a quo não poderia ignorar, na medida em que corresponde a um pedido de certidão predial negativa, referente a um imóvel omisso na matriz, apresentado por alguém que, alegadamente, já não era seu proprietário, mas invocando essa qualidade.

XXXII. E o Exmo. Senhor GG declarou que o terreno que pretensamente vendeu aos 3º e 4ª Recorridos nunca esteve omisso na matriz.

XXXIII. Face ainda ao evidente acréscimo de escritos no doc. nº 4 junto com a contestação, de nenhum valor pode revestir tal documento.

XXXIV. Que aliás contraria o alegado pelos 3º e 4ª RR., pois invocaram uma venda verbal, mas juntam um documento, para demonstrar uma venda verbal.

XXXV. Sem prejuízo, o negócio invocado só seria válido, à data, se celebrado por escritura pública, cfr. art. 875º do CC, o que não foi levado a cabo.

XXXVI. Pelo que, é forçoso concluir que os 3º e 4ª Recorridos não adquiriram quaisquer outros prédios, dispondo já da área de 4100 m2 do prédio herdado, (rústico descrito sob o nº ...99).

XXXVII. Quanto ao facto dado como provado sob o nº 8), foi produzida prova em sentido diametralmente oposto ao que o Tribunal a quo ali deu como provado, tendo em atenção às declarações prestadas pela 2ª, 3º e 4ª RR., ora Recorridos, e pelas testemunhas HH, II, JJ, KK e GG.

XXXVIII. Concatenando toda a prova produzida quanto à construção do muro, resulta evidente que, em momento algum foi declarado, quer pelas partes, quer pelas testemunhas inquiridas neste âmbito que o pretenso prédio adquirido pelos 3º e 4ª Apelados ao Exmo. Senhor GG foi em parte ocupado com a casa que aqueles construíram, outra com o muro que edificaram e uma parte restante situa-se para sul desse muro.

XXXIX. O que sai reforçado da inspecção feito ao local pelo Tribunal, cfr. acta da sessão de julgamento do dia 12.01.2022.

XL. Pois, tendo em conta as medições efectuadas, bem como o declarado pelas partes e pelas testemunhas, quanto à área do pretenso prédio adquirido ao Exmo. Senhor GG, encontrar-se-ia, uma área de cerca de 650 m2.

XLI. O que, também por esta via, não tem correspondência com o pretenso prédio vendido, que teria uma área de 450 m2, cfr. doc. nº 3 e 4 juntos com a contestação.

XLII. E menos ainda se, como o Tribunal a quo veio a dar como provado, que de tal alegado prédio, parte foi ocupado com a casa construída pelos 3º e 4ª RR., outra com o muro e outra parte a sul do muro, pois daqui resultaria uma área ainda superior a cerca de 650 m2.

XLIII. Verifica-se assim evidente contradição entre os factos dados como provados sob os nºs 7), 8), 13), 14), 15), 16), 17) e 18) e flagrante oposição com o que o próprio Tribunal a quo fez constar como percepcionado em função da inspecção ao local, em termos das medições efectuadas.

XLIV. E, do próprio doc. nº 5 junto com a contestação, resulta, pelo menos de acordo com o projecto, que entre o muro e casa construída pelos 3º e 4º RR., distam 6 m, quando na realidade distam cerca de 2 m.

XLV. Ora, se somarmos esses cerca de 2 m aos 2,20m medidos pelo Tribunal a quo, como sendo a distância entre o muro e a estrema do pretenso prédio, ainda faltam cerca de 2 m para atingir os ditos 6 m

que estão no projecto, como distando da casa até ao muro.

XLVI. Pelo que, de acordo com tais medidas, o prédio dos 3º e 4ª Apelados teria que estar sobreposto com o prédio dos Recorrentes, inscrito na matriz predial sob o art. 3885.

XLVII. Donde se impõe uma de duas conclusões: ou o projecto não está correcto ou o muro não foi construído de acordo com o projecto.

XLVIII. Sem conceder, mesmo que os 3º e 4º Recorridos tivessem adquirido um qualquer terreno a GG impossível se torna, face à prova produzida, perceber que terreno seria esse.

XLIX. A prova dos factos que o Tribunal a quo fez constar sob os nº 6) a 8), só seria possível através, pelo menos, de um levantamento topográfico de todos os terrenos em causa nos autos.

L. O Tribunal a quo não poderia afirmar que a presunção decorrente do registo predial não se estende à sua área, limites e confrontações, no que diz respeito aos prédios dos Recorrentes, e, de forma absolutamente contrária aos princípios do direito probatório, mesmo sem qualquer prova de registo, dê por boa a versão alegada pelos Recorridos nesse âmbito.

LI. Ignorou ainda o Tribunal a quo ignorou os documentos, produzidos e emitidos por entidades oficiais, concretamente o levantamento cartográfico e a carta militar entre 1937 e 1957, cfr. doc. nºs 10, 11, 28 e 29 juntos com a p.i., bem como as fotografias juntas pelos Recorrentes, no mesmo articulado, cfr. doc. nº 12 a 27 e 30 a 32.

LII. Dos referidos documentos resulta demonstrada a versão alegada pelos Recorrentes e não a versão dos Recorridos.

LIII. Não poderia o Tribunal a quo ter dado como provado o facto que fez constar em 9), quer porque a construção só poderia começar após a pretensa aquisição de um dos prédios necessários para a edificação, alegadamente ocorrida em 27.05.1998, quer porque só em 18.11.1999 há aprovação do projecto de licenciamento para construção, quer porque as declarações das Testemunhas GG, LL, HH, MM, JJ, KK, NN e OO e dos 2ª, 3º e 4ª Recorridos, são absolutamente discrepantes, quer porque só o alegado e declarado pelos Recorrentes tem correspondência com a prova documental junta aos autos, cfr. doc. nº 2 junto com a contestação, que atesta a data da passagem do imóvel de rústico a urbano, em 23.11.2006.

LIV. Donde se conclui, também pelas regras da experiência comum, que só nessa data a edificação e o muro que actualmente se encontram no terreno dos 3º e 4ª RR. foi concluída, em 2006.

LV. Não obstante resultar da prova produzida, analisada de forma critica e à luz das regras da experiência comum, face à decisão proferida, torna-se necessária a junção aos autos de reprodução aerofotográfica, da DGT, dos anos de 2005, 2010, 2018 e 2021, que ora se juntam como doc. nºs 1 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

LVI. De tais reproduções resulta que até 2017, não existiu qualquer passagem junto à casa dos 3º e 4ª RR., logo no terreno dos Recorrentes, inscrito na matriz predial sob com o art. 3885, LVII. Bem como que, pelo menos até 2005, inexistia qualquer muro construído no alegado terreno dos 3º e 4ª Recorridos, o qual é apenas visível na reprodução aerofotográfica de 2010,

LVIII. E ainda que a configuração do terreno imediatamente ao lado da propriedade dos 3º e 4ª RR., ou seja do terreno dos AA., inscrito na matriz sob o art. 3885, foi-se alterando.

LIX. Os Recorrentes apenas agora, em 06.09.2024, tiveram acesso a tais documentos, como se confirma pela data certificada aposta nos mesmos, e a sua necessidade de junção também apenas agora se justifica, em função da decisão sub judice proferida, pelo que deve ser admitida a sua junção, ao abrigo do disposto no art. 651º do CPC, o que se requer, uma vez que tais documentos se revelam essenciais para a demonstração da verdade e justa composição do litígio.

LX. No que tange ao facto dado como provado sob o nº 10), e mesmo que se venha a considerar que corresponde à tira de terreno onde, alegadamente os 1º e 2ª Apelados passam para aceder à sua propriedade, a verdade é que os 3º e 4ª Recorridos ali não praticam quaisquer actos de posse, utilização, disposição, ou quaisquer outros que evidenciem ou demonstrem a propriedade ou qualquer outro direito real, conforme expressamente pelos mesmos declarado.

LXI. Inexiste qualquer acto, em relação ao referido local, que evidencie sequer indiciariamente que os 3º e 4º RR. actuam sobre o mesmo na convicção que estão a exercer um direito próprio e muito menos actos materiais do exercício desse pretenso direito.

LXII. Inexiste, portanto, quer animus, quer corpus.

LXIII. No que diz respeito aos factos dados como provados sob os nºs 11), 12), 13) e 14), mesmo que fosse verdade que em 1998 houve aquisição pelos 3º e 4ª Recorridos da propriedade como actualmente se encontra, não é matematicamente possível afirmar que há mais de 20, 30 e mais anos havia marcos a demarcar essa propriedade e o terreno dos Recorrentes, inscrito sob o art. 3885.

LXIV. E, da prova produzida, resultam várias versões, contraditórias entre si, em relação aos marcos existentes, ao momento em que foram colocados e/ou recolocados, por quem, a sua exacta e correcta localização e se sequer os objectos encontrados são ou não efectivamente marcos que delimitam cada terreno, cfr. o declarado pelas partes e pelas testemunhas LL, HH, II, JJ e KK.

LXV. O que impede a formação de uma convicção séria, segura e bastante do alegado pelos Recorridos quanto à existência, quer física, quer temporal, de qualquer marco e sua localização.

LXVI. Inversamente, resulta provado o alegado pelos Recorrentes, pela conjugação da prova testemunhal e por declarações de parte com a prova documental produzida, concretamente as fotografias juntas com a p.i. como doc. nº 12 a 27 e 30, 31 e 32, que evidenciam, cronologicamente, a existência ou não de marcos e o seu surgimento.

LXVII. Não se alcança que terrenos os marcos delimitariam, nos termos da formulação dada pelo Tribunal a quo nos factos dados como provados sob os nºs 15), 16), 17) e 18).

LXVIII. É inequívoco que os marcos, a existirem, foram mexidos ao longo do tempo, desde logo quando os 3º e 4º Apelados construíram o muro, bem como posteriormente, mesmo por acção do fogo.

LXIX. E não é sequer plausível que as pessoas consigam afirmar onde se localizam ou localizaram os marcos, especialmente pessoas absolutamente alheias aos terrenos em causa.

LXX. Resulta evidente da prova produzida que, pelo menos os 1º e 2ª Recorridos, só a partir de 2016, passaram a utilizar a dita passagem, pois, até então, viviam em Lisboa, cfr. declarações das partes, e das testemunhas HH e II, data em que a propriedade do art. 3886 é registada em nome daqueles.

LXXI. Se uma servidão se extingue pelo seu não uso, por maioria de razão, não se constitui uma servidão pelo não uso.

LXXII. E, pelo menos desde 2017, verifica-se oposição evidente por parte dos Recorrentes quanto à utilização do dito caminho, por estes considerarem que é feito no seu terreno, cfr. declarado pelos Recorridos.

LXXIII. Face à inexistência de qualquer delimitação dos terrenos confinantes e à localização e recolocação de marcos, não se pode dar como boas as medições feitas pelo Tribunal a quo.

LXXIV. É inequívoco que existiam caminhos, seja de missa, seja de bois, que serviam toda a povoação, todos os terrenos naquela zona, e que, apesar da construção de infraestruturas rodoviárias na zona, tais caminhos continuam a ser utilizados.

LXXV. Inclusivamente ainda subsiste uma parte do “caminho da missa” que passa no terreno dos Recorrentes, inscrito sob o art. 3885 e que sempre foi e continua a ser utilizado pelos 1º e 2ª Recorridos, e sem qualquer oposição por parte dos Recorrentes.

LXXVI. Dar como provado que os caminhos da missa e de bois já não são utilizados é contraditório com o reconhecimento da constituição de servidão a favor dos 1º e 2º Recorridos.

LXXVII. Não obstante a quase unanimidade quanto à construção do muro recuado da estrema, também não se pode ignorar que a testemunha II, declarou que o muro foi construído à estrema.

LXXVIII. O facto nº 25) da matéria de facto dada como provada tem uma redação contrária à prova produzida e mesmo ao que foi alegado pelos próprios Recorridos.

LXXIX. Os 3º e 4ª Recorridos não actuaram por questões de boa vizinhança, mas antes cortaram os caminhos que existiam na localidade e que serviam os terrenos, os quais existiam desde tempos imemoriais, impedindo o acesso aos mesmos, especialmente aos 1º e 2ª RR., e fizeram-no à custa dos Recorrentes, num terreno destes – que em nada contribuíram para o encravamento do terreno dos 1º e 2ª RR.

LXXX. O facto 25) está em contradição com os factos 22), 23) e 24), todos da factualidade dada como provada, pois se os caminhos eliminados pelos 3º e 4ª Recorridos já não eram utilizados, não havia necessidade destes cederem qualquer passagem aos 1º e 2ª Recorridos.

LXXXI. Na configuração dada pelos Recorridos aos terrenos no local, o terreno dos Recorrentes, inscrito na matriz sob o art. 3885, é consumido/sobreposto pela propriedade dos 3º e 4ª RR.

LXXXII. Porquanto se se fizer o confronto entre o doc. nº 7 junto com a contestação e os doc. nº 28 e 29 juntos com a p.i., ter-se-á que concluir que a confrontação norte do art. 3885 dos Recorrentes está consumido pela propriedade dos 3º e 4ª Recorridos, e na confrontação sul com o CC, pai da 2ª Recorrida, face aos novos pretensos marcos, movendo a estrema da confrontação norte do art. 3886 para dentro do art. 3885, aumentado a área do terreno dos 1º e 2ª Recorridos, os 550 m2 que herdou, cfr. doc. nº 6 junto com a p.i.

LXXXIII. O facto que o Tribunal a quo fez constar em 28) como provado além de ser absolutamente irrelevante para o thema decidendum, foi afirmado por testemunhas, de ouvir dizer, sem que a tal tenham

assistido e sem que tenha sido inquirido o dito proponente.

LXXXIV. A ausência de prova da versão dos Recorridos, pelo menos no que diz respeito às áreas, confrontações e localização do terreno dos 3º e 4ª RR., não poderia ser suprimida ou substituída por prova testemunhal.

LXXXV. Assiste ao Tribunal, por um lado, o poder/dever de notificar as partes para juntarem, e, por outro lado, de, oficiosamente, ordenar e determinar a realização de todas as diligências tidas por pertinentes e necessárias para a justa composição do litígio, descoberta da verdade e boa decisão da causa, ao abrigo do plasmado no art. 6º, 411º e 590º, todos do CPC.

LXXXVI. O poder previsto nos nº 2, 3 e 4 do art. 590º do CPC é vinculativo.

LXXXVII. Ora, no caso sub judice, não dispõem os autos dos elementos suficientes e necessários para a decisão que veio a ser proferida – isto sem prejuízo de ter decidido contra legem, cfr. art. 342º, nº 2 do Código Civil e art. 414º do CPC.

LXXXVIII. Tendo o Tribunal a quo omitido a prolação de despacho nos termos dos nºs 2, 3 e 4 do art. 590º do CPC, estamos perante nulidade, nos termos do art. 195º do mesmo diploma legal, nulidade que se invoca, tudo com as legais consequências.

LXXXIX. No que diz respeito à conversa/encontro ocorrida entre a Recorrente e os 1º e 2ª RR., foram apresentadas duas versões distintas, existindo apenas a certeza que tal conversa/encontro ocorreu, na casa dos Recorrentes, cfr. declarações das partes e da testemunha LL.

XC. E a versão dos Recorridos revela-se inverosímil e contrária às regras da experiência comum e da lógica, pois não faz qualquer sentido que os 1º e 2ª Recorridos tenham ido questionar os Recorrentes se se opunham à passagem no prédio destes, a pé e de tractor, se, contraditória e simultaneamente o Tribunal a quo considerou provado que desde 1999 os 1º e 2ª RR. já ali passavam, à vista de todos, sem oposição, e na convicção de que exerciam um direito próprio.

XCI. É através da oposição expressa e exteriorizada pelos Recorrentes quanto à passagem dos 1º e 2º Recorridos no seu prédio, o art. 3885, a partir de 2017, que se pode concluir pela utilização, abusiva, do mesmo, precisamente o momento em que os 1º e 2º Recorridos foram para ali viver, depois de se reformarem e saírem de Lisboa.

XCII. É igualmente nesse momento que a configuração do terreno dos Recorrentes é alterada, por efeitos de uma terraplanagem, assumida pelo 3º Recorrido e declarada pela testemunha II, precisamente para permitir a passagem com tractor, até então impossível, cfr. fotografia junta como doc. nº 30 com a p.i. e cfr. doc. nº 5 junto com a contestação que evidencia a existência do talude, com uma diferença na cota substancial.

XCIII. E, sentindo-se os Recorrentes, legitimamente, ofendidos nos seus direitos, na convicção que na dita passagem se localiza parte no seu terreno, inscrito na matriz sob o art. 3885, procuraram impedir essa mesma passagem.

XCIV. Pois, em 2017, os Recorrentes acederam à passagem, a pé, provisoriamente, até que os Recorridos se entendessem, devido ao muro erigido que impedia o acesso ao terreno dos 1º e 2º RR.

XCV. E não antes, porque até esse momento, os 1º e 2ª Recorridos simplesmente ali não acediam.

XCVI. Os Recorrentes acederam que os 1º e 2º RR. procedessem à limpeza do seu art. 3887 e não 3885, cfr. declarações dos Recorrentes, o que encararam como um acto de agradecimento pela passagem temporária.

XCVII. Foi demonstrado pelos Recorrentes, que os 1º e 2ª Recorridos cortaram um castanheiro, oliveiras, erdiveiros e cerejeiras, e queimaram ainda um ervideiro, tendo recolhido a respectiva lenha, cfr. declarações dos Recorrentes, da 2ª Recorrida, e das testemunhas LL e HH.

XCVIII. Além do que resulta da prova documental, e das declarações dos Recorrentes e da testemunha LL, do declarado pela 4ª Recorrida e pela testemunha KK, decorre evidente que os 1º e 2ª Recorridos bem sabiam que a passagem que estavam a utilizar pertence aos Recorrentes e não aos 3º e 4ª Recorridos.

XCIX. É insuficiente e contraditório que, tendo o Tribunal a quo procedido a inspecção ao local, levado a cabo medições, dê como provado tão só  “utilizando escassos metros do prédio inscrito sob o art. 3885.”, cfr. facto dado como provado sob o nº 34) in fine, e, já no dispositivo, feito constar uma faixa de 7 metros.

C. O dispositivo não tem correspondência com a matéria de facto dada como provada.

CI. E não poderiam os 3º e 4ª Recorridos sentir incómodos, aborrecimentos, tristeza e revolta pela colocação de pedras num local que nem sequer utilizam e do qual não querem saber.

CII. Também não ficou demonstrado que os 1º e 2ª Recorridos não acedem ao seu terreno, pelo contrário, cfr. declarações dos 2ª, 3º e 4ª Recorridos, bem como da testemunha HH.

CIII. A oposição dos Recorrentes baseia-se na firme convicção que actuam no exercício de um direito, por verem o seu terreno onerado com uma passagem para a qual não contribuíram e que foi provocada pelos 3º e 4ª Recorridos.

CIV. Assim, seja em relação aos 1º e 2ª Recorridos, seja em relação aos 3º e 4º Recorridos, falecem os requisitos da responsabilidade civil.

CV. Já os Recorrentes conseguiram demonstrar praticamente todos os factos que alegaram.

CVI. Assim, tudo devidamente conjugado, e ao abrigo das regras da experiência comum e da lógica, impõe-se que os factos dados como provados sob os nºs 6) a 20), 21) quanto às expressões “em resposta” e “onde antes existiam os marcos”, 22), 23), 25) a 36), este a partir de “causando os terceiros e quatro réus incómodos, aborrecimentos, estados de tristeza e de revolta.”, 37) e 38), sejam eliminados da factualidade dada como provada e passem para a factualidade não provada, e, por seu turno, que sejam dados como provados os factos patentes nas alíneas a) a i) da factualidade dada como não provada, passando, consequentemente, assim a integrar a matéria de facto provada, com o aditamento dos demais factos relevantes, provados e não considerados na decisão da matéria de facto patente na sentença recorrida, ainda com a alteração da redacção dos factos dados como provado sob o nº 1) e 2), fixando-se,  em consequência, a matéria de facto nos seguintes termos:

I – FACTOS PROVADOS

1) Encontra-se registado a favor do primeiro autor, sob o n.º ...22 da freguesia ..., inscrito na matriz predial rústica sob o art.º 3885, um prédio descrito como rústico, sito em ..., com a área de 504,2162 m2, composto por terreno de pinhal e mato, confrontando a norte com PP, a sul com CC e outro, a nascente com QQ e a poente com o viso, sendo causa de aquisição doação registada pela Ap. 1395, de 2015/02/05, tendo como sujeitos passivos a segunda autora e RR.

2) Encontra-se inscrito na matriz predial rústica, sob o art.º 3887 da freguesia ..., concelho ..., um prédio rústico sito em ..., com a área de 795,3334 m2, confrontando a norte com CC, a sul com ... e herdeiros, a nascente com SS, a poente com PP, dali constando como “usufrutuária” a segunda autora e como titular da nua propriedade o primeiro autor.

3) Encontra-se registado a favor dos dois primeiros réus, sob o n.º ...16 da freguesia ..., inscrito na matriz predial rústica sob o art.º 3886, um prédio descrito como rústico, com a área

declarada de 550m2, composto por pastagem e cultura com oliveiras, confrontando a norte e poente com TT, a sul com SS, e a nascente com QQ, sendo causa de aquisição partilha judicial registada pela Ap. ...46 de 2016/05/16, tendo como sujeitos passivos CC e UU.

4) Encontra-se registado a favor dos terceiro e quarto réus, sob o n.º ...03 da freguesia ..., inscrito na matriz predial rústica sob o art.º 3883, um prédio descrito como rústico, com a área

declarada de 700m2, composto por terra de mato e pinheiros, confrontando a norte e poente com QQ, a sul com caminho, e a nascente com VV, sendo causa de aquisição doação registada pela AP 1 de 1998/07/03, tendo como sujeitos passivos WW e XX.

5) De 1998 a 2015, a Autora era proprietária dos prédios identificados em 1) e 2).

6) Por escritura pública outorgada em 03/02/2015, o autor declarou doar à autora o usufruto dos imóveis descritos em 1) e 2).

7) O terreno dos AA. identificado em 1), era irregular, com declives acentuados.

8) Desde tempos imemoriais, existia um caminho municipal, comumente designado como “caminho da missa”, de passagem a pé, desde o ... até à Rua ..., e dois “caminhos de bois”, na localidade do ..., ... que atravessava os prédios ali existentes, fazendo a ligação com as localidades contíguas, que era usado pelos habitantes da aldeia, para se deslocarem e para acederem aos seus terrenos, sem a oposição de ninguém.

9) Os caminhos identificados em 8) atravessavam parcialmente a propriedade dos 3º e 4ª RR. referida em 4).

10) O acesso aos terrenos em causa nos autos ficou facilitado há mais de 20/30 anos com a abertura de ruas, estradas e caminhos públicos para acesso a veículos automóveis, motorizados, carroças e pessoas.

11) Ainda assim, os caminhos referidos em 8) continuam a ser utilizados e a servir a população, por serem a única forma de acesso local aos terrenos.

12) Em data não anterior a 2006, os 3º e 4ª RR. construíram um muro, e plantaram videiras, que concluíram em 2009/2010, que vedou os caminhos identificados em 8), impedindo o acesso, entre outros, dos AA. e dos 1º e 2ª RR. aos seus prédios rústicos, referidos em 1), 2) e 3).

13) Os 1º e 2ª RR. só a partir de 2016/2017 passaram a utilizar e aceder ao prédio identificado em 3).

14) Face à impossibilidade de acesso, pela acção dos 3º e 4ª RR., referida em 10), no mês de Junho de 2017, os 1º e 2ª RR. deslocaram-se a casa dos AA., em ..., a fim de pediram autorização à A., YY, para começarem a passar, através do terreno desta identificado em 1), para acederem ao seu prédio rústico referido em 3).

15) Os AA. acederam, por mero acto de tolerância, à passagem, exclusivamente a pé, dos 1º e 2ª RR. numa parcela do seu terreno, identificado em 1), para acederem ao prédio identificado em 3).

16) A tolerância dos AA. foi dada temporariamente, até que os 1º e 2ª RR. resolvessem a impossibilidade de acesso provocada pelos 3º e 4ª RR.

17) Os 1º e 2ª RR. ofereceram-se para limpar o terreno dos AA. identificado em 2), ao que os AA. acederam, encarando como acto de agradecimento pela passagem temporária concedida.

18) Cerca de uma semana depois, ainda no mês de Junho de 2017, os 1º e 2ª RR. pediram aos AA. para passarem no seu prédio identificado em 1) com tractor.

19) Os AA. recusaram o pedido dos 1º e 2ª RR.

20) Ainda em 2017, os 1º e 2ª RR. manifestaram interesse em adquirir o prédio dos AA. identificado em 1)

21) Apesar da recusa dos AA., os 1º e 2ª RR. começaram a aceder com tractor ao seu terreno identificado em 3) pelo terreno dos AA., referido em 1).

22)Para impedir a passagem dos 1º e 2º RR. no seu terreno, identificado em 1), em 2019, os AA. colocaram pilaretes com vigotas de betão, na entrada do seu referido prédio, junto à Rua ....

23)Nessa ocasião, os 1º, 2ª e 4ª RR. foram ao encontro dos AA. e ameaçaram destruir os pilretes e afirmaram que iriam continuar a passar, mais alegando a 4ª R. que o caminho era seu.

24)Posteriormente, em data não concretamente apurada, foram colocadas, pelos 3º e 4ª RR., vigas em cimento ao longo do prédio referido em 1).

25) A A. arrancou as vigas referidas em 24) e colocou pedras no caminho, para impedir a passagem do trator no seu terreno, identificado em 1).

26)O 3º R. enterrou duas vergas de ferro, acompanhadas de estacas onde antes havia colocado as vigas.

27)Os 1º e 2ª RR. retiraram as pedras e passam pelo terreno dos AA. identificado em 1).

28)Posteriormente a A. deslocou à sua propriedade, identificada em 1), e retirou as estacas, não tendo conseguido retirar as vergas de ferro, por estarem enterradas a grande profundidade.

29)Os RR. terraplanaram o terreno dos AA. identificado em 1), em data e forma não concretamente apurada, criando uma passagem sobre um talude de 3 m de profundidade que atravessava toda a largura do prédio identificado em 1).

30)Desde meados de 2019, os AA. têm vindo a colocar pedras na parcela do seu terreno identificado em 1), na convicção que exercem um direito próprio, legítimo, na certeza que serem nu proprietário e usufrutuária do referido prédio.

31)Em 2019, o 1º R. aplicou herbicida no terreno dos AA. referido em 1).

32)Na mesma ocasião, os 1º e 2ª RR., no prédio dos AA. identificado em 1), cortaram um castanheiro, sobreiros, oliveiras, erdiveiros e cerejeiras, e queimaram ainda um ervideiro, tendo recolhido a respectiva lenha.

33)O terreno dos AA., identificado em 1) nunca esteve onerado com uma servidão de passagem.

34)O prédio dos AA., identificado em 1) é atravessado, junto à confrontação nascente, com QQ, numa extensão de 14 m2, numa faixa de 7 metros de comprimento e 2 metros de largura, pelo caminho municipal, o “caminho da missa”, referido em 8).

35)Os AA. não se opõem, nem nunca se opuseram à passagem dos 1º e 2ª RR. no caminho municipal, “caminho da missa”, na parte que atravessa o prédio identificado em 1).

36)Os 1º e 2ª RR. continuam a aceder ao seu terreno, identificado em 3), pelo prédio dos AA. identificado em 1), através de uma área total de 132 m2, ao longo de uma faixa de 60 m de comprimento e de 2,20 m de largura, desde a Rua ... até à confrontação sul do prédio identificado em 1) e confrontação norte do prédio identificado em 3), sem autorização, contra a vontade e perante oposição expressa dos AA.

37) Por conta da atuação dos 1º e 2º RR., referida em 31) e 32), o terreno dos AA. ficou queimado e impróprio para cultivo.

38) Os AA. deslocavam-se aos terrenos para fazer a colheita, colhendo anualmente os frutos das suas árvores, nomeadamente dos castanheiros.

39) Os AA. procedem à limpeza, cultivo e manutenção dos seus terrenos.

40) Em virtude da conduta dos RR., os AA. têm-se deslocado mais frequentemente aos seus terrenos.

41) Em virtude da conduta dos RR., os AA. perderam o gosto e entusiasmo em deslocarem-se às suas propriedades no ..., e sentem-se nervosos, desiludidos, deprimidos e revoltados.

42) Os terrenos dos AA., identificados em 1) e 2) estavam demarcados com marcos, que foram retirados.

II – FACTOS NÃO PROVADOS

a) A habitação dos terceiro e quarto réus encontra-se situada em quatro prédios rústicos distintos, nomeadamente nos prédios inscritos na matriz sob os art.º 3882, 3883, 11416, e ainda sobre o prédio rústico, sito em ..., limites do ..., omisso na matriz e anteriormente propriedade de PP, também conhecida como VV.

b) Os terceiro e quarto réus, por negócio verbal, declararam adquirir a GG e ZZ, respetivamente filho e nora de VV, já após o falecimento desta, o prédio rústico sito em freguesia ... e concelho ..., omisso na matriz, com a área de 450 m2, a confrontar a norte com WW (atualmente com o terceiro e quarto réus), nascente QQ, sul TT (atualmente autores), e poente com viso (agora Rua ...).

c) Parte desse prédio foi ocupado com a casa que os réus construíram, outra com o muro que edificaram, e uma parte restante desse prédio situa-se para sul desse muro.

d) O muro e a casa foram construídos no início de 1999.

e) Deste modo, pelo menos desde 27/05/1998, que os terceiro e quarto réus utilizam tal prédio, limpando-o, construindo em parte do mesmo a sua casa e muro, exercendo tais atos à vista de toda a gente, sem a oposição de ninguém, nomeadamente dos herdeiros de VV, de forma continuada, e conscientes de que exercem um direito próprio e não lesam terceiros.

f) Para sul do muro dos terceiro e quarto réus, ao longo deste, existe uma faixa de terreno que se encontrava, há mais de 20, 30 e mais anos, demarcada com três marcos a sul.

g) Estes marcos demarcavam o prédio referido em 7), atualmente integrado no prédio urbano inscrito na matriz sob o art.º ...39 da freguesia ... e concelho ..., e descrito sob o nº. ...53 da Conservatória do Registo Predial ..., e o prédio rústico dos autores, inscrito sob o art.º 3885.

h) A faixa de terreno, na parte que confronta com a Rua ..., tem 2,20 metros de largura, medidos do muro dos terceiro e quarto réus. 14) Mantendo tal largura, numa extensão de cerca de 31,20 metros no sentido poente/nascente.

i) Assim, da Rua ... no sentido poente/nascente, distando cerca de 7,50 metros da Rua ... e 2,20 metros do muro dos terceiro e quarto réus, existiu um marco até meados de 2019, que delimitava tais prédios entre si.

j) De tal marco, seguindo no sentido poente/nascente, numa distância de cerca de 23,70 metros, localizava-se outro marco igualmente a 2,20 metros do muro dos terceiro e quartos réus, que delimitava igualmente os prédios entre si e existiu até meados de 2019.

k) Desse marco, a linha de estrema desses prédios, seguindo do poente para nascente, infletia para a esquerda, até um marco de laje, que se encontrava a 0,30 metros de distância do muro dos terceiro e quarto réus.

l) Projetando-se posteriormente, tal linha de estrema entre esses dois prédios, para nascente, em linha reta, sempre a 0,30 metros do muro dos terceiro e quarto réus.

m) Tal sucede porque estes réus não construíram o muro à estrema do seu prédio, deixando sempre cerca de 0,30 metros de distância do prédio que nessa parte confronta a sul.

n) Os autores arrancaram os marcos, alegando que a parcela de terreno sita entre tais marcos e o muro dos réus lhes pertencia.

o) Em resposta, o réu EE enterrou duas verguinhas de ferro onde antes existiam os marcos.

p) Em tempos idos, existia um denominado “caminho de missa” que atravessava parte dos prédios agora pertencentes aos terceiro e quarto réus, passagem esta que resultava da tolerância dos proprietários e do fomento de relações de boa vizinhança.

q) O referido caminho não é utilizado há mais de 20 e 30 anos.

r) Desde 27/05/1998, e seguramente, desde inícios de 1999, quando os terceiro e quarto réus começaram a construção da casa, mudaram os caminhos para a parte sul da faixa de terreno ao longo do muro, por questões de boa vizinhança.

s) O novo caminho, para acesso aos prédios registados a favor dos primeiros dois réus, possuía melhor acessibilidade, sendo mais largo, mais curto, e com acesso direto a partir da Rua ..., que é constituída por estrada alcatroada.

t) A alteração não mereceu oposição de ninguém, nomeadamente dos anteriores proprietários do prédio agora pertencente aos autores, bem como dos primeiros dois réus, que desde então tiveram conhecimento

da mesma.

u) Após a construção do muro e alteração dos caminhos, o irmão da autora chegou a contactar os terceiro e quarto réus para propor a venda dos imóveis que agora pertencem aos autores, não se tendo os réus mostrado interessados.

v) Assim, há mais de 20, 30 anos, e seguramente desde os inícios de 1999, ninguém utilizava qualquer caminho para acesso ao terreno inscrito na matriz sob o art.º 3886, que não fosse o caminho aberto pelos rr.

w) Em 2016, os primeiros réus deslocaram-se à casa dos autores em ..., a fim de os informar de que eram proprietários de prédios que confrontavam com os deles, de solicitar que os autores procedessem à limpeza de silvas e matos existentes no seu prédio, e para questionar se se opunham à passagem a pé e de trator, por escassos metros do prédio dos autores, para acesso ao seu prédio.

x) A passagem já era efetuada em tais moldes pelo menos desde o início de 1999.

y) Os autores acederam a tal pedido, pedindo como contrapartida que os primeiros réus limpassem os prédios dos autores na medida em que estes se encontravam abandonados, com mato e silvas de vários metros de altura.

z) Os referidos réus aceitaram o acordo, e continuaram a passar de pé e de trator, na confrontação norte do prédio inscrito sob o art.º 3885 da freguesia ..., após passarem pelo caminho existente junto ao muro dos terceiros e quarto réus, em escassos metros de extensão (cerca de 7 metros de comprimento, numa largura de 2,20 metros), tudo decorrendo até recentemente sem oposição dos autores.

aa) Assim, desde inícios de 1999, o acesso para o prédio inscrito sob o art.º 3886, passou a ser feito pela faixa de terreno propriedade dos terceiro e quarto réus, e quando a mesma se torna mais estreita, ou seja, após percorrer cerca 50 metros dessa faixa de terreno, utilizando escassos metros do prédio inscrito sob o artigo 3885.º.

bb) Tal utilização é feita há mais de 10 e 20 anos, à vista de toda a gente, sem a oposição de ninguém, na convicção dos réus de que exercem um direito próprio, sem qualquer interrupção.

cc) Os autores têm vindo a colocar pedras na parcela de terreno em causa, desde meados de 2019, causando aos terceiro e quarto réus incómodos, aborrecimentos, estados de tristeza e de revolta.

dd) A atuação dos autores impede os primeiros réus de aceder ao terreno inscrito sob o art.º 3886, deixando os réus tristes e desanimados.

ee) O prédio inscrito sob o art.º 3886, não tem qualquer acesso para a via pública, a não ser pelo caminho aberto pelos 3º e 4ª RR., integrado na parcela de terreno em causa.

CVII. A prova dos factos patentes de 1) a 5), nos termos da alteração supra requerida, resulta dos documentos juntos com a p.i. sob os nºs 1 a 9 juntos.

CVIII. Já quanto aos factos constantes de 6) a 42), nos termos supra requeridos, a sua prova resulta dos documentos juntos com a p.i. sob os nºs 10 a 32, documento junto com a contestação sob o nº 5, devidamente conjugado com as declarações de parte prestadas pelos Recorrentes, pelos 2ª, 3º e 4ª Recorridos, pelas testemunhas LL, HH, II, JJ, KK, NN, OO e GG e da inspecção ao local, nos termos supra explanados, mediante a análise crítica das respectivas declarações, à luz das regras da experiência comum e da lógica.

CIX. A razão de ser da factualidade cuja decisão como não provada aqui se peticiona decorre da ausência de prova suficiente, bastante e segura, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, mediante a análise crítica de toda a prova.

CX. Alterando-se a decisão sobre a matéria de facto, como requerido, e como se impõe, a solução jurídica é, necessariamente outra.

CXI. Padece assim a sentença recorrida, além da nulidade invocada, de incorrecta interpretação e aplicação do disposto nos arts. 6º, 32º e seguintes, 195º, 411º, 412º, 414º, 498º, 530º, nº 4, 570º, 590º e 607º, todos do CPC, dos arts. 342º, 393º, 483º e seguintes, 875º, 1277º, 1284º, 1305º, 1308º, 1309º, 1311º, 1314º, 1439º, 1440º, 1445º, 1446º, 1449º, 1543º, 1547º, 1548º, 1551º e 1552º, todos do Código Civil, art. 106º do CIMI, arts. 7º, e 110º, nº 2, ambos do Código de Registo Predial, e art. 20º da Lei Fundamental.

CXII. Assim, impõe-se a revogação da sentença recorrida, substituindo-se por douta decisão que julgue a acção procedente, por provada, e, por seu turno, julgue os pedidos reconvencionais improcedentes, por não provados, tudo com as legais consequências, sem prejuízo das nulidades invocadas e das questões de conhecimento oficioso, o que se requer.

TERMOS EM QUE E SEMPRE,

Invocando-se o DOUTO SUPRIMENTO DESSE VENERANDO TRIBUNAL, concedendo-se provimento ao presente recurso, deve a sentença recorrida ser revogada, alterando-se a decisão sobre a matéria de facto, nos termos supra requeridos, substituindo-se por douta decisão que, julgue a acção procedente, por provada, e os pedidos reconvencionais improcedentes, por não provados, sem prejuízo das nulidades invocadas e das questões de conhecimento oficioso, tudo com as legais consequências.

PORÉM VOSSAS EXCELÊNCIAS DECIDIRÃO COMO FOR DE JUSTIÇA.»                                                         

                                                                       *

            Os RR. apresentaram contra-alegações[4], das quais extraíram as seguintes conclusões:

«1. A sentença recorrida, pode não ser do agrado dos recorridos, porém a mesma resulta de uma correcta apreciação da prova efectivamente produzida em audiência de julgamento, bem como, uma correcta aplicação do direito.

Senão vejamos,

2. Os AA., apresentam como fundamentos do seu douto recurso:

a) Nulidade do julgamento;

b) Nulidade da sentença;

c) Incorrecta interpretação e aplicação do disposto nos arts. 6º, 32º e seguintes, 195º, 411º, 412º, 414º, 498º, 530º, nº 4, 570º, 590º e 607º, todos do CPC, dos arts. 342º, 393º, 483º e seguintes, 875º, 1277º, 1284º, 1305º, 1308º, 1309º, 1311º, 1314º, 1439º, 1440º, 1445º, 1446º, 1449º, 1543º, 1547º, 1548º, 1551º e 1552º, todos do Código Civil, art. 106º do CIMI, arts. 7º, e 110º, nº 2, ambos do Código de Registo Predial, e art. 20º da Lei Fundamental.

3. A par disso, alegam ainda a ausência de pagamento da taxa de justiça pelos recorridos, e pedem que seja inexistente e não escrita a contestação em nome dos 3º e 4º RR. E ainda juntam aos autos 1 documento!...

4. Os AA. intentaram contra todos os RR., uma ação, suportada na mesma causa de pedir e com um mesmo pedido.

5. Daí, os RR. terem deduzido uma única contestação, e deduzido respectivos pedidos reconvencionais, tendo liquidado a taxa de justiça de acordo com o valor da acção e dos pedidos reconvencionais.

6. Tendo, o Tribunal a quo dado como bom tal pagamento, e aceite as contestações e pedidos reconvencionais, por despacho transitado em julgado. (04/11/2020, Ref. Citius, 32625427)

7. Sendo que, os AA. em sede de réplica não suscitaram tal questão, sem apresentaram reclamação, ou recorreram do despacho saneador que admitiu as contestações e reconvenções.

8. Assim, a ter existido qualquer nulidade ou irregularidade, que não houve, há muito que a mesma se encontra sanada.

9. Por outro lado, a consequência da falta de pagamento da taxa de justiça em questão, nunca teria como consequência a inexistência da contestação, mas sim a aplicação do disposto no art. 570º do Cód. Proc. Civil.

10. Em todo o caso, não assiste qualquer razão aos AA., pois, a terem razão, que não a têm, deveriam ter suscitado tal questão em sede de réplica, ou maxime em sede de despacho saneador, e não o fizeram. Não o podendo fazer agora. Tanto mais que foi proferido despacho há muito transitado em julgado a admitir os articulados de contestação e reconvenções.

11. Os AA., sob a dominação de um documento, vêm juntar aos autos 4 documentos!...

12. Os AA. ignorando as normas processuais, e o despacho anterior, vêm agora juntar 4 documentos, sob a designação de 1 documento.

13. Ora, tal junção é manifestamente intempestiva e como tal ilegal, nos termos do art. 425º do Cód. Proc. Civil.

14. Ora, não alegam os AA. razões para que tais documentos não fossem juntos em momento anterior. E nem podiam! Pois, tais documentos referentes a alegadas fotografias aéreas de 2006, 2010, 2018, 2021, como é obvio, podiam ter sido juntas quer aquando da apresentação da P.I., quer no limite, até 20 dias antes do inicio da audiência de julgamento, que teve lugar a 12/01/2022.

15. Assim, não devem ser admitidos os documentos juntos, devendo os mesmos serem desentranhados dos autos e os AA. condenados de forma exemplar, no incidente a que deram azo, pois, já não é o primeiro.

16. Por mera cautela, impugnam-se, quanto ao seu teor, letra, assinatura, reprodução mecânica, genuidade, autenticidade, bem como à sua eficácia e como meio idóneo para prova dos factos referidos ou alegados pelos AA., desde logo, porque, tais documentos, não constituem, nem fazem prova do que estes alegam.

17. Reclamam os AA. a nulidade do julgamento, para tanto, os AA., que estiveram presentes em todas as audiências de julgamento, e sempre com mandatários constituídos, que igualmente estiveram presentes, colocam em causa, em sede de recurso, a forma como foi conduzida a audiência de julgamento.

18. Levantando suspeições e tecendo afirmações de que as testemunhas inquiridas teriam ouvido previamente as declarações prestadas! Tais afirmações são completamente falsas e infundadas.

19. A ter ocorrido, deviam os AA., nas sessões de julgamento, terem suscitado tal questão, o que não se verificou.

20. Assim, os AA., ao longo deste processo, não tiveram só um I. Mandatário, mas sim, 6 (seis) I. Mandatários.

21. Ora, nenhum dos 5 anteriores I, Advogados dos AA., que estiveram presentes nas audiências de julgamento (conforme a data do mandato forense conferido), e cuja presença se pode confirmar nas respectivas actas de audiência de julgamento, alegaram e/ou requereram o que quer que fosse quanto ao facto das testemunhas terem ouvido os depoimentos, pela proximidade em que estavam.

22. Tal questão, é só suscitada em sede de recurso, pela actual I. Mandatária dos AA, que não esteve presente em qualquer sessão de julgamento.

23. Salvo e devido respeito, os AA. confundem o inconfundível!

24. Se existiu julgamento em que a oralidade e imediação, foram completamente realizados e compridos, foram nos presentes autos.

25. O Meritíssimo Senhor Juiz, as partes (sempre que prestaram declarações), os seus advogados e as testemunhas (sempre que prestaram declarações), percorreram várias vezes os prédios em litígio, indicando as extremas, indicando os marcos.

26. Sendo, como é obvio, tais declarações mais precisas, do que apontar para fotografias os tecer meras opiniões!

27. Estiveram no local, e como resulta da prova gravada, indicaram o que era marco e o que não era, indicaram as extremas e fundamentaram cabalmente as suas respostas.

28. Mais, os diversos I. Mandatários dos AA., ao longo das sessões de julgamento, nunca tiveram ou manifestaram qualquer objecção, como se pode apurar das actas, da forma como as inquirições estavam a ser realizadas e a prova a ser produzida e/ou gravada.

29. Pelo que, carece de qualquer fundamento o alegado pelos AA., de virem agora dizer que não se entende as declarações das testemunhas, quando na produção da prova o entenderam.

30. Por fim, como é obvio o sistema de gravação da prova, tem limitações, quanto à filmagem da mesma. Mas é o sistema que existe e o que foi utilizado.

31. Sendo que, a gravação da prova, visa em último termo sindicar a actividade do Tribunal a quo, na apreciação da prova produzida, e não uma total reapreciação da prova efectivamente produzida.

32. Aliás, há outros elementos probatórios, tidos pelo Tribunal a quo, na apreciação que faz da prova produzida, que vai muito para lá de meras transcrições, nomeadamente, olhares, reações faciais, reações e estado corporal, silêncios, entoação da voz!

33. Sendo que, a fundamentação da matéria de facto constante da sentença, não merece qualquer censura.

34. Os AA colocam em causa, o facto da testemunha GG, ter sido inquirida, a 11/06/2024.

35. Como os AA. bem sabem porque estavam presentes, tal testemunha foi inquirida, porque na sessão de julgamento de 20/04/2023, apurando-se que GG, era a pessoa referida nos arts. 22. a 24. da Contestação, e a que se refere o doc. 4 junto à contestação, decidiram as partes e o Tribunal ouvir a mesma.

36. Daí, o mesmo ter sido notificado, para comparecer a julgamento, sendo que, os AA. estiveram presentes e acompanhados de I. Advogado na audiência de julgamento de 11-06-2024, às 10:00 horas, e não se opuseram a tal inquirição.

37. Assim, o que se verifica é que a acta da audiência de julgamento de 20/04/2023, padece de omissão nesse ponto. Porém, tal omissão está há muito sanada, assim, como a inquirição de tal testemunha a 11/06/2024, a padecer de qualquer irregularidade, a mesma está, igualmente, há muito sanada.

38. Quanto à impugnação da matéria de facto, carece de qualquer razão os AA.

39. Assim, lendo a fundamentação de facto da douta sentença recorrida e as doutas alegações e conclusões de recurso dos AA., não se apercebe quaisquer erros de julgamento da matéria de facto.

40. Acresce, ainda, que é consensual que o Tribunal da Relação deve reapreciar o julgamento da matéria de facto formando a sua própria convicção sobre a matéria de facto impugnada, mas sem pôr em crise a livre apreciação da prova e a oralidade, que permitiram a formação da convicção do julgador da primeira instância.

41. Só quando os elementos dos autos conduzam inequivocamente a uma resposta diversa da dada em 1ª instância é que deve o tribunal superior alterar as respostas que ali foram dadas, situação em que se estaria perante erro de julgamento [cfr., neste sentido, acs. da Rel. de Coimbra de 20.11.2014 e 22.9.2016, respectivamente, nos procs. nºs 265/13.8TTVIS.C1 e 310/14.0TTGRD.C1 e ac. da Rel. de Guimarães, de 14.6.2017 (relator o Senhor Juiz Desembargador Eduardo Azevedo)].

42. Ou, como referido no ac. do STJ de 2.11.2016 (relator o Senhor Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes), “… seguro é que, sem embargo da ponderação das circunstâncias em que a Relação desempenha a sua função, deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância, de maneira que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, se encontrar motivo para tal, deve introduzir na decisão da matéria de facto provada ou não provada as modificações que se justificarem. O art.º 662º do NCPC procurou tornar ainda mais claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis. Todavia, essas circunstâncias deverão seguramente ser ponderadas na ocasião em que a Relação procede à reapreciação dos meios de prova, evitando, porventura, a introdução de alterações quando não lhe seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados.”

43. Ou, ainda, na linha de pensamento do ac. da Rel. de Évora de 7.12.2016 (relator o Senhor Juiz Desembargador Batista Coelho) «não assistindo ao tribunal de recurso os princípios da oralidade e da imediação, a impugnação da decisão de facto, motivada em erro de julgamento, só deverá ser julgada procedente se a avaliação conjunta da prova produzida, designadamente testemunhal, evidenciar de forma clara que o juiz acolheu uma versão dos factos que não encontra qualquer apoio naqueles meios probatórios».

44. E, por fim, o ac. da Rel. de Coimbra, de 25.3.2022, no proc. nº 3407/20.3T8VIS.C1 (relator o Senhor Juiz Desembargador Joaquim José Felizardo Paiva), onde se afirma “… a reapreciação da matéria de facto por parte do Tribunal da Relação, na base de uma reapreciação de meios de prova sem força probatória vinculativa, deve ser levada a efeito com especiais cautelas tendo em conta os princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova, sendo de relevar que aquela imediação assiste este se produzem e só por ele são apreensíveis um conjunto de circunstâncias que relevam para efeitos de se aferir da credibilidade de depoimentos orais (v.g., reacções do próprio depoente ou de outros, hesitações, pausas, gestos, expressões, gestos corporais, trocas de olhares, ruboridades …), circunstâncias essas que são insusceptíveis de captação pela simples gravação áudio dos depoimentos.

… Justamente por causa do que vem de referir-se, cabe principalmente ao juiz da primeira instância o poder de avaliar a credibilidade dos depoimentos produzidos na sua presença, sujeitando-os continuadamente a uma apreciação racional e crítica à face das regras comuns da lógica e da razão, bem como das máximas de experiência e dos conhecimentos científicos, sem perder de vista as razões de ciência reveladas, as certezas e lacunas evidenciadas, as contradições, as hesitações, as inflexões de voz, a serenidade, a objectividade, o grau de convicção e capacidade de sustentação, o distanciamento de interesses em relação ao objecto do litígio, a coerência de raciocínio e de atitude, a seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, as coincidências e inverosimilhanças registadas.”

45. Ora, lendo e relendo as doutas alegações de recurso e suas conclusões, constata-se que as mesmas se alicerçam não na prova efectivamente produzida no seu todo, mas sim e tão só, em partes descontextualizadas da prova testemunha produzida.

46. Não tendo o recurso interposto em conta, toda a demais prova produzida. Quer todas as declarações da prova testemunha efectivamente produzida, quer as declarações das partes, quer a prova documental junta aos autos, quer a inspecção ao local.

47. Em último termo, o recurso interposto, suporta-se numa mera opinião de como, essa parte da prova deveria ter sido apreciada, ignorando-se, já se vê, toda a demais prova produzida.

48. Pelo que, não deverá ser dado provimento ao recurso interposto pelos AA.

49. O Tribunal a quo, fundamentou de forma adequada a matéria de facto dada como provada e não provada, sendo completamente entendível o seu raciocino logico-dedutivo, que deu origem à sentença recorrida.

50. Veja-se, que a única prova produzida pelos AA., suportou-se nas suas declarações, imprecisas e contraditórias.

51. E numa única testemunha, irmã da A. LL.

52. Podendo-se ler a tal propósito, no acórdão recorrido:

A versão patente nas declarações de parte dos autores apenas obteve conhecimento da irmã da autora LL, e existiram nestes depoimentos e declarações diversas contradições ao nível do conhecimento dos terrenos e dos seus conteúdos – a própria autora não soube descrever por exemplo e com precisão que árvores e culturas é que possuía, ou onde se situavam os marcos, e revelou parco conhecimento dos seus próprios terrenos.

A sua irmã revelou também um depoimento parcial e confuso, alterando a sua versão à medida que ia sendo confrontada com outros elementos e documentos, e mostrando em última análise que pouco conhecia dos terrenos, dos caminhos, dos seus proprietários e até da forma como os terrenos chegaram à propriedade dos autores por via da partilha do património hereditário dos seus pais – chegando-se a desmentir a si própria e a contradizer a sua instância perante o mandatário dos autores e o mandatário dos réus.”

53. Assiste no entanto razão aos AA. ao alegarem que o Facto Provado em 1), padece de lapso de escrita. Assim, onde se lê Ap. 1395/02/05, deve-se passar a ler “Ap. 1395, de 2015/02/05”.

54. Em tudo o demais não assiste qualquer aos AA., confundindo os AA., o que não é confundível.

55. Assim, tentam extrair da presunção do registo predial e do BUPI efeitos e consequências que não têm.

56. Assim, os documentos em causa e que foram impugnados, não se tratam de certidões matriciais, mas sim de meras “Fotocópias com valor de informação”, como se pode ler no carimbo aposto no canto superior direito.

57. Depois, quando à “representação Gráfica Georreferenciada”, do BUPI, pode-se ler o seguinte:

AA na qualidade de promotor, declara serem da sua inteira responsabilidade os dados relativos à delimitação do polígono constante da RGG do processo 142029”

“AA na qualidade de promotor, declara serem da sua inteira responsabilidade os dados relativos à delimitação do polígono constante da RGG do processo 142024

58. Ora, AA, é nada mais nada menos que o A.!... Assim, foi o próprio A., que declarou o polígono dos seus prédios, e assumiu a responsabilidade pessoal, por tal delimitação!

59. Sendo que, os AA., com a prova que produziram, não lograram fazer prova de tal delimitação, como resulta fundamentadamente da sentença.

60. Em todo o caso é há muito jurisprudência pacifica, que a presunção resultante da inscrição do direito de propriedade no registo predial não abrange a área, limites ou confrontações dos prédios descritos. Ac STJ de 07/03/2023, Proc. 1628/18.8T8VCT.G1.S1, in www.dgsi.com

61. Pelo que, não é pelo facto de os prédios dos AA. se encontrarem registados, e daí se presumir a titularidade do direito de propriedade por parte dos AA., que daí resulta qualquer presunção quanto à áreas, limites e confrontações.

62. Finalmente, pretendem os AA. colocar em crise a sentença recorrida, transcrevendo parte das declarações quer das partes, quer das testemunhas.

63. Omitindo, nessas transcrições, as partes que suportaram à improcedência da acção e à procedência dos pedidos reconvencionais.

64. Ora, pretendendo os AA. recorrer à prova gravada, para infirmar a sentença recorrida, deviam igualmente ter transcrito a parte que suportou a decisão recorrida.

65. Pois, transcrevendo só uma parte das declarações, completamente descontextualizada, tal não é bastante, para colocar em crise, a parte que convenientemente não transcrevem!...

66. E tecendo meras considerações e opiniões sobre os depoimentos das testemunhas, sem qualquer suporte fáctico, ou qualquer prova produzida em contrário!

67. Ora, a prova foi apreciada pelo Tribunal a quo, no seu todo! E de acordo com a prova efectivamente produzida!

68. Como resulta da apreciação critica e devidamente fundamentada, da fundamentação da matéria de facto da sentença.

69. Ao transcrever no recurso pequenos enxertos, descontextualizados de toda a demais prova, entende-se que não foi dado cumprimento ao disposto no art. 640º nº 2 a) do Cód. Proc. Civil. Pois, com tal omissão, não se entende onde existe erro de julgamento.

70. Assim, infirmam os fundamentos do recurso, para além, da prova documental junta aos autos, a inspeção ao local, a seguinte prova produzida, considerada no seu todo:

- Declarações de parte da R. DD, que se encontram gravadas no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais com início pelas 11:48 e o seu termo pelas 12:52 horas,

- Declarações de parte do R. EE, que se encontram gravadas no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais com início pelas 15:06 e o seu termo pelas 16:00 horas, do dia 12-01-2022.

- Declarações de parte da R. FF, que se encontram gravadas no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais com início pelas 10:29 e o seu termo pelas 11:25 horas, do dia 20/04/2023.

. Declarações de parte do A. AA, que se encontram gravadas no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, com inicio às s 11.29 horas, reinicio 14.19 horas e seu termo pelas 15.23 horas, do dia 20/04/2023.

- Acareação entre o Autor AA e os Réus DD, EE e FF nos termos da gravação do sistema informático de

suporte à atividade dos tribunais com o seu início pelas 15h23m e termo às 15h38m, do dia 20/04/2023.

- Declarações de parte da A. BB, que se encontra gravada no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais com o seu início pelas 10:05 e o seu termo pelas 10:30 horas, do dia 11/06/2024.

- Declarações da testemunha LL, que se encontra gravada no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, com início pelas 10:30 e o seu termo pelas 11:00 horas, do dia 11/06/2024.

- Declarações da testemunha HH, que se encontra gravada no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, com início pelas 11:00 e o seu termo pelas 11:25 horas, do dia 11/06/2024.

- Declarações da testemunha II, que se encontra gravada no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, com início pelas 11:25 e o seu termo pelas 12:00 horas, do dia 11/06/2024.

- Declarações da testemunha JJ, gravadas no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais com início pelas 12:02 e o seu termo pelas 12:30 horas, do dia 11/06/2024.

- Declarações da testemunha KK, gravadas no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais com início pelas 12:30 e o seu termo pelas 13:10 horas, do dia 11/06/2024.

- Declarações da testemunha OO, gravadas no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais com início pelas 13:12 e o seu termo pelas 13:22 horas, do dia 11/06/2024.

- Declarações da testemunha GG, gravadas no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais com início pelas 13:22 e o seu termo pelas 13:37 horas, do dia 11/06/2024.

71. Ora, foi tendo em conta as declarações prestadas pelas partes e pelas testemunhas no seu todo (e não nas partes selecionadas pelos AA. no seu recurso), bem como atendendo à inspeção ao local e documentos juntos aos autos, que se formou a convicção do Tribunal a quo.

72. Tal como consta de forma fundamentada na sentença recorrida.

73. Todo o recurso é uma mera opinião de como o Tribunal a quo deveria ter apreciado isoladamente a prova produzida em detrimento da demais! Tecendo considerações e conjeturas sobre factos que não foram sequer alegados e como tal não incidiu qualquer prova.

74. Só que a prova é um todo e tem de ser apreciada no seu todo e de acordo não com opiniões e fabulações dos AA., mas sim de acordo com a prova efectivamente produzida.

75. Da leitura da sentença, é inequívoco que o Tribunal a quo apreciou a prova produzida no seu todo, fazendo apreciação critica e fundamentada da mesma.

76. Assim, deve ser julgado improcedente o recurso interposto e manter-se a sentença recorrida.

Termos em que deve ser julgado improcedente o recurso interposto, confirmando-se a sentença recorrida.

Assim, se fazendo

JUSTIÇA!»

                                                                       *

Depois de indeferir a requerida atribuição de efeito suspensivo ao recurso interposto pelos AA., a Exma. Juiz de 1ª instância proferiu despacho a admitir esse recurso, providenciando pela sua subida devidamente instruído.

                                                           *

Em despacho liminar nesta instância de recurso, o ora Relator ordenou aos AA. o aperfeiçoamento das “conclusões” que constavam das alegações apresentadas, ao que os mesmos corresponderam, com a apresentação do articulado já supra referido, aqui dado por reproduzido.

                                                           *

            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4, 636º, nº2 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte:

            - rejeição do recurso dos AA./recorrentes por alegado incumprimento do despacho de aperfeiçoamento das “conclusões” [como questão prévia suscitada nas contra-alegações dos RR./recorridos, relativamente ao recurso dos AA./recorrentes];

- falta de pagamento de uma taxa de justiça pelos RR. [que estão em coligação e não em litisconsórcio], determinante da inexistência do articulado de contestação/reconvenção;  

- nulidade do julgamento [face à forma como decorreram as sessões da audiência final, inclusive quanto ao aspeto da inquirição e valoração de uma testemunha que havia sido dispensada];

- nulidade da sentença [por deficiente especificação dos fundamentos – art. 615º, nº1, al. b) do n.C.P.Civil];

- nulidade decorrente da contradição no dispositivo [«O dispositivo não tem correspondência com a matéria de facto dada como provada» – art. 615º, nº1, al. c), 1ª parte, do n.C.P.Civil];

- impugnação da decisão sobre a matéria de facto, pugnando no sentido de que os factos dados como provados sob os nos 6) a 20), 21) [este último quanto às expressões “em resposta” e “onde antes existiam os marcos”], 22), 23), 25) a 36) [este último a partir de “causando os terceiros e quatro réus incómodos, aborrecimentos, estados de tristeza e de revolta”], 37) e 38), sejam eliminados da factualidade dada como “provada” e passem para a factualidade “não provada”, e, por seu turno, que sejam dados como “provados” os factos patentes nas alíneas a) a i) da factualidade dada como “não provada”, passando, consequentemente, assim a integrar a matéria de facto “provada”, com o aditamento dos demais factos relevantes, provados e não considerados na decisão da matéria de facto patente na sentença recorrida [nos termos que em concreto explicitam], ainda com a alteração da redação dos factos dados como provados sob o nº 1) e 2);

- incorreto julgamento de direito/erro de decisão, porque «alterando-se a decisão sobre a matéria de facto, (…) a solução jurídica é, necessariamente outra» [«impõe-se a revogação da sentença recorrida, substituindo-se por douta decisão que julgue a acção procedente, por provada, e, por seu turno, julgue os pedidos reconvencionais improcedentes, por não provados»].

                                                           *

3 – QUESTÃO PRÉVIA

Cumpre começar pela apreciação da invocada rejeição do recurso dos AA./recorrente por alegado incumprimento do despacho de aperfeiçoamento das “conclusões” [questão suscitada nas contra-alegações dos RR./recorridos, relativamente ao recurso dos AA./recorrentes].

Recorde-se que, foi por se ter considerado que as “conclusões” das alegações do recurso apresentadas pelos AA./recorrente eram «(…) muito complexas, por prolixas, surgindo as verdadeiras “questões” a par com outras que constituem a mera reprodução repetitiva dos mesmos e anteriores argumentos, isto é, sem a desejável preocupação de síntese», que o ora Relator, proferiu despacho-convite aos AA./recorrentes, ao abrigo e sob a advertência do disposto no nº 3 do art. 639º do n.C.P.Civil, «(…) para suprirem a deficiência apontada, com a apresentação de novas alegações de recurso em que as respetivas “conclusões” figurem de forma efetivamente condensada e com proposições sintéticas».

Mais concretamente, as alegações primitivamente apresentadas pelos AA./recorrentes distribuíam-se por um total de 465 páginas, sendo que as “conclusões” ocupavam 36 dessas páginas.

Correspondendo a tal convite, os AA./recorrentes apresentaram novas alegações de recurso, agora com um total de 455 páginas, sendo que as “conclusões” figuram em 26 dessas páginas.

De referir que estas ditas novas “conclusões” denotam algum esforço de síntese, emboras as mesmas ainda subsistam algo densas, pelo que não se pode considerar que as mesmas correspondam ao melhor figurino legal.

Ainda assim, temos presente a jurisprudência do nosso mais alto Tribunal, de sentido permissivo, nomeadamente à luz do princípio processual do aproveitamento dos atos, sublinhando o seguinte (sumário):

«(…)

III. Para efeitos do art.º 639.º, n.º 3, do CPC, após proferir o despacho de convite ao aperfeiçoamento e de analisar a atuação do recorrente e a eventual resposta do recorrido, o relator deve ponderar de novo, dentro do seu prudente critério e com recurso aos princípios gerais do processo civil, qual a solução que mais se ajusta à concreta situação, sem estar vinculado ao despacho de convite que não está coberto pela força do caso julgado.

IV. Tem sido constante na jurisprudência do STJ o entendimento segundo o qual só em casos extremos a deficiente reformulação das conclusões, após convite dirigido pelo relator à parte, deve dar lugar ao não conhecimento do recurso.

V. Apresentando o recorrente novas conclusões, ainda que reproduzindo grande parte das que havia apresentado anteriormente e embora longe da perfeição, sendo facilmente apreensível a linha de raciocínio seguido, com indicação das questões que pretende ver solucionadas, não há motivo para deixar de conhecer o recurso.»[5]

Ora se assim é, compulsando estas novas alegações do recurso, mormente as “conclusões” que dele fazem parte, impõe-se concluir que as mesmas permitem percecionar suficientemente as “questões” que se querem ver apreciadas, mormente a impugnação à decisão sobre a matéria de facto quanto aos factos “provados” e “não provados”, e relativamente às nulidades [do julgamento e da sentença].

Assim sendo, aderindo a uma tal linha de entendimento, e sem necessidade de maiores considerações, improcede o suscitado nesta questão prévia.

                                                           *

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Como ponto de partida, e tendo em vista o conhecimento dos vários fundamentos do recurso, cumpre começar desde logo por enunciar o elenco factual que foi considerado fixado/provado pelo tribunal a quo, ao que se seguirá o elenco dos factos que o mesmo tribunal considerou/decidiu que “não se provou”, sem olvidar que tal enunciação terá um carácter “provisório”, na medida em que o recurso também tem em vista a alteração parcial dessa factualidade.   

            Tendo presente esta circunstância, consignou-se o seguinte na 1ª instância em termos de “FACTOS PROVADOS”:

«1) Encontra-se registado a favor do primeiro autor, sob o n.º ...22 da freguesia ..., inscrito na matriz predial rústica sob o art.º 3885, um prédio descrito como rústico, sito em ..., com a área declarada de 290m2, composto por terreno de pinhal e mato, confrontando a norte com PP, a sul com CC e outro, a nascente com QQ e a poente com o viso, sendo causa de aquisição doação registada pela Ap. 1395/02/05, tendo como sujeitos passivos a segunda autora e RR.

2) Encontra-se inscrito na matriz predial rústica, sob o art.º 3887 da freguesia ..., concelho ..., um prédio rústico sito em ..., com a área declarada de 670m2, confrontando a norte com CC, a sul com ... e herdeiros, a nascente com SS, a poente com PP, dali constando como “usufrutuária” a segunda autora e como titular da nua propriedade o primeiro autor.

3) Encontra-se registado a favor dos dois primeiros réus, sob o n.º ...16 da freguesia ..., inscrito na matriz predial rústica sob o art.º 3886, um prédio descrito como rústico, com a área declarada de 550m2, composto por pastagem e cultura com oliveiras, confrontando a norte e poente com TT, a sul com SS, e a nascente com QQ, sendo causa de aquisição partilha judicial registada pela Ap. ...46 de 2016/05/16, tendo como sujeitos passivos CC e UU.

4) Encontra-se registado a favor dos terceiro e quarto réus, sob o n.º ...03 da freguesia ..., inscrito na matriz predial rústica sob o art.º 3883, um prédio descrito como rústico, com a área declarada de 700m2, composto por terra de mato e pinheiros, confrontando a norte e poente com QQ, a sul com caminho, e a nascente com VV, sendo causa de aquisição doação registada pela AP 1 de 1998/07/03, tendo como sujeitos passivos WW e XX.

5) Por escritura pública outorgada em 03/02/2015, o autor declarou doar à autora o usufruto dos imóveis descritos em 1) e 2).

6) A habitação dos terceiro e quarto réus encontra-se situada em quatro prédios rústicos distintos, nomeadamente nos prédios inscritos na matriz sob os art.º 3882, 3883, 11416, e ainda sobre o prédio rústico, sito em ..., limites do ..., omisso na matriz e anteriormente propriedade de PP, também conhecida como VV.

7) Os terceiro e quarto réus, por negócio verbal, declararam adquirir a GG e ZZ, respetivamente filho e nora de VV, já após o falecimento desta, o prédio rústico sito em freguesia ... e concelho ..., omisso na matriz, com a área de 450 m2, a confrontar a norte com WW (atualmente com o terceiro e quarto réus), nascente QQ, sul TT (atualmente autores), e poente com viso (agora Rua ...).

8) Parte desse prédio foi ocupado com a casa que os réus construíram, outra com o muro que edificaram, e uma parte restante desse prédio situa-se para sul desse muro.

9) O muro e a casa foram construídos no início de 1999.

10) Deste modo, pelo menos desde 27/05/1998, que os terceiro e quarto réus utilizam tal prédio, limpando-o, construindo em parte do mesmo a sua casa e muro, exercendo tais atos à vista de toda a gente, sem a oposição de ninguém, nomeadamente dos herdeiros de VV, de forma continuada, e conscientes de que exercem um direito próprio e não lesam terceiros.

11) Para sul do muro dos terceiro e quarto réus, ao longo deste, existe uma faixa de terreno que se encontrava, há mais de 20, 30 e mais anos, demarcada com três marcos a sul.

12) Estes marcos demarcavam o prédio referido em 7), atualmente integrado no prédio urbano inscrito na matriz sob o art.º ...39 da freguesia ... e concelho ..., e descrito sob o nº. ...53 da Conservatória do Registo Predial ..., e o prédio rústico dos autores, inscrito sob o art.º 3885.

13) A faixa de terreno descrita em 7), na parte que confronta com a Rua ..., tem 2,20 metros de largura, medidos do muro dos terceiro e quarto réus.

14) Mantendo tal largura, numa extensão de cerca de 31,20 metros no sentido poente/nascente.

15) Assim, da Rua ... no sentido poente/nascente, distando cerca de 7,50 metros da Rua ... e 2,20 metros do muro dos terceiro e quarto réus, existiu um marco até meados de 2019, que delimitava tais prédios entre si.

16) De tal marco, seguindo no sentido poente/nascente, numa distância de cerca de 23,70 metros, localizava-se outro marco igualmente a 2,20 metros do muro dos terceiro e quartos réus, que delimitava igualmente os prédios entre si e existiu até meados de 2019.

17) Desse marco, a linha de estrema desses prédios, seguindo do poente para nascente, infletia para a esquerda, até um marco de laje, que se encontrava a 0,30 metros de distância do muro dos terceiro e quarto réus.

18) Projetando-se posteriormente, tal linha de estrema entre esses dois prédios, para nascente, em linha reta, sempre a 0,30 metros do muro dos terceiro e quarto réus.

19) Tal sucede porque estes réus não construíram o muro à estrema do seu prédio, deixando sempre cerca de 0,30 metros de distância do prédio que nessa parte confronta a sul.

20) Os autores arrancaram os marcos referidos em 15) e 16), alegando que a parcela de terreno sita entre tais marcos e o muro dos réus lhes pertencia.

21) Em resposta, o réu EE enterrou duas verguinhas de ferro onde antes existiam os marcos.

22) Em tempos idos, existia um denominado “caminho de missa” que atravessava parte dos prédios agora pertencentes aos terceiro e quarto réus, passagem esta que resultava da tolerância dos proprietários e do fomento de relações de boa vizinhança.

23) O referido caminho não é utilizado há mais de 20 e 30 anos.

24) O acesso aos terrenos em causa nos autos ficou facilitado há mais de 20/30 anos com a abertura de ruas, estradas e caminhos públicos para acesso a veículos automóveis, motorizados, carroças e pessoas.

25) Desde 27/05/1998, e seguramente, desde inícios de 1999, quando os terceiro e quarto réus começaram a construção da casa, mudaram os caminhos para a parte sul do prédio referido em 7), por questões de boa vizinhança.

26) O novo caminho, para acesso aos prédios registados a favor dos primeiros dois réus, possuía melhor acessibilidade, sendo mais largo, mais curto, e com acesso direto a partir da Rua ..., que é constituída por estrada alcatroada.

27) A alteração não mereceu oposição de ninguém, nomeadamente dos anteriores proprietários do prédio agora pertencente aos autores, bem como dos primeiros dois réus, que desde então tiveram conhecimento da mesma.

28) Após a construção do muro e alteração dos caminhos, o irmão da autora chegou a contactar os terceiro e quarto réus para propor a venda dos imóveis que agora pertencem aos autores, não se tendo os réus mostrado interessados.

29) Assim, há mais de 20, 30 anos, e seguramente desde os inícios de 1999, ninguém utilizava qualquer caminho para acesso ao terreno inscrito na matriz sob o art.º 3886, que não fosse o referido em 25) e 26).

30) Em 2016, os primeiros réus deslocaram-se à casa dos autores em ..., a fim de os informar de que eram proprietários de prédios que confrontavam com os deles, de solicitar que os autores procedessem à limpeza de silvas e matos existentes no seu prédio, e para questionar se se opunham à passagem a pé e de trator, por escassos metros do prédio dos autores, para acesso ao seu prédio.

31) A passagem já era efetuada em tais moldes pelo menos desde o início de 1999.

32) Os autores acederam a tal pedido, pedindo como contrapartida que os primeiros réus limpassem os prédios dos autores na medida em que estes se encontravam abandonados, com mato e silvas de vários metros de altura.

33) Os referidos réus aceitaram o acordo, e continuaram a passar de pé e de trator, na confrontação norte do prédio inscrito sob o art.º 3885 da freguesia ..., após passarem pelo caminho existente junto ao muro dos terceiros e quarto réus, em escassos metros de extensão (cerca de 7 metros de comprimento, numa largura de 2,20 metros), tudo decorrendo até recentemente sem oposição dos autores.

34) Assim, desde inícios de 1999, o acesso para o prédio inscrito sob o art.º 3886, passou a ser feito pela faixa de terreno propriedade dos terceiro e quarto réus, melhor descrita em 7), e quando a mesma se torna mais estreita, ou seja, após percorrer cerca 50 metros dessa faixa de terreno, utilizando escassos metros do prédio inscrito sob o artigo 3885.º.

35) Tal utilização é feita há mais de 10 e 20 anos, à vista de toda a gente, sem a oposição de ninguém, na convicção dos réus de que exercem um direito próprio, sem qualquer interrupção.

36) Os autores têm vindo a colocar pedras na parcela de terreno referida em 7), desde meados de 2019, causando aos terceiro e quarto réus incómodos, aborrecimentos, estados de tristeza e de revolta.

37) A atuação dos autores impede os primeiros réus de aceder ao terreno inscrito sob o art.º 3886, deixando os réus tristes e desanimados.

38) O prédio inscrito sob o art.º 3886, não tem qualquer acesso para a via pública, a não ser pelo caminho identificado em 34), integrado na parcela de terreno referida em 7).»  

*

E o seguinte em termos de “FACTOS NÃO PROVADOS”:

«a) No ano de 2017, os primeiros réus dirigiram-se à casa dos autores em ..., a fim de pediram autorização à autora para acederem através do art.º 3885 ao art.º 3886.º.

b) Tal pedido decorreu da circunstância de o terceiro réu ter impedido a passagem dos referidos primeiros réus ao art.º 3886.

c) Para além do caminho referido em 22), existiam ainda dois caminhos de carros de bois que permitiam o acesso aos terrenos em litígio.

d) O caminho em causa encontra-se integrado no art.º 3885, pertencente aos autores.

e) Em data não concretamente apurado, o primeiro réu deslocou-se ao terreno dos autores, pulverizou o mesmo com herbicida, cortou árvores, oliveiras, e ervedeiros, e ainda duas cerejeiras, tendo ainda queimado um ervedeiro existente no local.

f) Por conta da atuação dos réus, o terreno dos autores ficou queimado e impróprio para cultivo.

g) Os autores colhiam anualmente os frutos das suas árvores, nomeadamente castanheiros e cerejeiras.

h) Os autores deslocavam-se ao terreno para fazer a colheita.

i) Em resultado da conduta dos réus, os autores têm-se deslocado mais frequentemente ao terreno, perderam o gosto com tal deslocação, mostram-se desiludidos, deprimidos e revoltados.»

                                                                       *

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1 – falta de pagamento de uma taxa de justiça pelos RR. [que estão em coligação e não em litisconsórcio], determinante da inexistência do articulado de contestação/reconvenção:

Assistirá razão aos AA./recorrentes quanto a este particular?

Salvo o devido respeito – e releve-se o juízo antecipatório! – não lhes assiste qualquer razão quanto a este particular.

É que, como flui do Relatório supra, por despacho judicial proferido em 04/11/2020 [despacho com a Ref. Citius, 32625427], foi admitida a reconvenção deduzida pelos RR. no articulado de contestação.

Sucede que nem nessa fase processual, nem posteriormente, designadamente na fase do saneamento ou do julgamento, a questão foi suscitada.

Só agora em recurso os AA. a suscitam.

Ocorre que a ter existido alguma omissão de pagamento de taxa de justiça na 1ª instância, tinha ele que em tempo oportuno e nessa 1ª instância ser suscitada.

Não o tendo sido, é agora uma questão sanada, nomeadamente porque o despacho de admissão da contestação/reconvenção há muito transitou em julgado, tendo-se formado caso julgado formal quanto à questão da validade processual desse articulado [cf. art. 620º do n.C.P.Civil].

Improcede assim, sem necessidade de maiores considerações, essa questão recursiva.

                                                           *

4.2 – nulidade do julgamento [face à forma como decorreram as sessões da audiência final, inclusive quanto ao aspeto da inquirição e valoração de uma testemunha que havia sido dispensada]:

Que dizer?

É esta outra questão recursiva claramente extemporânea enquanto deduzida em alegações recursivas apresentadas em 12.10.2024.

Na verdade, a audiência de julgamento decorreu ao longo de mais de 2 anos (?!), com a última sessão a ter lugar no dia 11.06.2024, pelo que, tinha que ser arguida/reclamada qualquer putativa invalidade nesse particular pela parte interessada perante o Exmo. Juiz de 1ª instância, à luz do disposto nos art.os 195º e 199º, nº1 do n.C.P.Civil, sendo que o prazo de arguição de eventual nulidade se conta desde o momento em que a parte se podia ter apercebido da mesma, sendo certo que tendo o Exmo. Advogado mandatário dos AA.  estado presente, tal início do prazo era imediato.

Ora se assim é, importa considerar que a nulidade arguida apenas e tão-somente com as alegações de recurso, apresentadas em juízo em 12.10.2024, o foi pelas Recorrentes sempre para além do prazo de 10 dias em que o poderiam fazer, pelo que importa considerar essa eventual nulidade como sanada, julgando-se sem mais improcedente essa dita arguição.

É que as nulidades têm de ser reclamadas nos prazos legais, reservando-se a parte para o recurso (com esse fundamento) do despacho subsequente sob pena de aberta afronta ao princípio da preclusão e à máxima “dos despachos recorre-se; contra as nulidades reclama-se (tempestivamente)”.

Do que se vem de dizer decorre que se mantém a atualidade e pertinência do brocardo segundo o qual dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se.

Conforme explicava Alberto dos Reis [in “Comentário ao Código de Processo Civil”, 2º Vol., a  págs. 507], «a arguição da nulidade só é admissível quando a infração processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou a omissão do ato ou formalidade, o meio próprio para reagir, contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação do respetivo despacho pela interposição do recurso competente.»

Na explicitação de Luís Mendonça e Henrique Antunes [in “Dos Recursos”, Quid Juris, a págs. 52], «A reclamação por nulidade e o recurso articulam-se, portanto, de harmonia com o princípio da subsidiariedade: a admissibilidade do recurso está na dependência da dedução prévia da reclamação.

Assim, o que pode ser impugnado por via do recurso é a decisão que conhecer da reclamação por nulidade – e não a nulidade ela mesma. A perda do direito à impugnação por via da reclamação – caducidade, renúncia, etc. – importa, simultaneamente, a extinção do direito à impugnação através do recurso ordinário.

Isto só não será assim no tocante às nulidades cujo prazo de arguição só comece a correr depois da expedição do recurso para o tribunal ad quem e no tocante às nulidades – exceções – que sejam oficiosamente cognoscíveis.»

Também Teixeira de Sousa [in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, a págs. 372], afirma que «(…) quando a reclamação for admissível, não o pode ser o recurso ordinário, ou seja, esses meios de impugnação não podem ser concorrentes; - se a reclamação for admissível e a parte não impugnar a decisão através dela, em regra está precludida a possibilidade de recorrer dessa mesma decisão.»

Daqui resulta que, não tendo os Recorrentes reclamado da nulidade em causa, não podem agora eles recorrer com tal fundamento.

Com o queremos dizer, mesmo a entender-se que ocorreram nulidades “atípicas”, é agora extemporânea a sua dedução, nomeadamente para o efeito em vista e nesta sede recursória (de invalidação de todos os atos processuais posteriores a tal facto!).

De referir que quanto ao particular aspeto da inquirição e valoração de uma testemunha que havia sido dispensada, resulta evidente que os AA. não interpuseram recurso do despacho da admissão em causa prolatado na correspondente sessão da audiência de julgamento, mas apenas da sentença ulteriormente proferida.

Ora, esse dito despacho configura-se, quanto aos seus efeitos, como admissão de meio de prova.

Por isso, o prazo recursório dessa decisão interlocutória de admissão de meio de prova era de 15 dias a contar da respetiva prolação, em que esteve presente o mandatário da parte interessado [cfr. arts. 644º, nº 2, al. d), parte final, e 638º, nº 1, ambos do n.C.P.Civil).

Ora, como o único recurso interposto foi o da sentença, e só ocorreu na referida data de 12.10.2024, esgotado há muito estava aquele prazo recursório de 15 dias – implicando o trânsito do despacho não tempestivamente impugnado –, pelo que ocorre extemporaneidade deste fundamento recursório, de que, por isso, se não conhecerá.

Nesta medida improcedendo sem necessidade de maiores considerações esta segunda questão recursiva.

                                                           *

4.3 – nulidade da sentença [por deficiente especificação dos fundamentos – art. 615º, nº1, al. b) do n.C.P.Civil]:

Estará em causa de nulidade da sentença prevista no art. 615º, nº1, al.b), 1ª parte do n.C.P.Civil, nos termos do qual é nula a sentença quando “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.”

Porém, desde logo quando se fala, a tal propósito, em “falta de fundamentação”, está-se a aludir à falta absoluta e não às situações em que a fundamentação é deficiente, incompleta ou não convincente.

Sem embargo, importa ter presente que se constitui como mais completo e rigoroso o entendimento de que também e ainda ocorre essa nulidade «quando a fundamentação de facto ou de direito seja insuficiente e em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial»[6].

Não pode, porém, confundir-se a falta absoluta de fundamentação com a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre, sendo que só a primeira constitui a causa de nulidade prevista na al. b) do nº 1 do art. 615º citado.

Neste sentido já foi doutamente escrito «[P]ara que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito».[7]

E bem assim se refere em douto aresto que «[A] insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente: afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser alterada ou revogada em recurso, mas não produz a nulidade.»[8]

Ora, na sentença recorrida encontram-se claramente especificados os fundamentos de facto e de direito da decisão, pelo que não vislumbramos como possa ter acolhimento esta concreta causa de nulidade da mesma!

Improcede, assim, e também esta via de argumentação aduzida pelos AA./recorrentes como fundamento para a procedência do recurso, sem embargo de outra vertente da mesma, a ser apreciada no pertinente enquadramento, já na sequência.

                                                           *

4.4 – nulidade decorrente da contradição no dispositivo [«O dispositivo não tem correspondência com a matéria de facto dada como provada» – art. 615º, nº1, al. c), 1ª parte, do n.C.P.Civil)]:

Sustentam os AA./recorrentes, quanto a este particular, que «(…) também não se vislumbra, tendo o Tribunal a quo procedido a inspecção ao local, levado a cabo medições, dê como provado tão só “utilizando escassos metros do prédio inscrito sob o art. 3885.”, cfr. facto dado como provado sob o nº 34) in fine, e, já no dispositivo colocado uma faixa de 7 metros.»

Será assim?

Se bem compulsarmos o conjunto dos factos “provados”, constata-se que não é de relevar apenas o ponto de facto “34)”, mas também o antecedente ponto de facto “33)”, no qual ficou grafado «Os referidos réus aceitaram o acordo, e continuaram a passar de pé e de trator, na confrontação norte do prédio inscrito sob o art.º 3885 da freguesia ..., após passarem pelo caminho existente junto ao muro dos terceiros e quarto réus, em escassos metros de extensão (cerca de 7 metros de comprimento, numa largura de 2,20 metros), tudo decorrendo até recentemente sem oposição dos autores.» [com destaque da nossa autoria]

Não se pode assim afirmar enfaticamente que «[O] dispositivo não tem correspondência com a matéria de facto dada como provada»… 

Acontece que não obstante o vindo de dizer, confrontando a descrição do que consta literal e expressamente do “dispositivo” quanto a este particular, estamos incontornavelmente reconduzidos a uma indeterminabilidade da reclamada serventia.

Senão vejamos.

A serventia de passagem que foi declarada/reconhecida como constituída no “dispositivo” da sentença, traduziu-se na condenação dos AA. «a reconhecer que se encontra constituída uma servidão de passagem, por usucapião, a favor do prédio rústico inscrito na matriz sob o art.º 3886 da freguesia ..., concelho ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...99, sobre uma faixa de terreno do prédio rústico dos autores, inscrito sob o artigo ...85º da freguesia ..., concelho ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...30, localizando-se tal passagem a cerca de 50 metros da Rua ..., após passar pelo prédio dos réus EE e FF referido em a), na estrema sul deste, e tendo cerca de 7 metros de comprimento, numa largura de 2,20 metros» [com destaques da nossa autoria]

Salvo o devido respeito, sem um levantamento topográfico rigoroso da situação, abrangendo os três prédios que estarão nela envolvidos [a saber, a faixa de terreno do prédio urbano dos 3º e 4º RR., inscrito sob o art. ...39º da freguesia ... e concelho ... (1º prédio serviente), a faixa de terreno do prédio rústico dos AA., inscrito sob o art. ...85º da freguesia ..., concelho ... (2º prédio serviente), e o prédio rústico dos 1º e 2º RR. inscrito na matriz sob o art. ...86º da freguesia ..., concelho ... (prédio dominante)], não era possível delimitar rigorosamente o leito da servidão em termos de localização face ao conjunto desses prédios, nem tão pouco implantar adequadamente essa serventia, tendo em conta a concreta confinância dos mesmos, na parte para tanto relevante.

Com efeito, constata-se até que a deficiência proveio desde logo dos termos em que na contestação/reconvenção foi formulada a pretensão nesse particular face aos AA., a saber, «(…) localizando-se tal passagem a cerca de 50 metros da Rua ..., após passar pelo o prédio dos RR. EE e esposa AAA na extrema sul deste, e tendo cerca de 7 metros de comprimento, numa largura de 2,20 metros».

É que, desde logo, ficou por definir em que topo ou estrema do prédio dos 1º e 2º RR. [o art. 3886º] a serventia de passagem entroncava…

E bem assim como é que essa serventia de passagem se desenvolvia sobre o prédio dos AA. [o art. 3885º], mormente se era no sentido Norte » Sul ou noutra qualquer direção, e se era em linha reta ou oblíqua…

Acresce que aludindo os RR. a uma serventia de passagem com largura de 2,20 m na parte que onera os AA., ficou por esclarecer/definir qual era a largura dessa serventia de passagem no seu restante troço, nomeadamente se era exercida em toda a faixa de terreno dos 3º e 4º RR. [integrante do prédio urbano destes, inscrito sob o art. ...39º], o que se afigura da maior relevância, na medida em que os RR. localizam a transposição da passagem sobre este prédio vindo de aludir para o prédio dos AA., quando a faixa de terreno daquele “se torna mais estreita” [e quando é certo que ela  finaliza com 0,30 m, de acordo com os factos “provados” sob “17)” a “19)”].

Aliás, aqui radica uma outra deficiência de explicitação por parte dos RR., qual seja, se tal serventia era para passagem a pé ou de carro/trator, o que consabidamente justifica/autoriza a constituição de servidões com largura distinta.

Como quer que seja, estando imperfeitamente expressa tal pretensão, designadamente quanto à concreta implantação da servidão (ou obscuridade do modo por que foi indicada), nem por isso havia falta da causa de pedir[9] ou do pedido[10], e também não nos parece que tal constituísse ininteligibilidade da causa de pedir enquanto fundamento do pedido, antes poderia vir a determinar a inviabilidade da ação, rectius, da reconvenção.

Sucede que não foi isso que aconteceu.

Não obstante, ou talvez por isso, a situação com a qual estamos agora confrontados configura a nulidade por ambiguidade ou obscuridade da decisão, que a torna ininteligível [cf. art. 615º, nº1, al. c), 2ª parte, do n.C.P.Civil].

É que, nos termos já explicitados, o dispositivo na parte respeitante à definição da servidão – sua concreta delimitação e implantação – encontra-se feito de modo assaz deficiente, ambíguo e até obscuro, tornando a decisão ininteligível.

Pois que não podia ser dispensável a definição da implantação da serventia em função dos pontos cardeais dos limites dos prédios em causa, em cada um dos seus vários segmentos, sendo disso caso, e bem assim da própria orientação geo-espacial do leito da mesma sobre o prédio serviente dos AA..

O que tudo serve para dizer que se afigura necessário e imprescindível a prévia alegação pelas partes, em cumprimento de despacho convite de aperfeiçoamento da alegação factual tendente à identificação física rigorosa dos respetivos polígonos

Enfim, salvo o devido respeito, para além da deficiente alegação factual, os autos evidenciam sempre uma lacuna de instrução, em termos de levantamento topográfico rigoroso da situação – dos três prédios já aludidos e em causa! –, isto em ordem a que fosse possível não só delimitar esses prédios rigorosamente em termos de localização de cada um face aos demais [com identificação física dos respetivos polígono], para determinação estrita da confinância de todos eles, como ainda para adequada implantação da serventia com referência aos mesmos, num segundo momento.

Isto porque estando como estava em causa uma realidade material traduzida numa implantação física de uma serventia, a formação da convicção quanto à temática em causa – onde se posicionava a serventia na confinância dos prédios e qual a concreta implantação da mesma desde a designada “Rua ...” – está indissolúvel e intrincadamente conexionada com a concreta localização geo-espacial de uma tal realidade física/material, sua específica configuração material e rigorosa dimensão/área.

Temática sobre a qual a prova testemunhal e/ou por declarações de parte será, por si só, insuficiente. 

Sucede que, quanto a tal, os elementos de prova documentais constantes dos autos são insuperavelmente inconcludentes…

Face ao que nos encontramos reconduzidos a uma imprescindível e imperiosa necessidade de distinção e esclarecimento.

Acresce que a resposta à matéria de facto foi ela própria deficiente no que tange ao prédio dos 3º e 4º RR. mais diretamente em causa: é que se no ponto de facto “provado” sob “11)” se alude corretamente a uma “faixa de terreno” para sul do muro daqueles, sendo este ponto de facto “provado” sob “11)” o ponto de facto matriz e de referência da identificação dessa “faixa de terreno”, ocorreu que no ponto de facto “provado” sob “13)”, querendo presuntivamente àquela “faixa de terreno” descrita em “11)” aludir-se, grafou-se equivocamente “faixa de terreno descrita em 7)”; ademais, tal sentido equívoco também se denota no ponto de facto “provado” sob “34)”, onde mais uma vez se alude a “faixa de terreno (…) melhor descrita em 7)”.

Como quer que seja, aqui entronca uma outra ordem de argumentos e razões para – adiantando desde já! – se censurar a decisão sobre a matéria de facto: na verdade, configura-se uma necessidade de ampliação da matéria de facto.

Desde logo, no tocante ao pedido reconvencional subsidiário, formulado pelos 1º e 2º RR., de constituição de uma servidão legal de passagem, não houve qualquer pronúncia/resposta do Tribunal quanto aos pontos de facto respeitantes aos requisitos legais para tanto que constavam dos arts. 103º a 108º do articulado de contestação/reconvenção.

Ademais, o direito potestativo exercitado por estes RR., de exigir a constituição, sobre o prédio rústico dos AA. [o art. 3885º] de uma servidão legal de passagem, não dispensa a alegação e prova da factualidade tendente a permitir que o Tribunal possa concluir que é através desse prédio e pelo local escolhido que a passagem causa menos prejuízo e se torna menos inconveniente, não se podendo limitar, apenas, à mera alegação de um encrave e da confinância do seu prédio com o prédio encravante, por onde poderá aceder à via pública.

Com efeito, tal como sublinhado pela melhor jurisprudência, «II -O proprietário de prédio encravado que queira usar do direito potestativo que a lei lhe faculta – o de constituir uma servidão legal de passagem por um prédio vizinho – tem o ónus de alegar (e posteriormente provar) a factualidade tendente a permitir que o Tribunal possa concluir que é através desse prédio e pelo local escolhido que a passagem causa menos prejuízo e se torna menos inconveniente, não se podendo limitar, apenas, à mera alegação de um encrave e da confinância do seu prédio com o prédio encravante, por onde poderá aceder à via pública.»[11].

Por outro lado, mesmo em relação ao pedido reconvencional principal, formulado igualmente pelos 1º e 2º RR., de reconhecimento de que se encontrava constituída uma servidão de passagem por usucapião, igualmente se constata uma deficiência de alegação factual do que havia sido vertido no articulado.

É que sendo a posse mais do que um mero poder de facto exercido sobre determinada coisa – corpus – implicando, de igual forma, uma intencionalidade específica de actuação como beneficiário do direito – animus –, no caso particular da constituição de uma servidão, por usucapião, tal direito pressuporá sempre, além do mais, que tal posse seja revelada por sinais visíveis e permanentes, que o revelem de forma indiscutível.

Atente-se que quando os atos materiais não apresentem a exterioridade suficiente para serem conhecidos dos interessados, quer porque, de per si, não a possuam, quer porque, por acto voluntário do seu autor, sejam ocultados, então, serão meros atos clandestinos, insuscetíveis de conformar qualquer apossamento.

De referir que tais preocupações, no caso das servidões constituídas por usucapião, foram levadas pelo legislador ao extremo de não permitir tal constituição nos casos de servidões “não aparentes”.

Com efeito, por força do disposto no art. 1548º do C.Civil, as servidões não aparentes não podem ser constituídas por usucapião, considerando-se não aparentes as servidões que não se revelam por sinais visíveis e permanentes.

Nesta linha de entendimento «(…) a irrelevância do magno instituto da usucapião para a constituição de invocadas servidões que não se revelem materialmente em termos inequívocos, reside na preocupação legal de se evitar tal constituição em situações em que a atuação/posse é exercida por mera tolerância do dono do dito prédio serviente ou, até, sem que este dela tenha conhecimento».[12]

Isto porque – a não exigir-se um rigor acrescido nos referidos termos – muitas servidões poderiam constituir-se de forma clandestina (por serem de todo desconhecidas) ou legitimar-se-iam até pela mera prática de atos compatíveis com a mera tolerância do proprietário onerado.

Na qualificação do que se deverá entender por sinais visíveis e permanentes, adere-se ao que foi evidenciado em douto aresto deste mesmo Tribunal da Relação de Coimbra, na parte em que se referiu que:

«(…) Por sinais entende-se tudo aquilo que possa conduzir à revelação de qualquer coisa ou facto, principalmente indícios que revelem a existência de obras destinadas a facilitar e a tornar possível a servidão.

Na servidão de passagem poderão ser, por exemplo, a existência de um trilho de terra batida ou empedrada, de sulcos de rodados de tracção animal deixados pelo decorrer dos tempos, em pedras existentes no caminho, tranqueiros, cancelas, pontes, etc.. A servidão de passagem tornar-se-á aparente desde que se faça um caminho, uma ponte ou se abra uma porta.

Esses sinais hão-de ser visíveis, permanentes e inequívocos, pois só deste modo poderão indicar a existência de servidão aparente. (…)

Além de visíveis ou aparentes, os sinais devem ser permanentes, revelando uma situação estável, que foram postos com intenção de assegurar a serventia de um prédio para o outro, com carácter de permanência…».[13]

Assim, revertendo estes ensinamentos ao caso ajuizado, o que é que temos?

Que os ditos 1º e 2º RR. não alegaram sequer a existência de quaisquer sinais visíveis e permanentes revelados pela serventia ajuizada.

Sucede que quanto a tudo o ora vindo de expor, mormente a necessidade de alegação factual, equacionando a situação sob o ponto de vista da procedência/ improcedência da pretensão desses 1º e 2º RR., não obstante ser inequívoco concluir pela exiguidade, e mesmo omissão, do que foi alegado com relevância para a procedência dos pedidos em causa, importa ter presente o melhor entendimento que sobre esta temática vem sendo seguido.

É que face ao vindo de explicitar, a conclusão inequívoca é a de que sendo a contestação/reconvenção deficiente, devia o Exmo. Juiz de 1ª instância ter proferido despacho de aperfeiçoamento – art.os 6º e 590º nº 4 do n.C.P.Civil.

Com efeito, o estrito cumprimento do poder funcional estabelecido na alínea b) do nº 2 do art. 590º do n.C.P.Civil implica que o Juiz de 1ª instância não pode deixar de dirigir o convite ao aperfeiçoamento do articulado que se revele deficiente.

O que obrigava, a nosso ver, à prolação de um despacho de aperfeiçoamento do articulado da contestação/reconvenção, a fim de posteriormente se produzir prova sobre essas materialidades.

Na verdade, quanto a esse aspeto, o Exmo. Julgador devia ter convidado os RR. a aperfeiçoar a contestação/reconvenção, nos termos do art. 590º nº 2, als. b), c), nº 3 e 4 do n.C.P.Civil, o que consubstanciava um poder vinculado.

E nem se argumente que não o tendo feito, está agora este tribunal de recurso impedido de sobre tal se pronunciar.

É que nesta temática cremos ser de perfilhar o entendimento de que com o dever de convidar as partes a completarem os seus articulados, imposto ao tribunal da 1ª instância, a lei pretendeu repartir entre as partes e o tribunal o risco de improcedência da causa por insuficiência da matéria de facto.

Ora por assim ser, já foi doutamente[14] sustentado o seguinte entendimento:

 «(…) poderá dizer-se que a 2ª instância não pode onerar a parte com o risco da improcedência decorrente da insuficiência da matéria de facto. Se esse risco deve ser combatido na 1.ª instância com o convite dirigido à parte para aperfeiçoar o seu articulado, então a Relação não pode fazer recair sobre essa parte esse mesmo risco. Numa época em que se generaliza a construção de novos princípios processuais, talvez se possa falar do princípio da proibição da oneração da parte pela Relação com o risco da improcedência.

A lei fornece a solução para evitar esta oneração pela Relação do risco da improcedência: a solução é a anulação pela Relação da decisão proferida pela 1.ª instância com base na deficiência do julgamento da matéria de facto (art. 662.º, n.º 2, al. c), nCPC), desde que essa deficiência seja entendida, não por referência à matéria de facto constante da causa, mas por referência à matéria de facto que podia constar da causa se a parte tivesse seguido o convite que lhe deveria ter sido dirigido pela 1.ª instância.(…)»

Donde, a omissão do despacho pré-saneador de convite ao aperfeiçoamento constitui nulidade processual porquanto se trata de um ato que a lei prescreve como essencial ao bom julgamento da causa e caso não ocorra tem influência no exame ou na decisão da causa, pelo que, em linha com o autor vindo de citar, o art. 662º, nº 2, al.c) do n.C.P.Civil dá cobertura à declaração oficiosa pela Relação da referida anulação.[15]

Assim sendo, subscrevemos de pleno esta solução, por entendermos que tem apoio nos amplos poderes que o n.C.P.Civil concedeu à Relação em matéria de ampliação da matéria de facto nos termos da al. c) do nº 2 do art. 662º do referido Código.

O que tudo serve para dizer que a dita anulação oficiosa por este Tribunal da Relação da decisão proferida na 1.ª instância, decorre de ser considerada indispensável a ampliação da matéria de facto nos termos e com o âmbito vindo de expor, e não constarem do processo os elementos que permitem decidir tais factos [artigo 662º, n.º 2, alínea c), do n.C.P.Civil].[16]

Donde, a anulação da decisão proferida, também por este motivo, no quadro do previsto no art. 662º, nº2, al.c) do n.C.P.Civil].

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De referir que quanto à necessidade de delimitação rigorosa dos três prédios em causa [para subsequentemente se intentar efetuar a implantação da servidão ajuizada nos e face aos mesmos, sendo disso caso], a concretização da ampliação da matéria de facto, salvo o devido respeito, passará por um levantamento topográfico daquele conjunto de prédios, sem prejuízo da prévia alegação pelas partes, em cumprimento de despacho convite de aperfeiçoamento da alegação factual tendente à identificação física rigorosa dos respetivos polígonos.

Sendo certo que será à luz daquele elemento de prova que deverá ter lugar a reinquirição das testemunhas que depuseram sobre a materialidade em causa, em termos ulteriormente a ponderar e definir, pois que desde já igualmente se perspetiva a necessidade de reabertura da audiência de julgamento para clarificação pontual que se revele necessária e imprescindível, face à obscuridade, senão mesmo contradição de alguns dos pontos de facto dados como “provados”, em parte já supra apontada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições [cf. art. art. 662º, nº3, al.c) do mesmo n.C.P.Civil].  

Acresce que definir e situar geo-espacialmente os prédios em causa até em termos do dispositivo a final, será da maior importância e, como tal, aspeto que não pode ser olvidado nem postergado na instrução e decisão dos autos, dada a correspondente necessidade de nos e face aos mesmos se vir a implantar a servidão, com rigor e em concreto, sendo disso caso.

O que tudo serve para dizer que importará antes de mais definir e assentar quanto a estes aspetos, pois que, antes e sem tal, se nos afigura como temerário e voluntarista concluir sobre a existência e declaração/reconhecimento da servidão ajuizada.

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Já quanto aos pressupostos legais de facto para declaração/reconhecimento e/ou constituição da serventia de passagem, apontados como em falta , impõe-se ser operado convite aos RR., no sentido do suprimento das insuficiências na concretização da correspondente matéria de facto, naturalmente com direito ao contraditório pelos AA., a fim de posteriormente se produzir prova sobre essas materialidades, sem a qual não pode ter lugar uma decisão conscienciosa.

Sendo certo que o julgamento deve repetir-se (apenas) nos termos e para esses precisos efeitos, sem prejuízo de que a repetição do julgamento deve vir a abranger demais pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições – cf. art. 662º, nº3, al.b) do mesmo n.C.P.Civil – e, naturalmente, não se olvidando a resposta aos pontos de facto que se encontrando alegados, não se mostram respondidos.

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Procede, assim, o recurso com fundamento nesta nulidade por ambiguidade ou obscuridade da decisão, que a torna ininteligível, e na anulação oficiosa da decisão recorrida por necessidade de ampliação da matéria de facto, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões enunciadas (quer em termos de concreta impugnação à decisão sobre a matéria de facto, quer em termos de incorreto julgamento de direito).

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4 – SÍNTESE CONCLUSIVA (…).

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5 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se a final, na procedência da apelação:

a) em declarar a nulidade por ambiguidade ou obscuridade da decisão, que a torna ininteligível (cf. art. 615º, nº1, al. c), 2ª parte, do n.C.P.Civil) com a decorrente anulação da sentença proferida, sendo que a anulação da sentença, ao abrigo do disposto no nº2, al. c) do art. 662º do n.C.P.Civil, também se impõe pela necessidade de ampliação da matéria de facto, sendo certo que, naquela 1ª vertente, se deteta a necessidade de delimitação rigorosa dos três prédios em causa através de levantamento topográfico rigoroso da situação [para subsequentemente se intentar efetuar a implantação da servidão ajuizada nos e face aos mesmos, sendo disso caso], a operar por via de concretização factual e instrução nos termos supra explicitados, e que nesta 2ª vertente, se impõe ser operado convite aos RR., no sentido do suprimento das insuficiências na concretização da correspondente matéria de facto, naturalmente com direito ao contraditório pelos AA., a fim de posteriormente se produzir prova sobre essas materialidades, tudo também nos termos supra explicitados;

b)  em afirmar que, naquela 1ª vertente, será à luz daquele levantamento topográfico que deverá ter lugar a reinquirição das testemunhas que depuseram sobre a materialidade em causa, em termos ulteriormente a ponderar e definir, pois que desde já igualmente se perspetiva a necessidade de reabertura da audiência de julgamento para clarificação pontual que se revele necessária e imprescindível, face à obscuridade, senão mesmo contradição de alguns dos pontos de facto dados como “provados”, em parte já supra apontada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições [cf. art. art. 662º, nº3, al.c) do mesmo n.C.P.Civil];

c) em afirmar que, nesta 2ª vertente, o julgamento deve repetir-se (apenas) nos termos e para esses precisos efeitos, sem prejuízo de que a repetição do julgamento deve vir a abranger demais pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições [cf. art. 662º, nº3, al.b) do mesmo n.C.P.Civil] e, naturalmente, não se olvidando a resposta aos pontos de facto que se encontrando alegados, não se mostram respondidos, tal como supra sublinhado;

d) em igualmente declarar que fica prejudicada, para já, o conhecimento das demais questões enunciadas (quer em termos de concreta impugnação à decisão sobre a matéria de facto, quer em termos de incorreto julgamento de direito).

Custas pelas partes vencidas a final (e na proporção em que o forem).


 Coimbra, 24 de Junho de 2025

Luís Filipe Cravo

Fernando Monteiro

Vítor Amaral



[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Vítor Amaral
[2] Em concreto correspondente a uma ação negatória de servidão.
[3] Naturalmente que vão de seguida ser reproduzidas – e serão doravante consideradas no recurso – as alegações objeto de aperfeiçoamento, apresentadas através de articulado constante dos autos sob a refª 255981 do P.E..
[4] De referir que serão correspondentemente consideradas as que foram apresentadas na sequência da apresentação pela contraparte das alegações aperfeiçoadas.
[5] Trata-se do acórdão do STJ de 21-09-2021, proferido no proc. nº 2856/17.9T8AGD.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[6] cf., “inter alia”, o Ac. do T.R. de Coimbra de 17-04-2012, no processo nº 1483/09.9TBTMR.C1, acessível in www.dgsi.pt/jtrc, com entendimento que persiste como perfeitamente válido no presente quadro normativo.
[7] Assim por ANTUNES VARELA  / MIGUEL BEZERRA  / J. SAMPAIO E NORA in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., 1985, a págs. 670-672.
[8] Trata-se do acórdão do STJ de 28/05/2015, proferido no proc. nº 460/11.4TVLSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[9] Indicar a causa de pedir é alegar o facto constitutivo da situação jurídica material que se quer fazer valer.
[10] Formular o pedido é solicitar ao tribunal a providência processual considerada adequada à tutela da situação jurídica ou do interesse que se afirma materialmente protegido.
[11] Citámos agora o acórdão do STJ de 13.10.2005, no proc. nº 6865/2005-2, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[12] Citámos agora o acórdão do T. Rel. Coimbra de 15.10.2013, no proc. nº 78/11.1TBSCD.C1, acessível em www.dgsi.pt/jtrc.
[13] Trata-se do acórdão de 16.10.2012, no proc. nº 2763/08.6TBPBL.C1, também ele acessível em www.dgsi.pt/jtrc.
[14] Assim por MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, in “A proibição da oneração da parte pela Relação com o risco de improcedência: um novo princípio processual?”, blog IPPC, entrada de 29/01/14.
[15] Cf. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA in «A consequência da omissão do convite ao aperfeiçoamento: um apontamento», de 19 de janeiro de 2015, e «Jurisprudência (496)», de 29 de novembro de 2016, todos disponíveis em blogippc.blogspot.com; neste sentido pronunciou-se também o Cons. URBANO DIAS, in “Breves nótulas sobre o controlo pela Relação da omissão do dever de cooperação da 1ª instância”, blog IPPC, entrada de 16/06/14; defendendo ainda uma posição com o mesmo sentido, vide o acórdão do TRP de 26.02.2015, proferido no proc. nº 5807/13.6TBMTS.P1, igualmente acessível em www.dgsi.pt/jtrp .
[16] No sentido da admissibilidade de uma tal decisão vide o acórdão do T. Rel. de Lisboa de 26.06.2009, proferido no proc. nº 1184/18.7T8FNC.L1-4, e, com enquadramento mais amplo, por ter sido concretamente alegada pela parte recorrente a nulidade da sentença por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC), o acórdão do TRP de 11.01.2021, proferido no proc. nº 3163/19.8T8OAZ.P1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.