CRIME DE VIOLAÇÃO AGRAVADO
CRIME DE VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO
INIMPUTABILIDADE
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DO INTERNAMENTO
DESCONTO DO PERÍODO DA PRISÃO PREVENTIVA NA MEDIDA DE SEGURANÇA PRIVATIVA DA LIBERDADE POR APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART 80º DO CP.
REGIME PROCESSUAL DO RECURSO DO DESPACHO QUE APLICA OU MANTEM MEDIDAS DE COACÇÃO
Sumário

1 - O tribunal tem o poder-dever de determinar a suspensão da execução da medida de internamento, quando for razoavelmente de esperar que com a suspensão se alcança a finalidade da medida, ou seja, a protecção dos bens jurídicos através da reintegração do agente na sociedade, com a devida cura necessária à eliminação da sua perigosidade.
2 - Através da suspensão da medida de internamento com imposição de regras de conduta e acompanhamento de regime de prova, consagra-se um tratamento não institucional para delinquentes inimputáveis.
3 - A suspensão da execução do internamento tem como pressupostos:
- que o tribunal afira da verificação da totalidade dos pressupostos de que depende a aplicação da medida de segurança de internamento, nos termos do artigo 91º (artigo 98.°, n.º 1, primeiro segmento, «o tribunal que ordenar o internamento»);
- que emita um juízo de prognose favorável à suspensão da execução da medida (artigo 98.º, n.º 1, segundo segmento, «se for razoavelmente de esperar que com a suspensão se alcance a finalidade da medida»), isto é, que à suspensão se não oponham as necessidades de prevenção ou neutralização da perigosidade;
- no caso previsto no n.º 2 do artigo 91.º, que a suspensão seja consentida pela prevenção geral positiva de pacificação social (artigo 98º, nº2, «verificadas que se mostrem as condições aí enunciadas»)
4 - O arguido não reconhece que padeça de nenhuma problemática de saúde mental, não adere ao tratamento psicofarmacológico e não possui a integração ou o apoio familiar indispensável para assegurar as suas necessidades diárias, incluindo o cumprimento da medicação.
5 - Num juízo de prognose, a liberdade não se mostra adequada às necessidades de prevenção especial de recuperação do inimputável e de inocuização ou neutralização da perigosidade criminal, através do tratamento da anomalia psíquica, e de prevenção geral positiva de pacificação social.
6 - Não estão, pois, verificados os referidos pressupostos para a suspensão da execução do internamento, nem mesmo para o tratamento em regime ambulatório.
7 - Pelas mesmas razões que justificam o desconto da prisão preventiva nas penas de prisão aplicadas, também se justifica a extensão do mesmo regime às medidas de segurança, podendo o desconto previsto no artigo 80.º do Código Penal ser efectuado na execução da medida de segurança privativa da liberdade.
8 - O recurso dos despachos que aplicam ou mantêm medidas de coacção tem regime processual distinto dos recursos dos acórdãos finais condenatórios razão por que o arguido deveria ter recorrido autonomamente do despacho que indeferiu o pedido de substituição da medida de coação de prisão preventiva pela medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 4ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

       A – Relatório

1. Pela Comarca de Castelo Branco (Juízo Central Criminal de Castelo Branco - Juiz 1), sob acusação do Ministério Público, pelos crimes de violação agravado, previsto e punido pelos artigos 164º, nºs 1 e 2, alínea b), e 3, e 177º, nº 1, alínea c), do Código Penal, e de violação de domicílio, previsto e punido pelo artigo 190º, nº3, do mesmo diploma legal, pugnando pela aplicação ao arguido de uma medida de segurança, nos termos dos artigos 91º e seguintes do Código Penal, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, o arguido

AA, filho de BB e de CC, nascido a ../../1979, natural da freguesia ..., concelho ..., solteiro, desempregado, residente na Rua ... (...), Lt. ...., ... (actualmente preso no E.P. ...).

2. A assistente DD veio deduzir pedido de indemnização civil contra o arguido, peticionando a condenação deste no pagamento da quantia de 3.000,00 euros, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora contados desde a notificação até efectivo e integral pagamento.

3. Realizada a audiência de julgamento, foi proferido acórdão, a 6.3.2025, decidindo-se:

“4.1- Julgar o arguido AA autor material de factos objectivos constitutivos da prática de:

a) 1 (um) crime de violação (agravado), previsto e punível pelos artigos 164.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) e 3, e 177.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal (não se verificando o elemento subjectivo do tipo);

b) 1 (um) crime de violação de domicílio, p. e p., no art 190º n. 3, do Código Penal (não se verificando o elemento subjectivo do tipo

4.2- Declaram o arguido, AA, inimputável e perigoso;

4.3- Decretam a sujeição do arguido, AA, à medida de segurança de internamento, em estabelecimento de tratamento adequado (de natureza hospitalar, ou instituição análoga), por período não superior a 13 (treze) anos e 4 (quatro) meses e mínimo de 3 (três) anos (cfr. artigo 501º, n° 1, do C.P.P.), findando, dentro deste limite temporal máximo, quando o Tribunal verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem – ocorrendo a revisão obrigatória do internamento após 1 (um) ano, nos termos do disposto no art. 93º, nº 2, do C.Penal;

4.4- Não se suspende a execução do internamento decretado, pelos motivos referidos (gravidade do facto praticado e perigosidade do agente).

4.5- Após trânsito em julgado será dado oportuno cumprimento ao disposto no art. 502.° do C.P.P., com comunicação às diversas entidades ali aludidas.

4.6- Condena-se o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC’s

                   *

4.7- Ao abrigo do disposto no art. 489º do C.Civil, julga-se procedente o pedido de indemnização civil, condenado o demandado AA a pagar à demandante DD a quantia de € 3000 (três mil euros), como compensação pelos danos morais sofridos por esta.

Sobre tal quantia recairão juros de mora à taxa legal, após a presente decisão e até pagamento.

Custas relativas ao pedido cível a suportar pelo arguido/demandado, na sua totalidade.

               ***

Após trânsito:

- Remeta boletins à D.S.I.C.

- Determina-se a recolha de perfil de ADN (ácido desoxirribonucleico) do arguido (art. 1º, nº 1 e 8º, nº 3, da Lei 5/2008, de 12-04), cumprindo-se, previamente, o direito à informação do arguido, nos termos do disposto no art. 9º, do mesmo diploma legal.

O perfil recolhido deverá ser incluído na base de dados de perfis de ADN (art. 18º, nº 3, da Lei 5/2008, de 12-04, na redacção da Lei nº 90/2017, de 22.08).

Notifique e comunique ao INML”.

4. Inconformado com o douto acórdão, veio o arguido interpor recurso do mesmo, terminando a motivação com as seguintes conclusões:

“1ª - medida de segurança de internamento, em estabelecimento de tratamento adequado por período não superior a 13 anos e 4 meses e mínimo de 3 anos.

2ª - Porém o arguido não concorda com a decisão porquanto foi desconsiderada matéria de facto indispensável à boa decisão da causa:

3ª - Não foi devidamente valorado o depoimento da testemunha EE, prestado em 18-02-2025 e gravado no sistema citius de apoio aos tribunais:

i) A testemunha depôs essencialmente sobre factos relacionados com as condições pessoais do arguido e declarou a sua disponibilidade para lhe prestar o necessário suporte, quer familiar/ habitacional e social, e encontrasse disponível para recebê-lo em sua casa, prestando designadamente habitacional, alimentação, apoio a nível médico comprometendo-se a fazê-lo comparecer em consultas que lhe sejam marcadas.

ii) Minuto 6:30:P: Estou-lhe a perguntar isto, porque certamente a Sra. sabe que o seu irmão não tem pais, só tem irmãos, não tem filhos, e será certamente importante para o tribunal saber até que ponto é que a Sra, enquanto familiar próxima, pode ou não pode prestar colaboração ao seu irmão?

Em que sentido? No sentido de saber se..

R: Em sentido de quando for preciso levá-lo ao hospital, pronto, às consultas…

iii) Minuto 9:40:P: Então se por exemplo for necessário, (…) ele estar na sua casa ou permanecer durante algum tempo na sua casa?

R: Sim

P: Também? R: Sim.

4ª - Não foram suficientemente valorados os relatórios médicos juntos aos autos relativamente às repercussões destas sequelas:

i) Relatório de 04/07/2024 – Ponto V - Configurando o diagnóstico de Perturbação do Desenvolvimento Intelectual Moderada, é uma condição crónica que se caracteriza pela presença de défices das funções intelectuais, que condicionam o funcionamento adaptativo da pessoa nos domínios social, conceptual e prático, que resulta na dificuldade em atingir os padrões de independência  pessoal e responsabilidade social esperados para a sua idade e grupo socio cultural a que pertence. Estes défices limitam e restringem o funcionamento da pessoa em várias atividades de vida diária em diferentes domínios, como seja o contexto familiar, social e laboral/ocupacional. A condição apresentada pelo examinando compromete, assim, a sua autonomia, independência, capacidade de julgamento e autodeterminação.

5ª - Não foram suficientemente valorados estes relatórios no que respeita ao juízo de prognose relativo à perigosidade do arguido:

i) Relatório de 04/07/2024 Em relação à probabilidade de vir a praticar outros ilícitos típicos semelhantes, a condição apresentada pelo examinando é crónica e irreversível, ainda que o ambiente preparado para as suas necessidades possa minimizar o risco de eventos futuros, não é possível excluí-lo. Todavia, relevamos que esta condição torna o examinando particularmente vulnerável, sendo recomendável o acompanhamento e apoio por parte de estruturas sociais vocacionadas para este tipo de casos.

ii) Relatório de 26/08/2024 As pessoas com Perturbação do Desenvolvimento Intelectual, pela dificuldade no funcionamento intelectual e adaptativo, necessitam normalmente de apoios ao longo da vida. Assim, além de um acompanhamento regular que vise o treino de competências e aptidões sociais, necessitará sempre, em maior ou menor grau, de ajuda e supervisão dirigida às suas necessidades. Este apoio, na ausência de uma retaguarda familiar, poderá ser prestado por instituição vocacionada para este tipo de casos.

6ª - - não foi valorado o Relatório Pericial de ficheiro 4 nos autos em 03/03/2025 Refª 3908920 do qual consta:

i)O arguido apresenta uma Perturbação do Desenvolvimento Intelectual, que é uma condição crónica e irreversível;

ii)Embora não existam intervenções farmacológicas modificadoras da condição, ou seja, curativas, a medicação pode ser útil no controlo comportamental. A estas deverão ser associadas intervenções não farmacológicas, focadas no treino de competências e aptidões pessoais.

iii)O arguido beneficiaria idealmente da integração numa estrutura familiar que pudesse assegurar o suporte emocional e as necessidades diárias e o internamento não oferece benefício adicional e a institucionalização deverá ser considerada apenas quando não for possível garantir o adequado acompanhamento em ambulatório

iv)torna-se necessário garantir o apoio diário, no que diz respeito ao cumprimento da medicação que venha a ser proposta e à adequada alimentação, entre outros. Este apoio poderá ser providenciado por um familiar e/ou por uma instituição.

– Estes factos enunciados que constam dos autos (prova documental e testemunhal que se encontra nos autos) devem ser apreciados e julgados provados, sendo essenciais à boa decisão da causa e à realização da justiça para apreciação da verificação ou não das condições indispensáveis à decisão sobre a possibilidade de suspender a execução da medida de segurança ou a aplicação da medida de segurança em regime ambulatório.

8ª - Só na medida em que a suspensão da execução da medida de segurança ou a aplicação da medida de segurança em regime ambulatório, não se mostrarem adequadas, suficientes e proporcionais as finalidades da medida de segurança é que o tribunal deverá aplicar medida de segurança a cumprir em ambiente hospitalar ou equivalente.

9ª– A factologia considerada provada, revela-se manifestamente insuficiente, e determinou a decisão de que se recorre nomeadamente que o tribunal tenha concluído apenas que a descrita estrutura mental e psicológica do arguido levando-o ao aludido estado de incapacidade para avaliar a ilicitude dos seus actos, e antecipar as consequências da sua conduta, e para se determinar de acordo com uma correcta avaliação, é passível - e potenciadora - de o levar ao envolvimento futuro em novos factos da natureza dos supra descritos. Quer dizer, ante o aludido quadro psíquico de que padece este arguido, determinante de incapacidade, no grau mencionado, de avaliação e determinação, aliado à natureza, e acentuada gravidade, do facto praticado – sobretudo a violação agravada - é de concluir agora pela verificação efectiva de fundado receio do cometimento futuro de outros factos da mesma espécie.

10ª Resulta pois, no entendimento do arguido, que não foi corretamente avaliada nem fundamentada a especial perigosidade do arguido de modo a justificar que a recuperação do inimputável e a neutralização da sua perigosidade só pode ser conseguida em regime de internamento em instituição hospitalar ou equiparada.

11ª - Como resulta da prova documental nos autos e conforme resulta da lei, e tem vindo a ser decidido pelos Tribunais Superiores, não se justifica o cumprimento efetivo da medida de segurança de internamento, sem que se mostre suficientemente justificada a razão para a não aplicação da medida de segurança em regime ambulatório, pelo que deve a decisão ser substituída por outra que pondere as aludidas insuficiências.

12ª - Não foi descontado o período em que o arguido permaneceu na situação de prisão preventiva, todavia se se justifica o desconto da prisão preventiva nas penas de prisão aplicadas, também pelas mesmas razões se justificará a extensão do mesmo regime às medidas de segurança, sendo de aplicar o disposto no art. 80º, nº 2 do CP.

13ª - Por requerimento, nos autos em 27-03-2025 Refª 3938249 o arguido requereu a substituição da medida de coação de prisão preventiva pela medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, tendo, por douto despacho de 02/04/2025, Refª 38496582, sido indeferida tal pretensão.

14ª - A aplicação de tal mediada tinha sido já considerada como suficiente pelo Tribunal e consentida pelo arguido, mas cuja aplicação não foi possível, por falta de apuramento, por parte da DGRSP, da existência de meios técnicos para o efeito. Com aquele requerimento de 02/04/2025 vieram a irmã e o cunhado do arguido declarar que dispõem das normais condições técnicas necessárias, encontram-se disponíveis para o recebe na sua residência, consentido na instalação dos equipamentos de videovigilância na sua residência, pelo que, à data se mostram preenchidas as condições em falta.

15ª - Quanto à condenação no pedido cível deduzido pela demandante cível, não existindo ninguém que estivesse obrigado à vigilância tutelar do arguido, de modo a poder ser responsabilizado pelos prejuízos causados à demandante cível, o tribunal decidiu atribuir à demandante, o direito a indemnização, com base no critério da equidade.

16ª - Devem fundamentar o recurso à equidade a necessidade do lesado e a possibilidade do inimputável, porém, nos autos nada se diz quanto à situação económica da demandante, pelo que só poderia ser tomada uma posição rigorosa sobre a equidade, se tivessem sido alegados e provados nos autos factos tendentes a avaliar a sua situação económica o que não aconteceu, inviabilizando a fixação de indemnização cível”.

5. O Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela sua improcedência e manutenção do acórdão recorrido, alegando, em síntese, que:

- Não se concorda com o recorrente quando afirma que as declarações prestadas pela testemunha EE não foram valoradas ou não foram suficientemente valoradas no acórdão recorrido.

- Para prova dos factos, o tribunal valorou, para além do relatório social acerca do arguido, o depoimento da testemunha EE, irmã do arguido, tendo até referido na motivação que esta testemunha referiu que “vivemos sempre na mesma casa até aos 2 anos dele (a testemunha 9 anos); depois ele foi para um colégio.” E que a “testemunha vivia no ... e o arguido na ..., ia vê-lo de mês a mês”, esclarecendo que ela “Verbalizou, ainda, que poderá ajudar o irmão a ir a consultas ao hospital”. Concluindo que “Em suma, estes depoimentos confirmam alguns dos factos do relatório social, no que tange ao apoio que esta irmã do arguido lhe proporcionava; ainda assim os contactos/visitas eram de apenas uma vez por mês, em regra – factos provados do relatório social.”

- Também não restam dúvidas que o tribunal “a quo” valorou os relatórios da perícia psiquiátrica forense de fls. 330 a 333 e de fls. 389 a 391, que o recorrente identifica como relatórios de 04/07/2024 e de 26/08/2024, fazendo constar expressamente do acórdão recorrido que “Relativamente à falta de consciência da ilicitude e inimputabilidade do arguido, o Tribunal valorou o Relatório de Perícia Médico-Legal – Psiquiatria de fls. 330-333 e fls. 389-391, já antes mencionado.”

- Ainda quando o acórdão se debruça sobre a medida da pena ou da medida de segurança, volta a referir que:

“No entanto, tendo presente a perícia psiquiátrica do arguido resultou assente a seguinte factualidade:

“(…)”.

Ora daqui resulta que a prova testemunhal e documental indicada pelo recorrente na motivação sob resposta foi devida e suficientemente valorada, resultando dela alguns dos factos dados como provados.

- No acórdão recorrido acerca da eventual suspensão da execução da medida de segurança de internamento fez-se escrever que “Não é caso, por outro lado, de suspensão da execução do internamento agora a decretar, pois que, ante as circunstâncias do caso, a anomalia de que padece o arguido, bem como a natureza e a acentuada gravidade do facto cometido, não se nos afigura ser razoavelmente de esperar que com tal suspensão da execução da medida se alcançará a finalidade da dita medida de segurança (cfr. art. 98° do Cód. Penal)”.

Aprofundemos.

- Na verdade, resulta da matéria dada como provada e com relevância para a ponderação de uma eventual suspensão da execução da medida de segurança que:

26- O arguido padece de uma Perturbação do Desenvolvimento Intelectual Moderada.

27- Sendo que nada data a prática dos factos agora imputados o seu comportamento era caracterizado por ser crónico e irreversível, que lhe provoca total ausência de crítica para os factos praticados.

28- No momento da prática dos factos o arguido não apresentava capacidade para se autodeterminar de acordo com a avaliação que fazia da realidade.

29- Por força da anomalia psíquica referida e face à ausência de adesão a tratamento psicofarmacológico, existe fundado receio que o arguido pratique novos factos de idêntica natureza.

- Resulta da matéria dada como provada, que não foi sequer impugnada, que o arguido padece de uma Perturbação do Desenvolvimento Intelectual Moderada, sendo por isso o seu comportamento crónico e irreversível, provocando-lhe uma total ausência de crítica para os factos praticados. O arguido no momento da prática dos factos não apresentava capacidade para se autodeterminar de acordo com a avaliação que fazia da realidade e, perante tal doença e ausência de adesão a tratamento psicofarmacológico, existe fundado receio que o arguido pratique novos factos de idêntica natureza.

- Mais resulta que enquanto o arguido residiu no agregado da mãe e padrasto contava com o apoio destes, sendo que desde que faleceu a mãe em 2017 e o padrasto foi institucionalizado em residência sénior na ..., o arguido passou a residir sozinho, em habitação situada no bairro social da ..., não tendo desde então qualquer acompanhamento junto do Departamento de Saúde Mental do Hospital Cova da Beira.

- No tocante a apoio familiar o arguido conta com o apoio da irmã EE, que apenas mediante as suas possibilidades lhe vai prestando o apoio possível, sendo que as suas demais irmãs não estão disponíveis para o apoiar.

- Anote-se que o depoimento da testemunha EE, ao qual também se refere o recorrente, não foi de todo convincente no sentido de um efectivo, próximo e adequado acompanhamento.

- Veja-se a esse propósito que isso mesmo resulta do acórdão recorrido quando nele se escreveu a propósito da valoração de tal depoimento que a “testemunha vivia no ... e o arguido na ..., ia vê-lo de mês a mês”, esclarecendo que ela “Verbalizou, ainda, que poderá ajudar o irmão a ir a consultas ao hospital”.

- Assim, evidente se torna que inexistem condições para que verifique um ambiente preparado para as suas necessidades a que se refere os relatórios periciais de psiquiatria para que se possa minimizar os riscos de eventos futuros. Não é expectável, perante tal factualidade, que em caso de suspensão da execução da medida de segurança, exista o exigido acompanhamento regular que vise o treino de competências e aptidões sociais, necessitará sempre, em maior ou menor grau, de ajuda e supervisão dirigida às suas necessidades a que se referem os relatórios periciais psiquiátricos.

- Na verdade, tal como resulta dos mesmos relatórios periciais, este apoio, na ausência de uma retaguarda familiar, poderá ser prestado por instituição vocacionada para este tipo de casos, pressupondo, em nossa opinião, um efetivo internamento do arguido.

- Assim, bem andou o tribunal “a quo” quando não suspendeu a execução da medida de segurança de internamento aplicada ao arguido, uma vez que não é razoável esperar que com a suspensão se alcance a finalidade da medida precisamente por essa falta de apoio ao arguido.

- Afigura-se-nos unanime o entendimento na doutrina e jurisprudência no sentido de que ao prazo máximo de duração da medida de segurança deve proceder-se ao desconto dos períodos de detenção e de privação da liberdade por efeito de aplicação de medida de coacção (prisão preventiva e/ou obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica) sofrida pelo arguido na medida de segurança aplicada, tal como acontece relativamente às penas, atento o disposto no art.º 80º, n.º 1 do Código Penal.

- Assim, tendo em conta que ao arguido foi aplicada a medida de coacção de prisão preventiva, se o desconto da prisão preventiva é efetuado nas penas de prisão aplicadas então, pelas mesmas razões se justificará a extensão do mesmo regime às medidas de segurança, porquanto sendo a liberdade a regra e a privação dela a excepção, não faria sentido discriminar negativamente neste ponto o arguido sujeito a medida de segurança, não se vislumbrando qualquer incompatibilidade entre os fins da prisão preventiva e a medida de segurança que as afaste reciprocamente.

- Mas, embora assim se entenda que deva ser, a questão do desconto da prisão preventiva ao limite máximo da medida de segurança é questão que apenas importará na execução propriamente dita da medida de segurança, pelo que bem andou o tribunal “a quo” ao não efectuar qualquer desconto na medida de segurança por não dever ali ser feito”.

6. Também a assistente veio responder ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela sua improcedência e manutenção do acórdão recorrido, concluindo que:

“1-  Vem o presente, aliás, douto recurso interposto pelo Recorrente/Arguido, da, aliás, douta sentença recorrida, que com os demais sinais dos autos, não só julgou o arguido, autor material dos factos constitutivos da prática de um crime de violação (agravado) previsto e punível pelos artigos 164º nºs 1 e 2 e 177º mº1 al. c) do Código Penal (não se verificando o elemento subjetivo do tipo e de um crime de violação de domicilio p e p pelos artigos 190º nº 3 do Código Penal (não se verificando o elemento subjetivo do tipo) como também declarou o Arguido/Recorrente, inimputável e perigoso, decretando-lhe medida de segurança de internamento em estabelecimento adequado por período não superior a a3 anos e 4 meses e mínimo de 3 anos (cfr 501 nº 1 do C.P.P), findando, dentro deste limite temporal máximo, quando o Tribunal verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que deu origem - ocorrendo a revisão obrigatória do internamento após um ano - nos termos do disposto no artigo 93º, nº 2 do Código Penal, não sendo tal medida suspensa, por motivo da gravidade dos factos praticados e perigosidade do agente, condenando ainda o arguido /demandando a pagar à demandante DD a quantia de 3 000€ como compensação pelos danos morais sofridos, quantia esta, sobre a qual recairão juros de mora à taxa legal após a presente decisão e até integral pagamento.

2-   Quanto à matéria de facto, a Respondente considera que o Tribunal “A QUO” fez uma correta e douta apreciação relativamente à dinâmica como ocorreram os factos e as consequências por estes provocadas à Respondente e à situação pessoal do Recorrente.

3-   A prova produzida foi analisada de uma forma séria e ponderada pelo Tribunal “A QUO” que formou a sua convicção livremente, segundo as regras técnico jurídicas temperadas pelas regras da experiência de vida.

4-   Quanto à matéria de direito, o tribunal “A QUO” fez correta aplicação das normas legais aplicáveis relativamente aos crimes imputados ao Recorrente (sem os elementos subjetivos), bem como à inimputabilidade do Recorrente e o seu grau de perigosidade, danos dos factos causados à Respondente e o valor da indemnização que lhe foi atribuído.

5-   A decisão, aliás douta, proferida pelo Tribunal “A QUO”, não merece qualquer reparo, mostrando-se exaustivamente fundamentada, tendo sido decididas de forma clara, justa e correta as questões submetidas.

6-   Se bem foi entendido o raciocínio do Recorrente, este partiu do pressuposto de que o Tribunal “A QUO” desconsiderou a matéria de facto, ao não avaliar o depoimento da irmã do Recorrente, D. EE, bem como os relatórios elencados, devendo a medida de internamento ser suspensa e o pedido cível desconsiderado por não ter atendido a situação económica da Assistente, devendo ainda a medida de coação ser alterada.

7-   Tal conforme resulta do douto Acórdão, o Tribunal “A QUO” não desconsiderou qualquer matéria do facto, indispensável à boa decisão da causa, pelo contrário, realizou uma adequada análise crítica de todos os elementos, documentos e depoimentos prestados, não se vislumbrando a desconsideração elencada pelo Recorrente, relativamente ao depoimento de sua irmã EE, bem como dos relatórios periciais por si indicados. Todos os elementos foram adequadamente considerados e analisados, certo que, o Tribunal “A QUO” não esqueceu nem omitiu que o Recorrente é um cidadão inimputável, perigoso, carecendo de tratamento psiquiátrico adequado, existindo risco de prática no futuro, de atos semelhantes aos por si praticados nos presentes autos, pelo que e face ao seu grau de perigosidades e não possuindo o mesmo as condições adequadas para ser tratado fora de estabelecimento adequado, não há condições para que a medida que lhe foi decretada, seja suspensa.

8-   Aliás, se assim não fosse, o Recorrente colocaria em causa a segurança da comunidade, com todas as consequências daí decorrentes, certo que e frisasse, que num passado recente o Recorrente já beneficiou da suspensão de uma medida de internamento, nomeadamente no âmbito do processo nº 43/16...., tendo posteriormente praticado os factos dos presentes autos, certo que e desde a morte de sua mãe ocorrida em 2017, vive sozinho, na sua habitação na ..., tendo deixado de tomar a medicação adequada, tudo com o conhecimento da sua irmã, e sem que esta tivesse tomado alguma providência no sentido de ajudar o Recorrente, dizendo agora que está disponível para o ajudar, vivendo esta a 18 Km da sua residência…tal disponibilidade e como não podia deixar de ser, não foi assim atendida pelo Tribunal “AQUO”.

9-   Por outro lado e no tocante ao pedido de alteração de medida de coação que o Recorrente solicitou, consideramos que o despacho da Exma. Juiz do Tribunal “A QUO”, que recaiu sobre tal situação, é objetivo, está devidamente fundamentado e como tal não merece qualquer censura devendo assim ser mantido

10- No tocante aos danos reclamados pela Respondente/Demandante e que ainda se mantêm, são particularmente graves e verdadeiramente muito intensos, conforme reconhecido pelo Tribunal “A QUO” e resulta da matéria de facto dada como provada e aqui se dá por integralmente reproduzida.

11- Os danos morais acabados de descrever assumem gravidade suficiente para serem tutelados pelo Direito.

12- Relativamente ao quantum indemnizatório, remete-se para a apreciação feita pelo Tribunal “A QUO”.

13- Não se vislumbra como pode a avaliação de tais danos estar condicionada à avaliação das condições económicas da Respondente, aliás, nem o Recorrente explica tal argumento.

14- A determinação do valor da compensação que foi atribuída pelo Tribunal “A QUO”, foi realizada de acordo com os princípios incertos nos artigos 483º, nº 1 e 489º ambos do Código Civil, pelo Tribunal “A QUO”.

15- Só os princípios fundamentais da oralidade e imediação permitiram ao Tribunal captar o quão intensos foram os danos sofridos pela Respondente/Demandante, não havendo palavras suficientes para descrever fielmente em sentença, por mais dotes que se reconheçam ao Tribunal “A QUO” o que foi produzido na sessão de julgamento.

16- Parece-nos que o valor peticionado e posteriormente arbitrado, a não estar correto, é por pecar por defeito.

17- Entendemos que o Tribunal “A QUO” decidiu criteriosa e prudentemente a presente ação à prova produzida em audiência de julgamento, só poderia ter concluído pela condenação do Demandado ora Recorrente, como fez, e bem”.

7. O recurso foi remetido para este Tribunal da Relação e aqui, com vista nos termos do artigo 416º do Código de Processo Penal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da sua improcedência e manutenção do acórdão recorrido.

8. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo o arguido respondido ao douto parecer.

9. Respeitando as formalidades aplicáveis, após o exame preliminar e depois de colhidos os vistos, o processo foi à conferência, face ao disposto no artigo 419º, nº 3, alínea c), do Código de Processo Penal.

10. Dos trabalhos desta resultou a presente apreciação e decisão.

              *

       

        B - Fundamentação

 

1. O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, face ao disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que dispõe que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.

São, pois, apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (identificação de vícios da decisão recorrida, previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, pela simples leitura do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379º, nº 2, e 410º, nº 3, do mesmo diploma legal).

O que é pacífico, tanto a nível da doutrina como da jurisprudência (cfr. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., 2011, pág. 113; bem como o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ, nº 7/95, de 19.10.1995, publicado no DR 1ª série, de 28.12.1995; e ainda, entre muitos, os Acórdãos do STJ de 11.7.2019, in www.dgsi.pt; de 25.06.1998, in BMJ 478, pág. 242; de 03.02.1999, in BMJ 484, pág. 271; de 28.04.1999, in CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, pág. 193).

2. No caso dos autos, face às conclusões da motivação apresentadas pelo arguido, as questões a decidir são as seguintes:

- se devem ser aditados à factualidade provada os seguintes factos:

- O arguido apresenta uma Perturbação do Desenvolvimento Intelectual, que é uma condição crónica e irreversível.

- Embora não existam intervenções farmacológicas modificadoras da condição, ou seja, curativas, a medicação pode ser útil no controlo comportamental. A estas deverão ser associadas intervenções não farmacológicas, focadas no treino de competências e aptidões pessoais.

- O arguido beneficiaria idealmente da integração numa estrutura familiar que pudesse assegurar o suporte emocional e as necessidades diárias e o internamento não oferece benefício adicional e a institucionalização deverá ser considerada apenas quando não for possível garantir o adequado acompanhamento em ambulatório.

- torna-se necessário garantir o apoio diário, no que diz respeito ao cumprimento da medicação que venha a ser proposta e à adequada alimentação, entre outros. Este apoio poderá ser providenciado por um familiar e/ou por uma instituição.

- se a medida de segurança aplicada ao arguido deve ser suspensa na sua execução ou, caso assim não se entenda, se deve ser cumprida em regime ambulatório;

- se deveria ter sido descontado o período em que o arguido permaneceu em prisão preventiva;

- se a medida de coacção de prisão preventiva deve ser substituída pela medida de permanência na habitação, sob vigilância electrónica;

- se deveria ter sido apurada a condição económica da lesada para a determinação do valor de uma justa indemnização.

3. Para decidir das questões supra enunciada, vejamos a factualidade e motivação do acórdão recorrido.

“2.1- FACTOS PROVADOS:

- Da acusação:

1- A vítima, DD, nasceu a ../../1935, é viúva, tem problemas auditivos e reside sozinha numa habitação sita na Rua ..., na cidade ....

2- O arguido AA nasceu a ../../1979, é solteiro, e reside na Rua ... (...), Lt. ...., na cidade ....

3- No dia 18 de Abril de 2024, ao final da tarde, pelas 18:30 horas, o arguido AA deslocou-se à Rua ..., na cidade ... e tocou à campainha da residência da vítima EE, sita no número ...6, daquela rua.

4- Ao ouvir a campaínha, EE deslocou-se à janela para tentar perceber de quem se tratava e, não tendo logrado apurar a identidade da pessoa, por não ouvir aquilo que o arguido lhe dizia, desceu as escadas, deslocou-se à porta e abriu-a, tendo só nesse instante visto o arguido AA.

5- Quando se apercebeu que não conhecia AA, e com receio daquilo que ele lhe pudesse fazer, EE tentou fechar a porta, contudo foi impedida pelo arguido que, de imediato e com recurso ao uso da força, entrou na residência da vítima, colocou-se entre ela e a porta e, logo em seguida, trancou a porta com a chave e colocou um vaso que ali se encontrava encostado à porta do lado de dentro.

6- De imediato, o arguido AA despiu a vítima EE da cintura para baixo, tirando-lhe as calças, as cuecas e as meias que a mesma trazia vestidas e, acto contínuo, despiu toda a roupa que tinha vestido, ficando desnudado.

7- Após, o arguido AA agarrou EE com força e carregou-a ao colo até ao primeiro andar da habitação, levou-a para um quarto ali existente, onde a vítima costuma ter algumas “tralhas” por arrumar, e deitou-a em cima da cama, virada de frente para si.

8- Concomitantemente, e com receio daquilo que o arguido lhe iria fazer, EE começou a gritar muito alto por socorro e tentou libertar-se e afastar o arguido de si, arranhando-o nos braços, no rosto e no tronco, desferindo-lhe chapadas e apertando-lhe o pescoço, mas sem sucesso.

9- Aflita, em pânico e sem se conseguir libertar, EE continuou a gritar muito alto por socorro, na esperança que alguém lhe acudisse.

10- Não obstante, e indiferente à circunstância de EE ser uma pessoa idosa e de aparência frágil, o arguido AA colocou-se por cima de EE e, com o peso do seu corpo, forçou a vítima a manter-se deitada na cama, debaixo de si, impedindo-a de se levantar.

11- Nessa posição, o arguido afastou as pernas de EE e introduziu os seus dedos na vagina da vítima, contra a vontade da mesma.

12- Enquanto o arguido manteve o descrito acto sexual, contra sua vontade, EE tentou sempre libertar-se e afastar o arguido de si, mas sem sucesso.

13- A dada altura, a vizinha FF ouviu os gritos de EE a pedir ajuda e ligou de imediato a GG, por saber que esta tinha na sua posse uma chave de acesso à habitação da vítima.

14- Ao receber o telefonema, GG pediu à filha HH que se deslocasse àquela habitação para averiguar o que se passava, o que esta fez.

15- Contudo, por não ter conseguido entrar na habitação e ao ouvir os gritos de EE, HH contactou de imediato a Polícia de Segurança Pública (doravante PSP) da ... e o filho da vítima, II, que se deslocaram ao local.

16- Poucos minutos depois, chegaram ao local os Agentes da PSP JJ e KK que, utilizando a chave da habitação facultada por HH, abriram a fechadura da porta e empurraram a mesma de modo a afastar o vaso que o arguido ali tinha colocado para impedir a sua abertura.

17- Após, os agentes da PSP subiram as escadas, entraram no quarto e encontraram o arguido AA, todo nu, deitado em cima da vítima EE, estando a idosa deitada em cima da cama, virada para cima (na posição de decúbito dorsal) e de pernas abertas, a gritar por socorro.

18- De imediato, os Agentes da PSP retiraram o arguido de cima da vítima e procederam à sua algemagem e detenção.

19- Enquanto isso, o arguido AA afirmava “ela gosta, ela gosta”.

20- Como consequência, directa e necessária, da descrita actuação do arguido, a vítima EE sentiu dores e sofreu as seguintes lesões:

- Face: ténue vestígio de escoriação na metade esquerda da região mentoniana, sensivelmente linear, medindo 1,5cm de comprimento;

- Membro superior direito: três escoriações com crosta cicatricial no cotovelo, a maior com 0,5cm de diâmetro e a menor puntiforme; escoriação no terço proximal da face posterior do antebraço, medindo 1,5cm de comprimento;

− Membro superior esquerdo: vestígio cicatricial, rosado, no cotovelo, medindo 0,5cm de diâmetro.

21- Tais lesões determinaram um período de doença fixável em 8 dias, sem afetação da capacidade de trabalho geral.

22.º - Ao actuar da forma descrita, o arguido quis manter contacto físico e praticar actos sexuais com EE nos termos acima referidos, com o propósito de satisfazer os seus instintos libidinosos e apetites sexuais, não obstante estar ciente que EE era uma pessoa idosa, debilitada fisicamente, e que a obrigava, sob violência física, a sujeitar-se e manter consigo actos sexuais de introdução vaginal de partes do seu corpo (introdução de dedos na vagina) consigo, e que o fazia sem o seu consentimento e contra a sua vontade.

23- O arguido não se coibiu de assim actuar, recorrendo não só à sua robustez e superioridade física, atenta a idade avançada e estado de saúde da vítima, mas também à sua força física, de molde a colocá-la numa situação de difícil defesa, que lhe permitisse manter com a mesma as descritas práticas sexuais e satisfazer os seus intentos e instintos sexuais sem que aquela pudesse oferecer qualquer tipo de resistência, o que conseguiu.

24- Ao praticar os factos descritos, o arguido estava ainda ciente de que a vítima não pretendia ter quaisquer actos ou práticas sexuais consigo e desse modo agia contra a vontade expressa daquela, e que atentava contra a vontade e a autodeterminação sexual da vítima, agindo à revelia da sua vontade e dispondo do seu corpo e da sua sexualidade, e não obstante, quis obrigar a vítima EE a suportar os referidos actos sexuais.

25- O arguido quis entrar na habitação da ofendida, sem autorização da mesma, no caso cometido por meio de violência, através do uso da força física sobre a pessoa da ofendida e sobre a porta da mesma, como forma de fazer valer a sua vontade.

26- O arguido padece de uma Perturbação do Desenvolvimento Intelectual Moderada.

27- Sendo que nada data a prática dos factos agora imputados o seu comportamento era caracterizado por ser crónico e irreversível, que lhe provoca total ausência de crítica para os factos praticados.

28- No momento da prática dos factos o arguido não apresentava capacidade para se autodeterminar de acordo com a avaliação que fazia da realidade.

29- Por força da anomalia psíquica referida e face à ausência de adesão a tratamento psicofarmacológico, existe fundado receio que o arguido pratique novos factos de idêntica natureza.

                  ***

- Da discussão da causa e dos autos, com relevo para a decisão de mérito:

1- AA sempre residiu no agregado da mãe e padrasto, contando com o apoio destes.

2- Em 2017 faleceu a mãe (o padrasto foi institucionalizado em residência sénior na ...), passando a residir sozinho, em habitação situada no bairro social da ....

3- A nível familiar conta com o apoio da irmã EE, que mediante as suas possibilidades lhe vai prestando o apoio possível.

4- O arguido tem outras irmãs, mas não estão disponíveis para o apoiar, não existindo laços de proximidade, referindo que o mesmo no seio familiar apresentava um comportamento instável e agressivo.

5- O arguido teve meningite com 18 meses, tendo ficado com sequelas cognitivas.

6- Segundo informação recolhida junto do Departamento de Saúde Mental do CHUCBeira e de familiares, o arguido já foi acompanhado/medicado para a sua estabilidade mental, mas desde o falecimento da mãe que não existem registos da continuidade do mesmo.

7- No processo 43/16...., AA foi considerado inimputável, portador de uma debilidade mental moderada, tendo-lhe sido aplicada uma medida de internamento, suspensa, com acompanhamento da DGRSP.

8- Iniciou a atividade escolar com idade regulamentar, tendo concluído o 4º ano de escolaridade na CERGIG da ..., Instituição que frequentou até aos 12 anos, passando desde então a residir no agregado da mãe.

9- Ainda fez várias tentativas de encontrar uma actividade laboral regular, mas por dificuldades de comunicação e inadaptação, resultaram sempre em fracasso - apesar de no meio lhe reconhecerem capacidade e “jeito” para a electricidade e mecânica, efectuando vários “biscates”, de onde retira algum complemento financeiro.

10- Costuma realizar trabalho esporádico na apanha da fruta e em tarefas agrícolas.

11- Como ocupação de tempos livres, dedicava-se ao cultivo e manutenção de horta comunitária, cedida pela Junta de Freguesia ....

12- Como rendimento mensal recebe pensão social de 370 euros, como despesas, apresenta a renda no valor de 7 euros mensais e cerca de 40 euros de despesas com a gestão da habitação (água, luz e gás).

13- Trata-se de habitação social, pertencente à Câmara Municipal ..., com condições de habitabilidade.

14- As despesas com a habitação são pagas pela irmã, com recurso à pensão de invalidez do arguido.

15- No meio residencial era conhecido pela sua problemática de saúde mental e pela dificuldade de audição e distúrbio na fala, não existindo rejeição à sua presença.

16- A presente situação processual causou forte impacto negativo na comunidade local, na da vítima pelo receio, insegurança e medo criado; na do arguido, causou surpresa pela gravidade da suposta prática dos factos em causa, pois no seu meio residencial estava bem referenciado, não estando conotado com problemática criminais.

17- AA, no âmbito do presente processo cumpre a medida de coação de prisão preventiva no E.P. ... desde 20/04/2024.

18- Até ao momento tem mantido um comportamento correto e cumpridor das normas Institucionais.

19- Como atividade ocupacional começou a frequentar o ensino escolar FB-1.

20- A nível de saúde, no E.P. ..., esteve presente em consulta de psiquiatria para avaliação, não tendo colaborado na mesma, não efetuando de momento qualquer tratamento/acompanhamento médico.

21- Estamos perante um arguido que apresenta acentuadas limitações ao nível da fala e audição, agravadas por uma debilidade mental moderada que lhe foi diagnosticada.

22- Como apoio no exterior, conta com a ajuda de uma irmã, a nível de géneros alimentícios, tendo o próprio que gerir e assegurar a sua subsistência.

23- Dispõe ainda da pensão de invalidez e do apoio social a nível de alojamento que lhe é prestado pela Câmara Municipal ....

23- O arguido não reconhece que padeça de nenhuma problemática de saúde mental.

                    ***

Do pedido de indemnização civil:

1- Dão-se aqui por reproduzidos os factos provados n.os 1 a 28 da acusação.

2- A demandante face ao comportamento do demandado, ficou traumatizada, certo que tal “episódio”, marcou-a para a sua vida.

3- A demandante após o episódio de que foi vítima, ficou estupefacta, revoltada, ansiosa, medrosa, triste, indignada e nervosa.

4- Razão pela qual, passou a ter dificuldades em adormecer.

5- Tendo necessidade de se socorrer de medicação para conseguir dormir.

6- Passou a andar sempre com muito medo, triste, muito chorosa e muito ansiosa.

7- Vindo constantemente à sua mente o “episódio” provocado pelo demandado.

8- Tal episódio criou um impacto emocional à demandante com sofrimento psicológico severo e fragilidade emocional.

9- Face a tal impacto e ao medo de permanecer sozinha na sua habitação, teve de ser acolhida na habitação do seu filho II, durante 10 dias, após os quais regressou ao seu domicílio, onde tomou providências, tais como trancar a porta da entrada, só a abrindo após se certificar quem é a pessoa que a pretende contactar.

10- Teve necessidade de acompanhamento psicológico que associado ao contínuo apoio familiar permitiu que conseguisse minimizar algumas das suas maiores vulnerabilidades, com o gradual regresso às suas rotinas.

11- Apesar do referido apoio psicológico e familiar, não consegue esquecer este lamentável “episódio”, continuando a viver momentos de medo e ansiedade, proferindo muitas vezes as seguintes expressões: “o meu coração começa a bater tão forte, quando penso no que aquele maluco me fez”, “sinto que perdi o controlo da minha vida” e “agora na minha idade, é que me havia de acontecer esta tormenta”.

12- De forma a evitar episódios semelhantes, passou a manter a porta sempre trancada, abrindo-a sempre e após confirmar pela janela de quem se trata.

13- Como também passou a sair de casa sempre acompanhada, restringindo suas deslocações a pequenas distâncias.

14- Para além de continuar a recorrer a fármacos para controlar a sua ansiedade.

15- Por não conseguir ultrapassar tal episódio e estado anímico, a demandante viu-se obrigada, desde a data em que tal episódio ocorreu, a consultas de psicologia de forma mensal, sendo acompanhada pela Dra. LL.

16- A qual, considera imprescindível que a demandante mantenha “acompanhamento psicológico e dos demais serviços com competências na matéria, objetivando, ressignificar memórias traumáticas e integrá-las de modo a que possa recuperar que afirma em diferentes momentos do acompanhamento psicológico, ter perdido assim como o controlo emocional”.

              *

2.2- FACTOS NÃO PROVADOS:

1- O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e puníveis pela lei penal, ciente da reprovabilidade da sua conduta.

2- O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei.

               *

2.3. MOTIVAÇÃO

Para formar a sua convicção sobre a matéria de facto provada, o tribunal baseou-se na análise crítica da prova produzida.

O arguido, não obstante apresentar evidentes limitações cognitivas e acentuadas limitações ao nível da comunicação oral, ainda assim, admitiu grande parte dos factos, como seja, ter entrado na casa da vítima, ter despido esta da cintura para baixo, despindo-se totalmente a si próprio, logo após a entrada na habitação, ter pegado na vítima ao colo, levando-a para um quarto no 1º nadar, onde a deitou sobre uma cama, deitando-se por cima desta; negou que lhe tenha introduzido os dedos na vagina, referindo que foi “apenas na pele” – querendo o arguido significar, no entender do Tribunal, que apenas terá apalpado a vítima na zona da vagina, sem ter introduzido os dedos na mesma; contudo, as declarações para memória futura por parte da vítima DD foram perfeitamente claras, prestadas de forma emotiva, contudo muito segura e, por isso credível, permitindo confirmar a ocorrência do factos assentes, entre estes a introdução dos dedos do arguido na vagina; de resto o arguido verbalizou perante os srs. Agentes da PSP, quando estes chegaram ao local “ela gosta ela gosta”; desta forma o Tribunal não teve dúvidas em dar como provados os factos em apreço, tendo por base a prova a que já se aludiu, bem como os depoimentos dos Srs. agentes da PSP que compareceram no local em que estava a vítima, deitada debaixo do arguido na cama; o único ponto em que a ofendida, pessoa já muito idosa (89 anos aquando dos factos), terá feito uma descrição inexacta, foi ao referir que o arguido não a deitou na cama, quando é certo que foi nesse local e posição que o arguido praticou os factos, foi ali que os agente da PSP encontraram a vítima – deitada debaixo do arguido, este por cima daquela, a última em estado de aflição sem se conseguir libertar e a pedir por socorro.

Os Srs. agentes da PSP JJ e KK prestaram depoimentos absolutamente claros e bastante assertivos, confirmando que a vítima “estava a esbracejar e com as mãos a defender-se do arguido, mandava-lhe as mãos ao peito, arranhava-o, e que tiraram o arguido de cima da Sra., tendo o arguido dito “ela gosta, ela gosta”.

Também confirmaram que logo ao entrar havia roupa no local, o que permitiu concluir pela verificação do facto (aliás, admitido pelo arguido) de que a vítima foi despida a cintura para baixo e levada para o 1º andar nessa condição, tendo o arguido despido a sua própria roupa na totalidade, e levando a vítima ao colo.

FF, vizinha da ofendida e que morava por baixo desta, ouvi-a gritar por socorro - “Ai que eu morro, ai quem me acode, vai-te embora”, dizia a EE a gritar.

Confirmou a testemunha que após os factos a ofendida foi ao hospital e depois para casa do filho e que esteve muitos dias sem ir às compras – o que permitiu ao Tribunal dar como provados os factos relativos ao sentimento de medo com que ficou a vítima, por virtude dos factos ocorridos.

Também HH confirmou ter ido á casa da vítima, pois a mãe da ora depoente tinha uma chave da casa, confirmou que a porta estava fechada à chave, e bloqueada, só abria um bocadinho, `”forçámos a entrada”; ao entrar viu roupa de homem, calças, sapatilhas…. “Fiquei receosa de entrar, chamámos a autoridade..”

Ouvia “acudam, acudam” só se ouvia ela gritar, aflita.

Tal depoimento contribuiu para formar a convicção do Tribunal no sentido de dar como provadas as circunstâncias e os factos ocorridos logo após a entrada do arguido na casa.

Referiu ainda a testemunha, em síntese, que “conhece a D. EE há mais de 50 anos; ela é trabalhadora, activa, muito expressiva, ficou uma pessoa apagada; isto marcou-a (na altura 89 anos).

Ela esteve uns tempos em casa do filho, depois voltou para casa, mais triste, com medos, agora não abre a porta sem ir à janela verificar quem é.

Teve necessidade de psicóloga, era acompanhada.

Compras agora vai o filho, deixou de ir à praça.

Sabe que ela recorreu a medicamentos.

Ela neste momento está num lar, também pelo receio de estar sozinha”.

Tal depoimento contribui para a prova dos factos atinentes ao pedido cível e danos morais ocorridos.

Também GG, a qual tinha a chave da casa da D. EE, confirmou ao Tribunal ter recebido chamada telefónica de uma vizinha que lhe transmitiu que a EE gritava “acudam acudam” – pelo que disse à filha para se deslocar ao local (veja-se o depoimento de HH, filha da ora testemunha).

Quanto à testemunha LL, psicóloga, confirmou ao Tribunal ter feito o acompanhamento psicológico da D EE, desde 23.04.2024; confirmou o teor do relatório datado de 11.10.2024 (junto aos autos através do e-mail refª 3747986, de 16.10.2024) no qual se alude a “sofrimento psicológico severo e fragilidade emocional” – após este acontecimento foi acolhida em casa do filho e muito receio de regressara a sua casa, deixou de fazer o que fazia antes dos factos; vive desregulada, na própria casa perdeu a segurança, deixou de sair para fazer compras, só com o filho, perdeu autonomia, começou a ficar condicionada.

O acontecimento marcou profundamente a D EE, não só na altura dos factos, como agora.

Pretendeu viver num Lar para se sentir mais acompanhada, confirma.

Tal depoimento deixou bem claro perante o Tribunal as profundas marcas psicológicas que os factos deixaram na vítima, factos que o tribunal deu como provados.

Já a testemunha II, filho da vítima, confirmou que ao chegar a casa de sua mãe encontrou vasos partidos, roupa no meio do chão, “a meio as escadas cuecas da minha mãe, carpete fora dos paus nalguns sítios, minha mãe com bata vestida.

Depois os Srs. agentes trouxeram o arguido algemado para baixo.

A mãe estava transtornada e com ferimentos na cara, ao acompanhá-la ao hospital ferimentos nas costas e em vários sítios do corpo.

Depois a mãe foi para minha casa 10 dias; reforçou a dose de comprimidos para dormir; disse que queria ir para Lar, que estava mais acompanhada.

Acontecimento marcante para a vida dela e para a minha.

Mãe mais triste e chorosa; falava muitas vezes neste episódio.

Tal depoimento, prestado de modo absolutamente seguro, contribuiu para o tribunal dar como provados os factos correspondentes, sobretudo relativos às sequelas psicológicas (danos morais).

No que tange às testemunhas indicadas pela defesa:

O sr. Presidente da Junta de Freguesia ..., (MM) confirmou, em síntese, que o arguido era residente na zona da Junta de Freguesia, que o conhecia há 2 ou 3 anos; mais referiu que o AA tem um talhão da horta comunitária há 2 ou 3 anos e que o mesmo tem autonomia para tratar o seu talhão (facto constante do relatório social, dado comos assente); que existem algumas limitações de comunicação com o AA, com um bocadinho de dificuldade conseguimos chegar à compreensão.

EE (irmã do arguido) referiu ao Tribunal que “vivemos sempre na mesma casa até aos 2 anos dele (a testemunha 9 anos); depois ele foi para um colégio.

A ora testemunha vivia no ... e o arguido na ..., ia vê-lo de mês a mês.

Verbalizou, ainda, que poderá ajudar o irmão a ir a consultas ao hospital.

Em suma, estes depoimentos confirmam alguns dos factos do relatório social, no que tange ao apoio que esta irmã do arguido lhe proporcionava; ainda assim os contactos/visitas eram de apenas uma vez por mês, em regra – factos provados do relatório social.

As declarações do arguido, declarações para memória futura da assistente e depoimentos das testemunhas, foram conjugados com a demais prova dos autos, referida na douta acusação, a saber:

 Documental:

. Auto de notícia de folhas 2-3, 125-127;

. Auto de denúncia de folhas 9-9v.º e 123-124;

. Episódio de Urgência n.º ...21, pertencente a DD, de folhas 7 do apenso A e fls. 134 dos autos principais (Nuipc 113/24....);

. Certidões de assentos de nascimento de folhas 28-29;

. Pesquisas de folhas 25-27 (dados relativos ao arguido);

. Informação de piquete de folhas 3-4 do Apenso A e 120-121 dos autos principais

(Nuipc 113/24....);

. Relatório de diligências iniciais de folhas 11-17 do Apenso A e 128-133 dos autos principais (Nuipc 113/24....);

. Auto de apreensão de folhas 25 do Apenso A e 140 dos autos principais (Nuipc 113/24....);

Informação civil de folhas 26 e 27 do Apenso A e 141-142 dos autos principais (Nuipc 113/24....);

. Reportagem Fotográfica de folhas 32-35 do Apenso A (Nuipc 113/24....);

. Reportagem Fotográfica de folhas 54-62 do Apenso A (Nuipc 113/24....);

. Relatório do exame inspecção judiciaria de folhas 38-53 do Apenso A e 145-179 dos autos principais (Nuipc 113/24....),

. Documentação clínica de fls. 213-215;

. Certidão de fls. 268-273;

Pericial:

- Relatório da perícia de natureza sexual de folhas 218-219;

- Relatório pericial de criminalística biológica de folhas 300-302 e fls. 374-378;

- Relatório da perícia psiquiátrica forense de folhas 330-333 e fls. 389-391.

O c.r.c. do arguido permitiu concluir pela inexistência de antecedentes criminais por parte do arguido.

Do relatório social retirou o Tribunal os factos relativos ao modo de vida e condição sócio-económica do arguido.

Relativamente à falta de consciência da ilicitude e inimputabilidade do arguido, o Tribunal valorou o Relatório de Perícia Médico-Legal – Psiquiatria de fls. 330-333 e fls. 389-391, já antes mencionado.

Quanto ao pedido de indemnização civil, os factos colheram a sua fundamentação nos elementos de prova já referidos e bem assim, no documento junto com o pedido de indemnização, o que permitiu ao Tribunal dar como provados os factos acima referidos e atribuir uma indemnização à vítima, a título de equidade”.

              *

             *

4. Cumpre agora apreciar e decidir.

Começa-se por apreciar se devem ser aditados à factualidade provada os seguintes factos:

- O arguido apresenta uma Perturbação do Desenvolvimento Intelectual, que é uma condição crónica e irreversível.

- Embora não existam intervenções farmacológicas modificadoras da condição, ou seja, curativas, a medicação pode ser útil no controlo comportamental. A estas deverão ser associadas intervenções não farmacológicas, focadas no treino de competências e aptidões pessoais.

- O arguido beneficiaria idealmente da integração numa estrutura familiar que pudesse assegurar o suporte emocional e as necessidades diárias e o internamento não oferece benefício adicional e a institucionalização deverá ser considerada apenas quando não for possível garantir o adequado acompanhamento em ambulatório.

- torna-se necessário garantir o apoio diário, no que diz respeito ao cumprimento da medicação que venha a ser proposta e à adequada alimentação, entre outros. Este apoio poderá ser providenciado por um familiar e/ou por uma instituição.

Alega o recorrente que foi desconsiderado matéria de facto indispensável à boa decisão da causa.

Não foi devidamente valorado o depoimento da testemunha EE, prestado no dia 18-02-2025 e gravado no sistema citius de apoio aos tribunais.

A testemunha foi considerada credível e depôs essencialmente sobre factos relacionados com as condições pessoais do arguido e ainda sobre a possibilidade de lhe prestar o necessário suporte, quer familiar/habitacional e social, já que se encontra disponível para recebê-lo em sua casa, prestando designadamente habitacional, alimentação, apoio a nível médico comprometendo-se a fazê-lo comparecer em consultas que lhe sejam marcadas, todas estas circunstâncias recolhidas do depoimento prestado pela mesma na diligência de audiência de julgamento que teve lugar no dia 18 de fevereiro de 2025, gravado entre as 15:01 e as 15:13,

Não foram suficientemente valorados os relatórios médicos juntos aos autos relativamente às repercussões destas sequelas, nomeadamente: o Relatório de 04/07/2024 – Ponto V.

Também não foram suficientemente valorados estes relatórios no que respeita ao juízo de prognose relativo à perigosidade do arguido: - Relatório de 04/07/2024 e Relatório de 26/08/2024.

Acresce que, certamente por lapso, não foi valorado o Relatório Pericial de ficheiro 4 nos autos em 03/03/2025 Refª 3908920.

Deste Relatório é possível extrair factos relevantes para a boa decisão da causa a saber:

- O arguido apresenta uma Perturbação do Desenvolvimento Intelectual, que é uma condição crónica e irreversível.

- Embora não existam intervenções farmacológicas modificadoras da condição, ou seja, curativas, a medicação pode ser útil no controlo comportamental. A estas deverão ser associadas intervenções não farmacológicas, focadas no treino de competências e aptidões pessoais.

- O arguido beneficiaria idealmente da integração numa estrutura familiar que pudesse assegurar o suporte emocional e as necessidades diárias e o internamento não oferece benefício adicional e a institucionalização deverá ser considerada apenas quando não for possível garantir o adequado acompanhamento em ambulatório.

- torna-se necessário garantir o apoio diário, no que diz respeito ao cumprimento da medicação que venha a ser proposta e à adequada alimentação, entre outros. Este apoio poderá ser providenciado por um familiar e/ou por uma instituição.

Pois bem.

Estipula o artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal que “ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.

 Por sua vez, dispõe o artigo 379º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal, que “é nula a sentença que não contiver as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do artigo 374.º …”.

Em face do disposto no artigo 368º, nº 2, do Código de Processo Penal, a enumeração dos factos provados e não provados traduz-se na tomada de posição por parte do tribunal sobre todos os factos sujeitos à sua aprecia­ção e sobre os quais a decisão terá de incidir, isto é, sobre os factos constantes da acusação ou da pronúncia, da contestação e do pedido de indemnização, e ainda sobre os factos com relevância para a decisão que, embora não constem de nenhuma daquelas peças processuais, tenham resultado da discussão da causa.

Dispõe expressamente o nº 4 do artigo 339º do mesmo diploma legal que “… a discussão da causa tem por objeto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência …”.

Assim, na enumeração dos factos provados e não provados relevam aqueles que foram efetivamente considerados e apreciados pelo tribunal e sobre os quais recaiu um juízo de prova.

Neste sentido veja-se o Ac. da RC de 24.4.2019, in www.dgsi.pt, segundo o qual “a enumeração dos factos provados e não provados a integrar a fundamentação que obrigatoriamente deve constar na sentença traduz-se na tomada de posição por parte do tribunal sobre todos os factos sujeitos à sua apreciação e em relação aos quais a decisão terá de incidir, incluindo os que, embora não fazendo parte da acusação ou da pronúncia, da contestação, do pedido de indemnização e da contestação a este, tenham resultado da discussão da causa e revestem relevância para a decisão”.

Pode ler-se no mesmo aresto que “quanto ao âmbito material desse enunciado, diz-nos o artigo 339.º, n.º 4 do CPP que a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação, os factos alegados pela defesa e os factos que resultarem da prova produzida em audiência, tendo em vista as finalidades a que se referem os artigos 368.º (questão da culpabilidade) e 369.º (questão da determinação da sanção). … No fundo, a enumeração dos factos provados e não provados a integrar a fundamentação que obrigatoriamente deve constar na sentença, em conformidade com os artigos 374º, nº 2, 339º, nº 4, 368º, nº 2 e 369º, traduz-se na tomada de posição por parte do tribunal sobre todos os factos sujeitos à sua apreciação e em relação aos quais a decisão terá de incidir, incluindo os que, embora não fazendo parte da acusação ou da pronúncia, da contestação, do pedido de indemnização e da contestação a este, tenham resultado da discussão da causa e revestem relevância para a decisão”.

Como afirma Sérgio Poças, “Da Sentença Penal – Fundamentação de Facto”, in Julgar, nº 3, 2007: “a fundamentação é uma exigência constitucional. De facto, dispõe o artigo 205º da Constituição da República Portuguesa que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.

Continua o mesmo autor afirmando que “o tribunal, como resulta nomeadamente do disposto nos artigos 339º, nº 4, 368º, nº 2, e 374º, nº 2, do CPP, deve indagar e pronunciar-se sobre todos os factos que tenham sido alegados pela acusação, pela contestação ou que resultem da discussão da causa e se mostrem relevantes para a decisão. Ou seja, ainda que para a solução de direito que o tribunal tem como adequada para o caso, se afigure irrelevante a prova de determinado facto, o tribunal não pode deixar de se pronunciar sobre a sua verificação/não verificação — o que pressupõe a sua indagação — se tal facto se mostrar relevante num outro entendimento jurídico plausível. É que em impugnação por via de recurso pode vir a ser considerado pelo tribunal ad quem que o facto sobre o qual o tribunal a quo especificadamente não se pronunciou por entender ser irrelevante, é afinal relevante para a decisão, o que determinará a necessidade de novo julgamento, ainda que parcial, com todas as maléficas consequências consabidas. Sejamos claros: indagam-se os factos que são interessantes de acordo com o direito plausível aplicável ao caso; dão-se como provados ou não provados os factos conforme a prova produzida. … Também os factos circunstanciais ou instrumentais — inequivocamente relevantes para a prova dos factos probandos — devem ser objecto de pronúncia por parte do tribunal”.

Revertendo ao caso concreto, começa-se por dizer que os factos que se pretendem aditar não constam de qualquer peça processual, mormente da contestação apresentada pelo arguido.

São factos que poderão resultar da prova produzida e, se forem relevantes para a decisão, devem constar do elenco da factualidade.

No que respeita ao depoimento da testemunha EE, o recorrente não concretizou os factos que o tribunal a quo deveria ter dado como provados.

Percebe-se, contudo, que seriam os factos atinentes ao apoio que esta testemunha poderia prestar ao arguido.

Neste particular resultou provado que:

3- A nível familiar conta com o apoio da irmã EE, que mediante as suas possibilidades lhe vai prestando o apoio possível.

4- O arguido tem outras irmãs, mas não estão disponíveis para o apoiar, não existindo laços de proximidade, referindo que o mesmo no seio familiar apresentava um comportamento instável e agressivo.

6- Segundo informação recolhida junto do Departamento de Saúde Mental do CHUCBeira e de familiares, o arguido já foi acompanhado/medicado para a sua estabilidade mental, mas desde o falecimento da mãe que não existem registos da continuidade do mesmo.

2- Como rendimento mensal recebe pensão social de 370 euros, como despesas, apresenta a renda no valor de 7 euros mensais e cerca de 40 euros de despesas com a gestão da habitação (água, luz e gás).

13- Trata-se de habitação social, pertencente à Câmara Municipal ..., com condições de habitabilidade.

14- As despesas com a habitação são pagas pela irmã, com recurso à pensão de invalidez do arguido.

20- A nível de saúde, no E.P. ..., esteve presente em consulta de psiquiatria para avaliação, não tendo colaborado na mesma, não efetuando de momento qualquer tratamento/acompanhamento médico.

22- Como apoio no exterior, conta com a ajuda de uma irmã, a nível de géneros alimentícios, tendo o próprio que gerir e assegurar a sua subsistência.

Relembra-se que esta matéria de facto provada não foi impugnada.

Aliás, está de acordo com o depoimento prestado pela dita testemunha, cujas passagens relevantes foram reproduzidas na peça recursória.

Como foi dito, o arguido não vive na casa de sua irmã, vivem distanciados cerca de 18Kms, após o falecimento da mãe, em 2017, a testemunha visitava o seu irmão cerca de uma vez por mês, após o falecimento da mãe, o arguido deixou de ir às consultas; a testemunha está disposta a ir às consultas com o seu irmão e, se necessário, ele poderá ficar na sua casa durante algum tempo.

Foi correctamente valorado o depoimento da testemunha, pelo que nenhuma outra matéria se afigura relevante para a boa decisão da causa.

No que respeita aos relatórios médicos, apenas foram concretizados os seguintes factos:

- O arguido apresenta uma Perturbação do Desenvolvimento Intelectual, que é uma condição crónica e irreversível.

- Embora não existam intervenções farmacológicas modificadoras da condição, ou seja, curativas, a medicação pode ser útil no controlo comportamental. A estas deverão ser associadas intervenções não farmacológicas, focadas no treino de competências e aptidões pessoais.

- O arguido beneficiaria idealmente da integração numa estrutura familiar que pudesse assegurar o suporte emocional e as necessidades diárias e o internamento não oferece benefício adicional e a institucionalização deverá ser considerada apenas quando não for possível garantir o adequado acompanhamento em ambulatório.

- torna-se necessário garantir o apoio diário, no que diz respeito ao cumprimento da medicação que venha a ser proposta e à adequada alimentação, entre outros. Este apoio poderá ser providenciado por um familiar e/ou por uma instituição.

Por sua vez, resultou provado que:

26- O arguido padece de uma Perturbação do Desenvolvimento Intelectual Moderada.

27- Sendo que na data da prática dos factos agora imputados o seu comportamento era caracterizado por ser crónico e irreversível, que lhe provoca total ausência de crítica para os factos praticados.

28- No momento da prática dos factos o arguido não apresentava capacidade para se autodeterminar de acordo com a avaliação que fazia da realidade.

29- Por força da anomalia psíquica referida e face à ausência de adesão a tratamento psicofarmacológico, existe fundado receio que o arguido pratique novos factos de idêntica natureza.

3- A nível familiar conta com o apoio da irmã EE, que mediante as suas possibilidades lhe vai prestando o apoio possível.

4- O arguido tem outras irmãs, mas não estão disponíveis para o apoiar, não existindo laços de proximidade, referindo que o mesmo no seio familiar apresentava um comportamento instável e agressivo.

6- Segundo informação recolhida junto do Departamento de Saúde Mental do CHUCBeira e de familiares, o arguido já foi acompanhado/medicado para a sua estabilidade mental, mas desde o falecimento da mãe que não existem registos da continuidade do mesmo.

12- Como rendimento mensal recebe pensão social de 370 euros, como despesas, apresenta a renda no valor de 7 euros mensais e cerca de 40 euros de despesas com a gestão da habitação (água, luz e gás).

13- Trata-se de habitação social, pertencente à Câmara Municipal ..., com condições de habitabilidade.

14- As despesas com a habitação são pagas pela irmã, com recurso à pensão de invalidez do arguido.

20- A nível de saúde, no E.P. ..., esteve presente em consulta de psiquiatria para avaliação, não tendo colaborado na mesma, não efetuando de momento qualquer tratamento/acompanhamento médico.

21- Estamos perante um arguido que apresenta acentuadas limitações ao nível da fala e audição, agravadas por uma debilidade mental moderada que lhe foi diagnosticada.

22- Como apoio no exterior, conta com a ajuda de uma irmã, a nível de géneros alimentícios, tendo o próprio que gerir e assegurar a sua subsistência.

23- O arguido não reconhece que padeça de nenhuma problemática de saúde mental.

Ora, perante esta factualidade provada, não impugnada, não são relevantes para a decisão os factos que se pretendem aditar. O arguido não reconhece que padeça de nenhuma problemática de saúde mental, não adere ao tratamento psicofarmacológico e não possui a integração ou o apoio familiar indispensável para assegurar as suas necessidades diárias, incluindo o cumprimento da medicação.

Face ao exposto, improcede esta pretensão do arguido.

              *

Passa-se agora a apreciar se a medida de segurança aplicada ao arguido deve ser suspensa na sua execução ou, caso assim não se entenda, se deve ser cumprida em regime ambulatório.

Alega o arguido que não foi suficientemente ponderada a possibilidade de suspender a execução da medida de segurança ou a aplicação da medida de segurança em regime ambulatório.

Os factos enunciados que constam dos autos (prova documental e testemunhal que se encontra nos autos) devem ser apreciados e julgados provados, sendo essenciais à boa decisão da causa e à realização da justiça.

Na verdade, sem eles não é possível ao julgador fazer uma correta apreciação acerca da verificação ou não das condições indispensáveis à decisão sobre a possibilidade de suspender a execução da medida de segurança ou a aplicação da medida de segurança em regime ambulatório.

Só na medida em que a suspensão da execução da medida de segurança ou a aplicação da medida de segurança em regime ambulatório, não se mostrarem adequadas, suficientes e proporcionais as finalidades da medida de segurança é que o tribunal deverá aplicar medida de segurança a cumprir em ambiente hospitalar ou equivalente.

Resulta pois, no entendimento do arguido, que não foi corretamente avaliada nem fundamentada a especial perigosidade do arguido de modo a justificar que a recuperação do inimputável e a neutralização da sua perigosidade só pode ser conseguida em regime de internamento em instituição hospitalar ou equiparada.

Ora, é sabido que, uma vez verificada a inimputabilidade do arguido, o seu internamento em estabelecimento de cura, tratamento ou segurança, depende exclusivamente de uma averiguação conclusiva no sentido de, em virtude da anomalia psíquica, se não for razoavelmente de esperar que não será possível de outro modo, nomeadamente em regime ambulatório, atingir a finalidade pretendida, isto é, a proteção dos bens jurídicos através da manutenção da integração do agente na sociedade.

No caso dos autos, como resulta da prova documental nos autos e conforme resulta da lei, e tem vindo a ser decidido pelos Tribunais Superiores, não se justifica o cumprimento efetivo da medida de segurança de internamento, pois:

- O arguido manteve comportamento correto e cumpridor das nomas Institucionais em ambiente prisional e denotou autonomia e capacidade para receber instruções e orientações básicas na atividade que desenvolveu em horta comunitária,

- O arguido tem apoio familiar que favorece a sua integração social, e assegurará condições de habitação, alimentação e apoio médico e medicamentoso.

- Nessas condições o arguido não carece de internamento em ambiente hospitalar sendo suficiente o tratamento e vigilância em ambulatório, com vigilância institucional e/ou familiar.

Vejamos, então.

Com a epígrafe Suspensão da execução do internamento, dispõe o artigo 98º do Código Penal que:

1 - O tribunal que ordenar o internamento determina, em vez dele, a suspensão da sua execução se for razoavelmente de esperar que com a suspensão se alcance a finalidade da medida.

2 - No caso previsto no n.º 2 do artigo 91.º, a suspensão só pode ter lugar verificadas as condições aí enunciadas.

3 - A decisão de suspensão impõe ao agente regras de conduta, em termos correspondentes aos referidos no artigo 52.º, necessárias à prevenção da perigosidade, bem como o dever de se submeter a tratamentos e regimes de cura ambulatórios apropriados e de se prestar a exames e observações nos lugares que lhe forem indicados.

4 - O agente a quem for suspensa a execução do internamento é colocado sob vigilância tutelar dos serviços de reinserção social. É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 53.º e 54.º

5 - A suspensão da execução do internamento não pode ser decretada se o agente for simultaneamente condenado em pena privativa da liberdade e não se verificarem os pressupostos da suspensão da execução desta.

6 - É correspondentemente aplicável:

a) À suspensão da execução do internamento o disposto no artigo 92.º e nos n.os 1 e 2 do artigo 93.º;

b) À revogação da suspensão da execução do internamento o disposto no artigo 95.º”.

Estipula o artigo 91º, nº2, do mesmo diploma legal que “quando o facto praticado pelo inimputável corresponder a crime contra as pessoas ou a crime de perigo comum puníveis com pena de prisão superior a cinco anos, o internamento tem a duração mínima de três anos, salvo se a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social”.

Como afirma Maia Gonçalves, in Código Penal Português, Anotado e Comentado, 18º Edição, 2007, pág. 407, “as medidas de segurança aplicáveis a inimputáveis não consistem necessariamente em medidas institucionais ou privativas da liberdade. Sendo possíveis a cura e a defesa da sociedade sem que se chegue a tais extremos, assim mesmo se fará. É desta ideia que dimana a faculdade, rectius, o poder-dever de o tribunal determinar a suspensão da execução da medida de internamento, quando for razoavelmente de esperar que com a suspensão se alcança a finalidade da medida: protecção dos bens jurídicos através da reintegração do agente na sociedade, curado no que concerne à eliminação da sua perigosidade. …

Através da suspensão da medida de internamento com imposição de regras de conduta e acompanhamento de regime de prova, consagra-se um tratamento não institucional para delinquentes inimputáveis”.

 “O fim, último das medidas de segurança é a protecção dos bens jurídico-criminais (artigo 40.º, n.º 1, 1.ª parte, do Código Penal).

No domínio do fim e funções das medidas de segurança, assinala AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, a prevenção especial de recuperação social do inimputável perigoso, através do tratamento da anomalia psíquica e ainda a inocuização ou neutralização da perigosidade criminal do infractor, através do internamento, enquanto aquela perigosidade subsistir.

Quanto à função de prevenção geral e no que respeita aos inimputáveis, «a única função que a medida de segurança desempenha é a prevenção geral positiva de pacificação social. Quebrantada ou perturbada a paz jurídica social pela prática de um ilícito típico grave, compreende-se que, independentemente do eventual desaparecimento da perigosidade criminal, haja um mínimo de tempo de privação da liberdade.

Assim se compreende o disposto no artigo 91º, nº 2.

Ainda segundo este autor, embora a medida de segurança aplicada a inimputáveis tenha por primeira função a prevenção especial de socialização (recuperação social) do inimputável e de neutralização da sua perigosidade criminal, ela também desempenha uma função secundária de prevenção geral de pacificação social. É secundária esta função e, por isto, é que ela só se afirma nos casos de ilícitos criminais muito graves.

Donde, a conclusão final de que, nos casos em que há necessidade social de pacificação, a respectiva dimensão da prevenção geral constitui o limite mínimo da medida de segurança privativa da liberdade - Ac. do STJ de 15.3.2017, in www.dgsi.pt.

A suspensão da execução do internamento tem, assim, como pressupostos:

1º - que o tribunal afira da verificação da totalidade dos pressupostos de que depende a aplicação da medida de segurança de internamento, nos termos do artigo  91º (artigo 98.°, n.º 1, primeiro segmento, «o tribunal que ordenar o internamento»);

2º - que emita um juízo de prognose favorável à suspensão da execução da medida (artigo 98.º, n.º 1, segundo segmento, «se for razoavelmente de esperar que com a suspensão se alcance a finalidade da medida»), isto é, que à suspensão se não oponham as necessidades de prevenção ou neutralização da perigosidade;

3º - no caso previsto no n.º 2 do artigo 91.º, que a suspensão seja consentida pela prevenção geral positiva de pacificação social (artigo 98º, nº2, «verificadas que se mostrem as condições aí enunciadas») – cfr. Ac. do STJ de 12.1.2017, in www.dgsi.pt.

Como se lê neste aresto, “a suspensão reclama que o tribunal adquira uma convicção fundada quanto à necessidade preventiva-especial de neutralização da perigosidade criminal e, no caso dos crimes referidos no n.º 2 do artigo 91.º, quanto à necessidade preventivo-geral de pacificação social, não imporem o internamento do inimputável.

Em suma que, num juízo de prognose, a liberdade se mostre adequada às necessidades de prevenção especial de recuperação do inimputável e de inocuização ou neutralização da perigosidade criminal, através do tratamento da anomalia psíquica, e de prevenção geral positiva de pacificação social”.

Voltando ao caso concreto, consta do acórdão recorrido o seguinte:

“Nestes termos, extrai-se da factualidade provada que o arguido no momento da prática dos factos, por força de uma anomalia psíquica de que padece, estava incapaz de avaliar a ilicitude do facto e de se determinar de acordo com essa avaliação. Ou seja, o arguido estava sem capacidade de discernir e avaliar a ilicitude dos seus atos.

Assim, o Tribunal conclui pela inimputabilidade do arguido.

Deste modo, excluindo-se a culpa do arguido, não pode o mesmo ser condenado pela prática dos crimes de que vem acusado, nem tão-pouco ser aplicável a este uma pena.

Em síntese, não se verifica o elemento subjectivo do tipo, sendo certo que a factualidade, objectivamente dada como assente, integra a prática de 1 (um) crime de violação, p. e p. pelo normativo supra citado – art. 164º, nº 2, al. b), do C.Penal.

Em conclusão, tendo presente tudo o já exposto, não se verificando o elemento subjetivo do tipo, o Tribunal conclui que o arguido é inimputável e perigoso – considerando a possibilidade de se repetirem actos da mesma natureza dos que tiveram lugar, como decorre da prova pericial psiquiátrica a que se fez alusão.

Ante o aludido quadro psíquico de que padece este arguido, determinante de incapacidade, no grau mencionado, de avaliação e determinação, aliado à natureza, e acentuada gravidade, do facto praticado – sobretudo a violação agravada - é de concluir agora pela verificação efectiva de fundado receio do cometimento futuro de outros factos da mesma espécie.

Por outro lado, ante a verificada deterioração do comportamento e da saúde mental, este arguido carece de tratamento psiquiátrico adequado.

Estão, pois, verificados os necessários pressupostos de aplicação de medida de segurança, medida essa que terá no caso de traduzir-se no internamento em estabelecimento adequado.

Quanto à duração da medida de internamento, dispõe o n.º 2 do dito art. 91° do Cód. Penal que "quando o facto praticado pelo inimputável corresponder a crime contra pessoas ou crime de perigo comum puníveis com pena de prisão superior a 5 anos” – como sucede no caso sub-judice - então o internamento tem a duração mínima de três anos salvo se libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social" (sic.).

O internamento findará, sem prejuízo do que vem de ser referido, quando o tribunal verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem (art. 92.°, n.º 1, do Cód. Pena1).

O internamento não pode exceder o limite máximo da pena correspondente ao tipo do crime cometido pelo inimputável (n.º 2 do dito art. 92.°) – no caso, 13 anos e 4 meses (cfr. art.os 164.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) e 3, e 177.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal).

Não é caso, por outro lado, de suspensão da execução do internamento agora a decretar, pois que, ante as circunstâncias do caso, a anomalia de que padece o arguido, bem como a natureza e a acentuada gravidade do facto cometido, não se nos afigura ser razoavelmente de esperar que com tal suspensão da execução da medida se alcançará a finalidade da dita medida de segurança (cfr. art. 98° do Cód. Pena1).

Por fim dir-se-á que, carecendo o arguido de tratamento, e vista a perigosidade do mesmo, o internamento haverá de ser em estabelecimento de tratamento (de natureza hospitalar, ou instituição análoga), onde o tratamento adequado possa ser assegurado e efectivamente aplicado (cfr. art.s 91.°, nº 1, do Cód. Penal, e 501.°, n.º l, do C.P.P.)”.

Adiantando, concorda-se inteiramente com esta apreciação efectuada pelo tribunal a quo.

Relativamente à aplicação da medida de segurança, esta não foi colocada em causa na peça recursória.

No que respeita ao juízo de prognose favorável, frisam-se os seguintes factos provados:

 

29- Por força da anomalia psíquica referida e face à ausência de adesão a tratamento psicofarmacológico, existe fundado receio que o arguido pratique novos factos de idêntica natureza.

1- AA sempre residiu no agregado da mãe e padrasto, contando com o apoio destes.

2- Em 2017 faleceu a mãe (o padrasto foi institucionalizado em residência sénior na ...), passando a residir sozinho, em habitação situada no bairro social da ....

3- A nível familiar conta com o apoio da irmã EE, que mediante as suas possibilidades lhe vai prestando o apoio possível.

4- O arguido tem outras irmãs, mas não estão disponíveis para o apoiar, não existindo laços de proximidade, referindo que o mesmo no seio familiar apresentava um comportamento instável e agressivo.

6- Segundo informação recolhida junto do Departamento de Saúde Mental do CHUCBeira e de familiares, o arguido já foi acompanhado/medicado para a sua estabilidade mental, mas desde o falecimento da mãe que não existem registos da continuidade do mesmo.

7- No processo 43/16...., AA foi considerado inimputável, portador de uma debilidade mental moderada, tendo-lhe sido aplicada uma medida de internamento, suspensa, com acompanhamento da DGRSP.

12- Como rendimento mensal recebe pensão social de 370 euros, como despesas, apresenta a renda no valor de 7 euros mensais e cerca de 40 euros de despesas com a gestão da habitação (água, luz e gás).

13- Trata-se de habitação social, pertencente à Câmara Municipal ..., com condições de habitabilidade.

14- As despesas com a habitação são pagas pela irmã, com recurso à pensão de invalidez do arguido.

16- A presente situação processual causou forte impacto negativo na comunidade local, na da vítima pelo receio, insegurança e medo criado; na do arguido, causou surpresa pela gravidade da suposta prática dos factos em causa, pois no seu meio residencial estava bem referenciado, não estando conotado com problemáticas criminais.

20- A nível de saúde, no E.P. ..., esteve presente em consulta de psiquiatria para avaliação, não tendo colaborado na mesma, não efetuando de momento qualquer tratamento/acompanhamento médico.

21- Estamos perante um arguido que apresenta acentuadas limitações ao nível da fala e audição, agravadas por uma debilidade mental moderada que lhe foi diagnosticada.

22- Como apoio no exterior, conta com a ajuda de uma irmã, a nível de géneros alimentícios, tendo o próprio que gerir e assegurar a sua subsistência.

23- O arguido não reconhece que padeça de nenhuma problemática de saúde mental.

Perante tal factualidade, mormente que o arguido não reconhece o problema de que padece e não adere a tratamento psicofarmacológico, conjugadamente com o parco apoio familiar que lhe é prestado, conclui-se, como fez o colectivo julgador, que o internamento efectivo revela-se necessário para que se efectue o tratamento adequado. O mesmo é dizer que a necessidade preventiva especial de neutralização da perigosidade criminal do recorrente não se satisfaz, no momento actual, com uma suspensão da medida de internamento, nem mesmo com um tratamento em regime ambulatório.

Aliás, já no processo 43/16...., o arguido foi considerado inimputável, portador de uma debilidade mental moderada, tendo-lhe sido aplicada uma medida de internamento, suspensa, com acompanhamento da DGRSP.

Por outro lado, atendendo à gravidade dos factos praticados e ao impacto que tiveram na comunidade (a presente situação processual causou forte impacto negativo na comunidade local, na da vítima pelo receio, insegurança e medo criado; na do arguido, causou surpresa pela gravidade da suposta prática dos factos em causa, pois no seu meio residencial estava bem referenciado, não estando conotado com problemática criminais) também a suspensão da execução do internamento não se mostra compatível com as necessidades de pacificação social reclamadas.

Assim, mesmo que as necessidades preventivas especiais de neutralização da perigosidade criminal consentissem a suspensão da execução do internamento (o que não é o caso), o mesmo já não acontece com as de prevenção geral de pacificação social, impondo estas o internamento efectivo do arguido.

Não estão, pois, verificados os referidos pressupostos para a suspensão da execução do internamento, nem mesmo para o tratamento em regime ambulatório.

A ser assim, bem andou o tribunal recorrido ao não suspender a execução do internamento aplicado ao recorrente.

             *

Próxima questão: se deveria ter sido descontado o período em que o arguido permaneceu em prisão preventiva.

Alega o arguido que não foi descontado o período em que permaneceu na situação de prisão preventiva.

É comum à pena e à medida de segurança o fim da defesa da sociedade, isto é, a natureza do meio ou medida de tutela jurídica, ou seja, a defesa da sociedade da atividade criminosa e/ou perigosa do arguido, objetivo comum às duas espécies de medidas.

Consequentemente, se se justifica o desconto da prisão preventiva nas penas de prisão aplicadas, também pelas mesmas razões se justificará a extensão do mesmo regime às medidas de segurança.

Ora, o facto do acórdão recorrido nada ter dito quanto a tal desconto, não significa que o mesmo não venha a ter lugar na execução da medida de internamento.

Simplesmente, o tribunal ainda não se pronunciou sobre essa questão, podendo fazê-lo em momento ulterior.

Neste sentido veja-se o Ac. da RC de 25.9.2024, in www.dgsi.pt, (sendo a aqui relatora aí adjunta) onde, em relação à pena, se afirma que “o desconto previsto no artigo 80.º do Código Penal deve ser efectuado na execução da pena de prisão a cumprir pelo condenado …”.

A ser assim, por inexistir ainda pronúncia do tribunal a quo sobre esta questão, nada há a decidir.

             *

Próxima questão: se a medida de coacção de prisão preventiva deve ser substituída pela medida de permanência na habitação, sob vigilância electrónica.

Alega o arguido que, por requerimento, nos autos em 27-03-2025, requereu a substituição da medida de coação de prisão preventiva pela medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, tendo, por douto despacho de 02/04/2025, Refª 38496582, sido indeferida tal pretensão.

Baseava-se o requerimento do arguido no facto de a aplicação de tal medida ter sido já considerada como suficiente pelo Tribunal e consentida pelo arguido, conforme despacho datado de 20/04/2024 Refª 37133988, mas cuja aplicação não foi possível, por falta de apuramento, por parte da DGRSP, da existência de meios técnicos para o efeito, na residência do arguido ou de familiar que se disponibilizasse para o receber.

Com aquele requerimento de 02/04/2025 vieram a irmã e o cunhado do arguido declarar que dispõem das normais condições técnicas necessárias, encontram-se disponíveis para o recebe na sua residência, consentido na instalação dos equipamentos de videovigilância na sua residência, pelo que, à data se mostram preenchidas as condições em falta para aplicação da medida de coação decidida em 20-04-2024 (1º interrogatório de arguido detido), o que se requer, nos termos do artº 201º, nº 1 do CPP.

Pois bem.

Começa-se por dizer que o arguido deveria ter recorrido autonomamente do despacho de 2.4.2025, já que o recurso dos despachos que aplicam ou mantêm medidas de coacção têm regimes processuais distintos dos recursos dos acórdãos finais condenatórios.

Sobem aqueles em separado, sem efeito suspensivo, e sobem estes nos próprios autos, com efeito suspensivo.

A verdade é que, em bom rigor, inexiste um recurso do despacho de 2.4.2025. A discordância em relação a este despacho surge apenas como uma questão no recurso do acórdão condenatório.

De qualquer forma, sempre se tecem as seguintes considerações.

O despacho recorrido datado de 2.4.2025 apresenta o seguinte teor:

“Requerimento de 27/03/2025, ref.ª 3938249, e promoção refª 38486909:

Vem o arguido AA requerer a substituição da medida de coação de prisão preventiva pela medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, tendo a aplicação de tal mediada sido já equacionada como suficiente e estão agora preenchidos os requisitos em falta.

O Ministério Público pronunciou-se no sentido da manutenção da medida de coacção em vigor.

Nos presentes autos foi proferido acórdão a 06/03/2025, no qual o arguido foi condenado pela prática de um crime um crime de violação agravado, previsto e punível pelos art.os 164.º, n.os 1 e 2, al. b), e 3, e 177.º, n.º 1, al. c), do Código Penal, e um crime de violação de domicílio, previsto e punível pelo art.º 190º, n.º 3, do Código Penal, e, tendo sido declarado inimputável e perigoso, foi decretada a sujeição do arguido à medida de segurança de internamento, em estabelecimento de tratamento adequado (de natureza hospitalar, ou instituição análoga), por período não superior a 13 anos e 4 meses e mínimo de 3 anos.

Também se fez constar da ata de julgamento de 06/03/2025 o despacho judicial de reexame da medida de coacção aplicada ao arguido, de acordo como o qual “(…) nos termos do artigo 213.°, n.º 1, al. b) do Código de Processo Penal, o juiz procede oficiosamente ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação, decidindo se elas são de manter ou devem ser substituídas ou renovadas (…) quando no processo forem proferidos despacho de acusação ou de pronúncia ou decisão que conheça, a final, do objecto do processo e não determine a extinção da medida aplicada.

O arguido AA foi sujeito à medida de coacção de prisão preventiva em 20.04.2024 (refª 37133988).

A medida de coação de prisão preventiva foi revista e mantida por despacho proferido em 10/07/2024 (cf. ref.ª 37457519).

A 16/09/2024 foi deduzida acusação (cfr. refª 37605248), aí tendo pugnado o Ministério Publico para que o arguido continuasse a aguardar os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coação de prisão preventiva, tendo o despacho judicial com a ref.ª 37618736, de 19/09/2024, mantido a medida de coação aplicada.

Cabe, ainda, salientar que a decisão que determina a prisão preventiva, se não for objeto de recurso ou, tendo-o sido, mas mantida nos seus precisos termos adquire força de caso julgado, sem prejuízo do princípio "rebus sic stantibus", condição a que, pelas contínuas variações do seu condicionalismo, então sujeitas as medidas de coação; tal significa que “enquanto não ocorrerem alterações fundamentais na situação existente à data em que foi determinada a prisão preventiva, não pode o Tribunal reformar essa decisão, sob pena de instabilidade jurídica decorrente de julgados contraditórios" – cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-08-2001, sumariado em www.dgsi.pt.

Ora, compulsados os autos não se verifica qualquer alteração dos pressupostos de facto e de direito que justificaram a aplicação da medida de coação de prisão preventiva ao arguido, sendo que tais pressupostos foram reforçados desde a sua aplicação com a presente decisão condenatória.

Assim, não se mostrando excedido o prazo máximo de aplicação da medida de coação de prisão preventiva, nem se mostrando diminuídas as exigências cautelares que justificaram a aplicação da medida de coação de prisão preventiva ao arguido e, pelo menos, mantendo-se, os pressupostos de facto e de direito, deverá ser mantida tal medida.

Face ao exposto:

Mantenho a medida de coacção de prisão preventiva aplicada ao arguido AA.

(…)”.

Com bem aponta o Exmº Mag. do MP desde então não ocorreu qualquer alteração dos pressupostos de facto e de direito atendidos, não ocorrendo qualquer justificação para a requerida alteração da medida de coacção a que o arguido vem sendo sujeito.

De resto, foi o arguido alvo de decisão final condenatória nos termos supra referidos – sendo certo que ainda não transitada em julgado – o que, salvo melhor opinião que se respeita, também desaconselha a alteração da medida de coacção nos termos requeridos pela defesa.

Face ao exposto:

Indefere-se o requerido pela defesa, mantendo-se a medida de coacção de prisão preventiva aplicada ao arguido AA”.

Isto é, por despacho de 6.3.2025, o tribunal manteve a prisão preventiva do arguido, considerando que os pressupostos de facto e de direito que justificaram a aplicação de tal medida, foram reforçados desde a sua aplicação com a decisão condenatória.

Consequentemente, o despacho de 2.4.2025 apenas manteve o que já tinha sido dito a 6.3.2025. Afirmou que não ocorreu qualquer alteração dos pressupostos de facto e de direito desde a última revisão e que tais pressupostos saíram reforçados com a condenação do arguido, mesmo que não transitada.

Ora, tais argumentos não foram refutados pelo recorrente.

 O simples facto de afirmar que estão preenchidos os pressupostos para a permanência na habitação, sob vigilância electrónica, não é de forma alguma suficiente para a aplicação desta medida.

Como disse o tribunal, por mais de uma vez, os pressupostos saíram reforçados com a condenação do recorrente.

A ser assim, também neste particular não assiste razão ao arguido.

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Passa-se agora a apreciar se deveria ter sido apurada a condição económica da lesada para a determinação do valor de uma justa indemnização.

Alega o arguido que nos autos são conhecidos os rendimentos do arguido, isto é a pensão social no valor de 307,00€ mensais, mas nada se diz quanto à situação económica da assistente.

Só poderia ser tomada uma posição rigorosa sobre a equidade, se tivessem sido alegados e provados nos autos factos tendentes a avaliar a situação económica da ofendida, o que não aconteceu.

O douto Acórdão, nesta parte, padece de insuficiência da matéria de facto que impede a decisão de atribuição de indemnização com base no aludido critério de equidade, e cuja insuficiência impede regularidade a decisão proferida, nos termos do art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP.

 Resulta do art. 339.º, n.º 4, do CPP que a discussão da causa tem por objeto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência.

A insuficiência para a decisão da matéria de facto existe se aqueles factos e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento nos termos constantes na decisão, devendo, nesta parte a decisão ser substituída por outra que reconheça a invocada insuficiência.

Vejamos.

A assistente DD veio deduzir pedido de indemnização civil contra o arguido, peticionando a condenação deste no pagamento da quantia de 3.000,00 euros, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora contados desde a notificação até efectivo e integral pagamento.

Por sua vez, o tribunal recorrido julgou o pedido de indemnização civil procedente e condenou o demandado AA a pagar à demandante DD a quantia de € 3.000,00 euros (três mil euros), como compensação pelos danos morais sofridos por esta.

De acordo com o artigo 400º, nº 2, do Código de Processo Penal “… o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada”.

A alçada do Tribunal de 1ª Instância é de 5.000 euros, nos termos do artigo 44º, nº 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário – Lei nº 62/2013 de 26 de Agosto.

Ora, no caso sub judice, o valor do pedido não é superior à alçada do tribunal recorrido; a decisão impugnada é desfavorável para o recorrente em valor superior a metade dessa alçada.

Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, pág. 1048, “não é admissível o recurso da parte da sentença relativa a indemnização civil se o valor do pedido não for superior à alçada do tribunal recorrido ou a decisão impugnada não for desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada”.

No mesmo sentido, veja-se o Ac. da RE de 8.10.2019, in www.dgsi.pt, com o qual se concorda, onde se pode ler que: “como é consabido, o princípio consagrado no artigo 399.º do Código de Processo Penal, sobre a admissibilidade dos recursos, sofre, no domínio da indemnização civil, as restrições decorrentes do estatuído no n.º 2 do artigo 400.º do mesmo diploma legal. Para que o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil seja admissível, exige-se o preenchimento de dois requisitos cumulativos:

- que o valor do pedido seja superior à alçada do Tribunal recorrido;

- que a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do Tribunal recorrido”.

Pelo que fica dito, facilmente se conclui que não estão preenchidos os pressupostos para que esta Relação conheça da questão relativa ao pedido cível deduzido pela ofendida - o valor do pedido não é superior à alçada do Tribunal recorrido.

Por último, refira-se que, nos termos do artigo 414º, nº 3, do Código de Processo Penal, “a decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal superior”.

Pelo exposto, não se conhece da questão suscitada quanto ao pedido cível deduzido pela ofendida uma vez que, nesta parte, o acórdão recorrido não admite recurso, devendo este ser rejeitado, nos termos dos artigos 420º, nº1, alínea b), e 414º, nº 2, ambos do Código de Processo Penal.

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Em conclusão, deve ser rejeitado o recurso interposto pelo arguido na parte referente ao pedido de indemnização civil e, no mais, ser negado provimento ao recurso, face à improcedência de todas as demais questões.

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        C – Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Coimbra em:

- rejeitar o recurso do arguido na parte referente ao pedido de indemnização civil;

- no mais, negar provimento ao recurso interposto, mantendo o acórdão recorrido.

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Custas pelo recorrente, fixando-se em 3 UCs a taxa de justiça devida – artigos 513º, nº 1, do Código de Processo Penal, 8º, nº 9, e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais, sem prejuízo do disposto na alínea j), do nº 1, do artigo 4º, igualmente do RCP.

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               Notifique.

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            Coimbra, 25 de Junho de 2025.

(Elaborado pela relatora, revisto e assinado electronicamente por todos os signatários – artigo 94º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Penal).

Rosa Pinto – Relatora

Fátima Calvo – 1ª Adjunta

Maria José Matos – 2ª Adjunta