CRIME DE SEQUESTRO AGRAVADO
INIMPUTABILIDADE EM RAZÃO DE ANOMALIA PSÍQUICA
DELINQUENTE POR TENDÊNCIA
IMPUGNAÇÃO AMPLA DA MATÉRIA DE FACTO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA MEDIDA DE INTERNAMENTO
PENA RELATIVAMENTE INDETERMINADA
Sumário

1 - Não colhe êxito a impugnação ampla da matéria de facto porque no recurso não se aponta qualquer erro de lógica ou atropelo das regras da experiência comum no processo de formação da convicção explanado pelo Tribunal a quo na fundamentação da sua decisão sobre a matéria de facto, nem se apontam provas que, de forma inequívoca, imponham uma decisão diferente, limitando-se a oferecer a sua própria leitura e valoração das provas.
2 - É inválido o argumento do recorrente/arguido de que a pena se mostra particularmente desajustada na medida em que se trata de pessoa com 63 anos de idade e vítima do próprio sistema judicial que falhou na sua reintegração, pois aquele vem praticando ilícitos de natureza criminal desde 1984, tendo sido objeto de múltiplas condenações em penas não privativas da liberdade e em penas privativas da liberdade, sem estas o tenham dissuadido da prática de crimes, pelo que a referida idade em nada atenua as necessidades de prevenção especial que a sua situação criminal suscita.
3 - Pressupostos da aplicação de pena relativamente indeterminada
3.1 - de natureza formal
- que o agente cometa um crime doloso ao qual seja aplicável, em concreto, uma pena de prisão efetiva por mais de dois anos;
- que o agente tenha cometido, anteriormente, mais de um crime doloso, cada um punido ou a punir com prisão efetiva por mais de dois anos;
3.2 - de natureza material
- que a avaliação conjunta dos factos e da personalidade do agente deve revelar uma acentuada inclinação para a prática de crimes, que persista no momento da condenação.
4 - Para efeito de determinação deste pressuposto material, todos os crimes anteriores devem ser tomados em conta na valoração, mesmo que não possam relevar como pressupostos formais.
5 - O tribunal pode determinar a suspensão da execução da medida de internamento se for razoavelmente de esperar que assim se atinge a sua finalidade: proteção dos bens jurídicos através da reintegração do agente na sociedade, traduzida na sua cura com eliminação da perigosidade.

Texto Integral

            Acordam os Juízes da 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

            I - RELATÓRIO

            1. No processo comum coletivo, com o NUIPC577/23.2JACBR que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, no Juízo Central Criminal de Viseu – Juiz 2, foi proferido acórdão, em 08-01-2025 [referência96964396], com o seguinte dispositivo, no que aos recorrentes concerne (transcrição):

            «a) Julgar inimputável o arguido AA, nos termos do artigo 20º pela prática, em co-autoria material e concurso real, de factos integradores dos crimes de sequestro agravado, p. e p. pelo artigo 158º n.º 1 e n.º 2 alínea b) do Código Penal e de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153º n.º 1 e 155º n.º 1 alínea a) do Código Penal;

b) Aplicar ao arguido a medida de segurança de internamento em estabelecimento de tratamento e segurança pelo período mínimo de 3 (três) anos, até cessação do estado de perigosidade criminal que lhe deu origem, mas sem ultrapassar, nos termos do artigo 92º n.º 2 do C. Penal, o período máximo de 10 (dez) anos;

c) Condenar o arguido BB, como co-autor material e na forma consumada de um crime de sequestro agravado, p. e p. pelo artigo 158º n.º 1 e n.º 2 alínea b) do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão efectiva;

d) Julgar o arguido BB, como delinquente por tendência e, em consequência, condená-lo numa pena relativamente indeterminada, com um mínimo de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão e o máximo de 10 (dez) anos de prisão;

                (…)

j) Absolver todos os arguidos dos crimes de furto qualificado e de omissão de auxílio, p. e p., respectivamente, pelos artigos 203º n.º 1 e 204º n.º 1 alínea d) do Código Penal e 200º n.º 1 e n.º 2 do Código Penal, cuja prática que lhes era imputada;

k) Julgar procedente o pedido de reembolso deduzido pela Unidade Local de Saúde ..., E.P.E. e, em consequência, condenar os arguidos/demandados BB, CC, DD e EE a pagar, solidariamente, àquela a quantia de €1.240,53 (mil duzentos e quarenta euros e cinquenta e três cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, devidos desde a notificação para contestar esse pedido, até integral pagamento;

                (…)

m) Condenar também os arguidos BB, CC, DD e EE no pagamento solidário ao ofendido FF, da quantia de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), a título de indemnização, nos termos do artigo 16º da Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro e artigo 67º-A do CPP;

                (…)

q) Condenar ainda os arguidos BB, CC, DD e EE nas custas do processo, fixando em 4 UC o valor da taxa de justiça devida por cada um deles, acrescida dos demais encargos que a sua conduta deu causa;

r) Sem custas nem taxa de justiça para o arguido GG - Artigo 376º n.º 3, 1ª parte do Código de Processo Penal;

s) Sem custas cíveis (artigo 4º n.º 1 alínea n) do RCP)»

**

            2. Inconformado com o decidido, o arguido AA interpôs recurso do acórdão, extraindo das suas alegações, as seguintes conclusões e petitório (transcrição):

            «1.ª O presente recurso versa matéria de direito constante do douto acórdão proferido nestes autos, o qual, relativamente ao arguido AA, aplicou a medida de segurança de internamento em estabelecimento de tratamento e segurança pelo período mínimo de 3 (três) anos, até cessação do estado de perigosidade criminal que lhe deu origem, mas sem ultrapassar, nos termos do artigo 92º n.º 2 do C. Penal, o período máximo de 10 (dez) anos;

2.ª Entende o arguido, ora recorrente, que tendo em consideração a matéria de facto dada como provada e o direito aplicável, o Tribunal a quo deveria ter determinado, nos termos do artigo 98.º, nos 1 e3, do Código Penal, a suspensão damedida de segurança de internamento, mediante o dever de o arguido se submeter aos tratamentos que lhe forem indicados, alcançando-se, desta forma, a finalidade da medida.

3.ª Ao negar a suspensão da execução do internamento ao arguido, o Tribunal a quo violou, salvo o devido respeito, o art. 98 º, do Código Penal.

4.ª Não se concorda, salvo o devido respeito, com argumentos expostos no acórdão recorrido a fim de justificar a negação da suspensão da execução do internamento, considerando o arguido que houve violação do supra identificado artigo 98.º, do Código Penal e que o acórdão recorrido deveria ter suspendido a execução da medida de internamento, tratando-se de um poder dever do Tribunal.

5.ª O acórdão recorrido começa por justificar a negação da suspensão da execução do internamento, argumentando que “o arguido, face ao carácter da esquizofrenia paranóide de que padece, a mesma carece de tratamento e o arguido não apresenta qualquer crítica para essa necessidade já que como resulta do relatório pericial de fls. 1620ss, possui uma história de adesão irregular aos tratamentos propostos e de acompanhamento em sede de consulta.”

6.ª É incontestável que a doença de que padece o arguido carece de tratamento. Porém, salvo o devido respeito, não corresponde à verdade que o arguido não apresenta qualquer crítica para a necessidade de tratamento da mesma.

7.ª O acórdão recorrido, de facto, cita metade do parágrafo do relatório pericial em que se refere a “história de adesão irregular aos tratamentos propostos e de acompanhamento em sede de consulta” (pág. 13 do relatório), no entanto, não cita o restante parágrafo desse relatório que refere o seguinte: “sendo certo que já se teria mostrado estável no passado, quando em contexto familiar, supervisionado e que, na data da avaliação pericial, em contexto institucional/supervisionado, se tinha verificado uma evolução muito favorável em termos clínicos, com resposta à terapêutica com antipsicóticos”.

8.ª Também não é tido em consideração, pelo Tribunal a quo, o referido pelo relatório pericial no parágrafo imediatamente anterior ao agora citado, que comprova que arguido apresenta crítica para a necessidade de tratamento quando refere, na página 13, “o examinando aparentou ter aprendido a recear as consequências do abandono do acompanhamento e medidas de tratamento e do consumo de drogas. O examinando mostra-se arrependido e buscava apoio para a aproximação à resolução de problemas.”

9.ª Ou seja, o relatório pericial destaca que o arguido demonstrou, após os factos, estar consciente da gravidade da sua doença, expressando arrependimento pelo abandono do tratamento e comprometendo-se a manter um plano de tratamento com o apoio da família, tendo concluído que a probabilidade de repetição dos factos ilícitos está diretamente relacionada com novos episódios de descompensação.

10.ª Nos períodos em que o arguido cumpria a medicação e estava inserido em contexto familiar supervisionado, ele encontrava-se estável e, inclusive, procurava trabalhar, o que demonstra a importância de um ambiente familiar de suporte.

11.ª O relatório pericial refere ainda no seu parecer psiquiátrico-forense a páginas 12 que “resulta inequívoco que o examinado apresenta uma Esquizofrenia, com múltiplos episódios, em remissão parcial” (sublinhado nosso), ou seja, a remissão parcial é o período de tempo durante o qual é mantida uma melhora após um episódio anterior e no qual os critérios definidores do transtorno são preenchidos apenas parcialmente. Também relativamente ao consumo de substâncias psicoativas, o arguido está “em abstinência em ambiente controlado.”

12.ª Considerando o Relatório Pericial, é possível concretizar e abonar a esperança de que as finalidades da medida possam ainda ser alcançadas em liberdade, com as devidas imposições de regras de conduta necessárias à prevenção da perigosidade e dever de submissão a tratamento adequado.

13.ª O segundo argumento do acórdão recorrido, para negar a suspensão da execução do tratamento, foi o seguinte: “Por outro lado, desse mesmo relatório resulta que a possibilidade da existência de uma rede de apoio, com supervisão e manutenção de regras suficientemente assíduas e eficazes, é considerada ligeira a moderada.”

14.ª Ora, salvo o devido respeito, da leitura do penúltimo parágrafo do “PARECER PSIQUIÁTRICO-FORENSE”, correspondente à página 13 do relatório pericial, não se retira essa informação, mas sim que a possibilidade de o examinado se envolver em factos semelhantes é considerada ligeira a moderada em situações em que haja ausência de medidas de acompanhamento médico-psiquiátrico suficientemente assíduas e eficazes.

15.ª Também não se concorda com o argumento do Acórdão recorrido, que do facto de a mãe do arguido ter declarado em audiência de julgamento que há mais de um ano que o filho não vive consigo, concluiu que a senhora não pode prestar o apoio necessário.

16.ª Em audiência de julgamento, a mãe do arguido imediatamente referiu que tem um quarto em casa à espera do filho, não vivendo o filho com a mãe há mais de um ano, em virtude do episódio de descompensação no contexto do abandono das medidas de tratamento, bem como pelo facto de o mesmo se encontrar preso preventivamente e depois internado, no âmbito dos presentes autos.

17.ª O relatório pericial, social e testemunho da mãe do arguido, confirmam que o mesmo possui uma relação afetiva com a mãe e que ela está disposta a supervisionar o tratamento, em conjunto, claro, com o apoio institucional.

18.ª Por outro lado, também resulta do relatório pericial e social, que o arguido se aproximou do pai e madrasta e que tem uma relação próxima com a irmã.

19.ª A reintegração do arguido no seio familiar e na sociedade é crucial para a sua reabilitação, porquanto um ambiente familiar propício é considerado essencial para a estabilidade emocional e a adesão ao tratamento de pacientes com esquizofrenia paranoide.

20.ª Pelo contrário, a medida de internamento efetiva é fortemente nociva, pois faz o arguido perder o contacto com a família e com toda a realidade exterior.

21.ª Assim, o propósito socializador deve, sempre que possível, prevalecer sobre a intenção de segurança.

22.ª O Relatório social refere que “O arguido continua a beneficiar do apoio dos familiares de origem, não obstante o desgaste que demonstram relativamente à sua situação jurídico-penal.”, e ainda que “No exterior, no que diz respeito às relações familiares, nesta fase, dispõe de enquadramento sociofamiliar.”

23.ª Ou seja, está confirmada a existência de uma rede de apoio familiar que, em conjunto com acompanhamento médico-psiquiátrico, garantam que com a suspensão do internamento, se alcance a finalidade da medida.

24.ª O trabalho e a inclusão social são fatores determinantes para a melhoria na qualidade de vida de pessoas com esquizofrenia e o relatório social destaca a inserção laboral do arguido como sendo fundamental “com vista a obter maior capacitação para estruturar o seu quotidiano, possibilitando-lhe o convívio com pares prossociais e lograr pela sua estabilidade financeira”, facto que não é possível enquanto o mesmo se encontrar internado.

25.ª Contrariamente, internamentos prolongados, em hospitais psiquiátricos, podem agravar o isolamento social e dificultar a reabilitação de pacientes com esquizofrenia paranoide.

26.ª Conforme referido no relatório pericial, o arguido já apresentou estabilidade em contexto familiar e supervisionado, conseguindo manter a medicação, evitar o uso de substâncias e buscar atividades produtivas, como o trabalho.

27.ª O tratamento em liberdade, com supervisão familiar e apoio médico e comunitário, será mais benéfico tanto para o arguido quanto para a sociedade.

28.ª O arguido tem 34 anos de idade, e tendo em consideração o acórdão recorrido, pode ficar internado pelo período de 10 anos, circunstância que o provará da liberdade, do contacto com a família e de ter uma profissão, não sendo esse o espírito subjacente ao artigo 98.º, do Código Penal, bem como às finalidades das medidas de segurança.

29.ª Desde que o arguido seja devidamente acompanhado em consultas de psiquiatria e cumpra rigorosamente os tratamentos que lhe sejam prescritos, deverá apresentar um comportamento estável e equilibrado, facilitando a prevenção de períodos de crise, reduzindo, assim, a probabilidade de reiteração de novos ilícitos e consequentemente a sua perigosidade e melhorando, significativamente, as suas condições de vida.

30.ª É possível fazer um juízo de prognose favorável, de que a liberdade se mostre adequada às necessidades de prevenção especial de recuperação do arguido, de neutralização da perigosidade criminal através do tratamento da doença, e de prevenção geral positiva de pacificação social.

31.ª Conforme conclui Maria João Antunes (em “Penas e Medidas de Segurança”, pág. 149), a imposição de regras de conduta ao Arguido e o dever de se submeter a tratamentos e regimes de cura ambulatórios apropriados e de se prestar a exames e observações nos lugares que lhe forem indicados, sendo colocado sob vigilância tutelar dos serviços de reinserção social (inerentes ao instituto de suspensão), visam prevenir a perigosidade do agente, impedindo a reiteração de novos atos violentos.

32.ª A suspensão da execução da medida de internamento satisfaz a finalidade preventivo-especial e a finalidade de segurança da sociedade face à perigosidade comprovada, encontrando-se, no caso, reunidos os pressupostos para suspender a mesma.»

3. O Ministério Público junto da 1ª instância respondeu a este recurso concluindo da seguinte forma (transcrição):

«1. O arguido foi julgado inimputável, nos termos do artigo 20º pela prática, em co-autoria material e concurso real, de factos integradores dos crimes de sequestro agravado, p. e p. pelo artigo 158º n.º 1 e n.º 2 alínea b) do Código Penal e de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153º n.º 1 e 155º n.º 1 alínea a) do Código Penal;

2. Tendo-lhe sido aplicada medida de segurança de internamento em estabelecimento de tratamento e segurança pelo período mínimo de 3 (três) anos, até cessação do estado de perigosidade criminal que lhe deu origem, mas sem ultrapassar, nos termos do artigo 92º n.º 2 do C. Penal, o período máximo de 10 (dez) anos;

3. Sem que o Tribunal optasse pela suspensão de tal internamento/medida de segurança, ainda que subordinada ao dever se se sujeitar a tratamento, como pretende o arguido.

4. O arguido, referindo que recorre de direito, e não tendo impugnado a matéria de facto dada como provada, invoca factos que não constam da factualidade dada como provada, o que lhe está vedado.

5. O facto do arguido, diagnosticado com esquizofrenia, de ter apoio familiar e de estar actualmente abstinente do consumo de estupefacientes e a fazer o tratamento com antipsicótico oral, não implica ou determina a opção do Tribunal pela suspensão da execução do internamento.

6. Já que não será razoável esperar da mera suspensão do internamento a eliminação da perigosidade criminal e consequente protecção dos bens jurídico-penais, finalidades desta medida

7. Não obstante a aplicação do princípio da subsidiariedade e da proporcionalidade da medida

8. Tanto mais, o apoio familiar de que beneficiava já o arguido na data dos factos não obstaculizou que este fosse residir sozinho, retomasse o consumo de estupefacientes e abandonasse o tratamento,

9. Não constituindo impedimento à deterioração do estado mental do arguido e à sua descompensação, e, consequentemente, à prática dos factos.

10. E não tendo a família conseguido adoptar medidas eficazes que o afastassem de tal contexto e comportamentos, pelo que nada garante que, neste momento, a situação fosse diferente.

11. O arguido tem historial de abandono de terapêutica e subsequente descompensação clínica, apresentando períodos de abstinência interpolados com outros de recaída no consumo.

12. O apoio familiar não foi suficiente e nada garante que o seja agora, tanto mais que, como resultou provado, a família evidencia algum desgaste relativamente à situação jurídica penal do arguido

13. E tal apoio pode deixar de existir ou diminuir em face de tal desgaste, podendo não ser suficiente, como não o foi antes

14. A abstinência do consumo de drogas e o tratamento apenas foram conseguidos com a reclusão preventiva do arguido

15. Sendo que, estando recluído, lhe é garantido todo o apoio na concretização do tratamento, o que não sucederia ou poderia não suceder com a libertação (para já) do arguido

16. Não tendo o arguido prestado declarações em qualquer momento processual, desconhece-se se o mesmo, como alega, tem ou não consciência critica para a doença de que padece e a necessidade de tratamento,

17. Sendo certo que padece de doença incurável a demandar tratamento regular e abstinência de consumos,

18. E que, ao invés do referido pelo arguido no recurso, não se comprometeu em manter um plano de tratamento com o apoio da família…

19. A suspensão da medida de segurança apenas pode ser determinada se “se for razoavelmente de esperar que com a suspensão se alcance a finalidade da medida”

20. Não há, no caso, circunstâncias especiais que, razoável e prudencialmente, concretizem e abonem a esperança de que a prevenção da perigosidade do arguido possa ainda ser alcançada em liberdade.

21. Muito embora em sede de revisão, e ulteriormente, possa o arguido vir a beneficiar do regime estabelecido no artigo 94º, nº 1 do Código Penal

22. Mas não já, dado que a suspensão da execução da medida de internamento não satisfaz, in casu, a finalidade preventivo-especial e a finalidade de segurança da sociedade face à perigosidade comprovada

23. Havendo que compatibilizar, nesta sede, a importância dos valores que o inimputável, em liberdade pode afrontar e violar, e a gravidade da sua “definitiva” segregação social

24. E sendo certo que as necessidades de prevenção positiva e negativa do agente impõem, no caso vertente, a não suspensão da MS

Pelo exposto, deve improceder o recurso do arguido.»

4. Igualmente inconformado com a condenação de que foi objeto, o arguido BB interpôs recurso do acórdão, extraindo das suas alegações, as seguintes conclusões e petitório (transcrição):

«1. O recorrente não se conforma com o douto acórdão proferido que o condenou na pena de 4(quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão efetiva, pelo crime de sequestro agravado, julgando-o ainda como delinquente por tendência , condenando-o numa pena relativamente indeterminada, com o mínimo de 2(dois) anos e 8 (oito) meses de prisão e o máximo de 10 (dez) anos de prisão, bem como no pagamento solidário da quantia de 1240,53,00 euros, a título de indemnização civil à Unidade Local de Saúde ... e da quantia de 7500,00 euros ao ofendido FF, pelo que vem interpor recurso, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 399.º, 401.º, n.º 1, alíneas b) e c), 402.º, n.º 1, 406.º, n.º 1, 407.º, n.º 2, alínea a), 408.º, n.º 1, alínea a), 410.º, n.ºs 1 e 2, 411.º, n.º s 1, alínea b), e 3, e 412.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CPP.

2. O recurso tem como objeto a impugnação dos fundamentos de facto e de direito constantes da decisão recorrida, quer relativamente à matéria penal, quer em relação à matéria de responsabilidade civil, porquanto os meios de prova produzidos na fase de inquérito e em audiência de julgamento impõem decisão diversa, não resultam provados os factos constantes da Acusação Pública formulada, nem os que se deram como provados na douta decisão, em relação ao recorrente.

3. Devendo, por isso, este Venerando Tribunal alterar a matéria de facto dada como provada e não provada e, em consequência, revogar a douta sentença proferida, já que a finalidade prática do recurso jurisdicional é corrigir os erros (de julgamento) e os de que essa sentença enferma e, assim, repor a justiça no caso concreto.

4. O acórdão recorrido deu como provados os factos dos pontos 3, 9,11,13,14,15,16,18, 19,20, 23, 26 (na parte em que refere os arguidos) 28,29,30,31 e 33 que se consideram incorretamente julgados, nos termos do 412.º do CPP, não se concretizando os factos devidamente no tempo e no espaço, o que impede que o arguido exerça plenamente o seu direito de defesa, fazendo-se uso de expressões como: “todos os arguidos”, “mancomunados entre si” , “ de forma não concretamente apurada”, sem concretizar em relação a cada facto quais os arguidos e em que tempo, em manifesta contradição com o relatado pelo próprio ofendido no seu depoimento na audiência de julgamento.

5. Sem fundamentar devidamente quer de facto quer de direito como extraiu a conclusão de que os arguidos, todos, nomeadamente o recorrente, atuaram em co-autoria, pese embora as doutas considerações tecidas.

6. Tal matéria não deveria ter sido dada como provada à luz das regras da experiência comum e dos princípios da livre apreciação da prova, dos princípios da certeza e da segurança jurídica, bem como do princípio in dúbio pro reo.

7. Já que o Tribunal não pode, nem deve decidir em consciência, sem que todos factos e as provas carreadas para o processo sejam devidamente apreciadas de forma crítica, objetiva e racional, sem “saltos lógicos”, como se impunha no caso concreto, pois que não permitiu que em sede de esclarecimentos o   ofendido esclarecesse pormenorizadamente quem foram os arguidos que praticaram em concreto determinados factos, nem mesmo quando este se escudou na fórmula mágica “não me lembro”, nem mesmo quando resultam contradições nos seus depoimentos escritos e orais.

8. O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção nas declarações dos arguidos, nas prestadas em sede de primeiro interrogatório, e nas prestadas em audiência de julgamento, no depoimento do ofendido FF prestado em audiência de julgamento, que considerou credível, isento e espontâneo e nas suas declarações prestadas em sede de inquérito, exaradas a fls. 67-71 ,que foram lidas em audiência de julgamento, nas declarações da testemunha HH, prestadas em sede de julgamento, considerando um depoimento sério, isento e credível e no depoimento prestado na fase de inquérito exarado a fls 341 e ss dos autos , que lhe foi lido em audiência de julgamento.

9. E ainda nas declarações das testemunhas II e JJ, KK, agentes da PSP de ... e LL, agente da Polícia          Municipal, relatórios e documentação junta     aos autos nomeadamente, o conteúdo do Relatório de Exame pericial de fls. 108-131; do Relatório de exame pericial de fls. 132-141; do Relatório de Perícia médico-legal de fls. 533-536; do Relatório de Exame Pericial de fls. 655-659; do Relatório Pericial de fls. 1620ss; do Relatório Pericial de fls. 1479ss; do Auto de notícia de fls. 3 e 4 e aditamento n.º 2 de fls.8; do Relatório de Gestão do local do crime de fls. 5; do Auto de Exame e Avaliação n.º 1 de fls. 7; do Aditamento n.º 2 de fls. 8; do Auto de apreensão n.º 1 de fls. 9; da Participação de fls. 19; da Comunicação de notícia de crime de fls. 40-41; das Fotografias de fls. 57-65; do Auto de apreensão de fls. 7576; do Auto de visionamento de registo de imagens de fls. 78-81 (onde se vê a arguida CC a comprar o laxante referido nos factos provados); Auto de exame direto de fls. 145; do Relatório de urgência de fls. 210-226; do Auto de busca e apreensão de fls. 293, 314, 325 e 326, 335 e 336; do Auto de exame direto de fls. 659 e das Certidões dos processos em que o arguido BB foi condenado.

10. O douto tribunal na sua fundamentação refere que todos os arguidos admitem ter estado no local dos factos durante praticamente todo o dia/noite e admitem ter praticado alguns dos factos, mas alegam que tudo o que fizeram foi com o consentimento e a pedido do FF.

11. Contudo, não poderia dar como provado o que deu nos seus pontos 3, 9,11,13,14,15,16,18, 19,20, 23, 28,29,30,31 e 33 da factualidade provada, no que toca à autuação do recorrente, já que o mesmo não participou em quaisquer dos factos aí narrados, não tendo participado em qualquer plano para extrair a droga do corpo do ofendido, nem tampouco sequestrado o mesmo, privando-o da liberdade.

12. Esquecendo o Tribunal a sequência temporal dos factos, colocando o recorrente no local o tempo todo, quando o recorrente refere ter-se ausentado do local em três momentos distintos, duas vezes para comprar droga a ... para consumir com os arguidos EE, CC e DD e ainda quando foi buscar o jantar à Caritas.

13. Ou seja, o Recorrente não esteve presente no local quando os outros arguidos praticaram os factos que lhe são imputados e quando esteve no local até pediu para o DD e o AA para não baterem mais no FF, desconhecendo que estes o haviam levado para a cave.

14. As declarações do recorrente, dos arguidos CC, DD e EE, os depoimentos do ofendido FF e testemunha HH conjugados com as regras da experiência comum, referidos nesta motivação, com as concretas passagens, por referência ao constante das atas das sessões de audiência de julgamento e gravação, impõem a alteração / revogação da matéria de facto que o Tribunal deu como provada nos pontos supra referidos, os quais devem ser dados como não provados, quanto à atuação do recorrente, com a consequente absolvição do recorrente.

15. Conforme transcrição das declarações do recorrente / arguido BB, gravadas no 1º interrogatório judicial de arguidos detidos, do dia 12.07.2023, no ficheiro 577-23.2JACBR.2023-07-12_16-15-00, de 00:00:00 a 00:20:30, tendo ocorrido o seu início pelas 16h15 e termo pelas 16h36, extrato de depoimento de 00:01:57 a 00:04:17; 00:04:50 a 00:05:11; 00:08:00 a 00:08:35; 00:09:40 a 00:09:58; 00:10:20 a 00:10:30; 00:10:50 a 00:10:58; 00:15:20 a 00:15:42; 00:16:21 a 00:16:28; 00:17:30 a 00:17:40; 00:18:51 a 00:20:12); Transcrição das declarações do recorrente / arguido BB, gravadas na audiência de julgamento do dia 12.11.2024, no ficheiro 577-23.2JACBR.2024-11-12_15-02-01, de 00:00:00 a 00:51:56 tendo ocorrido o seu início pelas 15h02 e termo pelas 15H53, extrato do depoimento de 00:06:15 a 00:06:23; 00:12:11 a 00:12:30; 00:13:10 a 00:13:22; 00:17:20 a 00:17:42; 00:18:30 a 00:19:00; 00:28:20 a 00:28:21; 00:29:10 a 00:29:17; 00:30:50 a 00:31:09; 00:33:23 a 00:33:47; 00:43:45 a 00:44:10; 00:44:45 a 00:45:03; 00:45:35 a 00:45:50; 00:46:25 a 00:47:16; 00:47:25 a 00:47:34; 00:48:50 a 00:49:22; 00:50:15 a 00:50:27); Transcrição das declarações do arguido DD, gravadas na audiência de julgamento do dia 08.10.2024, no ficheiro 577-23.2JACBR.2024-10-08_10-22-40, de 00:00:00 a 01:31:46, tendo ocorrido o seu início pelas 10h22 e termo pelas 11h54, extrato do depoimento de 00:01:24 a 00:01:39; 00:03:15 a 00:03:53; 00:08:20 a 00:08:27; 00:12:05 a 00:12:42; 00:14:09 a 00:14:35; 00:17:40 a 00:18:10; 00:20:00 a 00:20:30; 00:21:30 a 00:21:43; 00:22:15 a 00:22:54; 00:23:20 a 00:23:40; 00:24:50 a 00:25:03; 00:27:00 a 00:27:30; 00:29:01 a 00:29:26; 00:31:30 a 00:32:35; 00:33:13 a 00:33:40; 00:50:00 a 00:50:26; 00:59:20 a 00:59:39; 01:09:44 a 01:10:46; 01:14:50 a 01:14:58; Transcrição das declarações da arguida CC, gravadas no 1º interrogatório judicial de arguidos detidos, do dia 12.07.2023, no ficheiro 577-23.2JACBR.2023-07-12_15-56-00, de 00:00:00 a 00:18:49, tendo ocorrido o seu início pelas 15h56 e termo pelas 16h15, extrato do depoimento de 00:01:00 a 00:01:33; 00:04:14 a 00:04:28; 00:05:29 a 00:05:58; 00:13:56 a 00:14:05; Transcrição das declarações da arguida CC, gravadas na audiência de julgamento do dia 12.11.2024, no ficheiro 577-23.2JACBR.2024-11-12_15-58-20, de 00:00:00 a 00:16:47 tendo ocorrido o seu início pelas 15h58 e termo pelas 16h15 extrato do depoimento de 00:10:40 a 00:12:49; Transcrição das declarações do arguido EE, gravadas na audiência de julgamento do dia 08.10.2024, no ficheiro 577-23.2JACBR.2024-10-08_12-07-21, de 00:00:00 a 00:40:36, tendo ocorrido o seu início pelas 12h07 e termo pelas 12h47, extrato do depoimento de 00:00:30 a 00:01:37; 00:01:58 a 00:02:22; 00:03:08 a 00:05:32; 00:05:44 a 00:06:04; 00:06:35 a 00:07:10; 00:14:50 a 00:15:00; 00:16:18 a 00:16:27; 00:17:48 a 00:18:02; 00:21:07 a 00:21:22; 00:21:49 a 00:21:54; 00:23:00 a 00:23:25; 00:23:58 a 00:24:08; 00:24:20 a 00:25:06; 00:27:30 a 00:27:41; 00:29:07 a 00:29:50; 00:30:25 a 00:30:37; 00:32:00 a 00:32:50; 00:34:35 a 00:35:00; Transcrição das declarações do arguido EE, gravadas na audiência de julgamento do dia 08.10.2024, no ficheiro 577-23.2JACBR.2024-10-08_14-54-45, de 00:00:00 a 00:45:28, tendo ocorrido o seu início pelas 14h54 e termo pelas 15h40, extrato do depoimento de 00:01:10 a 00:01:30; 00:02:31 a 00:02:52; 00:03:55 a 00:04:16; 00:26:30 a 00:28:40, Transcrição do depoimento da testemunha HH, gravado na audiência de julgamento do dia 08.10.2024, no ficheiro 577-23.2JACBR.2024-10-08_16-04-14, de 00:00:00 a 00:14:54, tendo ocorrido o seu início pelas 16h04 e termo pelas 16h19 extrato do depoimento de00:00:45 a 00:01:00; 00:04:28 a 00:05:11; 00:06:54 a 00:07:21; 00:07:25 a 00:07:48; 00:08:09 a 00:08:26; Transcrição do depoimento da testemunha HH, gravado na audiência de julgamento do dia 08.10.2024, no ficheiro 577-23.2JACBR.2024-10-08_16-21-48, de 00:00:00 a 00:21:24, tendo ocorrido o seu início pelas 16h21 e termo pelas 16h43 extrato do depoimento de 00:11:53 a 00:12:17; 00:16:50 a 00:17:02; 00:17:25 a 00:17:40; 00:18:00 a 00:18:14; Transcrição do depoimento da testemunha HH, gravado na audiência de julgamento do dia 08.10.2024, no ficheiro 577-23.2JACBR.2024-10-08_16-48-04, de 00:00:00 a 00:14:54, tendo ocorrido o seu início pelas 16h48 e termo pelas 17h02; extrato do depoimento de00:07:00 a 00:08:02; 00:09:25 a 00:09:34; 00:10:20 a 00:10:34; 00:13:41 a 00:14:00; Transcrição do depoimento da testemunha HH, gravado na audiência de julgamento do dia 22.10.2024, no ficheiro 577-23.2JACBR.2024-10-22_09-50-26, de 00:00:00 a 00:56:37 tendo ocorrido o seu início pelas 09h50 e termo pelas 10h47 extrato do depoimento de00:11:56 a 000:12:35; 00:15:17 a 00:16:03; 00:26:28 a 00:26:37; Transcrição do depoimento da testemunha FF, gravado na audiência de julgamento do dia 22.10.2024, no ficheiro 577-23.2JACBR.2024-10-22_11-03-53, de 00:00:00 a 00:59:25 tendo ocorrido o seu início pelas 11h03 e termo pelas 12h03, extrato do depoimento de 00:01:00 a 00:01:25; 00:03:15 a 00:03:20; 00:05:00 a 00:05:40; 00:06:25 a 00:06:48; 00:07:15 a 00:07:27; 00:08:25 a 00:09:29; 00:10:29 a 00:12:52; 00:14:10 a 00:14:28; 00:15:12 a 00:16:45; 00:17:40 a 00:17:58; 00:20:01 a 00:20:21; 00:20:26 a 00:21:07, Transcrição do depoimento da testemunha FF, gravado na audiência de julgamento do dia 22.10.2024, no ficheiro 577-23.2JACBR.2024-10-22_12-06-05, de 00:00:00 a 00:39:38 tendo ocorrido o seu início pelas 12h06 e termo pelas 12h45 extrato do depoimento de00:22:30 a 00:27:00.

16. A testemunha HH que afirmou ter estado no local até ter visto a arguida CC chegar com a caixa do laxante Microlax e que se ausentou depois, confirmado que até aí o ofendido fez tudo voluntariamente para expelir a droga e de acordo com o auto de visionamento de registo de imagens de fls. 78-81 a arguida CC comprou o laxante entre as 17:17 horas e as 17:23 horas, na Farmácia ... (que dista cerca de 1,5 km do local onde se encontravam os arguidos), ou seja a testemunha HH esteve no local desde quando o FF chegou do Porto (cerca das 13.30 horas) até pelo menos as 17.30 horas, não tendo presenciado qualquer ato dos descritos na acusação pública perpetuado pelo arguidos, nomeadamente do recorrente.

17. O Tribunal procedeu à leitura das declarações desta testemunha exaradas a fls 341 ss dos autos, “pressionando “o mesmo a confessar, “a muito custo”, que o que aí consta corresponde á verdade, expressão esta última até usada no douto acórdão.

18. Aliás destas declarações apenas se extrai que o recorrente e o arguido EE lhe confidenciaram à posteriori , e não em qualquer outro momento “os maus tratos que infligiram ao FF, na tentativa que aquele expelisse o produto estupefaciente, nomeadamente, tendo sido amarrado, alvo de agressões várias, inclusivamente com recurso a objectos em ferro, bem como a ingerir azeite e laxante, “ sem contudo fazer referência expressa de que foram eles que o fizeram, nomeadamente o recorrente.

19. Sendo até contraditório com o que o tribunal decide quando refere e dá como provado de que foi o DD e o AA que bateram com um ferro no ofendido FF.

20. Não podendo por isso considerar-se tal depoimento credível e sério, pois que refere coisa distintas e contraditórias ao longo do seu depoimento em sede de audiência de julgamento e nem se diga que o mesmo estava condicionado pois que prontamente o Tribunal ordenou que o mesmo prestasse o seu depoimento sem ser na presença dos arguidos e livre de quaisquer pressões.

21. Curiosamente o seu depoimento de fls. 341 foi prestado perante o Ministério Publico momentos antes de os arguidos serem presentes ao Juiz de Instrução para o seu primeiro interrogatório, tendo tal testemunha chegado a afirmar que foi a Polícia Judiciária que lhe contou o que tinha acontecido.

22. Entende o recorrente que o depoimento do ofendido FF enferma de contradições e omissões, pois que o mesmo admite que o que declarou em sede de inquérito é o que está mais próximo da realidade, quando tais declarações lhe foram lidas em audiência de julgamento.

23. E nessa altura, no seu depoimento em sede de inquérito, apesar de não terem sido contraditado por qualquer dos arguidos, nomeadamente pelo recorrente, por tal não lhes ter sido permitido, o mesmo não coloca o recorrente como tendo comparticipado em todos os atos descritos na acusação pública o que desde logo levaria a que o Tribunal afastasse a figura da co-autoria.

24. E, apesar de o Tribunal não ter permitido que o mesmo prestasse os devidos esclarecimentos em sede de audiência de julgamento, o mesmo, a maior parte das vezes, e quando foi permitido à defesa do recorrente solicitar-lhos, escudou-se sempre no “não me lembro”, “não me recordo” , não explicando o modus operandi do recorrente.

25. Aliás não percebe o recorrente como pode o Tribunal dar como provado que o FF adquiriu e consumiu quantidade não concretamente apurada (facto 3 da decisão), quando na verdade em todos os seus depoimentos o ofendido FF refere que adquiriu dez doses de cocaína e duas de heroína, tendo consumido seis doses de cocaína e uma dose de heroína ainda no porto.

26. Referindo que chegado a ..., para não ser apanhado pela polícia engoliu o resto dos estupefacientes que trazia consigo, ou seja, quatro doses de cocaína e duas de heroína, o que não deixa de ser estranho, pois que a ser assim certamente o ofendido tinha no seu corpo uma enormidade de droga capaz de lhe afetar o seu discernimento e até provocar uma overdose...

27. Logo, por aí, não merecem credibilidade as declarações do ofendido FF, tendo o Tribunal laborado em erro de julgamento, na apreciação deste depoimento, valorando-o contra as regras da experiência comum e até científicas, sendo humanamente impossível, num tão curto espaço de horas, que o FF pudesse ter tanta quantidade de droga no seu corpo, sem que nada lhe acontecesse...

28. Não existindo coerência do Tribunal a quo, com todo o devido respeito, ao considerar credíveis as declarações do ofendido FF no que toca aos factos relativos ao crime de sequestro e já não as considerar no que toca ao crime de furto relativamente ao dinheiro e telemóvel... o que não deixa de ser contraditório e gerador de dúvida insanável quer em relação aos factos pelos quais foi o recorrente condenado, quer em relação a sua coautoria.

29. A análise conjunta dos meios de prova em que se fundou a decisão do Tribunal, e que supra se referiu, impõem uma apreciação da prova e decisão sobre a mesma, diversa da constante do acórdão recorrido, dando-se tais factos como não provados, no que toca à comparticipação e à co-autoria do recorrente ,tal como impõem os seguintes meios de prova: declarações do recorrente prestadas em sede de primeiro interrogatório Judicial conjugadas com as prestadas audiência de julgamento, declarações dos arguidos DD, CC e EE em audiência de julgamento, depoimento das testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento, nomeadamente HH e Ofendido FF, auto de visionamento de imagens de fls. 78-81.

30. Pelo que, em face de todos estes concretos meios de prova, outra não poderá ser a conclusão a extrair do que, a existência de erro de julgamento manifesto na apreciação da prova, violando-se o princípio da livre apreciação da prova, constante do artigo 127.º do CPP, bem como princípio do in dúbio pro reo e da presunção da inocência, constantes do artigo 32.º, n.º 2, da CRP.

31. No caso concreto, verifica-se que a análise da prova produzida impunha uma apreciação diferente por parte do Tribunal Coletivo, tendo em conta a situação de dúvida sobre como os factos efetivamente decorreram e de quem, com toda a certeza jurídica os praticou, devendo em conformidade revogar-se a sentença recorrida, nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 425.º, 426.º, n.º 1, 428.º, 430.º e 431.º do CPP.

32. O Tribunal indevidamente na sua fundamentação de facto, que supra se impugnou e que aqui se dá por reproduza entendeu que todos os arguidos atuaram em conjugação de esforços, concubinados entre si, para a realização dos mesmos factos considerando que o recorrente esteve sempre presente durante todo o tempo da execução dos atos perpetuadores do crime de sequestro, o que não aconteceu.

33. O recorrente não pode aceitar tal factualidade e raciocínio do Tribunal em face do que referiu na sua motivação , discordando-se da fundamentações de direito invocada pelo Tribunal por considerar que a coautoria não se verifica, pois que não se verifica “ a presença de todos no local do crime durante toda a sua execução” nem que a atuação do recorrente “revela-se consonante com uma posição de poder intervir se e quando tal se mostrasse necessário, a fim de garantir a plena execução do facto criminoso projectado”.

34. Isto é, em relação ao recorrente, da prova produzida resulta que este não esteve no local o tempo todo da execução dos atos por parte dos outros arguidos, por se ter ausentado do local por duas vezes para comprar droga e uma vez para ir buscar o jantar à Caritas, desconhecendo o que os outros arguidos haviam feito, tentando num momento em que presenciou as agressões dos arguidos DD e AA que estes parassem com as mesmas.

35. E invocando a jurisprudência referida pelo próprio Tribunal, não resulta por parte do recorrente que este tenha aderido a um qualquer plano e que tivesse concertado a sua vontade com os restantes arguidos, com vista a sequestrar o ofendido, para lhe poder extrair a droga ingerida(?).

36. Não tendo o recorrente o domínio funcional do facto, nem pactuou ou teve vontade da realização conjunta do facto, apenas se penitenciando de não ter auxiliado mais o ofendido, para impedir os outros arguidos das agressões que presenciou.

37. Nem a sua atuação foi integrante do conjunto da ação levada pelos outros arguidos, para a qual não deu o seu acordo, nem demostrou qualquer vontade e, nem mesmo se concede que na execução de tal suposto acordo, se dispôs a levar a cabo qualquer ato.

38. Pelo que se entende que o Tribunal não poderia ter dado como provada a coautoria do recorrente na prática do crime de sequestro, devendo ser absolvido da sua prática, violando o Tribunal o disposto no artigo 26º do Código Penal.

39. A não ser assim, o recorrente entende que não se verificam os pressupostos do artigo 83º do Código Penal pelo que não lhe podia ter sido aplicada pena relativamente indeterminada.

40. São pressupostos cumulativos da aplicação da pena relativamente indeterminada que: o agente pratique, no caso concreto, crime doloso a que deva aplicar-se prisão efetiva por mais de dois anos e, que o mesmo, tenha cometido, anteriormente, dois ou mais crimes dolosos tendo sido aplicado, a cada um desses crimes, pena de prisão efetiva também por mais de dois anos.

41. Sendo também pressuposto necessário para a aplicação desta pena a avaliação conjunta dos factos e que a personalidade do agente revele uma acentuada inclinação para o crime que, persista ainda, no momento da condenação.

42. Porém, e como toda a regra comporta exceções, significa que para efeitos dos pressupostos de aplicação de uma pena relativamente indeterminada não releva a pena suspensa que não foi revogada, ou seja, quando se refere que para aplicação da pena relativamente indeterminada é necessário que o agente tenha cometido, anteriormente, dois ou mais crimes dolosos tendo sido aplicado, a cada um desses crimes, pena de prisão efetiva também por mais de dois anos, não releva para o efeito, as penas de prisão suspensas não revogadas.

43. E no que respeita ao pressuposto do agente ter cometido, anteriormente, dois ou mais crimes dolosos tendo sido aplicado, a cada um desses crimes, pena de prisão efetiva também por mais de dois anos, nos termos do artigo 83º, nº3, do C.P, tem de existir, entre a prática desses dois crimes, um hiato temporal inferior a 5 anos.

44. A letra da lei é clara a este respeito, uma vez que o artigo 83º, nº3, do C.P. refere que qualquer crime anterior deixa de ser considerado, para efeito dos requisitos constantes do artigo 83º, nº1, do C.P. se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de cinco anos, normas que o Tribunal a quo violou.

45. E atentas as condenações do recorrente, mencionadas no Acórdão proferido pelo Tribunal quo foi o que sucedeu no caso aqui em apreço, uma vez que a última condenação sofrida pelo recorrente foi em 2022 sendo que, foi o mesmo condenado a uma prisão de prisão suspensa por 3 anos, que não releva de todo para o preenchimento dos pressupostos aqui em questão uma vez que se trata de uma pena suspensa e não de uma pena de prisão efetiva.

46. Além disso e ainda que a última condenação que o recorrente sofreu fosse relevante para efeitos de preenchimento dos requisitos da pena relativamente indeterminada (que não é, em virtude de se tratar de uma pena suspensa), a condenação anterior a esta ocorreu em 2015 (acórdão de cúmulo jurídico), tendo o arguido sido condenado na pena única de 6 anos e 9 meses de prisão efetiva, no âmbito do processo nº 7/13.... do Juiz 2 do Juízo Central Cível e Criminal do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda e nº 5/13...., do Juiz 3 do Juízo Central Cível e Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança.

47. Assim sendo, e caso a última condenação fosse relevante para preenchimento dos requisitos da pena relativamente indeterminada, importa mencionar que passaram mais do que cinco anos entre a última condenação e a penúltima, uma vez que o acórdão do cúmulo jurídico (da penúltima condenação) é do ano de 2015, o que significa que os crimes foram cometidos ainda antes dessa data, razão pela qual, nunca poderia considerar-se preenchido este requisito.

48. E tratando-se de requisitos cumulativos, basta que não se encontre preenchido um dos requisitos necessários para o efeito, para que já não possa ser decretada a pena relativamente indeterminada, devendo revogar-se o acórdão proferido.

49. Por outro lado constitui também pressuposto necessário para a aplicação da pena relativamente indeterminada que o arguido revele uma acentuada inclinação para o crime, contudo não consta dos autos qualquer perícia sobre a personalidade do arguido para que o Tribunal pudesse ter aferido (conforme fez) que o arguido revelava, em função da sua personalidade, uma acentuada inclinação para o crime que ainda persistia no momento da prolação do acórdão aqui em questão.

50. Não se encontrando preenchido tal pressuposto, não tendo o Tribunal valorado devidamente o relatório social do recorrente, apesar de o citar e invocar, que confirma que o mesmo tem um comportamento correto no estabelecimento prisional, cumpre devidamente as regras e até aí trabalha, que, teme uma nova condenação, que já pensa sobre as consequências da mesma, bem como as respetivas repercussões e, que além disso, que o recorrente já reflete sobre os comportamentos que adotou até ao momento e que o fizeram ter contacto com a justiça.

51. Não devendo o recorrente, caso venha a ser mantida a sua condenação pela prática de um crime de sequestro, o que não se concede atento o atrás invocado, não deve ser punido como delinquente por tendência na pena relativamente indeterminada que o tribunal fixou e cuja decisão deve ser revogada na integra.

52. Nesta sequência, existindo dúvidas objetivamente razoáveis sobre as declarações prestadas pelo ofendido, atentas as manifestas e graves contradições em que incorre, entre as declarações que presta no inquérito e as que presta em audiência de julgamento e idêntico raciocínio se tece em relação à testemunha HH, existem consequentemente, dúvidas objetivamente razoáveis sobre os elementos do tipo objetivo e subjetivo dos crimes cuja prática é imputada ao arguido/recorrente, mas insanáveis.

53. Não podendo condenar-se o arguido, decidindo-se, na dúvida, contra o mesmo, e não a favor do mesmo, ao invés, de se atuar oficiosamente, com base nos princípios da proporcionalidade e da descoberta da verdade material, e, pelo menos e em conformidade, permitir os esclarecimentos ao ofendido, em sede de audiência de julgamento, sobre os temas da prova, o que não aconteceu.

54. Foi violado o princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Lei Fundamental Portuguesa e existindo uma qualquer dúvida insanável, de que o recorrente tenha cometido qualquer crime de sequestro agravado, esta só podia ser resolvida segundo o princípio do in dúbio pro reo, o que não foi feito, violando-se também tal princípio.

55. Pelo que o Tribunal, ao não valorar devidamente as provas produzidas e ao não permitir que o ofendido FF esclarecesse, em audiência de julgamento, todas as contradições e dúvidas das suas declarações escritas e verbais, perante este Tribunal Coletivo, decidiu proferir sentença violando os princípios da certeza e segurança jurídicas e, sobretudo, o princípio in dubio pro reo, devendo por isso ser revogada no que toca atuação do recorrente.

56. E, não prescindindo do atrás alegado, quanto à matéria de facto e ausência de prova, e violação de tais princípios, caso este Venerando Tribunal entenda manter tal factualidade e condenação do arguido pelo crime imputado na douta decisão recorrida, o que não se concede, entende-se que a pena concretamente aplicada ao mesmo não é consentânea com o carácter e perfil do arguido traçado nas suas declarações, no seu relatório social e pela testemunha HH ouvida em audiência de julgamento, e até dos factos dados como provados na própria decisão recorrida,

57. Não obstante, a douta consideração tecida pelo Tribunal, na sua fundamentação de direito, entende-se que este podia e devia ter optado por uma pena mais baixa, consentânea com a culpa do arguido, por se afigurar ser o que preenche as exigências tanto de prevenção geral, como de prevenção especial.

58. Entende o arguido que o Tribunal, não teve em conta a culpa do arguido, a sua personalidade e perfil, a sua idade e o facto de na última condenação do recorrente por tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade lhe ter sido aplicada uma pena de prisão de 2 anos e 6 meses, suspensa na sua execução por 3 anos.

59. Movendo -se o Tribunal por meros sentimentos de proteção da vitima, atenta a natureza dos crimes em apreço e o eventual impacto na opinião pública, e não por certezas, vítima essa que, ao longo do processo refere “todos os arguidos”, “não me recordo”, sem o concretizar devidamente quando questionado em sede de audiência de julgamento quem especificamente fez o quê.

60. O Tribunal ultrapassou largamente a culpa do arguido, não sendo consentânea com a atuação do recorrente e grau de comparticipação com os restantes arguidos.

61. O Tribunal não teve em conta os princípios da adequação e proporcionalidade das penas, ao aplicar a pena de prisão ao recorrente e consequentemente a pena relativamente indeterminada, violando-se expressamente o disposto nos artigos 29.º, 30º e 32.º da CRP, 70.º, 71.º e 40.º nº 1 e 2 e 83º do CP, tanto mais que as exigências de prevenção geral e especial as não justificam.

62. No que concerne às exigências de prevenção geral, entende o arguido que o interesse púbico não pode justificar que se inflija a um indivíduo, qualquer pena, não podendo a prevenção geral ser utilizado como instrumento para repor a confiança nas Instituições e Organismos que combatem o crime, sobrepondo-se à culpa do arguido.

63. A culpa como limite que é serve para determinar um máximo de pena que não poderá ser ultrapassado, mas não para fornecer, em última instância, a medida da pena, já que esta depende, dentro do limite consentido pela culpa, de considerações de prevenção.

64. Tal norma deve ser interpretada, em articulação com o artigo 40.º, n.ºs 1 e 2, do CP, a fim de se concluir que só as finalidades de prevenção podem legitimar a medida da pena, afastando, deste modo, as finalidades absolutas de retribuição e expiação.

65. Tal interpretação decorre do chamado princípio da referência constitucional ou princípio da congruência ou da analogia substancial entre a ordem axiológica constitucional e a ordem legal dos bens jurídicos.

66. A prevenção geral é, hoje, concebida pela doutrina, não como prevenção negativa, mas como prevenção positiva, de integração, socialização e de reforço da consciência jurídica comunitária, entendendo o arguido/recorrente que as exigências de prevenção geral nos presentes Autos não justificam as penas que lhe foram aplicadas.

67. Dispõe o artigo 71.º do CP que a determinação concreta da pena é feita, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa e das exigências de prevenção acrescentando o n.º 2 do preceito que, na determinação concreta da pena, o Tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, o que o Tribunal, com todo o devido respeito não fez…

68. A pena não pode, pois, compensar ou retribuir a culpa, devendo antes ter presente a reintegração do agente na sociedade, neste sentido o Acórdão da Relação de Coimbra de 10.5.2017, proferido no processo nº 73/12.3GAMGL.C1.

69. O Tribunal a quo violou tais critérios e disposições legais, tendo apenas em consideração a perspetiva da vítima e da opinião pública e não a do arguido, condenando o recorrente numa pena de 4 anos e 2 meses de prisão efetiva e como delinquente por tendência na pena relativamente indeterminada de 2 anos e 8 meses no seu mínimo e no máximo de 10 anos, ambas bastante pesadas, quando o mesmo já tem 63 anos... sendo uma vítima do próprio sistema judicial, que falhou sempre na reintegração e socialização do recorrente.

70. Entendendo-se por isso e em face do exposto, que as penas aplicadas ao arguido/recorrente são desadequadas, desproporcionais e injustas.

71. O Tribunal julgou procedente o pedido civil de indemnização formulado pela Unidade Local de Saúde ..., EPE, e em relação ao ofendido FF arbitrou uma indemnização ao abrigo do disposto no artigo 16º da Lei nº 130/2015 de 4 de Setembro e artigo 82º-A do Código de Processo Penal, no valor de 7500 euros, por também entender verificados os mesmos pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos.

72. Ora em face do atrás alegado nesta motivação entende o recorrente que não praticou o crime pelo qual foi condenado, não podendo por isso ser considerado responsável pelo pagamento das indemnizações arbitradas e muito menos solidariamente com os restantes arguidos.

73. O recorrente não só considera não se encontrarem preenchidos, no caso concreto, os pressupostos legais geradores de responsabilidade civil por facto ilícito, por não ter cometido o crime por que foi condenado, como entende, e por cautela de patrocínio, para o caso de ser mantida a sua condenação pelo mesmo, que o valor da indemnização arbitrada é manifestamente desproporcional, à luz dos princípios que devem guiar a determinação do seu quantum, violando-se o disposto nos artigos 483.º, 562 e ss do Código Civil.

74. O recorrente expressamente impugnou a matéria de facto constante dos pontos 3, 9,11,13,14,15,16,18, 19,20, 23,26 (na parte em que se refere os arguidos), 28,29,30,31 e 33 do acórdão recorrido, a qual não deveria ter sido dada como provada, à luz das regras da experiência comum e dos princípios da livre apreciação da prova, dos princípios da certeza e da segurança jurídica, bem como do in dúbio pro reo, tudo conforme supra se alegou nesta motivação

75. Como tal, tendo ficado demonstrada a inexistência da prática do crime de sequestro agravado, inexiste a prática de quaisquer factos ilícitos pelo recorrente, apto a causar os danos não patrimoniais alegadamente sofridos pelo ofendido FF, nem os danos patrimoniais causados à Unidade Local de Saúde ..., E.P.E., suscetíveis de fundamental tal pedido indemnizatório, nos termos do artigo 483.º e seguintes do CC.

76. Danos esses que não ocorreram e que, por isso, aqui se impugnam expressamente, não existindo qualquer nexo de causalidade entre a conduta do recorrente e os mesmos, nem tal conduta é suscetível de os produzir.

77. Pelo que, não existindo crime, não existe facto ilícito, nem se verificam os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito e, em consequência, nenhuma obrigação existe em indemnizar a demandante, nem o ofendido FF por parte do arguido/recorrente.

78. Caso assim se não se entenda, mantendo este Venerando Tribunal a decisão de condenação do arguido, sempre se dirá que o valor da indemnização arbitrada pelo Tribunal é manifestamente desproporcional, à luz dos princípios que devem guiar a determinação do seu quantum, não se percebendo a partir do texto da decisão recorrida, como chegou o Tribunal a tal montante, não bastando, para tal, a mera invocação do disposto nos artigos 494.º e 496.º do CC, normas que se entende terem sido violadas.

79. O Tribunal não “faz” a justiça no caso concreto se, ao proceder ao juízo de equidade, fixa o montante indemnizatório que fixou, considerando que o recorrente não beneficiava de uma situação social e económica favorável quando em liberdade e ainda assim lhe aplica uma pena relativamente indeterminada de um máximo de 10 anos, sabendo que o recorrente já tem 63 anos e que cumprindo essa pena sairá em liberdade anos 73 anos ,não tendo condições de o pagar os valores fixados a título de indemnização.

80. O recorrente considera a sua condenação no pagamento de 7.500,00 euros ao ofendido FF, bem como à demandante manifestamente injusta e penalizadora, atenta a sua idade, a sua personalidade e a sua situação económica, que não lhe permite pagar tal montante.

81. Pelo que o montante de indemnização pelo dano não patrimonial sofrido pelo ofendido FF fixado pelo Tribunal ,excede em muito o que é usual na jurisprudência em situações idênticas ou parecidas às dos autos, devendo, ser reduzido substancialmente, em obediência a critérios de equidade e de justiça, se este Venerando Tribunal mantiver a condenação do arguido pelo crime por que foi condenado na sentença recorrida, o que só por mera hipótese e por dever de patrocínio se concebe, mas, em nenhum caso, se concede.

82. Pelo que deverá o presente recurso ser julgado procedente, com todas as consequências legais, nomeadamente a revogação e alteração da matéria de facto dado como provada pelo acórdão recorrido e, em consequência, a revogação do acórdão recorrido, nos termos sobreditos.»

5. O Ministério Público junto da 1ª instância respondeu a este último recurso concluindo da seguinte forma (transcrição):

«1. A matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo encontra-se correctamente julgada, inexistindo erro de julgamento

2. A alegação do recorrente prende-se com a convicção do julgador, a qual é fiel à prova produzida em julgamento e respeita o princípio da livre apreciação da prova

3. Os meios de prova invocados e as passagens transcritas não impunham decisão diversa, até porque são excertos parciais de tais depoimentos.

4. Não há lugar à aplicação do princípio in dubio pro reo

5. A pena aplicada respeita os critérios estabelecidos no artigo 71º do Código Penal, e encontra-se correctamente doseada e fixada, não excedendo o limite da culpa.

6. Verificam-se in casu, os pressupostos para a aplicação da pena relativamente indeterminada, em face das anteriores condenações do arguido recorrente e dos períodos de detenção/privação da liberdade por este sofridos que não se contabilizam para o cômputo dos 5 anos referidos no artigo 83º, nº 3 do Código Penal;

7. Sendo o arguido condenado pela prática do crime de sequestro é igualmente responsável civilmente, devendo responder solidariamente pelo pagamento ao ofendido FF da respectiva indemnização;

8. A quantia de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), fixada a título de indemnização, nos termos do artigo 16º da Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro e artigo 67º-A do Código de Processo Penal, e a pagar solidariamente pelos arguidos respeita os critérios ali definidos e mostra-se equilibrada face à factualidade dada como provada e à situação económica do arguido.

Pelo exposto, deve improceder o recurso do arguido.»

6. Neste tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer, aderindo à posição e argumentos constantes das respostas a que se aludiu supra.

7. Não foi apresentada resposta a este parecer e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência, dela procedendo a decisão colegial que segue. 

           

II - FUNDAMENTAÇÃO  

1. Delimitação do objeto dos recursos.

            Segundo jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - como seja a deteção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto resultantes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal , e a verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379º, n.º 2, e 410º, n.º 3, do mesmo código - é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza os fundamentos de discordância com o decidido e resume as razões do pedido (artigo 412º, n.º 1, do referido diploma), que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites do conhecimento do mesmo pelo tribunal superior.

                       

Feitas estas considerações prévias, atentas as conclusões formuladas pelos Recorrentes, as questões a decidir são as seguintes:

A) – Recurso interposto pelo arguido BB

            1 - Impugnação da decisão sobre a matéria de facto, devendo os pontos 3., 9., 11., 13., 14., 15., 16., 18., 19., 20., 23., 26., 28., 29., 30., 31. e 33. serem dados como não provados [conclusões 4ª. a 38ª.]

            2 - Violação dos princípios da presunção de inocência e do in dúbio pro reo [conclusões 52ª a 55ª]

3 – Incorreta determinação da medida da pena [conclusões 56ª a 70ª]

4 – Não verificação dos pressupostos da aplicação de pena relativamente indeterminada [conclusões 39ª a 51ª]

5 – Incorreta condenação no pagamento de indemnização e montante da mesma [conclusões 71ª a 81ª].

B) – Recurso interposto pelo arguido AA.

Suspensão da medida de segurança de internamento aplicada [conclusões 1ª a 32ª].

2. Apreciação.
          2. 1. Da decisão recorrida.

Atento o objeto dos recursos, importa ter presente o teor do acórdão prolatado nos autos, na parte atinente aos mesmos (transcrição):

            «2.1. Matéria de facto provada

Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:

Do despacho de acusação

1. O ofendido FF, que se encontrava numa situação de sem-abrigo, pernoitou pelo menos na noite anterior aos factos que a seguir se descrevem, nas antigas instalações da Federação de Vinicultores do Dão, sitas na Avenida ..., em ..., local onde também pernoitavam/viviam os arguidos BB e CC;

2. No início da manhã do dia 25 de Abril de 2023, cerca das 7h00m, o ofendido deslocou-se de ... à cidade do Porto, viajando de autocarro, tendo por objetivo adquirir produto estupefaciente;

3. Após ter adquirido e consumido cocaína e heroína, em quantidades não concretamente apuradas, no Bairro da Pasteleira, sito naquela cidade do Porto, regressou à cidade ..., nesse mesmo dia 25 pela manhã, novamente viajando de autocarro e transportando consigo, cocaína e heroína, também em quantidades não concretamente apuradas, tendo chegado ao interior do terminal rodoviário de ... cerca das 13h;

4. Ao chegar ao referido terminal rodoviário, apercebendo-se da presença de um elemento da P.S.P, que o ofendido reconheceu enquanto tal, acondicionou o referido produto estupefaciente que transportava num plástico e engoliu o mesmo, por forma a evitar ser interceptado na sua posse;

5. De seguida, dirigiu-se para o local onde havia pernoitado e onde se encontravam, além do mais, os arguidos BB, CC, EE e AA;

6. Ali chegado, pouco depois das 13h30m, o ofendido relatou aos arguidos atrás mencionados que tinha engolido o produto estupefaciente obtido na cidade do Porto para que o mesmo não fosse detectado pelos agentes da P.S.P. à sua chegada a ..., nas circunstâncias supra descritas;

7. Nessa altura, o arguido EE sugeriu ao ofendido que bebesse azeite e água de molde a provocar-lhe o vómito e, com isso, expelir para fora do seu corpo o estupefaciente em causa, a fim de o recuperarem, tendo o ofendido, nesse momento, concordado com o dito plano;

8. Porém, após ter ingerido os referidos produtos e vomitado por diversas vezes, o ofendido não expeliu o produto estupefaciente;

9. Depois das referidas tentativas, os arguidos BB, EE, CC e AA, como o produto não era expelido pelo ofendido, começaram a ficar impacientes e adoptaram uma postura agressiva;

10. Entretanto, já havia chegado ao referido local, o arguido DD que, constatando o supra referido, uniu esforços com os demais arguidos, que já ali se encontravam, para fazerem o ofendido expelir o produto estupefaciente ingerido, contra a sua vontade;

11. Nessa altura, todos os arguidos, mantendo o propósito de obrigarem o ofendido, mesmo contra a sua vontade, a expelir o produto estupefaciente, mancomunados entre si em conjugação de esforços e de intentos e na execução desse plano, amarraram o seu pulso ao do arguido AA, utilizando um cordão para esse efeito, evitando dessa forma que aquele fugisse, como era sua vontade, encaminhando-o para outro local do edifício onde se encontravam;

12. Após, o arguido DD, juntamente com o arguido AA, munindo-se de objectos em madeira e de ferro, de características não concretamente apuradas, desferiram várias pancadas no ofendido, atingindo-o em diversas zonas do corpo;

13. De seguida, todos os arguidos, sempre mancomunados entre si e em comunhão de esforços, forçaram o ofendido a deslocar-se para outro sítio dentro das instalações do local onde se encontravam, num piso acima, tendo-o aí amarrado nas mãos e pés, com recurso a cordas e fios que tinham consigo, evitando, dessa forma, que aquele fugisse daquele local, o que o ofendido pretendia;

14. Enquanto isso, aproveitando que o ofendido estava manietado e usando de força física para o efeito, os arguidos compeliram-no a engolir azeite, água e vinho, provocando-lhe, com isso, vómitos e dejecções;

15. Cerca das 17h00, não logrando que o ofendido expelisse o produto estupefaciente como pretendiam, todos os arguidos acordaram entre si que a arguida CC fosse adquirir um produto laxante, o que esta fez, deslocando-se à Farmácia ..., sita na Avenida ..., em ..., e regressando, pouco tempo depois, com um laxante da marca Microlax, composto por 6 (seis) bisnagas de uso retal;

16. Encontrando-se o ofendido manietado pelos arguidos, já na posse do laxante, os arguidos obrigaram o ofendido a colocar no ânus, intervaladamente e contra a sua vontade, o conteúdo das bisnagas do laxante adquirido para esse efeito e forçaram-no também a ingerir o conteúdo de algumas bisnagas do referido laxante;

17. Tudo isto provocava, ao ofendido, dores, levando-o a vomitar e defecar por diversas vezes;

18. Com o ofendido amarrado, os arguidos forçaram-no a manter-se sentado no solo, enquanto todos, indistintamente, lhe desferiam várias chapadas, atingindo-o no rosto e na cabeça, sendo que a arguida CC o obrigou, utilizando força física para tal, a ingerir azeite, ao mesmo tempo que colocava a mão no interior da sua boca tentando, a todo o custo, causar-lhe o vómito;

19. Todos os arguidos, agindo sempre mancomunados entre si e em comunhão de esforços, voltaram a deslocar o ofendido, que mantinham manietado, desta feita para um piso inferior da Adega, dentro das instalações em que se encontravam, local que se destinava ao armazenamento de garrafas de vinho e onde havia vidros partidos;

20. Seguidamente, todos os arguidos voltaram a agredir o ofendido, de forma não concretamente apurada;

21. Ao mesmo tempo que praticavam os actos supra descritos, os arguidos DD e GG dirigiam expressões em voz alta e tom sério, dizendo que o matavam, nomeadamente, dizendo que lhe iam cortar a barriga, fazendo o ofendido temer pela sua vida;

22. Após, o arguido EE, munido de uma vassoura, utilizando o cabo da mesma untada com azeite, encostou a respectiva ponta ao ânus do ofendido, ameaçando proceder à introdução daquele objecto;

23. Os arguidos agiram, sempre, de comum acordo e em comunhão de esforços, indiferentes ao sofrimento, dores, vontade e estado psíquico do ofendido, que se encontrava manietado, indefeso e impossibilitado de fugir daquele local, como pretendia, perante as condutas daqueles;

24. Todos os comportamentos acima descritos provocaram ao ofendido dores e ferimentos em todo o corpo, designadamente escoriações dispersas nos membros, hematoma no crânio e feridas na perna esquerda e no antebraço esquerdo (visíveis e descritas a fls. 57-65 e fls. 210- 226);

25. Seguidamente, o ofendido perdeu os sentidos e quando os retomou, cerca das 23h00m, apesar de continuar amarrado, os arguidos já não se encontravam naquele espaço, mas noutras divisões daquelas instalações;

26. Aproveitando a ausência daqueles, o ofendido gritou por socorro vindo em seu auxílio o amigo que também ali pernoitava, HH, e que ali se encontrava nesta altura, conseguindo, só assim, o ofendido fugir até ao exterior das instalações, vindo posteriormente a ser-lhe prestado auxílio, por elementos dos Bombeiros Voluntários ..., que o transportaram para o Hospital ... em ...;

27. Em consequência da conduta dos arguidos sofreu FF as lesões descritas e examinadas no relatório de urgência de fls. 210 a 22, no relatório de internamento de fls. 223 e a 226 e no relatório médico-legal de fls. 533 a 536, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, designadamente: Pescoço – na região postero-lateral esquerdo do pescoço apresenta uma escoriação de base larga, avermelhada, com crosta acastanhada, linear, com 0,5 cm de comprimento; Tórax - na fase anterior do terço médio do tórax ao nível da linha média, apresenta duas escoriações avermelhadas puntiformes. Na fase posterior do terço proximal do tórax, ligeiramente à direita da linha média, apresenta 3 escoriações lineares de base larga, avermelhadas, com crosta acastanhada, com 0,5 cm de comprimento cada uma e praticamente paralelas entre sim, distando 1 cm entre si. Na fase posterior do terço distal do tórax, na linha média, apresenta uma escoriação acastanhada, desidratada, com 2 por 1,5 de maiores dimensões; Membro superior direito - na fossa cubital apresenta uma escoriação nacarada, arredondada, com 0,5 cm de maior diâmetro. Na fase posterior do terço proximal do antebraço apresenta uma escoriação linear, avermelhada com 2 cm de comprimento. Na fase anterior do terço médio do antebraço apresenta uma área com múltiplas escoriações lineares e puntiformes avermelhadas, numa área com 4 por 5 cm de maiores dimensões, a maior das quais com 2 cm de comprimento. Na face posterior do terço médio do antebraço apresenta duas escoriações: uma nacarada, com destacamento da crosta, em fase final de evolução com 3 cm de comprimento e outra avermelhada, com 0,7 cm de comprimento; Membro superior esquerdo - Na face lateral do terço superior do braço apresenta uma equimose avermelhada, arredondada com 3 cm de maior diâmetro. Na face anterior do terço médio do braço apresenta uma escoriação linear, avermelhada com 0,5 cm de comprimento. Na fossa cubital apresentada duas escoriações puntiformes, avermelhadas. Na face posterior do terço proximal do antebraço apresenta 4 escoriações lineares de base larga, com crosta acastanhada central e bordos nacarados, desidratados (compatíveis com lesões não recentes) que foram em conjunto uma semicircunferência, numa área com 7 por 4 cm de maiores dimensões, a maior das quais com 2 por 0,8 cm de maiores dimensões. No bordo radial do terço proximal do antebraço apresenta uma escoriação acastanhada, puntiforme. No bordo radial do terço distal apresenta uma escoriação avermelhada, puntiforme; Membro inferior direito - Na metade inferior da região nadegueira apresenta uma escoriação avermelhada, arredondada, com 0,5 cm de maior diâmetro. Superiormente a esta, observa-se uma equimose avermelhada, ténue, com 5 por 1 cm de maiores dimensões. Na face anterior do terço médio da perna apresenta um penso branco com vestígios hemáticos avermelhados, após a remoção do qual se observa uma solução de continuidade suturada, com 2 pontos de sutura azul, com 2 cm de comprimento; Membro inferior esquerdo - No quadrante supero-externo da região nadegueira apresenta uma escoriação linear, vertical avermelhada, com 2 cm de comprimento, além de dores, que determinaram 12 dias para a consolidação médico-legal, sem afectação da capacidade de trabalho geral. Do evento resultaram consequências permanentes, as quais, sob o ponto de vista médico-legal, se traduzem em cicatriz na face anterior da perna direita;

28. Nas situações acima relatadas, os arguidos BB, EE, CC, AA e DD, agiram sempre mancomunados entre si, em comunhão de esforços e intenções, com o propósito concretizado de molestar o corpo e saúde do ofendido, provocando-lhe dores, lesões físicas e mal-estar psicológico, e de impedi-lo de se ausentar para outro local, privando-o da sua liberdade de locomoção, imobilizando-o nos seus movimentos, durante várias horas, designadamente, com recurso a cordas e fios e à força física, e obrigando-o a estar sempre junto dos mesmos, bem sabendo que as suas condutas eram adequadas para produzir esses efeitos;

29. Pretendendo com isso que o ofendido expelisse o produto estupefaciente que tinha ingerido, utilizando todos os meios ao seu dispor para lograr esse objectivo, indiferentes ao sofrimento, dores e tratamento atroz, aviltante, degradante, horripilante, cruel, pavoroso e desumano, acima descrito, que lhe infligiam e do tempo que demorassem, querendo provocar dores físicas e mal-estar psicológico no ofendido, bem sabendo que os provocariam, tendo em conta as zonas do corpo que procuraram e conseguiram atingir, mormente na zona do crânio, bem sabendo que as suas condutas eram adequadas para produzir esses efeitos, tais como vómitos e diarreia intensos, que o ofendido produzia em locais e circunstâncias não adequados para o efeito e a inanimação do ofendido;

30. O que fizeram, durante várias horas, pelo menos desde que começaram a manietar o ofendido com recurso à força física e o obrigaram a ingerir diverso tipo e qualidade de laxantes ou produtos que actuassem como tal, sem a autorização e contra a vontade deste;

31. Os arguidos praticaram tais actos bem sabendo que os mesmos eram idóneos e adequados a provocar, como efectivamente provocaram e era intenção dos mesmos, medo e pânico no ofendido, limitando-o na sua liberdade de locomoção e de determinação nos seus sentimentos de segurança, na sua dignidade e bem-estar enquanto pessoa humana, na sua integridade física, fazendo-o temer pela própria vida;

32. O arguido DD, ao proferir as expressões supra mencionadas, agiu com o propósito de intimidar o ofendido, anunciando a sua intenção de lhe infligir um mal que sabia constituir crime contra a vida, bem sabendo que aquelas expressões eram adequadas a provocar-lhe receio, medo e a prejudicar-lhe a liberdade de determinação, como aconteceu;

33. Agiram os arguidos BB, CC, DD e EE em todas as acima descritas circunstâncias de forma livre, voluntária e consciente, em plena comunhão de esforços e de intentos, bem sabendo que tais condutas não lhes eram permitidas, e que as mesmas eram proibidas e punidas por lei;

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Da alteração de factos comunicada – inimputabilidade do arguido AA

34. O arguido AA apresenta um quadro clínico de natureza psicótica compatível com o diagnóstico de Esquizofrenia, em fase de descompensação, na data dos factos. A doença mental de que padece é grave, não acidental, não dominando o arguido os seus efeitos;

35. Por força desta doença de que padece e ainda por força da história de perturbação do uso padrão, uso nocivo de múltiplas substâncias psicoactivas referidas no referido relatório psiquiátrico, o arguido AA não tinha a capacidade para avaliar o carácter proibido dos actos que lhe são imputados, nem a ilicitude dos factos, nem de se determinar de acordo com a sua avaliação;

36. Também por força desta doença de que padece o arguido, considerando os efeitos que produz sobre o seu intelecto e a sua vontade, produziu no momento da prática dos factos um efeito que o incapacitou para avaliar a ilicitude de tais factos, por via disso e considerando esta doença de que o arguido padece, há perigo e possibilidade evidente de que o arguido venha a cometer novos ilícitos criminais da mesma natureza;

37. Assim, deverá o mencionado arguido ser declarado inimputável, nos termos do disposto no artigo 20º n.º 2 do Código Penal;

38. Dada a sua perigosidade, deve ser-lhe aplicada uma medida de segurança de internamento, nos termos do disposto no artigo 91º do Código Penal.

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Factos do pedido Cível

39. Como consequência directa e necessária da conduta dos arguidos acima descrita foi o ofendido FF assistido na Unidade Local de Saúde ..., E.P.E., importando tal assistência na quantia de €1.240,53 (mil duzentos e quarenta euros e cinquenta e três cêntimos).

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Da pena relativamente indeterminada – arguido BB

40. O arguido BB já sofreu diversas condenações, sendo que, para os efeitos em causa, se destacam as seguintes:

- No âmbito do processo n.º 67/84, do Tribunal Militar Territorial de Coimbra, por acórdão datado de 26/02/1985, transitado em julgado em 03/02/2004, foi condenado em sete meses de presídio militar pela prática do crime de deserção, p. e p. pelo art. 142, n.º 1, al. b) e art. 149, n.º 1, al. a), 2.ª parte, ambos do Código de Justiça Militar, considerada extinta, com efeitos a partir de 22 de Setembro de 1985 (Cfr. CRC do arguido BB e certidão de fls. 995 a 1003);

- No âmbito da querela n.º 130/86, por acórdão datado de 17/10/1986, foi condenado pela prática: de um crime de receptação e aquisição e detenção de estupefacientes, ps. e ps., respectivamente pelos artigos 26.º e 210.º, n.º 1 e 2, al. b) com referência ao art. 329.º, n,º 1, do Código Penal e artigo 25.º, n.º 1, do DL 430/83, de 12-12, na pena de um ano de prisão e 5.000 escudos de multa e 8 meses de prisão e 30.000 escudos de multa, e em cúmulo jurídico, na pena de 18 meses de prisão e 35.000 escudos, suspensa por 3 anos (Cfr. CRC do arguido BB e certidão de fls. 1004 a 1019);

- No âmbito do processo comum colectivo n.º 148/98, do extinto 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viseu, por acórdão datado de 21/05/1998, foi condenado pela prática: em 02/1997 de 01 crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22 de Janeiro e 40.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, na pena de 60 dias de prisão, integralmente expiada desde a prisão preventiva sofrida (Cfr. CRC do arguido BB e certidão de fls. 935 a 948);

- No âmbito do processo comum colectivo n.º 176/02...., do extinto 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, por acórdão datado de 26/02/2003, transitado em julgado em 03/02/2004, foi condenado pela prática: em 08/02/2002 de 01 crime de roubo, p. e p. pelos artigos 26.º e 210.º, n.º 1 e 2, al. b) com referência ao art. 204.º, n,º 2, al. f) do Código Penal e de 01 crime de sequestro, p. e p. pelos artigos 26.º e 158.º, n.º 1 do Código Penal; e em 13/02/2002 de 01 crime de falsas declarações, p. e p. pelo artigo 359.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, na pena única de 05 anos de prisão efectiva, declarada extinta em 7-9-2007, estando o arguido detido à ordem destes autos entre 11-02-2002 e 11-02-2007 (Cfr. CRC do arguido BB e certidão de fls. 950 a 994);

- No âmbito do processo comum colectivo n.º 7/13...., da secção única do Tribunal Judicial de Vila Nova de Foz Coa, por acórdão datado de 01/10/2013, transitado em julgado em 31/10/2013, foi condenado pela prática: em 03/01/2013. de 01 crime de dano simples, p. e p. pelo artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal, de 03 crimes de furto na forma tentada, p.s e p.s pelo artigo 203.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal; em 02/01/2023, de 01 crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), ambos do Código Penal, 5 crimes de furto qualificado, p.s e p.s pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), ambos do Código Penal; 01 crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204.º, do Código Penal, 2 crimes de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), ambos do Código Penal, 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. f) e h). ambos do Código Penal, 01 crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º, do Código Penal; em 03/01/2013 de 01 crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º do Código Penal, na pena única de 05 anos e 08 meses de prisão efectiva (Cfr. CRC do arguido BB e certidão de fls. 1248 a 1299);

- No âmbito do processo comum colectivo n.º 5/13...., do Juiz 3 do Juízo Central Cível e Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, por acórdão datado de 22/12/2014, transitado em julgado em 25/02/2015, foi condenado pela prática, 21/01/2013, de 01 crime de furto qualificado, p e p pelo artigo 204.º, n.º 1, al. a), n.º 2 al. e) do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão (Cfr. CRC do arguido BB e certidão de fls. 1309 a 1327);

- No âmbito do processo n.º 5/13...., do Juiz 3 do Juízo Central Cível e Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, por acórdão de cúmulo jurídico, datado de 15/07/2015, transitado em julgado em 30/09/2015, foi condenado na pena única de 06 anos e 09 meses de prisão efectiva (processos do cúmulo: n.º 7/13.... do Juiz 2 do Juízo Central Cível e Criminal do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda e n.º 5/13...., do Juiz 3 do Juízo Central Cível e Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança), tendo sido declarada extinta em 10-03-2020, com detenção e cumprimento desde 04-02-2013 (Cfr. CRC do arguido BB e certidão de fls. 917 a 934);

- No âmbito do processo abreviado n.º 110/22...., do Juiz 3 do Juízo Local de Pequena Criminalidade do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, por sentença datada de 21/10/2022, transitada em julgado em 21/11/2022, foi condenado pela prática, em 21/03/2022, de 01 crime de tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade, p.s e p.s pelos artigos 21.º, n.º 1 e 25.º, al. a) do DL n.º 15/93 de 22 de Janeiro, na pena única de 02 anos e 6 meses de prisão suspensa por 03 anos;

41. Não obstante, tais condenações, as mesmas não constituíram obstáculo bastante ao cometimento de novo crime, antes revelando o arguido BB acentuada propensão para a prática de actos ilícitos, designadamente da mesma natureza daqueles em discussão nos presentes autos;

42. Como resulta até dos factos cuja autoria lhe é imputada nesta acusação, da mesma natureza daqueles por cuja prática já foi condenado - (sequestro e furto) - em 26/02/2003, 15 de Junho de 1998 na pena de 4 (quatro) anos e de prisão (sequestro – Processo 176/02....), em 22/12/2014, na pena de 3 anos de prisão (furto – Processo n.º 5/13....; em 01/10/2013, na pena de 5 anos e 8 meses de prisão (vários furtos – Processo n.º 7/13.... – penas parcelares superiores a 2 anos – 1 crime de furto qualificado na pena 2 anos e 5 meses; 5 crimes de furto qualificado, cada um na pena de 2 anos e 3 meses; 1 furto qualificado na pena de 2 anos e 2 meses) - nenhuma das condenações em pena de prisão anteriormente sofridas pelo arguido, algumas das quais acima referidas, foi suficiente para o afastar do cometimento de novos crimes e conseguir a sua recuperação social, pois que o arguido sempre manteve um estilo de vida marginal, não trabalhando, vivendo no mundo do consumo de estupefacientes e sempre se mostrou insensível às advertências contidas nas decisões que o condenaram, revelando assim uma personalidade com acentuada propensão para a prática de crimes, designadamente, contra o património e outros, entre eles o de sequestro, propensão essa que ainda hoje se mantém.

(…)

Condições sociais e pessoais – arguido BB

68. À data dos factos BB vivia numa situação de sem abrigo, por falta de recursos económicas para pagar um alojamento, uma vez que foi suspensa a prestação do Rendimento Social de Inserção por não se ter apresentado no IEFP nem actualizado a sua documentação. Passou a pernoitar de forma frequente nas antigas instalações da Federação Vitivinícola do Dão que se encontram abandonadas e onde residiam outros sem abrigo, local onde terão ocorrido os factos constantes do presente processo;

69. Atendendo a que a sua subsistência era assegurada, em grande medida, por aquele benefício social e pela realização de alguns biscates, referiu que, naquela altura, a sua situação era de precariedade, para além de que não dispunha de qualquer rectaguarda familiar, o que já se verifica há muito tempo;

70. O arguido é proveniente de uma família monoparental, cujo relacionamento afectivo era pouco consistente. A suas vivências decorreram num ambiente de muitas dificuldades económicas e disfuncionalidade familiar;

71. O pai não assumiu a sua paternidade, constituindo-se a mãe como a principal figura de referência, mas, entretanto, devido a problemas de saúde, foi institucionalizada, ficando o arguido mais vulnerável e sem rectaguarda. Por essa altura, veio para ... ficando integrado no agregado familiar de um primo que o acolheu, localidade onde passou a privilegiar o convívio com grupos conotados com a prática de condutas desviantes, dando início aos consumos de substâncias aditivas;

72. Tendo concluído apenas o 4.º ano de escolaridade, o arguido terá iniciado percurso laboral por volta dos 14 anos, no ramo da construção civil, onde trabalhou sempre de forma irregular, para várias empresas e em diferentes localidades, sem que atingisse a devida estabilidade;

73. A manutenção dos consumos de estupefacientes e o estilo de vida a isso associado viriam a desorganizá-lo e a levá-lo a vários confrontos com o sistema da justiça penal, contando já com várias condenações, tendo cumprido a primeira pena de prisão efectiva entre 1997 e 2002, uma outra de 2004 a 2007 e, por último, de 2013 a 2018, tendo beneficiado de liberdade condicional;

74. Quanto à problemática da toxicodependência, o condenado continua integrado no programa de substituição opiácea – Cloridrato de metadona pelo Centro de Respostas Integradas (CRI) de ..., cuja Equipa de Tratamento se desloca ao EP ..., encontrando-se em processo de redução, com boa adesão ao processo terapêutico. Em meio livre já vinha fazendo tal tratamento embora de forma irregular e com alguns períodos de falta de adesão, o que comprometia todo o processo;

75. O arguido encontra-se em cumprimento de uma suspensão de execução de uma pena de prisão a que foi condenado no âmbito do processo 110/22...., a qual já decorria quando estava em liberdade, verificando-se alguma irregularidade, quer ao nível da comparência nesta Equipa quer às consultas no CRI;

Repercussões da situação jurídico-penal do arguido

76. Em 12-06-2023, o arguido foi sujeito à medida de coacção de prisão preventiva aplicada no âmbito dos presentes autos, estando desde então no Estabelecimento Prisional ..., onde o seu comportamento tem sido correcto e sem problemas, estando a exercer funções de faxina na copa e na distribuição da roupa, sendo remunerado. Não recebe qualquer visita;

77. Refere que, desde que está privado de liberdade, tem reflectido sobre os comportamentos adoptados e o estilo de vida anteriormente que mantinha, bem com a suas repercussões;

78. Revela apreensão em relação à presente situação judicial, por temer a condenação a mais uma pena de prisão efectiva e o impacto na medida de probatória que se encontra a cumprir;

79. Independentemente do desfecho do presente processo, e embora esteja muito apreensivo, está disponível para cumprir aquilo que for determinado.

(…)

Condições pessoais e sociais – arguido AA

94. No período a que se reportam os factos descritos nos autos, AA encontrava-se a viver sozinho, em quarto arrendado, em ..., mantendo um quotidiano centrado na ociosidade com inserção em grupo de pares com comportamentos de risco e associado ao consumo de estupefacientes;

95. Refere que pontualmente realizava alguns trabalhos na área da construção civil, subsistindo, maioritariamente, do montante da pensão por invalidez de que beneficia há cerca de sete anos, em razão da perturbação mental de que padece;

96. Em termos de relacionamento familiar, o arguido encontrava-se mais afastado do contacto com os progenitores e os irmãos, à data dos factos, situação que o arguido e os familiares atribuem à instabilidade emocional e comportamental evidenciada por AA, derivada do consumo de estupefacientes e da perturbação mental, para a qual não concretizava a medicação prescrita;

97. AA é natural de ..., ..., descendente de um agregado familiar constituído pelos progenitores, laboralmente activos, e dois irmãos mais velhos. Aquela dinâmica familiar foi caracterizada como disfuncional em razão da violência conjugal, perpetrada pelo progenitor, conduzindo à separação do casal, quando o arguido tinha 8/9 anos, passando a sua progenitora a constituir-se como a principal figura de vinculação e apoio. Por esta idade, o arguido veio a ser acompanhado na especialidade de Pedopsiquiatria, com um diagnóstico de perturbação depressiva;

98. AA iniciou percurso escolar em idade regular, com conclusão do 8º ano de escolaridade, optando pelo abandono dos estudos, por desinteresse pelas actividades escolares, vindo a concretizar alguma actividade laboral, pouco regular e consistente ao longo do seu percurso vivencial. Ainda na fase da adolescência, em contexto de grupo de pares, iniciou o consumo de estupefacientes, comportamento que, progressivamente, problematizou o seu estilo de vida, apresentando, desde então, períodos de abstinência interpolados com outros de recaída no consumo.

99. Pelos 18 anos, AA foi diagnosticado com esquizofrenia, registando internamento compulsivo, onde não logrou êxito, porquanto retomou o consumo de estupefacientes. Nunca concretizou tratamento à toxicodependência;

100. AA regista anterior contacto com o sistema da justiça, com condenação em prisão efectiva pela prática de crimes contra pessoas.

Repercussões da situação jurídico-penal do arguido

101. AA encontra-se preso preventivamente à ordem do presente processo;

102. Em meio prisional, o arguido apresenta diagnóstico de esquizofrenia, beneficiando de acompanhamento especializado na área da Psiquiatria, encontrando-se medicado com antipsicótico oral e adoptando um comportamento estável. Mantém a abstinência do consumo de estupefacientes desde a entrada no EPSCBM. Em meio institucional mantém-se em acompanhamento nos serviços clínicos da CPSM, situação que lhe permite manter estabilidade psicopatológica;

103. O arguido continua a beneficiar do apoio dos familiares de origem, não obstante o desgaste que demonstram relativamente à sua situação jurídico-penal.

(…)

Antecedentes criminais

130.        O arguido BB já sofreu as seguintes condenações:

• No âmbito do processo n.º 67/84, do Tribunal Militar Territorial de Coimbra, por acórdão datado de 26/02/1985, transitado em julgado em 03/02/2004, foi condenado em sete meses de presídio militar pela prática do crime de deserção, p. e p. pelo art. 142, n.º 1, al. b) e art. 149, n.º 1, al. a), 2.ª parte, ambos do Código de Justiça Militar, considerada extinta, com efeitos a partir de 22 de Setembro de 1985;

• No âmbito da querela n.º 130/86, por acórdão datado de 17/10/1986, foi condenado pela prática: de um crime de receptação e aquisição e detenção de estupefacientes, ps. e ps., respectivamente pelos artigos 26.º e 210.º, n.º 1 e 2, al. b) com referência ao art. 329.º, n,º 1, do Código Penal e artigo 25.º, n.º 1, do DL 430/83, de 12-12, na pena de um ano de prisão e 5.000 escudos de multa e 8 meses de prisão e 30.000 escudos de multa, e em cúmulo jurídico, na pena de 18 meses de prisão e 35.000 escudos, suspensa por 3 anos;

• No âmbito do processo comum colectivo n.º 148/98, do extinto 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viseu, por acórdão datado de 21/05/1998, foi condenado pela prática: em 02/1997 de 01 crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22 de Janeiro e 40.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, na pena de 60 dias de prisão, integralmente expiada desde a prisão preventiva sofrida;

• No âmbito do processo comum colectivo n.º 176/02...., do extinto 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, por acórdão datado de 26/02/2003, transitado em julgado em 03/02/2004, foi condenado pela prática: em 08/02/2002 de 01 crime de roubo, p. e p. pelos artigos 26.º e 210.º, n.º 1 e 2, al. b) com referência ao art. 204.º, n,º 2, al. f) do Código Penal e de 01 crime de sequestro, p. e p. pelos artigos 26.º e 158.º, n.º 1 do Código Penal; e em 13/02/2002 de 01 crime de falsas declarações, p. e p. pelo artigo 359.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, na pena única de 05 anos de prisão efectiva, declarada extinta em 7-9-2007, estando o arguido detido à ordem destes autos entre 11-02-2002 e 11-02-2007;

• No âmbito do processo comum colectivo n.º 7/13...., da secção única do Tribunal Judicial de Vila Nova de Foz Coa, por acórdão datado de 01/10/2013, transitado em julgado em 31/10/2013, foi condenado pela prática: em 03/01/2013. de 01 crime de dano simples, p. e p. pelo artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal, de 03 crimes de furto na forma tentada, p.s e p.s pelo artigo 203.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal; em 02/01/2023, de 01 crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), ambos do Código Penal, 5 crimes de furto qualificado, p.s e p.s pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), ambos do Código Penal; 01 crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204.º, do Código Penal, 2 crimes de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), ambos do Código Penal, 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. f) e h). ambos do Código Penal, 01 crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º, do Código Penal; em 03/01/2013 de 01 crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º do Código Penal, na pena única de 05 anos e 08 meses de prisão efectiva;

• No âmbito do processo comum colectivo n.º 5/13...., do Juiz 3 do Juízo Central Cível e Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, por acórdão datado de 22/12/2014, transitado em julgado em 25/02/2015, foi condenado pela prática, 21/01/2013, de 01 crime de furto qualificado, p e p pelo artigo 204.º, n.º 1, al. a), n.º 2 al. e) do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão;

• No âmbito do processo n.º 5/13...., do Juiz 3 do Juízo Central Cível e Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, por acórdão de cúmulo jurídico, datado de 15/07/2015, transitado em julgado em 30/09/2015, foi condenado na pena única de 06 anos e 09 meses de prisão efectiva (processos do cúmulo: n.º 7/13.... do Juiz 2 do Juízo Central Cível e Criminal do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda e n.º 5/13...., do Juiz 3 do Juízo Central Cível e Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança), tendo sido declarada extinta em 10-03-2020, com detenção e cumprimento desde 04-02-2013;

• No âmbito do processo abreviado n.º 110/22...., do Juiz 3 do Juízo Local de Pequena Criminalidade do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, por sentença datada de 21/10/2022, transitada em julgado em 21/11/2022, foi condenado pela prática, em 21/03/2022, de 01 crime de tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade, p.s e p.s pelos artigos 21.º, n.º 1 e 25.º, al. a) do DL n.º 15/93 de 22 de Janeiro, na pena única de 02 anos e 6 meses de prisão suspensa por 03 anos;

(…)

132. O arguido AA já sofreu as seguintes condenações:

• Por Acórdão proferido no dia 21 de Maio de 2009, no Processo Comum Colectivo n.º 177/08.... do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, transitado em julgado em 12 de Junho de 2009, foi o arguido condenado pela prática em 19 de Maio de 2008, de um crime de furto qualificado e de um crime de condução sem habilitação legal, na pena única de 2 anos e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução, com regime de prova, suspensão que foi revogada;

• Por sentença proferida no dia 5 de Novembro de 2009, no Processo Comum Singular n.º 140/08.... do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Mangualde, transitada em julgado em 23 de Fevereiro de 2011, foi o arguido condenado pela prática em 11 de Abril de 2008, de um crime de roubo e de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena única de 230 dias de multa, à taxa diária de €5,00;

• Por sentença proferida no dia 9 de Dezembro de 2009, no Processo Comum Singular n.º 126/08.... do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Mangualde, transitada em julgado em 14 de Março de 2011, foi o arguido condenado pela prática em 7 de Abril de 2008, de um crime de dano qualificado e de um crime de receptação, na pena única de 200 dias de multa, à taxa diária de €5,00;

• Por Acórdão proferido no dia 23 de Fevereiro de 2011, no Processo Comum Colectivo n.º 204/08.... do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, transitado em julgado em 15 de Março de 2011, foi o arguido condenado pela prática em 17 de Maio de 2008, de um crime de coacção grave na forma tentada, de um crime de roubo, de um crime de coacção agravada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada e de um crime de sequestro, na pena única de 2 anos e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos e 10 meses, com regime de prova;

• Por Acórdão Cumulatório proferido no dia 12 de Março de 2012, no Processo Comum Colectivo n.º 370/08.... do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, transitado em julgado em 18 de Abril de 2012, foi o arguido condenado pena única de 5 anos e 9 meses de prisão e na pena única de 217 dias de multa, à taxa diária de €5,00;

• Por sentença proferida no dia 30 de Novembro de 2022, no Processo Sumário n.º 456/22.... do Juízo de Competência Genérica de Mangualde do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, transitada em julgado em 113 de Janeiro de 2023, foi o arguido condenado pela prática em 18 de Janeiro de 2022, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de €5,00.

2.2. Matéria de facto não provada

Não se provaram quaisquer outros factos para além ou em contradição com os que foram dados por assentes e que fossem relevantes para a decisão da causa, não se provando que:

1. Os arguidos propositadamente partiram algumas das garrafas existentes no local deixando os seus fragmentos caídos no solo, evidenciando uma superfície altamente cortante;

2. Em acto contínuo desferiram empurrões no ofendido, na tentativa de o desequilibrar em direcção à referida superfície, onde se encontravam os fragmentos das referidas garrafas de vidro, causando-lhe, desta forma, pavor em cair sobre os mencionados vidros e ferir-se com seriedade, o que só não aconteceu por circunstâncias alheias à vontade dos arguidos;

3. Continuamente, os arguidos pressionaram o corpo do ofendido, por forma a colocá-lo de joelhos no solo, obrigando-o a manter-se com as nádegas viradas para cima;

4. No decorrer do lapso temporal referido nos factos provados, os arguidos, aproveitando-se do estado de debilidade do ofendido, retiraram-lhe o telemóvel, de valor não concretamente apurado e €180,00 (cento e oitenta euros) em dinheiro que tinha consigo, fazendo-os seus sem o consentimento e contra a vontade do mesmo;

5. Os arguidos, ainda em comunhão de esforços e vontades, agiram ainda com o propósito de retirar e fazer seus os bens supra aludidos pertencentes ao ofendido, que é um sem abrigo, sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade do proprietário dos referidos bens, que sabiam ser o ofendido, apesar deste se encontrar na situação supra descrita, em alguns momentos desacordado e noutros física e mentalmente incapaz de reagir ou compreender, pois se encontrava manietado da forma aludida e inultrapassavelmente tolhido na sua saúde física e mental;

6. Quando, em conjugação de esforços e vontades, abandonaram o ofendido, encontrando-se o mesmo nas circunstâncias físicas e psicológicas supra descritas, os arguidos tinham pleno conhecimento de que tinham o dever de lhe prestar assistência e não ignoravam que a omissão da mesma era proibida e punida por lei;

7. Mais sabiam os arguidos que deixavam de prestar socorro a pessoa que do mesmo necessitava, devido aos ferimentos provocados pelos próprios arguidos, e que não dispunha de qualquer meio a que pudesse recorrer para solicitar auxílio;

8. As condutas dos arguidos descritos nos factos provados poderiam, também, ter provocado o rompimento dos invólucros que continham cocaína e heroína ingeridos pelo ofendido e provocado, caso assim acontecesse, risco para a vida ou afectado de forma permanente a saúde deste;

9. No estado em os arguidos haviam deixado o ofendido e se este não tivesse ajuda pronta teriam sobrevindo consequências graves para a sua saúde, colocando mesmo em risco a sua vida, devido ao estado de desidratação em que se encontrava, em virtude dos constantes vómitos e defecações e eventual rompimento dos invólucros que continham heroína e cocaína;

10. Agiu o arguido AA em todas as acima descritas circunstâncias de forma livre, voluntária e consciente bem sabendo que tais condutas não lhes eram permitidas e que as mesmas eram proibidas e punidas por lei;

11. Os arguidos BB, CC e EE dirigiram expressões em voz alta e tom sério, dizendo que matavam o ofendido, fazendo-o temer pela sua vida;

12. Os arguidos BB, CC e EE ao dizerem que matavam o ofendido, agiram de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de intimidar o ofendido, anunciando a sua intenção de lhe infligir um mal que sabia constituir crime contra a vida, bem sabendo que aquelas expressões eram adequadas a provocar-lhe receio, medo e a prejudicar-lhe a liberdade de determinação, como aconteceu.

2.3. Motivação da matéria de facto

A convicção do Tribunal no que respeita à factualidade provada formou-se com base na análise crítica e ponderada de toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento e a que consta dos autos, em conjugação com as regras de experiência comum.

Desde logo considerou o tribunal as declarações dos arguidos. Quer as declarações prestadas em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, as quais foram validamente reproduzidas em audiência de julgamento, quer as que prestaram nesta sede.

O arguido BB, em sede de primeiro interrogatório judicial, disse, em suma, que o FF estava a morar numa casa em ... e o dono da casa queria pô-lo fora e que para isso lhe deu €150,00 de uma vez e €150,00 e outra vez; que o FF foi a ... comprar droga e pediu para deixar o saco onde eles estão a dormir e foi para o Porto; que o AA também lá estava; que depois, pelas 15.00h, chega ele a queixar-se que tinha engolido a droga e que eram todos uma cambada de chulos; que o AA ligou ao DD e ele apareceu lá e estiveram a falar; que o FF estava lá dentro e estava lá também o EE; que viu o AA com um ferro na mão e começou a bater no FF e que os mandou parar; que o FF os mandou comprar azeite para vomitar voluntariamente; que foi a ... e demorou 40 minutos; que estava lá uma coisa da Farmácia; que voltou a ... e quando voltou não viu ninguém; que foi buscar a comida com a CC e quando voltou soube que o prenderam e estava a berrar; que o KK viu-o estar a beber voluntariamente porque ele não tinha nada no estômago; que o FF bebeu o azeite e a água porque quis; que segundo depois falaram, e o EE disse que eles tinha obrigado a beber o azeite; que o EE foi buscar o azeite para “botar” aquilo para fora e salsichas; que segundo falaram que o obrigaram, o da cadeira de rodas e o AA, que o obrigaram a beber o azeite e que do laxante não sabe nada; que viu o DD e o AA baterem ao FF e que lhes disse para pararem; que ele não tocou no homem; que foi ... e eles ficaram lá, tendo ido a ... na mota do DD e porque o EE lhe deu €40,00 para ir comprar 2 pedras para fumarem os dois; que ele e a CC saíram do local para ir tomar café e para ir buscar a comida; que a primeira vez que ele bebeu voluntariamente, viu-o a beber o azeite para vomitar, mas não conseguiu tirar nada, apesar de ter vomitado líquido, água; que a droga que o FF trouxe do Porto era para ele e que o EE até lhe queria comprar e que por isso é que depois o EE o mandou a ...; que só viu o FF nas escadas, sentado; que não viu o FF no andar de cima; que no local existem muitas garrafas partidas, mas não sabe se partiram algumas nesse dia; que o DD andava de mobilete e não de cadeira de rodas e que não dormia lá, que foi o AA que o chamou; que não viu o FF despido; que viu o AA e o DD a bater no FF, com um ferro cada um; que não viu nenhum cabo de vassoura; que não viu a CC por as mãos na boca do FF; que da segunda vez que ele foi a ..., a CC foi tomar café ao café “...”; que não viu o FF amarrado, mas que eles dizem que o amarraram a uma cadeira e que ele se tinha soltado sozinho; que o HH apareceu ao escurecer; que quando estavam a comer, o FF soltou-se; que o FF não gosta dele porque ele andava a vender heroína e ele não lhe pagou.

O mencionado arguido BB, em sede audiência de julgamento, disse que na véspera dos factos o FF tinha-lhe dito que o senhorio lhe tinha dado, por duas vezes as quantias de €150,00, para ele sair do quarto e que ele, FF, lhe pediu para dormir no pavilhão e um par de meias porque ia para o Porto no dia seguinte; que no dia dos factos encontrou o arguido AA cá fora do pavilhão, cerca das 12h40/12h45, tendo-lhe ele perguntado pelo FF; que o FF chegou ao pavilhão cerca das 14h30/15h dizendo que eram uma cambada de chulos e que aquele que lá estava fora – referindo-se ao arguido AA - já o havia chibado; que às 16h chegou o EE e perguntou se ele sabia de alguma coisa, querendo com isto dizer que queria comprar cocaína; que como o FF tinha chegado com droga do Porto, perguntou-lhe se ele FF queria vender ou se ia a ... comprar; que como o FF tinha engolido a droga que tinha comprado, queria tirá-la e bebeu polpa de tomate para ver se conseguia; que depois o FF pediu €10,00 emprestado ao EE e foi ao supermercado comprar uma garrafa de azeite e duas latas de salsichas e o FF comeu-as e bebeu um copo de azeite; que entretanto chegou o MM e perguntou se ele (BB) sabia de alguma coisa, referindo-se a droga e ele disse-lhe que o FF estava ali a ver se deitava fora; que nessa altura o FF estava a vomitar muito e como não saía nada, o MM disse que ele estava a dar uma banhada e que não tinha nada; que chamou o EE e foi ao barracão acordar a CC para lhe dizer que ia a ...; que entretanto o FF veio com o azeite e com as salsichas e ele ao entrar disse “queres azeite?” e pôs a garrafa em cima da mesa e comeu as salsichas; que o FF, entretanto, pediu ao EE o cartão do telemóvel deste para pôr no telemóvel que tinha trazido do Porto; que o AA estava cá fora e perguntou-se ele já tinha tirado as coisas e disse “ele não tem nada”; que o AA, cerca das 17h, ligou ao DD e este veio, tendo-se ambos sentado a conversar e de um momento para o outro entraram para dentro do barracão e ouviu “ai, ai, ai” e viu o DD a bater com um ferro no FF e quando ele, BB, apareceu e berrou para eles pararam, aqueles pararam; que nesse momento o AA disse “ou a tiras por baixo ou a tiras por cima” e ele, BB, disse “olha que ele não tem nada”; que nessa altura, seriam já 18h, o EE lhe deu €40,00 para ele ir comprar cocaína, o que ele fez, tendo-se transportado na mobilete do DD e quando voltou com a droga estiveram a fumar, ele, o EE e a CC, sendo que nessa altura o DD, o AA e o FF estavam na parte de cima da placa, tendo-os ouvido a falar; que passado um bocado voltou a ir a ... buscar mais droga, tendo antes subido à placa para pedir emprestado ao DD a mobilete, viu o FF sentado num caixote, sendo que o DD lhe pediu para pedir €10,00 emprestados ao EE e que lhe trouxesse droga também para ele; que quando regressou de ... já estavam as luzes acesas e estavam cá fora o EE e a CC e logo de seguida o AA e o DD também saíram; que deu a pedra de cocaína ao DD e ele foi embora; que não perguntou pelo FF porque pensou que ele tinha ido embora, pois estava tudo calado; que cerca das 20h foi com a CC buscar comida a uma Associação junto do jardim das mães; que quando voltaram já lá estava o HH e foi quando sentiram um barulho, era o FF a berrar que o queriam matar, tendo depois aparecido e saiu para a rua, tendo o HH ido atrás dele; que o HH depois lhe contou que tinha visto o DD e o AA a virem de baixo e que eles lhes disseram que tinham ido buscar uma garrafa de vinho; que demorou cerca de 1h nas deslocações a ... e também 1h quando foi buscar a comida; que não viu o FF amarrado em momento nenhum; que sempre foi amigo do FF e que como ele não se meteu para o ajudar, será essa a razão para o FF o estar a incriminar; que o FF ficou a sangrar de uma perna, na sequência de lhe terem batido com os ferros; que o HH saiu do barracão de manhã, não sabendo dizer as horas, tendo regressado já de noite. Declarou que lhe pesa a consciência não ter chamado as autoridades e que acha que era o seu dever ter avisado a Polícia.

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O arguido DD, em sede de primeiro interrogatório judicial disse, em suma, que nesse dia não esteve com eles; que conhece o BB e a CC da rua, onde andavam a pedir moedas; que nem sequer esteve lá nesse dia; que nessa tarde esteve em casa a mexer na mobilete; que não conhece o FF; que há dois anos é que frequentou a adega, onde foi buscar duas garrafas de vinho branco para cozinhar em casa; que o FF deve ter inveja dele porque ele subiu na vida; que fez dois anos no Natal que não frequenta aquele local; que consome haxixe de vez em quando, tem andado a trabalhar e está a receber o RSI porque não pode trabalhar.

Em sede audiência de julgamento arguido DD, disse que está arrependido do que fez e que o fez porque o arguido AA o ameaçou quando lhe ligou, dizendo que se ele não fosse lá ter, ele ia lá busca-lo; que conhece o FF de vista, tendo-o visto uma ou duas vezes na cidade, num café que costuma frequentar e tinha conhecimento que ele era consumidor, sendo ele próprio também consumidor de heroína e cocaína; que conhecia o arguido BB há cerca de 2 ou 3 anos pois viveram ambos numa pensão na Rua ..., ...; que conhecia também a CC porque ela costumava andar com o BB e também através do arguido AA pois houve uma altura que eram namorados; que conhece o arguido AA há uns cinco anos, tendo-se conhecido quando ele DD saiu de casa e o AA acolheu-o em casa da sua mãe; que o EE só o conheceu no dia dos factos; que nesse dia, estava em casa, já depois do almoço, quando recebeu uma chamada do AA para ele ir à Adega onde viviam ao BB e a CC; que o AA lhe ligou duas vezes, com intervalo de 10 minutos, para ele lá ir, tendo-lhe dito que se ele não fosse que o ia buscar, tendo ele acedido pois o AA à data andava muito agressivo; que chegou à  Adega cerca das 15h, tendo-se ali deslocado na sua mobilete e quando lá chegou estavam lá todos, mas cá fora só viu o AA que lhe disse que o FF tinha ido ao Porto buscar droga e que a tinha engolido, mas que a ia tirá-la; que viu o FF meter os dedos à boca e os outros estavam sentados junto de uma mesa que lá tinham; que o AA queria a droga e disse-lhe para ir ter com o FF e agarra-lo para irem tratar dele; que agarrou o FF com as mãos, tendo que logo de seguida o AA também veio e agarrou-o; que com o FF agarrado, ele DD deu-lhe uma lambada e um murro no peito e de seguida o AA atou-o nas mãos e levou-o lá para baixo; que o BB disse várias vezes ao AA para ele parar, sendo que os outros não se metiam; que o FF dizia ao AA “não precisas fazer isso, eu vou tomar isto e depois dou-te, não precisas fazer isso”; que o FF vomitou várias vezes antes de ser amarrado, tendo visto uma garrafa de azeite; que ficaram cá em cima e o EE mandou o BB a ... comprar pedras e levou a sua mobilete, tendo ele DD pedido emprestados €10,00 ao EE para comprar tabaco e foi ao café mais próximo, tendo demorado 10m/15m, sendo que o BB saiu primeiro que ele; que todos estes acontecimentos que relatou terão demorado mais ou menos 40 minutos; que quando voltou do café a CC e o EE estavam cá em cima na Adega a fumar um cigarro; que desceu para a parte de baixo da Adega, onde estavam o AA e o FF, tendo visto o FF amarrado nas mãos e nas pernas e o AA a bater-lhe, com umas ripas de madeira; que o FF estava deitado no chão e o AA dava-lhe “bordoadas” e que aquele lhe dizia para ele parar; que entretanto ouviu o HH a chamar o AA e foi quando este lhe disse para agarrar numa garrafa de vinho e irem para cima, tendo encontrado o HH que ia a descer, mas que ao vê-los, subiu também; que o HH perguntou pelo FF e o AA disse que não sabia, estiveram a beber um pouco e o HH foi embora e o AA desceu outra vez para a parte de baixo; que entretanto chegou o BB, que vinha de ... e estiveram a fumar, ele, o BB e o EE e foi quando agarrou na mobilete e foi para casa onde chegou cerca das 19h40, sendo que nessa altura a CC ficou lá também; que esteve em casa até às 23h e depois decidiu voltar à Adega para ver como estava aquilo e verificou que estava tudo calmo, sendo eu o FF já lá não estava, já tinha saído com o HH, tendo sido o BB, o EE e o AA que lhe contaram isto; que lhe contaram que o BB tinha ido buscar o jantar, jantaram todos e o AA disse que entretanto o FF se tinha desatado e que o HH o ajudou e foram embora; que no momento em que chegou à Adega, depois do almoço, o FF pediu para irem buscar alguma coisa para “soltar”; que não viu a CC ir buscar laxante, mas segundo o que o BB lhe contou, ela teria ido buscar e efectivamente viu o laxante na parte de cima, tendo visto a CC a dar-lhe uns frasquinhos e o FF subiu para o andar de cima, para tomar ou pôr os frasquinhos, onde esteve cerca de 15m/20m; que quando o FF desceu é que o AA decidiu que o iam amarrar; que o azeite que o FF bebeu foi em momento anterior à sua chegada à Adega e que o que lhe disseram é que o fez de vontade própria; que é mentira que tenham obrigado o FF a beber fosse o que fosse, que também é mentira que ele e o AA o tenham batido com ferros e também não é verdade que o tenham ameaçado de morte; que nada sabe do telemóvel, nem do dinheiro do FF; que a parte de baixo da Adega não tem luz. Declarou também ter sido a maior asneira da sua vida.

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A arguida CC, em sede de primeiro interrogatório judicial disse, em suma, que um dia antes do sucedido o FF apareceu lá no barracão a gabar-se que ia ao Porto buscar droga e que ia encher a cabeça e que todos iam encher a cabeça; que quando chegou vinha a dizer “chibaram-me, chibaram-me, a Polícia apareceu”; que foram buscar azeite e salsichas a pedido do FF e ela também foi buscar o clister a pedido do FF, na tentativa de “botar fora” a droga; que estavam lá ela, o BB, o EE, o AA e o DD que este último chamou; que o DD e o AA agarraram o FF; que o FF disse ao DD que ele lhe estava a dever €5,00 e eles viraram-se a ele e porque ele dizia que eram todos uns chibos; que saiu para tomar café e mais tarde para ir buscar comida e não viu mais nada; que mais tarde ouviram-no a chamar o HH; que os últimos atacantes foram o AA e o DD; que não viu ninguém a obrigar o FF a beber azeite, nem viu encostar um pau no ânus e que ele bebeu porque quis; que o FF subiu para a parte de cima e disse que estava quase a fazer e não saía nada; que ele estava lá a vomitar-se, a beber o azeite e que lhe fez o favor de ir buscar o laxante; que os colegas que lá estavam é que lhe deram o dinheiro, o EE e o BB, porque ela não tinha dinheiro nenhum; que não pôs as mãos na boca do FF e que ele foi lá para cima sozinho com o clister e esteve lá imenso tempo; que os homens iam subindo e espreitando; que não ouviu, nem viu vidros partidos; que o DD e o AA tinham cada um deles um ferro na mão; que ela e o BB foram separá-los, tentar afastá-los porque era gravíssimo o que estava a acontecer, porque eles estavam a agredi-lo com os ferros; que não viu o FF despido, com as calças baixas e rabo para cima; que cá em baixo viu o FF amarrado ao FF com uma corda no braço; que aquilo foi tudo muito rápido, foi tudo seguido e que pensa que ele estava preso quando foi agredido; que quando voltou do café já não viu o FF, só o viu quando ele estava a pedir ajuda; que ele tentou vomitar, bebeu azeite, pôs o clister e depois é que se passou as agressões; que a agressão aconteceu antes de ela ir ao café e que quando voltou já não viu o FF, sendo que todos os outros estavam lá; que o FF estava no andar de baixo porque foi de lá que ele veio a berrar “ajuda-me HH, eles queriam-me matar” e o HH foi lá buscá-lo e os outros, o DD e o AA “puseram-se a milhas”.

A mencionada arguida CC prestou declarações em audiência de julgamento e confirmou as declarações que havia prestado em sede de primeiro interrogatório, dizendo não querer acrescentar mais nada; que percebeu o que se estava a passar mas não fez nada; que o BB deu-lhe dinheiro (€10,00) para comprar os clisters e que o fez porque o FF pediu; que ninguém ameaçou de morte o FF, pelo menos que ela tenha presenciado, que o que aconteceu foi tudo por causa do vício.

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O arguido EE, em sede audiência de julgamento disse que no dia dos factos foi à Adega, cerca as 15h30/16h para ir ter com o BB para comprar droga e estava lá o FF (que ele não conhecia) e que tinha chegado do Porto; que esse FF tinha engolido a droga que tinha trazido do Porto e pediu para lhe comprarem azeite e ele, EE, deu dinheiro ao BB para ele ir comprar azeite e salsichas; que o MM foi lá com o mesmo objectivo levou um frasco de calda de tomate, mas o FF não conseguiu beber; que bebeu metade do copo de azeite e vomitou tudo e o tal MM disse o BB que ele não trazia nada, querendo com isso dizer eu o FF os estaria a enganar; que nesse momento estava lá o arguido AA sentado e pediu-lhe o cartão do seu telemóvel para meter no dele e ouviu-o fazer uma chamada onde o AA dizia “vens ou não vens? Se não vieres vou-te buscar”; que essa pessoa era o DD, que depois acabou por chegar passado meia-hora; que o DD agarrou o FF pelos ombros, deu-lhe uma estalada na cara e o AA caiu-lhe em cima e deu-lhe uns murros na cara e deu-lhe com um ferro; que o AA parecia um maluco a bater e que bateu por onde apanhou e feriu-o na perna; que o BB o mandou parar e eles pararam e ficaram os três nas escadas; que nessa altura mandou o BB a ... buscar droga, o que ele fez, transportando-se na mota do DD; que nessa altura a CC foi à farmácia buscar umas coisas; que quando o BB voltou de ... fumaram ele, o BB, a CC e o DD também lhe pediu uma pedra; que ouviu o FF dizer ao AA que as ia deitar por baixo e foi para a parte de cima, acompanhado do DD e da CC; que mais tarde o BB voltou uma segunda vez a ... porque o que tinha trazido era pouco para todos, tendo antes de ir subido lá a cima para pedir a mota emprestada ao DD e nessa segunda vez este pediu-lhe 10,00 para também fumar; que quando o BB voltou da segunda vez que foi a ... fumaram, o DD pegou na mota e foi-se embora (ainda se via, não era ainda de noite) e o AA ficou num canto, deixou e ver o FF e fez-se um silêncio absoluto; que entretanto o BB foi buscar o jantar, cerca das 21hm e o DD voltou, passado uma hora desde o momento em que tinha saído, para lhe trazer os €10,00 que lhe havia emprestado; que o DD entrou para dentro, não sabe para onde e passado uns minutos apareceu o HH que pegou no telemóvel com a lanterna e foi ver lá em baixo e nessa altura estão a vir lá de baixo o DD e o AA com uma garrafa na mão; que o BB voltou com o jantar e estava ele, o HH, o BB, o AA e passados uns minutos ouvem-se gritos “acudam que me matam aqui” e percebeu que era o FF a sair de baixo para cima, com uns cordões na mão e o HH trouxe-o para fora; que viu a CC com os laxantes na mão; que quando chegou a Polícia estava lá ele, a CC, o BB e o HH, sendo que o AA e o DD já lá não estavam; que o AA andou sempre com um pau na mão, mas que com este pau não o viu bater ao FF; que quando o FF saiu lá de baixo vinha um bocado mal tratado, tinha um corte na perna, as calças rasgadas e que ele levou uns sopapos bem assentes; que não sabia que o FF estava lá em baixo e que quando o AA saiu disse “Ah o gajo conseguiu soltar-se”.

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Em suma e grosso modo, os arguidos que prestaram declarações em sede de audiência de julgamento, admitem ter estado no local dos factos durante praticamente todo o dia/noite e admitem ter praticado alguns dos factos descritos na acusação, mas alegam que tudo o que fizeram foi com o consentimento e a pedido do ofendido FF.

Os arguidos BB e EE “empurram” a responsabilidade dos factos para os arguidos DD e AA, a quem imputam os actos de violência acima descritos contra o ofendido, lamentando-se apenas de não terem feito nada para evitar tal situação, dizendo-se arrependidos disso.

Excepção feita para o arguido DD, o qual admite ter dado uma lambada e um murro no peito do FF e que depois foi viu que o AA o amarrou e o bateu com umas ripas de madeira. Ainda assim, o arguido DD justifica a sua actuação com o medo que tinha do arguido AA, o qual andaria descompensado à data.

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Contudo, não obstante esta postura dos arguidos, para o apuramento dos diversos actos ilícitos descritos na factualidade provada, como não podia deixar de ser, o tribunal considerou o depoimento do ofendido FF, o qual, depondo com isenção e credibilidade, contrariou a versão apresentada pelos arguidos e descreveu os factos tal como ficaram assentes na factualidade dada como provada, a sua dinâmica – da forma como se recorda, o que sentiu, o que sofreu, relatando a conduta dos arguidos, identificando-os e descrevendo a actuação dos mesmos. Indicou e caracterizou os danos físicos e psicológicos que sofreu em consequência dos actos descritos na factualidade provada.

Com efeito, o ofendido, em suma, disse que conhecia, à data dos factos, todos os arguidos, com excepção do arguido EE, e que os conhecia pelo facto de serem consumidores; que na véspera, à noite, ficou a dormir na casa abandonada, tendo ido de manhã, às 7h, de autocarro para o Porto buscar droga (heroína e cocaína), sendo que nessa noite contou aos arguidos BB, à CC, ao DD e ao AA que, no dia seguinte, ia ao Porto buscar droga; que no Porto comprou 10 doses de cocaína e 10 doses de heroína, tendo consumido logo grande parte desse produto, mais tendo trocado algum desse produto por um telemóvel; que quando chegou a ..., cerca das 13h30m na Rodoviária estava lá um agente da PSP e ele, como medo de ser interceptado, fez umas bolas da droga que trazia, enrolou num plástico e engoliu; que ainda foi ao Posto onde o revistaram e como não tinha nada, mandaram-no embora, tendo ido de imediato para a Adega, onde se encontravam os arguidos BB, CC, EE; que o arguido AA chegou ao mesmo tempo que ele e o arguido DD momentos depois; que chegou a Adega, cerca das 14h/14h30m, contou àqueles o sucedido, colocou as suas coisas em cima de uma mesa - o telefone (que havia trazido do Porto), o dinheiro e a pipa- e tentou logo pôr os dedos à boca para ver se vomitava e que bebeu azeite, mas não saía nada; que estavam lá todos, o BB, a CC, o EE, o DD e o AA, e amarraram-no, com umas cordas ao pulso do AA, ainda no piso onde se situa o portão da rua; que se recorda de o AA e o DD o amarrarem nas pernas e nos braços e a CC lhe dava chapadas; que eles queriam que ele tirasse a droga e ameaçaram-no que se a droga não saísse lhe iam cortar o estômago; que o levaram para a parte de cima, no piso de cima, e que o EE disse que com laxante saía, deu dinheiro, e a CC foi buscar laxante; que já na parte de cima o BB meteu-lhe o azeite na boca e que depois dele engolir o azeite, o EE meteu-lhe vinho na boca e o AA deu-lhe com um pau e, nessa sequência, ele só vomitava, mas não saía nada; que entretanto chegou a CC com as bisnagas do laxante e meteu-lhe na boca e também no “cú” (sic), tendo-lhe tirado previamente as calças e que enquanto ela fazia isso, estavam lá os outros todos; que tinha muitas dores, vomitou e fez fezes, mas a droga não saía; que depois o levaram para a parte de baixo, para os túneis (não sabe as horas, mas recorda-se de que ainda era dia), que para descer desamarram-lhe as pernas e que foram todos os arguidos para a parte de baixo; que aí, lhe meteram mais azeite na boca e voltaram-lhe a dizer que lhe iam cortar a barriga, tendo o DD lhe batido com um ferro e o AA com um pau; que nessa altura, estando ele sentado de cócoras, na posição de sentado e encostado à parede, bebeu mais 2 ou 3 laxantes, tendo sido o BB quem lhos deu e a CC voltou pôr-lhe laxante no ânus, o que lhe causou muitas dores porque estava a tentar vomitar e fazer fezes, mas não tinha nada no estômago; que lhe bateram bastante, a CC dava-lhe chapadas, o DD com um ferro e o AA com um pau, sendo que o EE e o BB seguravam nas lanternas dos telemóveis porque lá em baixo não há luz e estava escuro; que se recorda de, naqueles momentos, o EE, por duas vezes, ter pedido ao DD para ir buscar droga a ... e que quando ele veio, amarraram-no nos pés e foram consumir, tendo sido o BB que o amarrou e o EE segurava a lanterna; que a CC meteu-lhe os dedos na boca para ver se ele vomitava e também lhe deu azeite; que nesse piso de baixo havia muitas garrafas partidas no chão e se ele caísse ou tentasse sair dali ficava furado nos vidros; que ficou ali naquele piso até cerca da meia noite, quando conseguiu sair de lá; que tentou gritar e pedir ajuda mas não se ouvia; que por várias vezes o AA e o DD o ameaçaram que o matavam e que lhe abriam o estômago para lhe tirarem a droga e que os outros já não se recorda se o ameaçavam ou não; que falaram que lhe iam por um pau no ânus e que sentiu um pau no ânus, mas que não sabe se o feriram com esse pau; que a data altura acha que desmaiou e que quando acordou ouviu o HH a falar lá em cima, começou a gritar e ele conseguiu ouvi-lo; que quando o HH estava a ir, começou a forçar as cordas e os fios e conseguiu libertar-se; que nessa altura se sentia rebentando por dentro, estava nervoso, stressado, a chorar e com muito medo; que depois saiu dali com o HH e foram chamar a Polícia, na zona da Feira de São Mateus, tendo sido levado para o Hospital; que psicologicamente ficou bastante afectado, que ainda hoje tem medo e que depois que saiu do Hospital ficou em casa da namorada, depois em casa da mãe dela e depois emigrou para o Luxemburgo. Estas foram as declarações prestadas em sede de audiência de julgamento por parte do ofendido, tal como se recordou, de forma espontânea.

Nesta sede de audiência de julgamento, durante a prestação do depoimento do ofendido foi validamente lido o depoimento por ele prestado em sede de inquérito, que se encontram exaradas a fls. 67-71, o qual confirmou integralmente, dizendo que se recordaria melhor na altura já que prestou depoimento ainda no Hospital, em momento seguido aos acontecimentos. Desse depoimento, retira-se que quando o ofendido chegou ao local, o EE teria sugerido que ele bebesse azeite e água para provocar o vómito, ao que ele inicialmente anuiu e que o HH estaria no local à chegada do ofendido, mas que se foi embora antes de os arguidos o terem levado para o piso de cima.  Mais de retira que o arguido EE, munido de uma vassoura, untou o cabo da mesma com azeite, encostando a ponta ao ânus do ofendido, ameaçando ali introduzir aquele objecto. Finalmente, o ofendido ali referiu que foi por diversas vezes ameaçado de morte, encontrando-se convicto de que tal não sucedeu apenas por mera sorte.

Foi ainda considerado o depoimento sério, isento e credível da testemunha HH, o qual referiu conhecer todos os arguidos, tendo uma relação mais próxima com o BB e o EE, de quem é amigo. Disse também conhecer o FF, embora há pouco tempo. Esclareceu ainda que vive e vivia à data dos factos na Adega abandonada, local onde também viviam o BB e a CC. Quanto aos factos, disse que o FF tinha lá ficado a dormir havia dois ou três dias; que naquele dia, que ter sido 25 de Abril do ano passado, à hora do almoço, entre as 13h e as 14h, o FF entrou e disse que tinha chegado do Porto onde tinha ido comprar droga (cocaína) e que quando chegou estava a Polícia à sua espera e que tinha engolido a droga na Estação de Camionagem e que esta conversa foi ouvida pelos outros todos; que se apercebeu que alguém foi comprar azeite, com a autorização do FF; que nessa altura foi almoçar e só regressou já noite cerrada pois na altura não viu mal nenhum naquilo; que quando regressou, viu o EE e perguntou-lhe pelo resto do pessoal, ao que este lhe respondeu que o BB e a CC tinham ido à Cáritas buscar comida e que o AA e o DD estavam nos túneis, na parte de baixo da Adega, onde punham o vinho; que onde eles viviam era o piso do meio e que na parte de cima só está “tralha”; que se dirigiu à parte de baixo com a lanterna no telemóvel para ver já que aquilo é escuro e deparou-se com o DD e o AA que vinham a subir as escadas e que lhe disseram que andavam ao vinho, embora não trouxessem com eles nenhuma garrafa e que o FF tinha ido servir um cliente e tinha saído; que entretanto chegaram o BB e a CC, mas que ele achou um ambiente estranho e disse ao BB que eles andavam a fazer coisas e que qualquer dia fechavam o local e ainda iam dormir para a rua; que depois ouviu gritar “ó HH ajuda-me, ó HH socorro que eles matam-me” e viu o FF vir da parte de baixo, a cambalear e com muito pânico, que nunca tinha visto uma pessoa com tanto pânico, sendo que o foi agarrar e trouxe-o para cima; que como não havia luz nenhuma ali, ele estava perdido e só dizia que o matavam; que o levou até ao portão de entrada que dá para a rua e voltou para dentro para confrontar os outros, mas como o FF estava com muito pânico e queria sair dali, foram à Polícia Municipal, que era o sítio mais perto, pedir ajuda; que a Polícia Municipal chamou a PSP e logo aparecera muitos agentes; que o FF estava a tremer, agarrou-os nos braços com muita força e só dizia “eles matam-me”, a roupa estava meio esfarrapada e sentia-se perdido porque ele não conhecia os túneis; que não teve tempo de confrontar os outros com a situação, mas que o DD e o AA desapareceram logo e que o BB disse que lhe tinham dado com um ferro, mas não lhe disse quem o teria feito. Este foi o relato espontâneo da testemunha HH em sede de audiência de julgamento que, referira-se, pretendeu prestar o seu depoimento na ausência da presença dos arguidos, claramente se tendo mostrado constrangido em fazê-lo na presença daqueles, pois é amigo de alguns dos arguidos e vivia com dois deles. Depois de validamente reproduzido o depoimento por si prestado, na fase de inquérito, acabaria, a custo, por admitir que o mesmo corresponde à verdade. Tal depoimento encontra-se exarado a fls. 341ss dos autos, tendo aí a testemunha referido, para além do mais que: “Pese embora o depoente ali tenha permanecido pouco tempo, apercebeu-se que aqueles indivíduos insistiam, de forma ameaçadora, com o FF para que este vomitasse e assim expelisse o produto estupefaciente. Apercebeu-se também que a dada altura o EE terá facultado dinheiro à CC para esta se deslocar a uma farmácia e adquirir laxante para seguidamente administrarem ao FF. Entretanto o depoente abandonou o local, regressando apenas cerca das 22h30/23h…Ao questionar o EE pelo FF, aquele disse-lhe que não poderia confidenciar o que havia sucedido, pois o ora inquirido iria evidenciar repulsa pela situação…Posteriormente, o BB e o EE, aos poucos foram confidenciando ao depoente, os maus tratos que infligiram ao FF, na tentativa frustrada que aquele expelisse o produto estupefaciente, nomeadamente, tendo sido amarrado, alvo de agressões várias, inclusivamente com recurso a objectos em ferro, bem como obrigado a ingerir azeite e laxante.” Com relevo, disse ainda esta testemunha, em audiência de julgamento, que na altura dos factos, a CC só via cocaína na cabeça e que ela quase nunca saía e que era o BB que lhe tratava de tudo. Que viveu com o BB naquela casa/adega abandonada durante cerca de um ano e que a CC foi lá “despejada” por alguém e que o BB a ajudou. Que o BB não é má pessoa, considera-o como amigo, mas ele estava obcecado pela CC, por ser uma rapariga nova. Que o BB não é uma pessoa agressiva, gosta de ajudar as pessoas e que ia buscar a comida à Cáritas e dividia-a com os outros.

Também quanto à prova testemunhal, considerou ainda o tribunal o depoimento isento e credível da testemunha II, agente da PSP de ..., disse conhecer, do exercício das suas funções, o BB, o EE e a CC; que no dia/noite dos factos tinha entrado de serviço à meia noite para sair às 8h e recebeu uma chamada de que haveria um indivíduo que havia sido molestado por outros; que foi ao local, sendo que a alegada vítima teria sido levada para o Hospital após ter pedido ajuda à Polícia Municipal; que no local estavam os arguidos BB, EE e CC, que o ambiente era calmo, e que depois chegou ao local o HH; que o local é um pavilhão, onde as condições são péssimas, não há luz, existe um túnel e tiveram que usar lanternas para conseguir ver alguma coisa; que identificou todos os indivíduos e foram levados para a esquadra; que no Hospital foi apreendido à vítima um fio de nylon, que teria sido usado para manietar a vítima nos membros inferiores; que viu marcas de hematomas na vítima e que esta estava alterada, nervosa, descompensada, ansiosa e fragilizada, mas fez um resumo dos factos e identificou os suspeitos pelos nomes; que confirma o teor do auto de notícia de fls. 3 e 4 subscrito pelo colega KK e do aditamento de fls. 8ss, este por si subscrito.

Considerou ainda o tribunal o depoimento isento e credível da testemunha JJ, agente da PSP de ..., o qual disse conhecer o arguido EE e também os restantes de vista; que estava de serviço quando receberam uma comunicação da Central dando conta de uma situação de uma pessoa manietada e sequestrada; que passaram na Polícia Municipal e que lá lhes comunicaram que os factos teriam ocorrido na Adega; que quando chegaram ao local já lá estavam colegas da PSP; que no local falou com o HH e que ele o levou ao local onde supostamente estava havia uma pessoa sequestrada; que o interior da Adega é muito escuro e que sozinho teria muitas dificuldades em chegar ao local; que ali viu uma garrafa de azeite, uns frascos ou invólucros de laxante; que confirma o que consta do auto de notícia e do aditamento e as fotografias de fls. 57ss e confirmou que viu as marcas nos braços e nos pés do ofendido, com maior incidência nos braços.

Valorou ainda o tribunal o depoimento isento e credível da testemunha KK, agente da PSP de ..., que no essencial confirmou o teor do auto de notícia de fls. 3 e 4, sendo que os factos que ali fez constar tiveram por base as informações dadas pela vítima e confirmadas pelo HH. Mais disse que a vítima ainda trazia o cordão na perna quando foi transportado na ambulância e que a mesma estava molhada com azeite e outros líquidos na roupa e o seu estado de espírito era de pânico e que estava fora de si.

Finalmente quanto à prova testemunhal teve o tribunal em consideração o depoimento isento e credível da testemunha LL, agente da Polícia Municipal ... e disse conhecer todos os arguidos, alguns de vista. Mais disse que ia de carro e que lhe surgiu o FF, que quase lhe saltava para cima do carro, estava muito alterado, trazia a roupa rasgada e com um fio atado à perna e dizia ter sido sequestrado. Nessa sequência, tentou sentá-lo no chão, ele não se conseguia sentar, ele disse que lhe tinham colocado paus no rabo, que quem estava com ele suspeitava que ele tinha droga e queriam que ele evacuasse. Nessa sequência, chamou o INEM. Mais disse que o FF tinha hematomas no corpo, cheirava bastante a óleo ou azeite, a gordura, e estava em pânico a dizer que há mais de 5 horas a ser sujeito a maus tratos. Confirmou o teor do auto de notícia de fls. 19 e seguintes, que elaborou com base nas declarações prestadas pelo ofendido, tendo ele identificado as pessoas e também pelas prestadas pelo HH. Quanto ao local onde ocorreram os factos, disse ser um labirinto subterrâneo, sem luz e onde há vidros no chão e garrafas partidas.

Sustentando a factualidade dada como provada foi também examinado em julgamento o conteúdo do Relatório de Exame pericial de fls. 108-131; do Relatório de exame pericial de fls. 132-141; do Relatório de Perícia médico-legal de fls. 533-536; do Relatório de Exame Pericial de fls. 655-659; do Relatório Pericial de fls. 1620ss; do Relatório Pericial de fls. 1479ss; do Auto de notícia de fls. 3 e 4 e aditamento n.º 2 de fls.8; do Relatório de Gestão do local do crime de fls. 5; do Auto de Exame e Avaliação n.º 1 de fls. 7; do Aditamento n.º 2 de fls. 8; do Auto de apreensão n.º 1 de fls. 9; da Participação de fls. 19; da Comunicação de notícia de crime de fls. 40-41; das Fotografias de fls. 57-65; do Auto de apreensão de fls. 75-76; do Auto de visionamento de registo de imagens de fls. 78-81 (onde se vê a arguida CC a comprar o laxante referido nos factos provados); Auto de exame directo de fls. 145; do Relatório de urgência de fls. 210-226; do Auto de busca e apreensão de fls. 293, 314, 325 e 326, 335 e 336; do Auto de exame directo de fls. 659 e das Certidões dos processos em que o arguido BB foi condenado.

Deste modo, da conjugação de toda a prova produzida, quer testemunhal, quer documental e acima elencada, fica-nos a convicção da verificação dos factos que resultaram provados, designadamente, quanto à participação de todos os arguidos nos factos e as consequências dos mesmos no ofendido, o qual apresentava lesões perfeitamente compatíveis com a versão que trouxe ao processo e que estão documentadas (quer nas fotografias, quer nos elementos clínicos e periciais), merecendo-nos total credibilidade o depoimento do ofendido, tanto mais que não resultou do processo, nem os arguidos o invocaram, que aquele quisesse prejudicar de alguma forma os arguidos, sendo certo que era amigo de todos, com excepção do arguido EE, que conheceu nesse dia. Quanto ao tempo em que o ofendido terá ficado privado da liberdade, considerou-se o depoimento prestado pelo ofendido FF, pela testemunha HH e dos agentes da PSP e da Polícia Municipal, acima identificados, de acordo com o qual é possível afirmar com segurança que tal ocorreu durante várias horas, pelo menos desde as 15h até às 23h.

Para além disso, da materialidade dos factos apurados e prova testemunhal produzida, analisada à luz das regras de experiência comum, resultou demonstrada a existência de uma conjugação de esforços e intenções entre todos os arguidos na execução de um plano a que aderiram.

No tocante aos elementos subjectivos de todos os crimes praticados foram consideradas as regras da experiência comum em face do contexto e condições em que os factos foram praticados e da actuação dos arguidos.

Para prova dos antecedentes criminais dos arguidos ponderou o tribunal o teor dos últimos certificados de registo criminal junto aos autos e quanto às condições pessoais, personalidade dos arguidos, dados relevantes do processo de socialização e impacto da situação jurídico-penal, considerou-se o teor dos relatórios sociais junto aos autos e ainda os depoimentos das testemunhas de defesa NN, OO, PP, indicadas pelo arguido DD; QQ e RR, indicadas pela defesa do arguido AA; e SS, TT e UU, indicadas pela defesa do arguido EE e que revelaram, pelas relações próximas ou familiares que têm, conhecimentos sobre a personalidade e condições de vida dos mencionados arguidos.

Relativamente aos factos dados como não provados, a convicção do tribunal alicerçou-se na análise crítica de toda a prova produzida em julgamento designadamente a que se expressou e na falta de consistência da mesma sobre a factualidade em causa, em resultado, nomeadamente, de não terem sido carreados outros elementos probatórios credíveis e com força bastante para os sustentar.

Com efeito, relativamente aos objectos (telemóvel e os €180,00), pese embora o ofendido FF tenha dito que quando chegou do Porto trazia consigo aqueles objectos e que os colocou em cima de uma mesa e que depois eles dali desapareceram, da prova produzida não se apurou as circunstâncias eles desapareceram e se sequer que tenham sido os arguidos a deles se apoderarem.

No mais, da prova produzida não foi possível dar como provada a existência de grave necessidade, nomeadamente, para a vida, integridade física ou liberdade para o ofendido em razão de tal não resultar dos elementos clínicos juntos aos autos ou sequer das declarações do ofendido, o qual acabou por se libertar e seguiu pelos seus próprios meios em busca de ajuda, embora combalido, com as mazelas documentadas e comprovadas nos autos e na companhia e com a ajuda da testemunha HH.

Por um lado, não se provou que as condutas dos arguidos descritos nos factos provados poderiam ter provocado o rompimento dos invólucros que continham cocaína e heroína ingeridos pelo ofendido e provocado, caso assim acontecesse, risco para a vida ou afectado de forma permanente a saúde deste.

Também não se provou que se este não tivesse ajuda pronta teriam sobrevindo consequências graves para a sua saúde, colocando mesmo em risco a sua vida, devido ao estado de desidratação em que se encontrava, em virtude dos constantes vómitos e defecações e eventual rompimento dos invólucros que continham heroína e cocaína.

3. ASPECTO JURÍDICO DA CAUSA

3.1. Da responsabilidade criminal

Do crime de sequestro agravado

Estão os arguidos acusados, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de sequestro, previsto e punidos no artigo 158º n.º 1 e n.º 2 alínea b) do Código Penal, também por referência à alínea d) do artigo 144º do Código Penal.

Dispõe o artigo 158º n.º 1 do Código Penal que “1- Quem detiver, prender, manter presa ou detida outra pessoa ou de qualquer forma a privar da liberdade é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.

Dispõe o artigo 158º n.º 1 e n.º 2 alínea b) do Código Penal que “1- Quem detiver, prender, manter presa ou detida outra pessoa ou de qualquer forma a privar da liberdade é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa; 2- O agente é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos se a privação da liberdade: b) For precedida ou acompanhada de ofensa à integridade física grave, tortura ou outro tratamento cruel, degradante ou desumano”.

Já o artigo 144º alínea d) do Código Penal diz que: “Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa de forma a: d) Provocar-lhe perigo para a vida; é punido com pena de prisão de 2 a dez anos”.

Este normativo legal protege fundamentalmente a liberdade de locomoção contra os particulares que retêm alguém como preso. A liberdade aqui protegida é a liberdade física, de movimentos, ou seja, o direito de não ser aprisionado ou de qualquer forma confinado a um determinado espaço ou impedido de se movimentar.

Para que se verifique a consumação do crime necessário se torna que o direito de liberdade do indivíduo exista em concreto, devendo, ao detido, ser-lhe retirada a liberdade de sair de um local determinado por mais ou menos tempo.

A conduta prevista pelo tipo de sequestro consiste assim em privar outra pessoa da liberdade de se deslocar. Não estabelece a lei qualquer duração da privação da liberdade para que o crime de sequestro se considere consumado. Todavia, é entendimento geral na doutrina que as privações insignificantes não bastam, isto é, não são subsumíveis à duração mínima da privação da liberdade que se deve considerar pressuposta pela ratio do tipo de crime de sequestro (cf. Comentário Conimbricense, parte especial, tomo I, pág. 401ss, no comentário de Taipa de Carvalho).

Este tipo de crime, por outro lado, exige o dolo em qualquer das suas vertentes.

Está ainda em causa, no caso dos autos, a circunstância agravante prevista no artigo 158º, nº 2, alínea b) do Código Penal “privação da liberdade precedida ou acompanhada de ofensa à integridade física grave, tortura ou outro tratamento cruel, degradante ou desumano”.

Quanto à circunstância “tortura ou outro tratamento cruel, degradante ou desumano”, abrange toda uma multiplicidade de violências (excluídas as ofensas corporais graves) ou sofrimentos físicos ou psíquicos.

De acordo com o artigo 243º n.º 3 do Código Penal, pode considerar-se “tortura, tratamento cruel, degradante ou desumano, o acto que consista em infligir sofrimento físico ou psicológico agudo, cansaço físico ou psicológico grave, ou no emprego de produtos químicos, drogas ou outros meios, naturais ou artificiais”.

Merece, pois, a integração em tal conceito toda a actuação que, para além da privação da liberdade constitua uma séria ofensa à dignidade da pessoa humana e que exceda o meio mínimo necessário para levar a cabo a privação da liberdade.

Da factualidade dada como provada dúvidas não podem restar que a actuação dos arguidos preenche os elementos típicos do crime de sequestro relativamente ao ofendido FF.

No que respeita à circunstância agravante do crime de sequestro imputado aos arguidos, é também inequívoco que relativamente ao modo de actuação atrás descrito revela especial crueldade e desprezo pela dignidade humana da pessoa do ofendido, consideradas as circunstâncias descritas nos factos provados, tendo mesmo sido amarrado e obrigado a ingerir azeite, vinho, laxantes e tendo-lhe sido colocado laxantes no ânus, tudo contra a sua vontade, por forma a que ele expelisse a droga, provocando-lhe dores, integrando, portanto, o conceito de tortura ou outro tratamento cruel, degradante ou desumano.

Não se verifica, contudo, a apontada agravante prevista no artigo 144º alínea d) do Código Penal pois que não resultou provado o perigo para a vida do ofendido.

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Do crime de omissão de auxílio

Estão ainda os arguidos acusados da prática, em co-autoria, do crime de omissão de auxilio previsto e punível pelo artigo 200º n.º 1 e n.º 2 do Código Penal.

Prescreve o n.º 1 desse preceito que “Quem, em caso de grave necessidade, nomeadamente provocada por desastre acidente, calamidade pública ou situação de perigo comum, que ponha em perigo a vida, a integridade física ou a liberdade de outra pessoa, deixar de lhe prestar o auxilio necessário ao afastamento do perigo, seja por acção pessoal, seja promovendo o socorro, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias”.

E, o n.º 2 “Se a situação referida no número anterior tiver sido criada por aquele que omite o auxílio devido, o omitente é punido com pena de prisão até 2 anos ou de multa até 240 dias”.

Os bens jurídicos protegidos por esta norma legal são a vida, a integridade física e a liberdade (Cf. Américo Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, p. 848).

O conceito de “grave necessidade”, significa e exige que se trate de um risco ou perigo iminente de lesão substancial (grave) dos referidos bens jurídicos. Assim, caem fora do âmbito deste tipo de crime as situações de perigo não iminente e as situações de perigo de leves lesões corporais ou da liberdade (mesmo que iminentes).

Trata-se e um crime de perigo concreto, sendo que a ilicitude da conduta e caracterizadora do correspondente crime está na não prestação do auxílio adequado. A primeira condição é a possibilidade de prestar o auxílio, sendo a segunda que a prestação de auxílio não implique riscos de lesão corporal grave do que poderia prestar o auxílio. A prestação de auxílio pode realizar-se por acção pessoal ou promovendo o socorro (cf. Américo Taipa de Carvalho, in ob. citada pág. 849 e 850).

O n.º 2 do artigo 200º prevê uma qualificação do tipo pela circunstância da situação de perigo descrita no n.º 1 ter sido criada pelo omitente do auxílio.

Quanto ao tipo subjectivo, exige-se o dolo, em qualquer das suas formas: directo, necessário ou eventual e sendo a omissão de auxílio um crime de perigo concreto, não é necessário o dolo de resultado mas sim o dolo de perigo concreto – de lesão dos bens jurídicos vida ou saúde, ou do bem liberdade (cf. Américo Taipa de Carvalho, in ob. citada pág. 853).

Dos factos provados resulta não se verificarem os elementos objectivos e subjectivos deste ilícito penal pelo que se impõe a absolvição dos arguidos da sua prática.

Por um lado, não se provou que as condutas dos arguidos descritos nos factos provados poderiam ter provocado o rompimento dos invólucros que continham cocaína e heroína ingeridos pelo ofendido e provocado, caso assim acontecesse, risco para a vida ou afectado de forma permanente a saúde deste.

Também não se provou que se este não tivesse ajuda pronta teriam sobrevindo consequências graves para a sua saúde, colocando mesmo em risco a sua vida, devido ao estado de desidratação em que se encontrava, em virtude dos constantes vómitos e defecações e eventual rompimento dos invólucros que continham heroína e cocaína.

Podemos, pois, concluir que não se provou a existência de uma situação de grave necessidade do ofendido, nos termos supra expostos, consideradas as lesões apresentadas pelo ofendido.

Ao que acresce que no local se encontravam mais pessoas no local para além dos arguidos, pelo menos a testemunha HH e, como tal, poderia, como efectivamente veio a suceder, providenciar por socorro ao ofendido.

Impõem-se, pois, a absolvição dos arguidos deste crime.

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Do crime de furto qualificado

Encontram-se ainda os arguidos acusados da prática, em co-autoria material de um crime de furto qualificado, p.  e. p. pelos artigos 203º n.º 1 e 204º n.º 1 alínea d) ambos do Código Penal.

Nos termos do artigo 203º n.º 1 do Código Penal, “Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.”

Por sua vez, o n.º 1 alínea d) do artigo 204º do mesmo diploma diz que, “Quem furtar coisa móvel alheia: d) Explorando situação de especial debilidade da vítima, de desastre, acidente, calamidade pública ou perigo comum”.

São elementos típicos do crime de furto: a subtracção, de coisa móvel, que tenha carácter alheio e que tal subtracção ocorra com a intenção de apropriação para si ou para outrem.

A acção típica consiste no acto de subtracção, consumando-se o crime logo que o agente exerce uma relação de domínio sobre a coisa.

O objecto da acção é uma coisa móvel e alheia.

Quanto ao elemento subjectivo, exige-se a intenção de fazer sua coisa que pertence a outra pessoa, de a integrar no seu património.

Em face da matéria de facto dada como provada, haverá que se concluir que não se mostram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do apontado crime de furto qualificado, razão pela qual terão os arguidos ser absolvidos da sua prática.

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Da prova recolhida é inequívoco que os arguidos, relativamente ao crime de sequestro agravado, agiram de comum acordo e comunhão de esforços, com conhecimento do que faziam no modo acima descrito, com intenção de actuar de acordo com o plano e modo de execução que traçaram.

Com efeito a execução conjunta do facto não exige que todos os agentes intervenham em todos os actos organizados ou planeados que se destinem a produzir o resultado típico pretendido, bastando que a actuação de cada um deles constitua elemento componente do conjunto da acção e se revele essencial à produção daquele resultado acordado.

Assim, como se sublinha no Acórdão do STJ de 27-05-2009, o co-autor “tem que deter o domínio funcional da actividade que realiza, integrante do conjunto da acção para a qual deu o seu acordo e, na execução de tal acordo, se dispôs a levar a cabo. O domínio funcional do facto próprio da autoria significa que a actividade, mesmo parcelar, do co-autor na realização do objectivo acordado se tem de revelar indispensável à obtenção da finalidade pretendida. A actuação que constitui autoria deve compreender-se em unidade de sentido objectivo-subjectivo, como obra de uma vontade directora do facto; para a autoria é decisiva não apenas a vontade directiva, mas também a importância material da intervenção no facto que um co-agente assume”. Neste contexto, “a co-autoria supõe sempre uma “divisão de trabalho” que torne possível o crime, o facilite ou diminua essencialmente o risco da acção. Na co-autoria a execução é fruto de uma decisão conjunta, em conexão mútua entre as partes de execução do facto a cargo de cada um dos co-autores numa consideração objectiva” (cf. acórdão atrás citado).

Assim, não é indispensável que cada um dos agentes intervenha na execução de todos os actos ou tarefas organizadas ou planeadas com vista a produzir o resultado típico pretendido, importante é que a actuação de cada um, embora parcial, se integre no todo e conduza à produção daquele objectivo, dispondo e exercendo cada um deles na corresponde tarefa singularmente desenvolvida o apontado domínio funcional do facto.

In casu, é manifesta a existência de acordo adoptado, na execução de um plano tendo em vista a privação de liberdade ambulatória, nos termos supra expostos, logrando-se ter demonstrado qual ou quais dos actos materiais praticados por cada um dos arguidos, sendo certo que mesmo nos actos que não praticaram, a presença de todos no local do crime durante toda a sua execução, revela-se consonante com uma posição de poder intervir se e quando tal se mostrasse necessário, a fim de garantir a plena execução do facto criminoso projectado.

Temos, assim, que com a apurada actuação os arguidos tomaram parte directa na execução de actos de realização de elementos típicos do crime de sequestro acima referido, sendo que o seu contributo, fosse ele qual fosse, reúne as condições necessárias para se considerar que todos detiveram o domínio funcional do facto, no sentido de que a actividade que desempenharam na realização conjunta do delito se revelou essencial à concretização do plano a que todos aderiram.

Estando, por conseguinte, verificada uma situação de co-autoria material, nos termos previstos no artigo 26.º do Código Penal, devendo os arguidos ser condenados pela prática do crime de sequestro cima tipificado nesses termos, isto é, em co-autoria material e na forma consumada.

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Do crime de ameaça agravada

Estão ainda dos arguidos acusados, cada um, da prática de um crime de ameaça agravado, p. e p. pelos artigos 153º n.º 1 e 155º n.º 1 alínea a), ambos do Código Penal.

Dispõe o artigo 153º n.º 1 do Código Penal que “1 – Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de elevado valor, de forma adequada a provocar-lhe medo e inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com multa até 120 dias..”

E, o artigo 155º n.º 1 alíneas a) prescreve que “1- Quando os factos previstos nos artigos 153º e 154º forem realizados: a) Por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos; o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, no caso do artigo 153º (…)”.

Não se trata este ilícito de um crime de resultado, exigindo-se apenas que a acção tenha determinadas características, mostrando-se adequada, de acordo com a experiência comum, a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de autodeterminação do ofendido, não sendo necessário que chegue a provocar medo ou inquietação, pelo que se trata de crime de perigo concreto.

Diferentemente acontecia no Código Penal de 82 – artigo 155º n.º 1 – onde o crime de ameaça era material ou de resultado, ou seja, a ameaça tinha de provocar receio, medo ou inquietação ou prejudicar a liberdade de determinação, não bastando a simples ameaça.

Por outro lado, entre a acção de ameaçar e o mal ou anunciado, de natureza pessoal ou patrimonial, dependente ou aparentemente dependente da vontade do agente (para o homem comum), tem de haver um espaço de tempo, curto ou longo.

O mal ameaçado tem de configurar um dos factos ilícitos típicos enunciados no n.º 1 do artigo 153º do Código Penal.

Sujeito passivo do crime de ameaça é o destinatário da ameaça, o qual pode não ser a vítima da prática do crime que está na base da ameaça.

Elemento integrante do tipo objectivo do crime de ameaça é o conhecimento da ameaça por parte do sujeito passivo da ameaça. Citando Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, tomo I, pág. 347 e seguintes, “…indispensável é, para o preenchimento do tipo, que a ameaça chegue ao conhecimento do seu destinatário (…). Que o agente faça a ameaça directa e pessoalmente, que utilize um meio, (p.ex. o telefone, a carta), ou que se sirva de interposta pessoa, é, portanto, irrelevante.”.

“É um crime doloso, bastando a consciência (representação e conformação) da adequação da ameaça a provocar medo ou intranquilidade no ameaçado, devendo o agente ter vontade que a ameaça chegue ao conhecimento do mesmo, sendo irrelevante que o agente tenha, ou não, a intenção de concretizar a ameaça” (mesma obra, pág. 351).

Em face da matéria dada como provada, dúvidas não restam que é objectiva e subjectivamente imputável aos arguidos DD e AA, a prática, a cada um, a autoria material e na forma consumada, de um crime de ameaça agravada, na pessoa do ofendido FF.

O mesmo já não sucedendo relativamente aos restantes arguidos, impondo-se, por isso, a sua absolvição, já que o próprio ofendido em audiência de julgamento disse não se recordar se os outros arguidos, para além do DD e do AA, o ameaçaram ou não. Por outro lado, mesmo das declarações do ofendido prestadas em sede de inquérito, validamente reproduzidas em audiência, o que resulta é que ele terá dito que todos o ameaçaram de morte, não concretizando as expressões, nem tão pouco esclarecendo qual ou quais dos arguidos o teriam feito.

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3.2. Da inimputabilidade do arguido AA

Dispõe o artigo 20º n.º 1 do Código Penal que é inimputável quem, por força de uma anomalia psíquica, for incapaz, no momento da prática do facto de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação.

Resultou provado que o arguido sofria à data da prática dos factos descritos e sofre no presente, de Esquizofrenia, em fase de descompensação, na data dos factos. A doença mental de que padece é grave, não acidental, não dominando o arguido os seus efeitos.

Por força desta doença de que padece e ainda por força da história de perturbação do uso padrão, uso nocivo de múltiplas substâncias psicoactivas, o arguido AA não tinha a capacidade para avaliar o carácter proibido dos actos que lhe são imputados, nem a ilicitude dos factos, nem de se determinar de acordo com a sua avaliação. Também por força desta doença de que padece o arguido, considerando os efeitos que produz sobre o seu intelecto e a sua vontade, produziu no momento da prática dos factos um efeito que o incapacitou para avaliar a ilicitude de tais factos, por via disso e considerando esta doença de que o arguido padece, há perigo e possibilidade evidente de que o arguido venha a cometer novos ilícitos criminais da mesma natureza.

Esse estado do arguido torna-o totalmente incapaz de avaliar a licitude ou ilicitude e as consequências dos seus actos e tal situação verificava-se à data da prática dos factos. Ou seja, esse estado não lhe permitiu avaliar nem a consequência dos seus actos nem a licitude ou ilicitude dos mesmos. O arguido não só não pôde representar o facto como ilícito penal e de quer realizá-lo enquanto tal mas também não teve a capacidade para compreender que não agia com a cautela e o cuidado que as circunstâncias lhe impunham, pelo que o arguido tem que considerar-se inimputável.

Conclui-se, pois, por todo o exposto, que não resultou provado qualquer comportamento doloso ou negligente do arguido e as acções por si praticadas reconduzem-se apenas aos elementos objectivos dos factos típicos, pelos quais não pode ser punido, uma vez que a imputabilidade de que padece exclui a sua culpa e só o facto típico, ilícito e culposo e punível permitem a aplicação da pena que ao crime corresponda.

3.3. Da aplicação de medida de segurança

Importa saber se se justifica, ou não a aplicação ao arguido AA de uma medida de segurança.

Dispõe o artigo 91.º n.º 1 do Código Penal que quem tiver praticado um facto ilícito típico e for considerado inimputável, nos termos do artigo 20º, é mandado internar pelo tribunal em estabelecimento de cura, tratamento ou segurança, sempre que, por virtude da anomalia psíquica e da gravidade do facto praticado, houver fundado receio de que venha a cometer outros factos da mesma espécie.

Apurou-se que existe o perigo de, em face do quadro clínico de que padece, o arguido vir a praticar, no futuro, factos semelhantes aos que deram origem aos presentes autos. Quanto aos factos em si, pela sua natureza intrínseca e pelas consequências que dele advieram poderiam ter advindo, os mesmos revestem de uma gravidade objectiva e concreta, tudo o que nos leva a concluir pela existência de perigosidade e pela necessidade de sujeição do arguido a uma medida de segurança .

Há, por conseguinte, que determinar o quantum da medida.

Neste particular, o artigo 40.º n.º 3, Código Penal estabelece que a medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcional à gravidade do facto e à perigosidade do agente. Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Janeiro de 1998, in CJ, T I, 165): " A aplicação de medidas de segurança, tendo como fundamento a perigosidade social do agente, tem de obedecer:

- Ao princípio da legalidade: situação paralela à legalidade das penas;

- Ao princípio da tipicidade: a prática de um facto formalmente ilícito, condição sem a qual não pode haver aplicação de medida de segurança;

- Ao princípio da proporcionalidade.

A medida de segurança é post-delitual, pois só depois de haver sido cometido um facto típico formalmente relevante, é que o inimputável pode ser sujeito ao internamento. Apesar de estar excluída a culpa do agente, dada a sua inimputabilidade, há que considerar verificadas as circunstâncias susceptíveis de agravar a conduta do arguido, (...) por estar em causa nestes casos a prática de um facto ilícito típico, ou seja, o facto em si mesmo, na sua globalidade, integrado com toda a sua formal ilicitude, e deste modo ligado à ideia de uma culpabilidade formal, ideia conexionada, essencial e vivencialmente, com o tipo legal de crime que realmente é e se apresenta, até para se aferir melhor da perigosidade futura relativamente ao agente. Se o inimputável, sendo perigoso, é incurável deve haver uma ponderação de interesses que balançam entre a importância dos valores que o inimputável, em liberdade pode afrontar e violar, e a gravidade da sua definitiva segregação social…”.

Quando o facto praticado pelo inimputável corresponder a crime contra as pessoas ou a crime de perigo comum puníveis com pena de prisão superior a 5 anos, o internamento tem a duração mínima de 3 anos, salvo se a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social (n.º 2 do artigo 91º) e não pode exceder o limite máximo da pena correspondente ao tipo do crime – artigo 92º n.º 2 do Código Penal.

No caso concreto dos autos, a duração desse internamento seria entre o mínimo de 3 (três) e o máximo de 10 (dez) anos, posto que mesmo havendo concurso de crimes, a duração máxima do internamento não é determinada de acordo com a punição do concurso, mas pelo limite máximo da pena correspondente ao tipo de crime mais grave (do concurso) cometido pelo inimputável (no caso, o crime de sequestro agravado) – cf. S.T.J. de 28-10-1998, BMJ 480º/99 e STJ 8.07.2003, CJ, t.2, 236.

Porém, para que possa ser decretado o internamento de inimputável é também necessário que o facto praticado seja grave, por forma a comprometer gravemente a segurança pública e que haja fundado receio relativo à perigosidade, ou seja, fundado receio de que agente volte a praticar factos jurídicos graves. Não pode ser decretado o internamento de inimputável se o crime praticado não atinge a gravidade exigida pelo artigo 98º do C. Penal.

No caso dos autos, os factos típicos praticados pelo arguido, considerando a sua natureza e o grau de perigo que criou, foram muito graves e dada a anomalia psíquica de que padece subsiste o forte receio de que venha a cometer outros factos da mesma espécie e igual gravidade.

O tribunal deverá suspender a execução do internamento se for razoável esperar que desse modo se alcança a finalidade da medida designadamente quando, em liberdade, o inimputável, apesar de perigoso, possa ser curado e garantida a necessária segurança da sociedade – art.98º, nº1, do C. Penal.

Circunstância que não ocorre na situação em apreço posto que o arguido, face ao carácter da esquizofrenia paranóide de que padece, a mesma carece de tratamento e o arguido não apresenta qualquer crítica para essa necessidade já que como resulta do relatório pericial de fls. 1620ss, possui uma história de adesão irregular aos tratamentos propostos e de acompanhamento em sede de consulta.

Por outro lado, desse mesmo relatório resulta que a possibilidade da existência de uma rede de apoio, com supervisão e manutenção de regras suficientemente assíduas e eficazes, é considerada ligeira a moderada.

Acresce que, a mãe do arguido, que seria a pessoa que poderia prestar algum apoio nessa matéria, declarou em audiência de julgamento que há mais de um ano que o filho não vive consigo, não obstante dizer que tem um quarto na sua casa à espera dele.

E, sendo assim, o internamento efectivo é, de momento, absolutamente necessário ao tratamento psiquiátrico regular do arguido, evitando-se novos episódios idênticos aos dos autos e em defesa da ordem jurídica e da paz social (art.91º n.º 2, conjugado com o art.98º n.º2, ambos do C. Penal).

Em conclusão, na situação em apreço não será razoável esperar da mera suspensão do internamento a eliminação da perigosidade criminal e consequente protecção dos bens jurídico-penais, finalidades desta medida (Art.98º n.º1 e 3 do C. Penal.

3.4. Da medida concreta da pena

Importa, pois, determinar a natureza e medida da sanção a aplicar aos arguidos BB, CC, DD e EE.

De acordo com o disposto no artigo 70º do C.P. se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal deve dar preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Tais finalidades são, como se determina no artigo 40º, nº1, do mesmo diploma, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Por isso, há também que atentar no que dispõe o artigo 71º n.º 1 do C.P. que dispõe que “…dentro dos limites definidos na lei, é feita em função do agente e das exigências de prevenção.”

Por outro lado, há ainda que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, designadamente, as referidas no artigo 71º n.º 2 do C.P nomeadamente:

- O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

- A intensidade do dolo ou da negligência;

- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

- As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

- A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

- A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena» (art.º 71º, n.ºs 1 e 2, do CP).

Cumpre, desde já, determinar quais as penas que deverão ser aplicadas.

No caso, afigura-se que a gravidade dos factos praticados pelos arguidos, analisados na sua globalidade, quer pela violência empregue, quer pelas consequências dos mesmos, é de aplicar a pena privativa de liberdade, por se considerar que só esta é suficiente e adequada aos interesses a que alude o citado art.70º do Código Penal e se mostra capaz de realizar de forma adequada as finalidades da punição.

Por se reflectir na pena, através da culpa, antes de mais, há que considerar como factor de graduação daquela, a ilicitude típica que, no caso concreto, se afigura ponderosa no quadro da gravidade suposta pela moldura abstracta dos crimes em causa.

São elevadas as necessidades de prevenção geral, sendo os crimes praticados pelos arguidos geradores de grande insegurança e alarme social e objecto de elevada reprovação social, tendo em particular o crime de sequestro agravado consequências extremas nas vítimas.

O grau de ilicitude dos factos praticados pelos arguidos em co-autoria material, considera-se extremamente elevado quanto ao crime de sequestro agravado, revelador de uma energia criminosa intensa, denotando o modo de actuação dos arguidos um total desprezo pela integridade física e psíquica e dignidade humana alheias, infligindo um sofrimento físico e uma violência psicológica extrema no ofendido, de que são reflexo as lesões sofridas pelo ofendido, denotadoras de uma violência no modo como o mesmo foi agredido, em particular na zona da cabeça, o modo como o ofendido esteve manietado durante todo o tempo em que esteve privado de liberdade

O grau de ilicitude dos factos praticados pelo arguido DD no que respeita ao crime de ameaça agravada, considera-se também elevado, tendo em conta o contexto e as circunstâncias em que tais factos foram praticados.

Haverá que considerar ainda a intensidade dolosa, tendo todos os crimes sido cometidos na modalidade de dolo directo.

De ponderar também as consequências físicas e psicológicas que resultaram para o ofendido em consequência da actuação dos arguidos, de que são reflexo as lesões sofridas pelos mesmos, o intenso sofrimento físico, moral e psíquico a que esteve sujeito, temendo pela própria vida, deixando no ofendido sequelas que ainda perduram.

De relevar ainda a ausência de demonstração sincera de arrependimento e interiorização do desvalor das respectivas condutas por parte dos arguidos, limitando-se os mesmos a verbalizar arrependimento, sem qualquer ressonância afectiva ou crítica.

Haverá que ponderar também as condições pessoais e sociais dos arguidos, ressaltando dos relatórios sociais e do depoimento prestado pelas testemunhas indicadas pelas suas defesas, que apenas o arguido EE beneficia de apoio familiar, tem hábitos de trabalho e se encontra socialmente inserido.

Não obstante a ausência de antecedentes criminais dos arguidos CC e ..., as características de personalidade dos arguidos, nomeadamente, a frieza, ausência de ressonância afectiva, e dificuldades ao nível das capacidades de pensamento crítico e consequencial, reclamam maiores exigências ao nível da prevenção especial.

As exigências de prevenção especial são elevadas relativamente aos arguidos BB e DD, sendo que o primeiro já conta com uma condenação pela prática de um crime de sequestro e ambos contam com diversas condenações, incluindo pela prática de crimes contra as pessoas.

Como factor de perigo de reincidência de condutas ilícitas, deverá considerar-se a condição de consumidores de produtos estupefacientes relativamente a todos os arguidos.

Além disto de tudo o que fica dito, a determinação da pena tem como limite máximo o admitido pela culpa de cada arguido - a culpa de cada um é individualizável e insusceptível de equiparação entre os diversos arguidos, pois estes participam de forma diferente e de modo diverso nos diferentes factos praticados, assim revelando uma atitude particular contra o direito -, e como limite mínimo o determinado pelas exigências de prevenção geral impostas pela comunidade de acordo com os crimes praticados; será dentro destas balizas que em função das exigências de prevenção especial de cada arguido que se determinará a medida concreta da pena, necessariamente diferente consoante as distintas exigências que cada um impõe.

Tudo ponderado, serão os arguidos condenados da seguinte forma:

- O arguido BB, pela prática em co-autoria de um crime de sequestro agravado, p. e p. pelo artigo 158º n.º 1 e n.º 2 alínea b) ambos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão;

- A arguida CC, pela prática em co-autoria de um crime de sequestro agravado, p. e p. pelo artigo 158º n.º 1 e n.º 2 alínea b) ambos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão;

- O arguido DD, pela prática em co-autoria de um crime de sequestro agravado, p. e p. pelo artigo 158º n.º 1 e n.º 2 alínea b) ambos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão;

- O arguido EE, pela prática em co-autoria de um crime de sequestro agravado, p. e p. pelo artigo 158º n.º 1 e n.º 2 alínea b) ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão;

- O arguido DD, pela prática em autoria material de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo artigo 153º n.º 1 e 155º n.º 1 alínea a) ambos do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão;

(…)

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Da suspensão da execução das penas de prisão

Segundo o disposto no artigo 50º n.º 1 do C.P., “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

E, o n.º 5 dispõe que: “O período de suspensão é fixado entre um ano e cinco anos”.

Cumpre agora decidir se as penas de prisão aplicadas aos arguidos deverão ou não ser suspensas na sua execução, uma vez que não atingem os 5 anos.

Segundo o disposto no artigo 50º n.º 1 do C.P., “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

E, o n.º 5 dispõe que: “O período de suspensão é fixado entre um ano e cinco anos”.

Consabido que as finalidades da punição se circunscrevem à proteção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade - artigo 40º n.º 1 -, é em função de considerações exclusivamente preventivas, prevenção geral e prevenção especial, que o julgador tem de se orientar na opção pela pena de suspensão de execução da prisão.

Assim, para a aplicação daquela pena é necessário, em primeiro lugar, que o julgador se convença, face à personalidade do arguido, comportamento global, natureza do crime e sua adequação a essa personalidade, que o facto cometido não está de acordo com essa personalidade e foi simples acidente de percurso, esporádico, e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro evitará a repetição de comportamentos delituosos. Em segundo lugar, é necessário que a pena de suspensão de execução da prisão não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafática das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade.

O preceito em referência atribui ao tribunal o poder-dever de suspender a execução da pena de prisão não superior a cinco anos, sempre que, reportando-se ao momento da decisão, o julgador possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido (Cfr. Figueiredo Dias, in “Velhas e novas questões sobre o tema de suspensão da execução da pena”, RLJ, Ano 124, pág.68 e “Direito Penal Português – “As Consequências Jurídicas do Crime”, Lisboa, 1993, §518, págs.342/343).

Como se salientou no Ac. do STJ de 08.05.97 (Proc. nº 1293/96), in www.dgsi.pt. “factor essencial à filosofia do instituto da suspensão da execução da pena é a capacidade da medida para apontar ao próprio arguido o rumo certo no domínio do seu comportamento de acordo com as exigências do direito penal, impondo-se-lhe como factor pedagógico de contestação e auto-responsabilização pelo comportamento posterior; para a sua concessão é necessária a capacidade do arguido de sentir essa ameaça, a exercer sobre si o efeito contentor, em caso de situação parecida, e a capacidade de vencer a vontade de delinquir”.

Ponto é que as exigências mínimas de prevenção geral fiquem também satisfeitas com a aplicação da pena de substituição. “O sentido destas é, aliás, nesta sede, o de se imporem como limite às exigências de prevenção especial, constituindo então o conteúdo mínimo de prevenção geral de integração de que se não pode prescindir para que não sejam, em último recurso, defraudadas as expetativas comunitárias relativamente à tutela dos bens jurídicos” (Ac. do STJ de 28/7/2007, in www.dgsi.pt, em que foi relator o Conselheiro Rodrigues da Costa).

Como escreve Figueiredo Dias: “a pena alternativa só não será aplicada se a pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafática das expetativas comunitárias” (Figueiredo Dias, in “Consequências Jurídicas do Crime”, pág.333, §501).

Assim, em face da factualidade apurada, o juízo de prognose há-de ditar que, com toda a probabilidade, o arguido não voltará a cometer novo crime; e ainda que as expetativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada, no restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, não sairão defraudadas.

Extraindo-se esta conclusão, deve decretar-se a suspensão da execução da pena.

Concluindo-se em sentido contrário, deve negar-se a suspensão.

É esta também a posição do Supremo Tribunal de Justiça.

No caso dos autos, as elevadas exigências de prevenção geral que, assentes nas concretas circunstâncias do caso e a gravidade dos factos, causam alarme e repúdio à sociedade em geral e também a todos os que tomaram conhecimento dos factos, ocorridos num meio de média densidade populacional, reclamam uma resposta assertiva por parte do tribunal, com vista à salvaguarda da futura paz social que foi afectada com as condutas criminosas relevadas pelos arguidos.

De realçar ainda a gravidade e a violência dos factos praticados, que fazem denotar por parte dos arguidos a ausência de controlo dos seus actos e de interiorização da desconformidade das suas condutas em relação aos valores da liberdade pessoal e integridade física e psicológica pelas respectivas normas incriminadoras e também pelo desrespeito da própria vítima.

Os arguidos não revelaram em julgamento o mínimo de arrependimento ou sequer alguma consciência critica em relação aos crimes cometidos, inculcando a ideia de que os mesmos não interiorizaram a desconformidade da sua conduta à lei e também de absoluto desrespeito pela vítima e desprezo, o que torna a sua conduta ainda mais censurável.

E, pese embora a ausência de antecedentes criminais por parte dos arguidos CC e EE e inserção social de que este beneficia, contrariamente aos restantes arguidos que não beneficiam de inserção social, ao que acresce a existência de antecedentes criminais por parte dos arguidos DD e BB, as concretas circunstâncias de tempo, modo e lugar em que os arguidos actuaram, conjugadas com a personalidade evidenciada pelos arguidos, reveladora de falta de auto-censura ético-social do seu comportamento e de controlo das suas acções, considerada a sua condição de dependência de produtos estupefacientes, não pode deixar de inculcar que existe perigo da prática pelos mesmos de factos de idêntica natureza. Aliás, diga-se que, relativamente ao arguido EE, a sua integração a nível pessoal, familiar, social e profissional não se revelaram impeditivas da actuação do mesmo que se mostra provada nos autos.

Todos estes factores fazem perspectivar como incontornável a consideração de que só uma pena privativa da liberdade satisfaz as exigências de prevenção geral acima referidas e também as necessidades de prevenção especial, onde se alicerça o receio de novas prevaricações.

Deverão, pois, os arguidos cumprir as penas de prisão aplicadas.

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Da pena relativamente indeterminada (arguido BB)

Nos termos do artigo 83º n.º 1 do C. Penal, é punido com uma pena relativamente indeterminada quem:

- Praticar crime doloso a que devesse aplicar-se concretamente prisão efectiva por mais de dois anos; e

- Tiver cometido anteriormente dois ou mais crimes dolosos, a cada um dos quais tenha sido ou seja aplicada prisão efectiva também por mais de dois anos; 

- Sempre que a avaliação conjunta dos factos praticados e da personalidade do agente revelar uma acentuada inclinação para o crime, que no momento da condenação ainda persista.

Como resulta da letra do citado normativo não se exige a existência de uma ou mais condenações prévias, mas apenas o cometimento prévio de dois ou mais crimes, podendo a pena relativamente indeterminada ser aplicada num mesmo processo em que se verifique concurso real de crimes, como aqui ocorre.

Ora, como se disse, o arguido BB será condendo nos presentes autos pela prática do crime de sequestro agravado, com a pena de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão efectiva.

Por outro lado, resulta do seu certificado de registo criminal que cometeu anteriormente dois ou mais crimes dolosos, a cada um dos quais foi e seria aplicada prisão efectiva também por mais de dois anos.

Verificados os requisitos formais da pena relativamente indeterminada, nos termos supra referidos, dir-se-á que o arguido BB revela também, numa avaliação global dos factos e da sua personalidade, uma acentuada inclinação para o crime, que neste momento ainda persiste.

Com efeito, tendo sofrido condenações anteriores em penas de prisão efectiva, faz da prática de ilícitos criminais o seu modo de vida e com total insensibilidade pelas vítimas dos mesmos.

Efectivamente, tornando-se claro que nenhuma das condenações anteriores foi suficiente para afastar o arguido do cometimento de novos crimes e conseguir a sua recuperação social, certo é que os factos que agora praticou (objecto dos presentes autos), aliados ao seu modo de vida, sem inserção profissional e social equilibrada, nem ressonância critica quanto aos mesmos, revelam acentuada disposição para o cometimento de crimes.

É também o que ressalta da gravidade global dos factos cometidos, do conjunto dos seus antecedentes criminais, a clara insensibilidade às sucessivas condenações anteriores, a despreocupação em relação às consequências penais e reais dos seus actos, a ausência de projecto e expectativa de inserção profissional e social.

Revela ainda uma personalidade com acentuada propensão, que ainda hoje se mantém, para a prática de crimes.

Estão, pois, verificados os pressupostos formais e materiais da pena relativamente indeterminada que vem imputada ao arguido (art.83º n.º 1 e 3 do C. Penal), com o mínimo correspondente a 2/3 da pena de prisão que concretamente caberia ao crime cometido e o máximo correspondente a esta pena, acrescida de 6 anos – art.83º n.º 2 do C. Penal.

Verificando-se os pressupostos formais e materiais da pena relativamente indeterminada, sem que alguma delas tenha sido já agravada pela reincidência, a pena única relativamente indeterminada constrói-se a partir da pena de concurso (e não sobre as parcelares), o que vale por dizer que, nessa operação, se fixam, em primeiro lugar, as penas parcelares e depois a de conjunto, seguindo-se a agravação em função da dosimetria à luz das regras previstas para a pena relativamente indetermi                                                                                                                                                    nada.

Vale isto dizer que no caso do arguido BB à pena única de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão efectiva, corresponde uma pena relativamente indeterminada com o mínimo de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses e o máximo de 10 (dez) anos de prisão.

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3.4. Da responsabilidade civil

A Unidade Local de Saúde ..., EPE deduziu contra os arguidos/demandados pedido de reembolso da quantia devida pela assistência do VV, no montante de € 1.240,53 (mil duzentos e quarenta euros e cinquenta e três cêntimos), acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação até integral pagamento.

Nos termos do disposto no artigo 129º do Código Penal, “A indemnização por perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil”.

Dispõe o artigo 483º n.º 1 do Código Civil que “Aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”.

São, pois, pressupostos da responsabilidade por factos ilícitos:Um facto voluntário do agente, ou seja, objectivamente controlável pela vontade; A ilicitude do facto, que pode consistir na violação de um direito de outrem ou na violação de norma que protege interesses alheios; A imputação do facto ao lesante, a título de dolo ou negligência; O dano; e, o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Pressupostos que se verificam relativamente a todos os arguidos, com excepção do arguido AA, considerada a sua declaração de inimputabilidade.

Com efeito, não se verifica o pressuposto da culpa, em face da declaração do arguido AA como inimputável.

Tendo o arguido actuado em estado de inimputabilidade, em princípio, “não responde pelas circunstâncias do facto danoso”, tal como prescreve o n.º 1 do artigo 488º, do Código Civil. Contudo, pode acontecer que a equidade aconselhe, apesar disso, uma indemnização.

Efectivamente, reunidos todos os pressupostos da responsabilidade civil (facto ilícito, o dano, as circunstâncias que tornariam o facto culposo se não fosse a inimputabilidade, o nexo de causalidade entre o facto e o dano), sendo o demandado AA inimputável, o Tribunal pode recorrer à equidade para o condenar a reparar, total ou parcialmente, os danos, se concorrerem ainda os requisitos exigidos pelo artigo 489º, do Código Civil, o qual diz que: “1- Se o acto causador do dano tiver sido praticado por pessoa não imputável, pode esta, por motivos de equidade, ser condenada a repará-los, total ou parcialmente, desde que não seja possível obter a devida reparação das pessoas a quem incumbe a sua vigilância.2- A indemnização será, todavia, calculada de forma a não privar a pessoa não imputável dos alimentos necessários, conforme o seu estado e condição, nem dos meios indispensáveis para cumprir os seus deveres legais de alimentos”.

Admite-se, assim, que a pessoa inimputável seja condenada a indemnizar, total ou parcialmente (desde que não seja possível obter a reparação das pessoas a quem incumbe a sua vigilância) quando razões de equidade assim o imponham: porque o agente tenha bens por onde responder, porque o lesado tenha ficado em difícil situação económica, porque seja avultado o montante do prejuízo, porque seja particularmente grave a conduta do agente ou séria a violação cometida, sendo certo que “a responsabilidade do inimputável tem a sua justificação como medida de protecção do lesado e não na culpa do agente – neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24.09.2008, processo 512/04.7TAACB.C1, disponível em www.dgsi.pt, seguindo de perto Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 7ª edição, Vol. I, PÁG. 557.

No caso em apreço, para além de verificados os pressupostos gerais do dever de indemnizar (acto ilícito praticado pelo demandado e nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito e o dano), não existe ninguém que estivesse obrigado à vigilância do arguido, que possa ser responsabilizado pelos prejuízos efectivamente causados às demandantes civis.

Por outro lado, em face da matéria de facto provada, entende o Tribunal não se fazerem sentir especiais exigências de reparação dos danos sofridos pela demandante, uma vez que não resultou provado que o arguido tenha bens por onde responder, resultando provado que não tem hábitos de trabalho e, por outro lado, não resultou demonstrado que o lesado tenha ficado em difícil situação económica e não foi avultado o montante do prejuízo por eles sofrido.

Impõe-se, pois, a absolvição do arguido AA do pagamento do pedido de reembolso peticionado pela demandante.

Da factualidade dada como provada resulta que nas circunstâncias referidas nos autos foi o ofendido FF assistido na Unidade Local de Saúde ..., E.P.E. importando a referida assistência em € 1.240,53 (mil duzentos e quarenta euros e cinquenta e três cêntimos), devendo os arguidos/demandados BB, CC, DD e EE ser condenados no seu pagamento, quantia a que acrescerão juros de mora, à taxa legal, a contar da citação.

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3.6. Da indemnização à vítima

De acordo com o artigo 16º n.º 1 e n.º 2 da Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro:

“1- À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão relativa a indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável”

2- Há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82º-A do Código de Processo Penal em relação a vítimas especialmente vulneráveis, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser”.

Por sua vez, o artigo 67º-A n.º 1 alínea b) sobre o conceito de vítima, dispõe que “Vítima especialmente vulnerável, a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social”.

Por sua vez, determina o referido artigo 82º- A do Código de Processo Penal:

“1- Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72º e 77º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham.

2- No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório.

3- A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em acção que venha a conhecer de pedido civil de indemnização”.

Ao determinar a aplicação deste regime em qualquer caso, apenas se ressalvando os casos de oposição expressa por parte da vítima, o legislador afastou o pressuposto previsto na parte final do nº 1 do artigo 82º-A do Código de Processo Penal.

Assim, o Tribunal, salvo oposição expressa da vítima, deverá sempre arbitrar uma quantia a título de reparação, ainda que não se verifiquem no caso particulares exigências de protecção.

Uma vez que nestes autos ofendido não deduziu pedido de indemnização civil e não deduziu oposição à aplicação do regime previsto no artigo 82º-A do Código de Processo Penal, haverá que fixar a quantia indemnizatória.

Estão em causa prejuízos não patrimoniais, que - reportando-se a valores de ordem espiritual, ideal ou moral, não se repercutem no património do lesado e, portanto, não são susceptíveis de avaliação pecuniária, embora sejam compensáveis – correspondem àquilo que na linguagem jurídica se costuma designar por pretium doloris ou ressarcimento tendencial de angústia, da dor física, da doença, ou do abalo psíquicoemocional.

Apenas são atendíveis os que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (conforme o artigo 496º do Código Civil) e o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo Tribunal, tendo em atenção a situação económica do agente e do lesado e demais circunstâncias do caso concreto (conforme o artigo 496º ex vi artigo 496º, nº3, ambos do Código Civil).

Releva para a fixação da indemnização as consequências da conduta do arguido e as condições económicas do arguido e da vítima.

No caso dos autos, resultou provado que, em consequência directa e necessária da conduta do arguido descrita supra, o ofendido sofreu dores e ferimentos em todo o corpo, designadamente escoriações dispersas nos membros, hematoma no crânio e feridas na perna esquerda e no antebraço esquerdo (visíveis e descritas a fls. 57-65 e fls. 210- 226). Mais se provou que, em consequência da conduta dos arguidos sofreu FF as lesões descritas e examinadas no relatório de urgência de fls. 210 a 22, no relatório de internamento de fls. 223 e a 226 e no relatório médico-legal de fls. 533 a 536, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, designadamente: Pescoço – na região postero-lateral esquerdo do pescoço apresenta uma escoriação de base larga, avermelhada, com crosta acastanhada, linear, com 0,5 cm de comprimento; Tórax - na fase anterior do terço médio do tórax ao nível da linha média, apresenta duas escoriações avermelhadas puntiformes. Na fase posterior do terço proximal do tórax, ligeiramente à direita da linha média, apresenta 3 escoriações lineares de base larga, avermelhadas, com crosta acastanhada, com 0,5 cm de comprimento cada uma e praticamente paralelas entre sim, distando 1 cm entre si. Na fase posterior do terço distal do tórax, na linha média, apresenta uma escoriação acastanhada, desidratada, com 2 por 1,5 de maiores dimensões; Membro superior direito - na fossa cubital apresenta uma escoriação nacarada, arredondada, com 0,5 cm de maior diâmetro. Na fase posterior do terço proximal do antebraço apresenta uma escoriação linear, avermelhada com 2 cm de comprimento. Na fase anterior do terço médio do antebraço apresenta uma área com múltiplas escoriações lineares e puntiformes avermelhadas, numa área com 4 por 5 cm de maiores dimensões, a maior das quais com 2 cm de comprimento. Na face posterior do terço médio do antebraço apresenta duas escoriações: uma nacarada, com destacamento da crosta, em fase final de evolução com 3 cm de comprimento e outra avermelhada, com 0,7 cm de comprimento; Membro superior esquerdo - Na face lateral do terço superior do braço apresenta uma equimose avermelhada, arredondada com 3 cm de maior diâmetro. Na face anterior do terço médio do braço apresenta uma escoriação linear, avermelhada com 0,5 cm de comprimento. Na fossa cubital apresentada duas escoriações puntiformes, avermelhadas. Na face posterior do terço proximal do antebraço apresenta 4 escoriações lineares de base larga, com crosta acastanhada central e bordos nacarados, desidratados (compatíveis com lesões não recentes) que foram em conjunto uma semicircunferência, numa área com 7 por 4 cm de maiores dimensões, a maior das quais com 2 por 0,8 cm de maiores dimensões. No bordo radial do terço proximal do antebraço apresenta uma escoriação acastanhada, puntiforme. No bordo radial do terço distal apresenta uma escoriação avermelhada, puntiforme; Membro inferior direito - Na metade inferior da região nadegueira apresenta uma escoriação avermelhada, arredondada, com 0,5 cm de maior diâmetro. Superiormente a esta, observa-se uma equimose avermelhada, ténue, com 5 por 1 cm de maiores dimensões. Na face anterior do terço médio da perna apresenta um penso branco com vestígios hemáticos avermelhados, após a remoção do qual se observa uma solução de continuidade suturada, com 2 pontos de sutura azul, com 2 cm de comprimento; Membro inferior esquerdo - No quadrante supero-externo da região nadegueira apresenta uma escoriação linear, vertical avermelhada, com 2 cm de comprimento, além de dores, que determinaram 12 dias para a consolidação médico-legal, sem afectação da capacidade de trabalho geral. Do evento resultaram consequências permanentes, as quais, sob o ponto de vista médico-legal, se traduzem em cicatriz na face anterior da perna direita;

Para além disso, considerada a factualidade descrita nos factos provados é de admitir como certo, tal como por ele afirmado, que o ofendido tenha sentido medo e temido pela sua integridade física e pela própria vida.

Tendo em conta que os pressupostos para a fixação de indemnização assentam na responsabilidade civil, nos termos atrás referidos, não se verifica o pressuposto da culpa, em face da declaração do arguido AA como inimputável.

Tendo este arguido actuado em estado de inimputabilidade, em princípio, “não responde pelas circunstâncias do facto danoso”, tal como prescreve o n.º 1 do artigo 488º, do Código Civil. Contudo, pode acontecer que a equidade aconselhe, apesar disso, uma indemnização.

Efectivamente, reunidos todos os pressupostos da responsabilidade civil (facto ilícito, o dano, as circunstâncias que tornariam o facto culposo se não fosse a inimputabilidade, o nexo de causalidade entre o facto e o dano), sendo o demandado AA inimputável, o Tribunal pode recorrer à equidade para o condenar a reparar, total ou parcialmente, os danos, se concorrerem ainda os requisitos exigidos pelo artigo 489º, do Código Civil, o qual diz que: “1- Se o acto causador do dano tiver sido praticado por pessoa não imputável, pode esta, por motivos de equidade, ser condenada a repará-los, total ou parcialmente, desde que não seja possível obter a devida reparação das pessoas a quem incumbe a sua vigilância.2- A indemnização será, todavia, calculada de forma a não privar a pessoa não imputável dos alimentos necessários, conforme o seu estado e condição, nem dos meios indispensáveis para cumprir os seus deveres legais de alimentos”.

Admite-se, assim, que a pessoa inimputável seja condenada a indemnizar, total ou parcialmente (desde que não seja possível obter a reparação das pessoas a quem incumbe a sua vigilância) quando razões de equidade assim o imponham: porque o agente tenha bens por onde responder, porque o lesado tenha ficado em difícil situação económica, porque seja avultado o montante do prejuízo, porque seja particularmente grave a conduta do agente ou séria a violação cometida, sendo certo que “a responsabilidade do inimputável tem a sua justificação como medida de protecção do lesado e não na culpa do agente – neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24.09.2008, processo 512/04.7TAACB.C1, disponível em www.dgsi.pt, seguindo de perto Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 7ª edição, Vol. I, PÁG. 557.

No caso em apreço, para além de verificados os pressupostos gerais do dever de indemnizar (acto ilícito praticado pelo demandado e nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito e o dano), não existe ninguém que estivesse obrigado à vigilância do arguido, que possa ser responsabilizado pelos prejuízos efectivamente causados às demandantes civis.

Por outro lado, em face da matéria de facto provada, entende o Tribunal não se fazerem sentir especiais exigências de reparação dos danos sofridos pelo demandante, uma vez que não resultou provado que o arguido tenha bens por onde responder, resultando provado que não tem hábitos de trabalho e, por outro lado, não resultou demonstrado que o lesado tenha ficado em difícil situação económica, pelo que se entende não ser de responsabilizar o arguido AA pelo pagamento de qualquer indemnização à vítima FF.

Relativamente aos arguidos BB, CC e DD, estes não beneficiavam, quando em liberdade, de condição social e económica favorável, sendo que o arguido EE exercia actividade laboral activa como calceteiro.

Atento o exposto, temos que a referida conduta dos arguidos é grave e merecedora de adequado e justo reparo à vitima, nos termos do artigo 496º n.º 1 e n.º 3 do Código Civil, segundo critérios de equidade, já que estão em causa danos de natureza não patrimonial.

Tendo presente a gravidade e intensidade do dolo, o contexto em causa e as condições socioeconómicas dos arguidos, atentas as regras da experiência comum, sem olvidar o elevado grau de culpabilidade, temos como adequado arbitrar o montante indemnizatório, a título de compensação por danos não patrimoniais, no valor de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) à vitima, já actualizado de acordo com a desvalorização da moeda.»

2.2. - Apreciação dos recursos.

            2.2.1. – Recurso apresentado pelo arguido BB.

            2.2.1.1 – Da Impugnação da decisão sobre a matéria de facto, devendo os pontos 3., 9., 11., 13., 14., 15., 16., 18., 19., 20., 23., 26., 28., 29., 30., 31. e 33. serem dados como não provados.

            Emerge das conclusões 4ª a 38ª que o Recorrente impugna a matéria de facto descrita nos pontos acima assinalados por considerar que os depoimentos prestados pelo ofendido FF e pela testemunha HH, em que se fundou a decisão ora impugnada, não são credíveis, uma vez que se apresentam contraditórios e cheios de incongruências e por considerar incorreta a valoração que o Tribunal a quo fez de tais depoimentos.

            O Recorrente indica como provas que impõem decisão diversa, concretas passagens da gravação das suas declarações prestadas em sede de 1º interrogatório de arguido detido e em sede de audiência de julgamento; das declarações prestadas pelo coarguido DD em sede de audiência; das declarações prestadas pela coarguida CC prestadas em sede de 1º interrogatório de arguido detido e em sede de audiência de julgamento; das declarações prestadas pelo coarguido EE em sede de audiência e dos depoimentos prestados pelas testemunhas HH e FF (ofendido) em sede de audiência de julgamento.

            Para além disso, indica o auto de visionamento de imagens de fls.78-81. 

            O Recorrente, dando a sua própria interpretação das provas que indica, no que toca à dinâmica dos acontecimentos e à sua participação nos mesmos, conclui que não podia o Tribunal dar como provado que esteve presente no local durante todo o tempo em que os demais arguidos praticaram os factos e que, no único momento em que esteve presente e presenciou agressões, tentou pôr-lhe cobro.

            Sustenta nessa mesma leitura das provas que indica, que não resultou provado que tenha delineado ou aderido a qualquer plano nem que tenha atuado em conjunto com os demais arguidos na execução desse plano.

            Conhecendo. 

Nos termos do artigo 428º do Código de Processo Penal, os Tribunais da Relação conhecem não só de direito, mas também de facto, assim se concretizando a garantia do duplo grau de jurisdição na matéria de facto, sendo que uma das vertentes admitida é a da impugnação ampla, visando o chamado erro de julgamento.

            Este erro resulta da forma como foi valorada a prova produzida e ocorre quando o Tribunal considere provado um determinado facto sem que dele tenha sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado. Tal erro pressupõe que a prova produzida, analisada e valorada não podia conduzir à fixação da matéria de facto provada e não provada nos termos em que o foi.

            Nesta forma de impugnação ampla, os poderes de cognição do tribunal de recurso não se restringem ao texto da decisão recorrida (como acontece com os vícios previstos no artigo 410º, n.º 2 do Código de Processo Penal), alargando-se à apreciação do que contém e se pode extrair da prova documentada e produzida em audiência, nomeadamente pela audição da prova gravada por parte do tribunal de recurso, sempre delimitada pelo recorrente através do ónus de especificação previsto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412º, tendo em vista o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento e visando a modificação da matéria de facto, nos termos do artigo 431º, al. b), ambos do Código de Processo Penal.

            Ao tribunal de recurso cabe analisar o processo de formação da convicção do julgador do tribunal a quo, verificando se os juízos de racionalidade, de experiência e de lógica confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar, não bastando, para uma eventual alteração, uma diferente convicção ou avaliação do recorrente quanto à prova testemunhal produzida.

            Ou seja, o Tribunal da Relação só pode e deve determinar uma modificação da matéria de facto quando concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa da proferida [cf. artigo 412º, n.º 3, al. b) do Código de Processo Penal] e não apenas quando permitem uma outra decisão[1].

            De notar, também, que quando está em causa a questão da apreciação da prova o Tribunal a quo encontra-se numa posição privilegiada resultante da oralidade e imediação. Deste modo, quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova se baseia na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só pode censurá-la se demonstrado ficar que tal opção é de todo em todo inadmissível face às regras de experiência comum.

            Concluindo: o artigo 412º, nº3, alínea b) do Código de Processo Penal, ao exigir que o recorrente que impugne a decisão proferida sobre matéria de facto especifique as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, implica que o tribunal de recurso só pode (e deve) alterar aquela decisão se da análise que faz das provas documentadas indicadas pelo recorrente, em concatenação com as regras da experiência comum e da lógica, concluir que o juízo probatório levado a cabo pelo Tribunal a quo é, à luz daqueles elementos, insustentável, indefensável (porque decidiu claramente sem prova ou em indiscutível contradição com as preditas regras), revelando-se por isso imperioso decidir de forma distinta.

            Diferentemente, «se o tribunal de recurso se convencer que os concretos elementos de prova indicados pelo recorrente permitem ou consentem uma decisão diferente, mas que não a «tornam necessária» ou racionalmente «obrigatória», então deve manter a decisão da primeira instância tal como está.»[2]

A prova, como decorre do artº127º do Código de Processo Penal, é apreciada de acordo com as regras da experiência e a livre convicção do julgador. Porém, a liberdade de convicção «não é, nem deve implicar nunca o arbítrio, ou sequer a decisão irracional, puramente impressionista-emocional que se furte, num incondicional subjectivismo, à fundamentação e à comunicação»[3].

Como se acentua no acórdão do STJ, de 07/09/2016[4], o princípio consagrado no artº127º do C.P.P. «não contende com a possibilidade de o Tribunal da Relação se pronunciar sobre a verosimilhança do relato de uma testemunha, ou perito, e demais meios de prova e para apreciar a emergência da prova directa ou indiciária e de aí controlar o raciocínio indutivo pois que estaremos perante uma questão de verosimilhança, ou plausibilidade, das conclusões contidas na sentença.

Por outro lado, a credibilidade em concreto de cada meio de prova tem subjacente a aplicação de máximas da experiência comum que informam a opção do julgador. E estas podem, e devem ser escrutinadas.

Pode-se, assim, concluir que o recurso em matéria de facto não pressupõe, uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas, em plano diverso, uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo Tribunal a quo relativamente à decisão sobre os «pontos de facto» que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base, para tanto, da avaliação das provas que, na perspectiva do recorrente, imponham «decisão diversa» da recorrida (provas, em suporte técnico ou transcritas quando as provas tiverem sido gravadas) - artigo 412º, nº 3, alínea b) do CPP, ou determinado a renovação das provas nos pontos em que entenda que deve haver renovação da prova.

Porém, tal sindicância deverá ter sempre uma visão global da fundamentação sobre a prova produzida de forma a poder acompanhar todo o processo dedutivo seguido pela mesma decisão em relação aos factos concretamente impugnados. Não se pode, nem deve substituir a compreensão e análise do conjunto da prova produzida sobre um determinado ponto de facto pela visão parcial e segmentada eventualmente oferecida por um dos sujeitos processuais

Em cumprimento do disposto no artigo 412º nº6 do código de processo Penal, este Tribunal ouviu as gravações das declarações e depoimentos indicados pelo Recorrente na sua totalidade.

Diga-se, desde já, que atentando na parte da motivação constante do acórdão em recurso, verifica-se ser esta, lógica e coerente e, por isso, na sua generalidade, inatacável, ainda mais depois de ouvidos os depoimentos e declarações em causa.

Acresce que, o Recorrente não aponta qualquer erro de lógica ou atropelo das regras da experiência comum no processo de formação da convicção explanado pelo Tribunal a quo na fundamentação da sua decisão sobre a matéria de facto, nem aponta provas que, de forma inequívoca, imponham uma decisão diferente, limitando-se a oferecer a sua própria leitura e valoração das provas.

Por outro lado, atenta a forma como leva a cabo a impugnação, desde já se adianta que não se lhe pode reconhecer razão.

 De todo o modo, façamos uma breve referência às razões de discordância do Recorrente, assinalando, porém, que em face do entendimento que temos e que é reconhecido por todos, do sentido e alcance do princípio da livre apreciação da prova – Artigo 127º do Código de Processo Penal - nada impede o Tribunal de credibilizar um depoimento e descredibilizar outro ou de credibilizar uma parte de um mesmo depoimento e descredibilizar outra, desde que explicite as razões que estiveram na base da opção que fez, sendo certo que, muito dessa convicção remete para aquilo que a imediação e a oralidade permitem ao Tribunal de 1ª instância apreender.

O Tribunal a quo fundamentou de forma clara, exaustiva e escorreita a sua decisão, conforme resulta da transcrição supra.

Vejamos se, pressupondo aquela fundamentação, as provas indicadas pelo Recorrente, impõem que se considerem os factos descritos nos pontos 3., 9., 11., 13., 14., 15., 16., 18., 19., 20., 23., 26., 28., 29., 30., 31. e 33. como não provados.        

A matéria de facto em causa é a seguinte:

3. Após ter adquirido e consumido cocaína e heroína, em quantidades não concretamente apuradas, no Bairro da Pasteleira, sito naquela cidade do Porto, regressou à cidade ..., nesse mesmo dia 25 pela manhã, novamente viajando de autocarro e transportando consigo, cocaína e heroína, também em quantidades não concretamente apuradas, tendo chegado ao interior do terminal rodoviário de ... cerca das 13h;

9. Depois das referidas tentativas, os arguidos BB, EE, CC e AA, como o produto não era expelido pelo ofendido, começaram a ficar impacientes e adoptaram uma postura agressiva;

11. Nessa altura, todos os arguidos, mantendo o propósito de obrigarem o ofendido, mesmo contra a sua vontade, a expelir o produto estupefaciente, mancomunados entre si em conjugação de esforços e de intentos e na execução desse plano, amarraram o seu pulso ao do arguido AA, utilizando um cordão para esse efeito, evitando dessa forma que aquele fugisse, como era sua vontade, encaminhando-o para outro local do edifício onde se encontravam

13. De seguida, todos os arguidos, sempre mancomunados entre si e em comunhão de esforços, forçaram o ofendido a deslocar-se para outro sítio dentro das instalações do local onde se encontravam, num piso acima, tendo-o aí amarrado nas mãos e pés, com recurso a cordas e fios que tinham consigo, evitando, dessa forma, que aquele fugisse daquele local, o que o ofendido pretendia;

14. Enquanto isso, aproveitando que o ofendido estava manietado e usando de força física para o efeito, os arguidos compeliram-no a engolir azeite, água e vinho, provocando-lhe, com isso, vómitos e dejecções;

15. Cerca das 17h00, não logrando que o ofendido expelisse o produto estupefaciente como pretendiam, todos os arguidos acordaram entre si que a arguida CC fosse adquirir um produto laxante, o que esta fez, deslocando-se à Farmácia ..., sita na Avenida ..., em ..., e regressando, pouco tempo depois, com um laxante da marca Microlax, composto por 6 (seis) bisnagas de uso retal;

16. Encontrando-se o ofendido manietado pelos arguidos, já na posse do laxante, os arguidos obrigaram o ofendido a colocar no ânus, intervaladamente e contra a sua vontade, o conteúdo das bisnagas do laxante adquirido para esse efeito e forçaram-no também a ingerir o conteúdo de algumas bisnagas do referido laxante;

18. Com o ofendido amarrado, os arguidos forçaram-no a manter-se sentado no solo, enquanto todos, indistintamente, lhe desferiam várias chapadas, atingindo-o no rosto e na cabeça, sendo que a arguida CC o obrigou, utilizando força física para tal, a ingerir azeite, ao mesmo tempo que colocava a mão no interior da sua boca tentando, a todo o custo, causar-lhe o vómito;

19. Todos os arguidos, agindo sempre mancomunados entre si e em comunhão de esforços, voltaram a deslocar o ofendido, que mantinham manietado, desta feita para um piso inferior da Adega, dentro das instalações em que se encontravam, local que se destinava ao armazenamento de garrafas de vinho e onde havia vidros partidos;

20. Seguidamente, todos os arguidos voltaram a agredir o ofendido, de forma não concretamente apurada;

23. Os arguidos agiram, sempre, de comum acordo e em comunhão de esforços, indiferentes ao sofrimento, dores, vontade e estado psíquico do ofendido, que se encontrava manietado, indefeso e impossibilitado de fugir daquele local, como pretendia, perante as condutas daqueles;

26. Aproveitando a ausência daqueles, o ofendido gritou por socorro vindo em seu auxílio o amigo que também ali pernoitava, HH, e que ali se encontrava nesta altura, conseguindo, só assim, o ofendido fugir até ao exterior das instalações, vindo posteriormente a ser-lhe prestado auxílio, por elementos dos Bombeiros Voluntários ..., que o transportaram para o Hospital ... em ...;

28. Nas situações acima relatadas, os arguidos BB, EE, CC, AA e DD, agiram sempre mancomunados entre si, em comunhão de esforços e intenções, com o propósito concretizado de molestar o corpo e saúde do ofendido, provocando-lhe dores, lesões físicas e mal-estar psicológico, e de impedi-lo de se ausentar para outro local, privando-o da sua liberdade de locomoção, imobilizando-o nos seus movimentos, durante várias horas, designadamente, com recurso a cordas e fios e à força física, e obrigando-o a estar sempre junto dos mesmos, bem sabendo que as suas condutas eram adequadas para produzir esses efeitos;

29. Pretendendo com isso que o ofendido expelisse o produto estupefaciente que tinha ingerido, utilizando todos os meios ao seu dispor para lograr esse objectivo, indiferentes ao sofrimento, dores e tratamento atroz, aviltante, degradante, horripilante, cruel, pavoroso e desumano, acima descrito, que lhe infligiam e do tempo que demorassem, querendo provocar dores físicas e mal-estar psicológico no ofendido, bem sabendo que os provocariam, tendo em conta as zonas do corpo que procuraram e conseguiram atingir, mormente na zona do crânio, bem sabendo que as suas condutas eram adequadas para produzir esses efeitos, tais como vómitos e diarreia intensos, que o ofendido produzia em locais e circunstâncias não adequados para o efeito e a inanimação do ofendido;

30. O que fizeram, durante várias horas, pelo menos desde que começaram a manietar o ofendido com recurso à força física e o obrigaram a ingerir diverso tipo e qualidade de laxantes ou produtos que actuassem como tal, sem a autorização e contra a vontade deste;

31. Os arguidos praticaram tais actos bem sabendo que os mesmos eram idóneos e adequados a provocar, como efectivamente provocaram e era intenção dos mesmos, medo e pânico no ofendido, limitando-o na sua liberdade de locomoção e de determinação nos seus sentimentos de segurança, na sua dignidade e bem-estar enquanto pessoa humana, na sua integridade física, fazendo-o temer pela própria vida;

33. Agiram os arguidos BB, CC, DD e EE em todas as acima descritas circunstâncias de forma livre, voluntária e consciente, em plena comunhão de esforços e de intentos, bem sabendo que tais condutas não lhes eram permitidas, e que as mesmas eram proibidas e punidas por lei;

Quanto ao ponto 3.

Indica o Recorrente como prova a impor que tal facto seja dado como não provado, os depoimentos prestados pela testemunha FF (prestado em sede de audiência e o prestado em sede de inquérito e ali lido cumpridas as formalidades legais) que, conjugados com as regras de experiência comum, se revelam destituídos de credibilidade.

 Em boa verdade, não compreendemos muito bem a pretensão do Recorrente.

Começa por dizer que não se percebe porque é que o Tribunal em vez de concretizar as quantidades de estupefaciente que o ofendido consumiu (já que, nos seus depoimentos ele concretiza quais foram as quantidades e qualidade de estupefaciente que consumiu e que engoliu) apenas dá como provado que consumiu cocaína e heroína, em quantidades não concretamente apuradas.

Ora, tal precisão é inócua no que ao objeto do processo concerne, sendo certo que já era esta a expressão que constava da acusação.

Por outro lado, o Recorrente, coloca em causa a credibilidade do depoimento prestado por esta testemunha na medida em que, na sua perspetiva, não poderia o mesmo ter consumido e ingerido as quantidades que o mesmo refere, pois que, de acordo com as regras de experiência comum e as regras científicas, não seria possível que nada de mal lhe tivesse acontecido.

Estas considerações, para além de vagas e sem suporte científico, situam-se ao nível da credibilização/descredibilização deste depoimento e, por outro lado, não se vê sequer em que medida impõem que se considere tal facto como não provado, isto é, que o ofendido, nas concretas circunstâncias ali indicadas se deslocou ao Porto, aí adquiriu estupefaciente, consumiu grande parte do mesmo e regressou a ... transportando o restante.

Em suma, não vem indicada prova que imponha que se decida que assim não foi.

Improcede, pois a impugnação nesta parte.

Quanto aos pontos 9., 11., 13., 14., 15., 16., 18., 19. e 20.

Nos pontos assinalados vem relatada toda uma sucessão de acontecimentos violentíssimos traduzidos em agressões físicas, inflição de tratamento degradante e limitação da liberdade de locomoção à testemunha FF, os quais se prolongaram desde momento anterior e próximo das 17 horas até cerca das 23 horas (ponto 25.).

A impugnação levada a cabo pelo Recorrente não se dirige propriamente à ocorrência desses factos (que diz nem sequer ter presenciado) mas sim à sua participação nos mesmos.

O Recorrente sustenta que, atentas as provas que indica, não podia o Tribunal ter dado como provado que participou nesses atos ou no plano que aí se descreve como sendo de todos os arguidos e por todos executado.

As concretas provas que indica, na sua perspetiva, permitem concluir que não esteve sempre presente, tendo-se ausentado do local por três vezes e que, quando aquelas condutas foram levadas a cabo não estava presente, não tendo nelas participado ou sequer consentido, tanto mais que, resulta dessas mesmas provas que, num momento em que esteve presente e presenciou uma agressão, pediu para pararem com aquilo.

As referidas concretas provas são passagens da gravação das declarações por si prestadas e prestadas pelos coarguidos DD, CC e EE, na medida em que delas resulta que não esteve presente no local durante todo o período mencionado, tendo-se ausentado duas vezes para comprar droga e uma vez para trazer comida.

Ora, como explicitado supra, limitando-se o Recorrente a dar uma leitura da prova divergente da que foi feita pelo Tribunal recorrido, não demonstrando que a interpretação levada a cabo pelo Tribunal assentou em juízos ilógicos, contrários às regras do normal acontecer ou que foram consideradas provas legalmente inadmissíveis, não está este Tribunal de recurso legitimado a alterar a decisão recorrida.

No mais, o Recorrente aponta aspetos dos depoimentos prestados pelas testemunhas FF e HH que, no seu entender os descredibilizam por incongruentes ou contraditórios e, nessa medida, insuscetíveis de ser atendidos pelo Tribunal recorrido da forma por que o foram.

Também neste particular, se remete para as considerações tecidas supra a propósito do princípio da livre apreciação da prova e da privilegiada posição de que o Tribunal de primeira instância beneficia, considerando que assistiu a esse depoimentos e pôde atentar em muitos aspetos que só a imediação e a oralidade permitem relevar e suportar a convicção no que tange à sua credibilidade, acentuando-se, uma vez mais, que nada impede que o Tribunal credibilize um depoimento numa sua parte e não credibilize noutra.

Atente-se nos seguintes segmentos da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto (excluindo o relato pormenorizado do teor das declarações e depoimentos a que se reporta por já constarem da transcrição supra), para melhor se poder compreender como a mesma se mostra ancorada na prova produzida e numa, mais do que aceitável, adequada compreensão da mesma e que, por isso, não pode ceder a meras interpretações divergentes por parte do Recorrente. Acresce que ressuma do mesmo texto que o Tribunal fundamentou de forma clara e escorreita por que razão não credibilizou e em que medida, as declarações prestadas pelos arguidos e credibilizou, e em que medida, os depoimentos prestados pelo ofendido e pela testemunha HH.

«A convicção do Tribunal no que respeita à factualidade provada formou-se com base na análise crítica e ponderada de toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento e a que consta dos autos, em conjugação com as regras de experiência comum.

Desde logo considerou o tribunal as declarações dos arguidos. Quer as declarações prestadas em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, as quais foram validamente reproduzidas em audiência de julgamento, quer as que prestaram nesta sede.

(…)

Em suma e grosso modo, os arguidos que prestaram declarações em sede de audiência de julgamento, admitem ter estado no local dos factos durante praticamente todo o dia/noite e admitem ter praticado alguns dos factos descritos na acusação, mas alegam que tudo o que fizeram foi com o consentimento e a pedido do ofendido FF.

Os arguidos BB e EE “empurram” a responsabilidade dos factos para os arguidos DD e AA, a quem imputam os actos de violência acima descritos contra o ofendido, lamentando-se apenas de não terem feito nada para evitar tal situação, dizendo-se arrependidos disso.

Excepção feita para o arguido DD, o qual admite ter dado uma lambada e um murro no peito do FF e que depois foi viu que o AA o amarrou e o bateu com umas ripas de madeira. Ainda assim, o arguido DD justifica a sua actuação com o medo que tinha do arguido AA, o qual andaria descompensado à data.

Contudo, não obstante esta postura dos arguidos, para o apuramento dos diversos actos ilícitos descritos na factualidade provada, como não podia deixar de ser, o tribunal considerou o depoimento do ofendido FF, o qual, depondo com isenção e credibilidade, contrariou a versão apresentada pelos arguidos e descreveu os factos tal como ficaram assentes na factualidade dada como provada, a sua dinâmica – da forma como se recorda, o que sentiu, o que sofreu, relatando a conduta dos arguidos, identificando-os e descrevendo a actuação dos mesmos.

(…)

Foi ainda considerado o depoimento sério, isento e credível da testemunha HH, o qual referiu conhecer todos os arguidos, tendo uma relação mais próxima com o BB e o EE, de quem é amigo. Disse também conhecer o FF, embora há pouco tempo. Esclareceu ainda que vive e vivia à data dos factos na Adega abandonada, local onde também viviam o BB e a CC.

(…)

Este foi o relato espontâneo da testemunha HH em sede de audiência de julgamento que, referira-se, pretendeu prestar o seu depoimento na ausência da presença dos arguidos, claramente se tendo mostrado constrangido em fazê-lo na presença daqueles, pois é amigo de alguns dos arguidos e vivia com dois deles. Depois de validamente reproduzido o depoimento por si prestado, na fase de inquérito, acabaria, a custo, por admitir que o mesmo corresponde à verdade. Tal depoimento encontra-se exarado a fls. 341ss dos autos, tendo aí a testemunha referido, para além do mais que: “(…) Entretanto o depoente abandonou o local, regressando apenas cerca das 22h30/23h…Ao questionar o EE pelo FF, aquele disse-lhe que não poderia confidenciar o que havia sucedido, pois o ora inquirido iria evidenciar repulsa pela situação…Posteriormente, o BB e o EE, aos poucos foram confidenciando ao depoente, os maus tratos que infligiram ao FF, na tentativa frustrada que aquele expelisse o produto estupefaciente, nomeadamente, tendo sido amarrado, alvo de agressões várias, inclusivamente com recurso a objectos em ferro, bem como obrigado a ingerir azeite e laxante.”

(…)

Deste modo, da conjugação de toda a prova produzida, quer testemunhal, quer documental e acima elencada, fica-nos a convicção da verificação dos factos que resultaram provados, designadamente, quanto à participação de todos os arguidos nos factos e as consequências dos mesmos no ofendido, o qual apresentava lesões perfeitamente compatíveis com a versão que trouxe ao processo e que estão documentadas (quer nas fotografias, quer nos elementos clínicos e periciais), merecendo-nos total credibilidade o depoimento do ofendido, tanto mais que não resultou do processo, nem os arguidos o invocaram, que aquele quisesse prejudicar de alguma forma os arguidos, sendo certo que era amigo de todos, com excepção do arguido EE, que conheceu nesse dia.

(…)

Para além disso, da materialidade dos factos apurados e prova testemunhal produzida, analisada à luz das regras de experiência comum, resultou demonstrada a existência de uma conjugação de esforços e intenções entre todos os arguidos na execução de um plano a que aderiram.» (sublinhados nossos).

Por esclarecedoras e consentâneas com a apreciação que fizemos supra acerca da virtualidade de as provas indicadas imporem decisão diversa, transcrevemos as doutas considerações tecidas pelo Ministério Público em sede de resposta ao recurso e as quais subscrevemos integralmente.

«Não é verdade que a conclusão da imputação destes factos também ao arguido ora recorrente decorra tão somente ou praticamente das declarações do ofendido e do depoimento da testemunha HH. Tal imputação resulta igualmente das suas próprias declarações (e da incongruência das mesmas e da versão do arguido conjugada com, por exemplo, as declarações da arguida CC, de onde resulta, conjugadamente, uma maior credibilização da versão do ofendido (e da testemunha HH).

E, se é verdade que ressuma da prova produzida que o arguido recorrente se ausentou do local por duas vezes para ir buscar estupefaciente a ... e ainda para ir buscar o jantar à Cáritas, tal não obstaculiza que se considere e conclua que pratica os factos como co-autor, tanto mais que, como é sabido, não tem que estar presente ou participar em todos os factos para que se conclua no sentido da co-autoria.

Para que se conclua no sentido da coautoria não é necessário que se dê como provado que o agente praticou todos os factos ou sequer que haja estado presente durante todo o processo, sendo indiferente que o arguido se haja ausentado por alguns minutos no decorrer de mais de 6 horas de duração do sequestro.

Aliás, o facto de se ausentar do local dava ao arguido recorrente maior distanciamento dos factos que estavam a ocorrer, sendo-lhe mais exigível (ao contrário dos demais que permaneceram no local envolvidos no que estava a acontecer) que desenvolvesse um distanciamento também critico de tal conduta e que, por exemplo, aproveitasse para pedir ajuda ou que decidisse, simplesmente, não retornar ao local.

Recorde-se que é o próprio arguido que assume presenciar a agressão dos arguidos AA e DD ao ofendido FF com um ferro (minuto 02: do ficheiro do interrogatório judicial de 12.07.2023), afirmando que até lhes diz “o que estão a fazer” (minuto2:43), e que eles pararam, tendo ido a ... e, quando vem, eles não lhe estavam a bater mas ainda lá estavam (minuto 03:26) e acho que estavam dar umas coisas que foram buscar à farmácia (minuto 03:28); que foi novamente a ..., afirmando (incongruentemente com o que defende quanto a não saber o que estava a acontecer) que o EE disse que eles o tinham obrigado a beber o azeite (minuto 05:40), que o AA tinha dito ao FF “tens lá droga tens que a vomitar por cima ou por baixo” (minuto 07:25 e ss.), e, quanto ao laxante “que estava lá” (minuto 07:40), “andavam lá uns coisitos brancos” (08:12), sendo totalmente incongruente estas afirmações com o facto de pretender convencer o Tribunal que de nada sabia, que não sabia que o ofendido ali se encontrava ou que estava amarrado e que nada fez…. tanto mais que afirma que sabe que estava amarrado numa cadeira porque o AA disse (minuto 16:54 e ss.). Em sede de primeiro interrogatório o arguido refere peremptoriamente que não foi ao andar de cima e que viu o FF sentado nas escadas quando foi embora, para, no julgamento, admitir que foi lá cima (onde estavam o AA, DD e FF) pedir a mobilete ao DD (para ir a ...). Ou seja, não é verdade o que refere no primeiro interrogatório quanto a nunca ter ido ao andar de cima (onde, de acordo com outros depoimentos, o ofendido estava amarrado e continuava a ser agredido da forma descrita nos factos provados). Não é credível (a menos que participe nos factos como veio a ser dado como provado), que, tendo visto uma agressão deste calibre (dois indivíduos contra um, munidos de ferros) e tendo visto os laxantes, etc. e o ofendido no andar de cima com o AA e DD, fosse só lá para pedir a mobilete e de nada soubesse como quer fazer crer… se não tinha parte neste acordo, porque nada faz quando vê o FF no andar de cima?? Porque não pede ajuda? porque não decide não regressar ao local?? porque não se preocupa, ante o que tinha visto, em saber onde estava o FF?? Tudo a inculcar que os factos ocorreram como o Tribunal os deu como provados e não com o arguido quer fazer crer.

Aliás, o arguido diz que não viu o ofendido amarrado, que só viu baterem-lhe com um ferro, mas resulta, por exemplo das declarações da co-arguida CC em sede de primeiro interrogatório que, quando lhe estão a bater, o ofendido já se encontra amarrado ao AA pelo pulso quando estava a ser agredido com os ferros (minuto 12:10 e ss. e 13:07), ou seja, o arguido recorrente não podia deixar de ver tal situação, não sendo verdade o por si declarado nem tendo sentido a “versão” que escolhe contar de que nada tem a ver com isto.

Se assim fosse, a sua atitude teria sido diferente daquela que teve.

A versão que apresenta o arguido (de que nada sabe, nada fez) não é compatível com aquilo que resulta, à luz das regras da experiência, das suas declarações e das declarações, por exemplo, da coarguida CC.

Ademais, e quanto ao facto de referir que “não tinha o domínio do facto” não se pode olvidar que há que distinguir um domínio positivo do facto, de o fazer prosseguir até à consumação, e um domínio negativo, de o fazer cessar ou abortar, e que, mesmo na versão do arguido (que não foi a versão provada) este tinha, da nossa perspectiva, e pelo menos, este domínio negativo do facto.

Já quanto ao acordo que o arguido diz nunca ter dado, há que dizer que não se exige um acordo prévio, que este acordo pode ser tácito (como foi no caso concreto) e não implica por parte do co-autor a necessidade de praticar todos os factos. Cada co-autor é responsável como se fosse autor singular do resultado típico, desde que esse carácter implícito resulte da prova dos factos, desde logo com inferência às regras da experiência e da vida, da lógica e do bom senso, a permitir a conclusão de que a adesão ao projecto comum e o resultado final são razoavelmente de lhe imputar.

Tal sucedeu no caso concreto e resulta inequivocamente do depoimento do ofendido (que nenhuma razão tinha para imputar estes factos ao arguido recorrente), do depoimento prestado em sede de inquérito perante magistrado do Ministério Público e validamente lido e corroborado em audiência e ainda do depoimento da testemunha HH.

Não se compreende as considerações quanto à credibilidade do depoimento do HH tanto mais que foi evidente (em particular na segunda sessão em que foi ouvido em 10.12.2024) que o mesmo, como acabou por admitir, tem receio dos arguidos pois sabe que tem uma pena a cumprir “e sabe como é la dentro”, “imagine eu calhar no EP com estas 5 pessoas”?, além de dizer que “já mandaram recados para eu estar calado.” Ao invés do referido pelo arguido, a testemunha não foi obrigada a confessar o que quer que fosse (como ressalta da gravação do seu depoimento, aliás da qual resultam as razões de, num primeiro momento, não confirmar as declarações que prestara em inquérito), e além de dar nota do estado em que encontrou a vitima, depõe inequivocamente no sentido de os factos terem ocorrido no sentido em que vieram a ser acolhidos pelo Tribunal. Como saberia esta testemunha onde estava o FF (nos tuneis, na cave da Adega)? Sabe porque o EE e o BB, lhe dizem. Sabe que aconteceu algo porque se sentia no ar, quando chegou, um ambiente constrangedor, tendo-lhe dito o arguido EE que “que não lhe podia confidenciar o que havia sucedido pois ia ter repulsa pela situação”), e confidenciando-lhe, mais tarde, quer o arguido recorrente, quer o EE, “os maus tratos que infligiram ao FF na tentativa frustrada de que aquele expelisse o produto estupefaciente, nomeadamente, tendo sido amarrado, alvo de agressões várias, inclusivamente com recuso a objectos de ferro, bem como obrigado a ingerir azeite e laxante” (depoimento prestado pela testemunha perante magistrada do Ministério Público em 12.07.2023 e confirmando as prestadas perante a PJ na mesma data, e confirmado em audiência). Que razões teria esta testemunha (que até diz em audiência que o BB não era agressivo), para incriminar o arguido recorrente? Nenhuma, a não ser que foi, de facto, o que aconteceu. E como saberiam (como saberia o recorrente), para contar ao HH, o que aconteceu, se não estivessem lá e neles tivessem participado?? é irrelevante que a testemunha não explique o que cada um teria feito, nem seria de acordo com as regras da experiência que os arguidos o fizessem.

Que razões teria igualmente o ofendido para implicar, da forma que o fez nas suas declarações, em inquérito (validamente lidas) e em julgamento, este arguido?? o ofendido refere mesmo que foi o AA e o BB que o amarraram, ao mesmo tempo que o EE segurava no telefone com a lanterna ligada e os outros lhe desferiam chapadas … afirma que o foi este arguido que lhe colocou laxante na boca (já no ânus foi a arguida CC). Porque razão inventaria tais factos??? Recorde-se que o ofendido apenas conhece o arguido recorrente por consumirem juntos e que nenhuma razão existia para que envolvesse o arguido na prática dos factos se os mesmos não tivessem ocorrido da forma que descreve.

As passagens indicadas pelo arguido recorrente não impunham, pois, que se desse como provada outra factualidade ou que se dessem como não provados os factos quanto ao arguido BB.

A apreciação que o Tribunal faz de toda a prova produzida e as conclusões que alcança, está de acordo com as regras da experiência comum e o princípio da livre apreciação da prova.»

Improcede, pois, o recurso, também nesta parte.

Quanto aos pontos 23., 26., 28., 29., 30., 31. e 33.

A matéria de facto em causa é relativa ao elemento subjetivo constitutivo dos ilícitos por que os arguidos vinham acusados.

A impugnação levada a cabo pelo Recorrente assenta na procedência da pretensão de dar como não provados os factos que constituem a descrição das condutas empreendidas pelos Arguidos em conjunto, concretamente, em dar como não provada a sua participação nos mesmos.

Conforme resulta do decidido supra, aqueles factos deram-se como assentes, pelas razões explicitadas.

Assim sendo, os factos ora em causa, sendo de natureza psicológica e não tendo existido confissão por parte do(s) arguido(s) a quem respeitam, só poderão ser dados como provados com recurso a prova indiciária.

No caso dos autos, as condutas levadas a cabo pelos Arguidos descritas nos pontos 1. a 22. dos factos provados, na ausência da prova de factos que se perfilem como contraindícios, conjugadas com as regras de experiência comum, validam o juízo de inferência levado a cabo pelo Tribunal recorrido no sentido de que a vontade, o propósito e a consciência da ilicitude que presidiram àquelas condutas são os descritos nos pontos ora objeto de impugnação.

Isso mesmo afirma o Tribunal no seguinte excerto do acórdão recorrido:

«Para além disso, da materialidade dos factos apurados e prova testemunhal produzida, analisada à luz das regras de experiência comum, resultou demonstrada a existência de uma conjugação de esforços e intenções entre todos os arguidos na execução de um plano a que aderiram.

No tocante aos elementos subjectivos de todos os crimes praticados foram consideradas as regras da experiência comum em face do contexto e condições em que os factos foram praticados e da actuação dos arguidos.»

As provas indicadas pelo Recorrente que, na sua perspetiva, impõem decisão diferente são apontadas à decisão sobre os factos de natureza objetiva e, tendo este Tribunal de recurso decidido que não têm essa virtualidade, improcede o recurso também nesta parte.

2.2.1.2 – Da violação do princípio da presunção de inocência e do seu corolário in dúbio pro reo

A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 32º, nº1, estabelece o comando que “O processo criminal assegura todas as garantias de defesa”. Nestas garantias inclui-se e emerge de modo assaz relevante o princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 32º, nº2 do Texto Fundamental, nos seguintes moldes: “Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação”.

Pelo que acima deixamos dito, facilmente se constata que a decisão da matéria de facto operada pelo Tribunal recorrido não encerra qualquer violação da presunção de inocência do arguido. Antes é suportada em prova produzida nos autos, suficiente e idónea para o efeito, que foi valorada pelo Tribunal em conformidade com os ditames legais. Não é uma decisão arbitrária, meramente discricionária, persecutória, eivada de pré-juízos contrários à posição do arguido.  

Por seu turno, o princípio in dubio pro reo é complementar do princípio constitucional da presunção da inocência, vertido no artigo 32º, nº2, da Constituição da República Portuguesa, e o seu campo de aplicação encontra-se após a conclusão da tarefa judicial da valoração da prova produzida e quando o resultado desta não é conclusivo; neste caso, por via desta regra atinente à decisão, a dúvida insanável, inultrapassável sobre os factos deve favorecer o arguido. 

O princípio in dubio pro reo encerra uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa pelo que a sua violação exige que o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido.

À semelhança do que sucede com os vícios consagrados no n.º 2 do artigo 410.º, em sede de recurso a violação do princípio in dubio pro reo apenas ocorre quando tal vício resulte da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, pois o recurso não constitui um novo julgamento, antes sendo um remédio jurídico que se destina a despistar erros in judicando ou in procedendo - cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12.04.2008, processo 08P3456, do Tribunal da Relação de Coimbra de 14.01.2015, processo 72/11.2GDSTR.C1, de 03.06.2015, processo 12/14.7GBSTR.C1, e de 12.09.2018, processo 28/16.9PTCTB.C1, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 18.07.2013, processo 1/05.2JFLSB.L1-3, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.

No caso vertente, não resulta do texto da decisão recorrida, designadamente da motivação da decisão de facto, que o Tribunal tenha sido assolado por uma dúvida razoável, muito menos insanável, que forçasse o julgador a recorrer ao princípio in dubio pro reo para dar por não provada a factualidade de cujo julgamento o Recorrente discorda.

Pelo contrário, o Tribunal recorrido não se posicionou numa situação de dúvida quanto ao sentido da prova produzida sobre os factos em questão, sendo que o respetivo entendimento lavrado na decisão recorrida, atenta a prova produzida, é defensável face às regras da experiência comum e da lógica, que o não contrariam impreterivelmente.

Conclui-se, assim, que inexistiu violação dos princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo.

Improcedendo a impugnação ampla da matéria de facto levada a cabo pelo Recorrente, não se verificando a alegada violação do princípio in dúbio pro reo e porque, compulsada a decisão recorrida, nela não descortinamos qualquer vício ou nulidade previstos nos artigos 379º e 410º do Código de Processo Penal (de conhecimento oficioso como assinalado), mostra-se estabilizada nos termos nela constantes, a decisão sobre a matéria de facto.

2.2.1.3 – Da medida concreta da pena.

            O arguido/recorrente BB peticiona a redução de pena de prisão aplicada por considerar que mesma se mostra injusta, desadequada e desproporcional, não indicando, porém, qual a pena que considera justa.

            Para tanto, alega, em súmula [conclusões 56ª a 70ª]:

- O Tribunal, não teve em conta a culpa do arguido, a sua personalidade e perfil, a sua idade e o facto de na última condenação do recorrente por tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade lhe ter sido aplicada uma pena de prisão de 2 anos e 6 meses, suspensa na sua execução por 3 anos;

- O Tribunal ultrapassou largamente a culpa do arguido, não sendo consentânea com a atuação do recorrente e grau de comparticipação com os restantes arguidos.

- No que concerne às exigências de prevenção geral, entende o arguido que o interesse púbico não pode justificar que se inflija a um indivíduo, qualquer pena, não podendo a prevenção geral ser utilizado como instrumento para repor a confiança nas Instituições e Organismos que combatem o crime, sobrepondo-se à culpa do arguido;

- O Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 40º e 71º do Código Penal, tendo apenas em consideração a perspetiva da vítima e da opinião pública e não a do arguido, condenando o recorrente numa pena de 4 anos e 2 meses de prisão efetiva, bastante pesada, quando o mesmo já tem 63 anos... sendo uma vítima do próprio sistema judicial, que falhou sempre na reintegração e socialização do recorrente.

Vejamos.

Face à moldura abstrata da pena de prisão de dois a dez anos [cfr. artigo 158º, nºs 1 e 2 alínea b) do Código Penal], o Tribunal recorrido condenou o arguido na pena de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão.

Conforme decorre do artigo 40º, nº 1, do Código Penal, a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

            Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (nº2 do art. 40º do C.P.).

            Segundo Figueiredo Dias[5], quanto aos fins das penas, predomina «a ideia de que só as finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reações específicas. Num contexto em que a prevenção geral assume o primeiro lugar, como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação, do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida, em suma, na expressão de Jackobs, como estabilização contrafática das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida».   

            O mesmo insigne autor, após expor a teoria penal por si defendida no que tange ao problema dos fins das penas, conclui do seguinte modo[6]:

            «(1) Toda a pena serve as finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial; (2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa; (3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; (4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função das exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excecionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais».      

Idêntico ensinamento é fornecido por Maria João Antunes, in “Penas e Medidas de Segurança”, Almedina, 2020 (reimpressão), p. 45, nos seguintes termos:

            «A medida da pena tem de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, em face do caso concreto, num sentido prospetivo de tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da vigência da norma infringida. Um critério de necessidade da pena que não fornece, contudo, um quantum exato de pena. Fornece somente a medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expetativas comunitárias e o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função de tutela do ordenamento jurídico. Ponto que não tem de coincidir com o limite mínimo da moldura legal, podendo situar-se acima dele. Neste sentido, é a prevenção geral positiva (e não a culpa) que fornece uma moldura dentro da qual vão atuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que, em última instância, vão determinar a medida da pena. Constituindo a culpa o limite inultrapassável de quaisquer considerações preventivas – em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (art. 40º, nº2, do CP) -, a culpa fornece somente o limite máximo da pena.»

Assim, na proteção de bens jurídicos está ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afetem tais bens e valores (prevenção geral) como também a realização de finalidades preventivas que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes (prevenção especial negativa).

            As finalidades das penas na sua vertente de prevenção positiva geral e de integração ou prevenção especial de socialização conjugam-se na prossecução do objetivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime.[7]

            Casuisticamente, a finalidade de tutela e proteção de bens jurídicos há de constituir o motivo fundamento da medida da pena, da tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade das normas e especificamente na validade e integridade das normas e dos correspondentes valores concretamente afetados.

            Por seu turno, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há de ser casuisticamente prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades.

            Nos limites da prevenção geral de integração e de prevenção especial de socialização deverá ser encontrada a medida concreta da pena, sempre de acordo com o princípio da culpa que, como vimos, nos termos do artigo 40º, nº 2, do Código Penal, constitui limite inultrapassável da prevenção a realizar através da pena.

            A operação de fixação da pena, dentro dos sobreditos limites, faz-se, segundo o artigo 71º, nº 1, do Código Penal, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Atendendo-se, conforme prescreve o nº 2 do mesmo preceito legal, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, nomeadamente:

            - Ao grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente – al. a); 

            - À intensidade do dolo ou da negligência – al. b);

            - Aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram- al. c);

            - Às condições pessoais do agente e a sua situação económica – al. d);

            - À conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime – al. e); e

            - À falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena – al. f).

            No caso vertente, no que tange à determinação da medida da pena, o Tribunal a quo fundamentou a decisão nos seguintes termos [transcrição][8]:

«Importa, pois, determinar a natureza e medida da sanção a aplicar aos arguidos BB, CC, DD e EE.

De acordo com o disposto no artigo 70º do C.P. se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal deve dar preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Tais finalidades são, como se determina no artigo 40º, nº1, do mesmo diploma, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Por isso, há também que atentar no que dispõe o artigo 71º n.º 1 do C.P. que dispõe que “…dentro dos limites definidos na lei, é feita em função do agente e das exigências de prevenção.”

Por outro lado, há ainda que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, designadamente, as referidas no artigo 71º n.º 2 do C.P nomeadamente:

- O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

- A intensidade do dolo ou da negligência;

- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

- As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

- A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

- A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena» (art.º 71º, n.ºs 1 e 2, do CP).

Cumpre, desde já, determinar quais as penas que deverão ser aplicadas.

No caso, afigura-se que a gravidade dos factos praticados pelos arguidos, analisados na sua globalidade, quer pela violência empregue, quer pelas consequências dos mesmos, é de aplicar a pena privativa de liberdade, por se considerar que só esta é suficiente e adequada aos interesses a que alude o citado art.70º do Código Penal e se mostra capaz de realizar de forma adequada as finalidades da punição.

Por se reflectir na pena, através da culpa, antes de mais, há que considerar como factor de graduação daquela, a ilicitude típica que, no caso concreto, se afigura ponderosa no quadro da gravidade suposta pela moldura abstracta dos crimes em causa.

São elevadas as necessidades de prevenção geral, sendo os crimes praticados pelos arguidos geradores de grande insegurança e alarme social e objecto de elevada reprovação social, tendo em particular o crime de sequestro agravado consequências extremas nas vítimas.

O grau de ilicitude dos factos praticados pelos arguidos em co-autoria material, considera-se extremamente elevado quanto ao crime de sequestro agravado, revelador de uma energia criminosa intensa, denotando o modo de actuação dos arguidos um total desprezo pela integridade física e psíquica e dignidade humana alheias, infligindo um sofrimento físico e uma violência psicológica extrema no ofendido, de que são reflexo as lesões sofridas pelo ofendido, denotadoras de uma violência no modo como o mesmo foi agredido, em particular na zona da cabeça, o modo como o ofendido esteve manietado durante todo o tempo em que esteve privado de liberdade

(…)

Haverá que considerar ainda a intensidade dolosa, tendo todos os crimes sido cometidos na modalidade de dolo directo.

De ponderar também as consequências físicas e psicológicas que resultaram para o ofendido em consequência da actuação dos arguidos, de que são reflexo as lesões sofridas pelos mesmos, o intenso sofrimento físico, moral e psíquico a que esteve sujeito, temendo pela própria vida, deixando no ofendido sequelas que ainda perduram.

De relevar ainda a ausência de demonstração sincera de arrependimento e interiorização do desvalor das respectivas condutas por parte dos arguidos, limitando-se os mesmos a verbalizar arrependimento, sem qualquer ressonância afectiva ou crítica.

Haverá que ponderar também as condições pessoais e sociais dos arguidos, ressaltando dos relatórios sociais e do depoimento prestado pelas testemunhas indicadas pelas suas defesas, que apenas o arguido EE beneficia de apoio familiar, tem hábitos de trabalho e se encontra socialmente inserido.

(…)

As exigências de prevenção especial são elevadas relativamente aos arguidos BB e DD, sendo que o primeiro já conta com uma condenação pela prática de um crime de sequestro e ambos contam com diversas condenações, incluindo pela prática de crimes contra as pessoas.

Como factor de perigo de reincidência de condutas ilícitas, deverá considerar-se a condição de consumidores de produtos estupefacientes relativamente a todos os arguidos.

Além disto de tudo o que fica dito, a determinação da pena tem como limite máximo o admitido pela culpa de cada arguido - a culpa de cada um é individualizável e insusceptível de equiparação entre os diversos arguidos, pois estes participam de forma diferente e de modo diverso nos diferentes factos praticados, assim revelando uma atitude particular contra o direito -, e como limite mínimo o determinado pelas exigências de prevenção geral impostas pela comunidade de acordo com os crimes praticados; será dentro destas balizas que em função das exigências de prevenção especial de cada arguido que se determinará a medida concreta da pena, necessariamente diferente consoante as distintas exigências que cada um impõe.

Tudo ponderado, serão os arguidos condenados da seguinte forma:

- O arguido BB, pela prática em co-autoria de um crime de sequestro agravado, p. e p. pelo artigo 158º n.º 1 e n.º 2 alínea b) ambos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão»

Nada temos a objetar às sobreditas considerações tecidas no acórdão recorrido a propósito dos critérios e fatores de determinação da pena ponderados pelo Tribunal a quo.

Por outro lado, contrariamente ao defendido pelo Recorrente, o Tribunal recorrido não desprezou a sua personalidade e perfil, antes fez referência às suas condições pessoais e sociais, sem deixar de assinalar que, em relação ao Recorrente não se demonstrou que beneficie de apoio familiar que tenha hábitos de trabalho e que se encontre socialmente inserido (circunstâncias que apenas resultaram provadas em relação ao arguido EE).

Relativamente à culpa, também o Tribunal fez uma adequada ponderação, sendo certo que, como consta da decisão recorrida, a mesma é de grau elevado, tendo em consideração que o crime foi praticado na modalidade de dolo direto e que os factos foram praticados em coautoria.

No que tange às necessidades de prevenção geral, não vemos razão para considerar, como faz o Recorrente, que foram sobrevalorizadas de tal forma que se sobrepuseram à medida da culpa.

Com efeito, como refere o Tribunal a quo, o crime de sequestro agravado por que o Recorrente vai condenado, para além de gerador de grande insegurança, alarme e reprovação social é objeto de particular repulsa e censura por parte da comunidade em geral, atentas as graves consequências para as respetivas vítimas o que, no caso concreto, se verifica de forma particularmente impressiva.

Invoca o Recorrente que a pena se mostra particularmente desajustada na medida em que se trata de pessoa com 63 anos de idade e vítima do próprio sistema judicial que falhou na sua reintegração.

Ora, não se pode concordar com tal posição, desde logo porque não se subscreve esta última afirmação sem qualquer suporte nos factos provados.

O Recorrente vem praticando ilícitos de natureza criminal desde 1984, tendo sido objeto de múltiplas condenações em penas não privativas da liberdade e em penas privativas da liberdade, sem que se tenha revelado sensível às mesmas e o facto de se tratar de pessoa com 63 anos de idade, em nada atenua as necessidades de prevenção especial que a sua situação criminal suscita.

Finalmente, invoca o Recorrente em abono da sua pretensão de ver reduzida a medida da pena aplicada, o facto de a última condenação de que foi objeto ter sido numa pena de prisão de 2 anos e 6 meses, suspensa na sua execução por 3 anos, o que, na sua opinião deveria ter conduzido à aplicação de uma pena inferior à que foi aplicada.

Mas sem razão.

É que, aquela condenação é relativa a crime de tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade, previsto pelos artigos 21.º, n.º 1 e 25.º, alínea a) do DL n.º 15/93 de 22 de janeiro para o qual está prevista uma pena de prisão de 1 (um) a 5 (cinco) anos.

Trata-se de crime muito distinto do que está em causa nos presentes autos em que a moldura da pena é de 2 (dois) a 10 (dez) anos de prisão e em que as assinaladas circunstâncias relativas à ilicitude e às exigências de prevenção geral e especial nunca permitiriam a aplicação de uma pena similar, não estando reunidas, de todo, as condições para determinar a suspensão da sua execução, como assertivamente refere o Tribunal a quo na decisão recorrida.  

Acresce que, o Recorrente faz tábua rasa de todas as considerações relativas à extrema gravidade dos factos praticados e graves consequências dos mesmos para a vítima.

Em conformidade, considerado o concreto circunstancialismo fático verificado, a medida da pena de prisão cominada ao Recorrente, situando-se apenas 2 (dois) anos e 2 (dois) meses acima do limiar mínimo da moldura da pena aplicável e distanciada em 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses do limite máximo, mostra-se adequada, suficiente e proporcional a acautelar os fins de jaez preventivo que subjazem à aplicação da sanção criminal e dentro do limite imposto pela culpa manifestada pelo arguido.

Sopesados todos os enunciados factos e considerações, em especial as atinentes à ilicitude dos factos, à intensidade da culpa à necessidade da pena, ressuma, pois, que a pena aplicada pelo tribunal de primeira instância adequa-se e revela-se idónea à satisfação das necessidades de afirmação dos bens jurídicos violados, bem como à finalidade de procurar que o arguido não volte a delinquir.

            Ou seja, a pena concretamente aplicada respeita o exigido pela tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, pelo que a redução da mesma, nos termos preconizados pelo arguido/recorrente, não é sustentável, sob pena de se colocar em causa a crença da comunidade na validade das normas jurídicas violadas e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais, bem como a finalidade de reintegração social do condenado.

Aliás, como ensina o Professor Figueiredo Dias [“Direito Penal Português II, As Consequências Jurídicas do Crime”, 3ª Reimpressão, Coimbra Editora, 2011, p. 197] a propósito da controlabilidade da pena em sede de recurso, na determinação do seu quantum, a sindicância recursória deverá reservar-se para as hipóteses em que tiveram sido violadas regras de experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada, o que não sucede no caso vertente.

Improcede, destarte, a pretensão recursória de redução da medida da pena.

2.2.1.4 – Da não verificação dos pressupostos da aplicação de pena relativamente indeterminada.

O Recorrente insurge-se contra a decisão recorrida na parte em que o considerou delinquente por tendência, tendo-lhe aplicado uma pena relativamente indeterminada.

 Conforme resulta das conclusões 39ª a 51ª, sustenta o Recorrente essa sua posição nos seguintes argumentos:

- Para efeitos da verificação dos pressupostos de aplicação de uma pena relativamente indeterminada não releva a pena suspensa que não foi revogada, sendo necessário que aos dois ou mais crimes dolosos anteriores tenha sido aplicada, a cada um desses crimes, pena de prisão efetiva também por mais de dois anos, pelo que, não poderia o tribunal ter considerado, para estes efeitos, a pena aplicada no processo abreviado n.º 110/22...., no âmbito do qual foi, por sentença datada de 21/10/2022, transitada em julgado em 21/11/2022, condenado pela prática, em 21/03/2022, de 01 crime de tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade, p.s e p.s pelos artigos 21.º, n.º 1 e 25.º, al. a) do DL n.º 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 02 anos e 6 meses de prisão suspensa por 03 anos.

- Ainda no campo dos pressupostos de natureza formal, considera que, atento o disposto no artigo 83º nº3 do Código Penal, que impõe que tem de existir em relação aos dois crimes precedentes um hiato não superior a 5 anos, não poderia o Tribunal ter considerado os crimes a que se reportam os processos nºs 7/13.... e 5/13...., pois que a sua prática remonta a data anterior a 2015 e entre essa data e a prática do crime em causa nos presentes autos decorreram muito mais de 5 anos.

Considera, assim, que o Tribunal recorrido atendeu, erradamente à condenação sofrida em 2022 no âmbito da qual foi condenado a uma prisão de prisão suspensa por 3 anos, e que a última condenação antes desta se reporta a 2015, não podendo ter sido, como foi, atendida pelo Tribunal para efeitos de aplicação de uma pena relativamente indeterminada.

- Finalmente sustenta que não está verificado o pressuposto de natureza material a que alude o artigo 83º do código Penal, concretamente, que a avaliação conjunta dos factos praticados e da personalidade do agente revele uma acentuada inclinação para o crime, que no momento da condenação ainda persista.

Isto porque o relatório social junto aos autos revela que o Recorrente tem um comportamento correto no EP, cumpre as regras e trabalha, temendo esta nova condenação e respetivas repercussões e que já reflete sobre os comportamentos que adotou até ao momento e que o fizeram ter contacto com a justiça.

Vejamos.

Importa ter presente o teor do artigo 83º do Código Penal:

“1 - Quem praticar crime doloso a que devesse aplicar-se concretamente prisão efetiva por mais de 2 anos e tiver cometido anteriormente dois ou mais crimes dolosos, a cada um dos quais tenha sido ou seja aplicada prisão efetiva também por mais de 2 anos, é punido com uma pena relativamente indeterminada, sempre que a avaliação conjunta dos factos praticados e da personalidade do agente revelar uma acentuada inclinação para o crime, que no momento da condenação ainda persista.

2 - A pena relativamente indeterminada tem um mínimo correspondente a dois terços da pena de prisão que concretamente caberia ao crime cometido e um máximo correspondente a esta pena acrescida de 6 anos, sem exceder 25 anos no total.

3 - Qualquer crime anterior deixa de ser tomado em conta, para efeito do disposto no n.º 1, quando entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos; neste prazo não é computado o período durante o qual o agente cumpriu medida processual, pena de prisão ou medida de segurança privativas da liberdade.

4 - São tomados em conta, nos termos dos números anteriores, os factos julgados em país estrangeiro que tiverem conduzido à aplicação de prisão efetiva por mais de 2 anos, desde que a eles seja aplicável, segundo a lei portuguesa, pena de prisão superior a 2 anos.”

Conforme se afirma no acórdão do STJ de 20-03-2019[9]:

“(…) A condenação em pena relativamente indeterminada obedece a determinados requisitos, cumulativos, de índole objetiva, formal, os dois primeiros, e de índole substantiva ou material, o último:

- é necessário que o agente pratique crime doloso a que deva aplicar-se, concretamente, prisão efetiva por mais de dois anos;

- que o mesmo tenha cometido, anteriormente, dois ou mais crimes dolosos, a cada um tenha sido ou seja aplicada pena de prisão efetiva também por mais de dois anos;

 - e, por último, que a avaliação conjunta dos factos e a personalidade do agente revelem uma acentuada inclinação para o crime, que ainda persista no momento da condenação.

V - A pena relativamente indeterminada (PRI), cuja aplicação não obedece a qualquer automatismo, tem em vista os delinquentes por tendência, e constitui uma sanção de natureza mista.

Tal configuração da PRI como sanção de natureza mista, nomeadamente após as alterações introduzidas no CP pelo DL 48/95, é pacificamente aceite pela doutrina e pela jurisprudência.

A pena relativamente indeterminada (PRI) é de escassa aplicação, sendo também, por isso, objeto de pouca referência doutrinária e jurisprudencial.”[10]

Na doutrina, a propósito desta sanção, concretamente, a propósito dos respetivos pressupostos, veja-se, Figueiredo Dias in “Direito Penal Português, as consequências jurídicas do crime”, Aequitas Editorial Notícias, 1993, página 563 a 572 e Paulo Pinto de Albuquerque in “Comentário do Código Penal à luz da constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Universidade Católica Editora, Lisboa 2008, páginas 254 a 256.

Na Jurisprudência, entre outros:

- Acórdãos do STJ de 22-05-2003 (processo nº03P1223, relator: Cons.º Pereira Madeira); de 21-03-2018 (processo nº133/14.6T9VIS.C2.S1, relator: Cons.º Vinício Ribeiro); de 08-03-1991 (processo nº042336, relator: Cons.º Ferreira Dias).

- Acórdãos dos Tribunais: da Relação do Porto de 05-11-2014 (processo nº36/13.1PCPRT.P1, relator: Neto de Moura); da Relação de Lisboa de 10-10-2024 (processo nº658/22.0PGPDL.L1-9, relatora: Paula Cristina Bizarro), de 22-01-2003 (processo nº0068273, relator: Santos Monteiro); da Relação de Coimbra de 23-02-2011 (processo nº2643/08.5PBAVR.C1, relator: Paulo Guerra), de 27-11-2013 (processo nº110/07.3GASPS.C1, relator: Vasques Osório); da Relação de Évora de 18-04-2017 (processo nº1558/10.1TXEVR-G.E1, relator: António João Latas) e de 15-12-2015 (processo nº134/12.9GDEVR.E2, relator: José Proença da Costa)[11]   

A propósito da aplicação da pena relativamente indeterminada, consta do acórdão recorrido (transcrição):

“Da pena relativamente indeterminada (arguido BB)

Nos termos do artigo 83º n.º 1 do C. Penal, é punido com uma pena relativamente indeterminada quem:

- Praticar crime doloso a que devesse aplicar-se concretamente prisão efectiva por mais de dois anos; e

- Tiver cometido anteriormente dois ou mais crimes dolosos, a cada um dos quais tenha sido ou seja aplicada prisão efectiva também por mais de dois anos;  

- Sempre que a avaliação conjunta dos factos praticados e da personalidade do agente revelar uma acentuada inclinação para o crime, que no momento da condenação ainda persista.

Como resulta da letra do citado normativo não se exige a existência de uma ou mais condenações prévias, mas apenas o cometimento prévio de dois ou mais crimes, podendo a pena relativamente indeterminada ser aplicada num mesmo processo em que se verifique concurso real de crimes, como aqui ocorre.

Ora, como se disse, o arguido BB será condenado nos presentes autos pela prática do crime de sequestro agravado, com a pena de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão efectiva.

Por outro lado, resulta do seu certificado de registo criminal que cometeu anteriormente dois ou mais crimes dolosos, a cada um dos quais foi e seria aplicada prisão efectiva também por mais de dois anos.

Verificados os requisitos formais da pena relativamente indeterminada, nos termos supra referidos, dir-se-á que o arguido BB revela também, numa avaliação global dos factos e da sua personalidade, uma acentuada inclinação para o crime, que neste momento ainda persiste.

Com efeito, tendo sofrido condenações anteriores em penas de prisão efectiva, faz da prática de ilícitos criminais o seu modo de vida e com total insensibilidade pelas vítimas dos mesmos.

Efectivamente, tornando-se claro que nenhuma das condenações anteriores foi suficiente para afastar o arguido do cometimento de novos crimes e conseguir a sua recuperação social, certo é que os factos que agora praticou (objecto dos presentes autos), aliados ao seu modo de vida, sem inserção profissional e social equilibrada, nem ressonância critica quanto aos mesmos, revelam acentuada disposição para o cometimento de crimes.

É também o que ressalta da gravidade global dos factos cometidos, do conjunto dos seus antecedentes criminais, a clara insensibilidade às sucessivas condenações anteriores, a despreocupação em relação às consequências penais e reais dos seus actos, a ausência de projecto e expectativa de inserção profissional e social.

Revela ainda uma personalidade com acentuada propensão, que ainda hoje se mantém, para a prática de crimes.

Estão, pois, verificados os pressupostos formais e materiais da pena relativamente indeterminada que vem imputada ao arguido (art.83º n.º 1 e 3 do C. Penal), com o mínimo correspondente a 2/3 da pena de prisão que concretamente caberia ao crime cometido e o máximo correspondente a esta pena, acrescida de 6 anos – art.83º n.º 2 do C. Penal.

Verificando-se os pressupostos formais e materiais da pena relativamente indeterminada, sem que alguma delas tenha sido já agravada pela reincidência, a pena única relativamente indeterminada constrói-se a partir da pena de concurso (e não sobre as parcelares), o que vale por dizer que, nessa operação, se fixam, em primeiro lugar, as penas parcelares e depois a de conjunto, seguindo-se a agravação em função da dosimetria à luz das regras previstas para a pena relativamente indetermi                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                              nada.

Vale isto dizer que no caso do arguido BB à pena única de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão efectiva, corresponde uma pena relativamente indeterminada com o mínimo de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses e o máximo de 10 (dez) anos de prisão.”

Começando pelos requisitos de natureza formal, enunciados supra, atentemos nos factos provados relativos a esta matéria:

 40. O arguido BB já sofreu diversas condenações, sendo que, para os efeitos em causa, se destacam as seguintes:

- No âmbito do processo n.º 67/84, do Tribunal Militar Territorial de Coimbra, por acórdão datado de 26/02/1985, transitado em julgado em 03/02/2004, foi condenado em sete meses de presídio militar pela prática do crime de deserção, p. e p. pelo art. 142, n.º 1, al. b) e art. 149, n.º 1, al. a), 2.ª parte, ambos do Código de Justiça Militar, considerada extinta, com efeitos a partir de 22 de Setembro de 1985 (Cfr. CRC do arguido BB e certidão de fls. 995 a 1003);

- No âmbito da querela n.º 130/86, por acórdão datado de 17/10/1986, foi condenado pela prática: de um crime de receptação e aquisição e detenção de estupefacientes, ps. e ps., respectivamente pelos artigos 26.º e 210.º, n.º 1 e 2, al. b) com referência ao art. 329.º, n,º 1, do Código Penal e artigo 25.º, n.º 1, do DL 430/83, de 12-12, na pena de um ano de prisão e 5.000 escudos de multa e 8 meses de prisão e 30.000 escudos de multa, e em cúmulo jurídico, na pena de 18 meses de prisão e 35.000 escudos, suspensa por 3 anos (Cfr. CRC do arguido BB e certidão de fls. 1004 a 1019);

- No âmbito do processo comum colectivo n.º 148/98, do extinto 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viseu, por acórdão datado de 21/05/1998, foi condenado pela prática: em 02/1997 de 01 crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22 de Janeiro e 40.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, na pena de 60 dias de prisão, integralmente expiada desde a prisão preventiva sofrida (Cfr. CRC do arguido BB e certidão de fls. 935 a 948);

- No âmbito do processo comum colectivo n.º 176/02...., do extinto 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, por acórdão datado de 26/02/2003, transitado em julgado em 03/02/2004, foi condenado pela prática: em 08/02/2002 de 01 crime de roubo, p. e p. pelos artigos 26.º e 210.º, n.º 1 e 2, al. b) com referência ao art. 204.º, n,º 2, al. f) do Código Penal e de 01 crime de sequestro, p. e p. pelos artigos 26.º e 158.º, n.º 1 do Código Penal; e em 13/02/2002 de 01 crime de falsas declarações, p. e p. pelo artigo 359.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, na pena única de 05 anos de prisão efectiva, declarada extinta em 7-9-2007, estando o arguido detido à ordem destes autos entre 11-02-2002 e 11-02-2007 (Cfr. CRC do arguido BB e certidão de fls. 950 a 994);

- No âmbito do processo comum colectivo n.º 7/13...., da secção única do Tribunal Judicial de Vila Nova de Foz Coa, por acórdão datado de 01/10/2013, transitado em julgado em 31/10/2013, foi condenado pela prática: em 03/01/2013. de 01 crime de dano simples, p. e p. pelo artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal, de 03 crimes de furto na forma tentada, p.s e p.s pelo artigo 203.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal; em 02/01/2023, de 01 crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), ambos do Código Penal, 5 crimes de furto qualificado, p.s e p.s pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), ambos do Código Penal; 01 crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204.º, do Código Penal, 2 crimes de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), ambos do Código Penal, 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. f) e h). ambos do Código Penal, 01 crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º, do Código Penal; em 03/01/2013 de 01 crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º do Código Penal, na pena única de 05 anos e 08 meses de prisão efectiva (Cfr. CRC do arguido BB e certidão de fls. 1248 a 1299);

- No âmbito do processo comum colectivo n.º 5/13...., do Juiz 3 do Juízo Central Cível e Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, por acórdão datado de 22/12/2014, transitado em julgado em 25/02/2015, foi condenado pela prática, 21/01/2013, de 01 crime de furto qualificado, p e p pelo artigo 204.º, n.º 1, al. a), n.º 2 al. e) do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão (Cfr. CRC do arguido BB e certidão de fls. 1309 a 1327);

- No âmbito do processo n.º 5/13...., do Juiz 3 do Juízo Central Cível e Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, por acórdão de cúmulo jurídico, datado de 15/07/2015, transitado em julgado em 30/09/2015, foi condenado na pena única de 06 anos e 09 meses de prisão efectiva (processos do cúmulo: n.º 7/13.... do Juiz 2 do Juízo Central Cível e Criminal do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda e n.º 5/13...., do Juiz 3 do Juízo Central Cível e Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança), tendo sido declarada extinta em 10-03-2020, com detenção e cumprimento desde 04-02-2013 (Cfr. CRC do arguido BB e certidão de fls. 917 a 934);

- No âmbito do processo abreviado n.º 110/22...., do Juiz 3 do Juízo Local de Pequena Criminalidade do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, por sentença datada de 21/10/2022, transitada em julgado em 21/11/2022, foi condenado pela prática, em 21/03/2022, de 01 crime de tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade, p.s e p.s pelos artigos 21.º, n.º 1 e 25.º, al. a) do DL n.º 15/93 de 22 de Janeiro, na pena única de 02 anos e 6 meses de prisão suspensa por 03 anos;

73. A manutenção dos consumos de estupefacientes e o estilo de vida a isso associado viriam a desorganizá-lo e a levá-lo a vários confrontos com o sistema da justiça penal, contando já com várias condenações, tendo cumprido a primeira pena de prisão efectiva entre 1997 e 2002, uma outra de 2004 a 2007 e, por último, de 2013 a 2018[12], tendo beneficiado de liberdade condicional;

76. Em 12-06-2023, o arguido foi sujeito à medida de coacção de prisão preventiva aplicada no âmbito dos presentes autos, estando desde então no Estabelecimento Prisional ...

Compulsada a decisão recorrida neste particular, embora não se possa dizer que não está fundamentada, uma vez que remete para a factualidade provada em termos de condenações de que o Arguido foi objeto, a verdade é que não indica, em concreto, quais sejam as condenações (mais precisamente, os crimes praticados) que teve em consideração para ter por verificado o pressuposto de natureza formal para a aplicação da pena relativamente indeterminada.

Assim, não pode, com propriedade, dizer-se que tenha atendido, enquanto crime praticado em data anterior ao dos autos, à condenação a que se reporta o processo nº110/22.....

E tem razão o Recorrente quando diz que esta condenação não pode ser considerada para estes efeitos.

Desde logo, porque tal resulta da letra da lei - prisão efetiva – e também assim tem sido entendido pela doutrina.

Sobre esta questão e a sua razão de ser se pronuncia Figueiredo Dias[13] pela seguinte forma - embora tendo em consideração que, à data, ainda não tinha entrado em vigor a revisão do Código Penal de 95:

 “Apesar de a lei o não dizer expressamente, torna-se claro que a exigência de que o agente tenha sido e deva ser condenado em prisão, ou em prisão por certo tempo, só abrange os casos de prisão efetiva, não aqueles em que tenha acabado por intervir uma pena de substituição. A aplicação de uma pena de substituição é sempre indício da convicção judicial de que, no caso, a prisão não se tornava necessária do ponto de vista da prevenção. Tanto basta para que uma tal condenação não deva ser considerada índice relevante para aplicação de uma PRI

Porém, atentando na factualidade provada, concretamente nas demais condenações de que o Recorrente foi objeto, e não esquecendo, como o faz o Recorrente, o disposto no nº3 do preceito transcrito [3 - Qualquer crime anterior deixa de ser tomado em conta, para efeito do disposto no n.º 1, quando entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos; neste prazo não é computado o período durante o qual o agente cumpriu medida processual, pena de prisão ou medida de segurança privativas da liberdade.], estão verificados os pressupostos de natureza formal como passa a evidenciar-se.

Na verdade, nos presentes autos, pela prática, em 25-04-2023, de crime doloso (sequestro agravado) determinou-se a aplicação de uma pena de prisão efetiva superior a dois anos.

Anteriormente, o arguido cometeu, pelo menos, dois crimes dolosos, relevantes para o efeito pretendido, sendo aplicadas penas de prisão efetiva, igualmente superiores a dois anos – Processos nºs 176/02...., 7/13.... e 5/13.....

Pese embora não possa considerar-se a condenação ocorrida no âmbito do processo nº176/02...., uma vez que respeita a crimes praticados em 2002 e, mesmo descontando o tempo em que o arguido esteve preso em cumprimento da pena ali aplicada, os crimes que praticou a seguir, praticou-os em 2013, tendo decorrido o período a que alude o nº3 do artigo 83º do Código Penal, relevam as condenações sofridas no âmbito dos processos nºs7/13.... e 5/13.....

Os crimes a que respeitam os processos nºs7/13.... e 5/13.... e aos quais foi aplicada pena de prisão efetiva superior a 2 anos, foram praticados em várias datas de janeiro de 2013 [Processo nº7/13....] e em 21/01/2013 [Processo nº5/13....], o que num primeiro olhar poderia excluí-los da ponderação que ora levamos a cabo, pois que, entre essas datas e a data da prática dos factos nos presentes autos decorreram mais de 5 anos.

Porém, atento o disposto no nº3 do artigo 83º do Código Penal e a factualidade acima evidenciada, assim não é.
Entre a data da prática dos factos que motivaram a condenação do arguido nos processos nºs7/13.... e 5/13.... (2013), e a data da prática dos factos em causa nos presentes autos (25.04.2023) não decorreram mais de 5 anos, descontando no período de cerca de 10 anos (2013/2023) em que o arguido esteve preso em cumprimento de pena - desde 04-02-2013, em cumprimento da pena única de 06 anos e 09 meses de prisão efetiva até 19-09-2018.[14]

Assim, a decisão recorrida não nos merece qualquer censura no que tange á verificação dos aludidos pressupostos formais de aplicação da pena relativamente indeterminada.

Passando ao requisito de natureza material.

A propósito desta matéria, diz, mais uma vez, o insigne Professo Figueiredo Dias[15]:

Decisivo é sempre que da avaliação conjunta dos factos e da personalidade resulte a imagem de um delinquente inserido numa carreira criminosa, para continuação da qual se tornam determinantes não apenas as circunstâncias da sua vida anterior, mas a sua situação familiar, o seu comportamento profissional, a utilização dos seus tempos livres, em suma, o quadro total da sua inserção social. O ponto crucial da avaliação conjunta reside, em todo o caso, na avaliação das suas condenações anteriores (quando as houver) e do facto ou factos que constituem o objeto do processo.

Em geral, a aceitação da existência de uma tendência criminosa está tanto mais próxima quanto mais o agente se tenha «especializado» na prática de certos tipos de factos; mas uma tal especialização não vale, em todo o caso, por si mesma como «tendência». Um facto não deixa de poder ser considerado como sintoma da tendência só por nele terem comparticipado circunstâncias exógenas ocasionais (v. g. embriaguez ou oportunidade especialmente favorável); mas já situações excecionais de conflito ou de afeto devem, em princípio, impedir que os factos em tais situações praticados sejam valorados para efeito da tendência.

Urge acentuar, por último mas com particular ênfase, que, para efeito de determinação do pressuposto material em causa, todos os crimes anteriores devem ser tomados em conta na valoração, mesmo que eles não possam relevar como pressupostos formais.

Também o STJ se debruçou em diversos arestos sobre esta questão, destacando-se o acórdão de 22-05-2003[16], especialmente no que tange à questão da salvaguarda do princípio constitucional da proporcionalidade:

“II - Por seu turno, o n.º 1 do artigo 83.º, impõe a aplicação da pena em causa, «sempre que a avaliação conjunta dos factos praticados e da personalidade do agente revelar uma acentuada inclinação para o crime, que no momento da condenação ainda persista».

III - Pressuposto material da aplicação da pena em causa, é, pois, a existência de acentuada inclinação para o crime que no momento da condenação ainda persista.

IV - Para efeito de determinação do pressuposto material em causa, todos os crimes anteriores devem ser tomados em conta na valoração, mesmo que eles não possam relevar como pressupostos formais, v.g., por não terem alcançado a gravidade requerida, por terem sido praticados ou julgados no estrangeiro e não obedecerem aos requisitos do artigo 83.º-4, por terem prescrito para efeito de relevância como pressupostos formais, sem que com isso se ponha em causa o princípio da dupla valoração penal dos mesmos factos ou «ne bis in idem».

V - O princípio da proporcionalidade não resulta beliscado da aplicação da pena em causa, não apenas porque, in casu, os factos provados densificam à saciedade o pressuposto material de tal aplicação, como, tal princípio está subjacente à definição daquele pressuposto, demandando nomeadamente que a inclinação para o crime seja acentuada, como é o caso, e pelo recurso ao conceito estrito de perigosidade criminal, segundo o qual a licitude de aplicação da medida de segurança só existe quando se verifique o fundado receio de que o agente possa vir a praticar factos da mesma espécie da do ilícito-típico que é pressuposto daquela aplicação e pela exigência de que a inclinação se verifique para crimes de certa gravidade, no caso crimes puníveis com pena de prisão.”
Tecidas estas considerações, importa atentar na matéria de facto provada que se refere a esta questão e que, note-se, o Recorrente não impugnou, pressupondo a já transcrita supra e relativa às condenações de que o Recorrente foi objeto:

41. Não obstante, tais condenações, as mesmas não constituíram obstáculo bastante ao cometimento de novo crime, antes revelando o arguido BB acentuada propensão para a prática de actos ilícitos, designadamente da mesma natureza daqueles em discussão nos presentes autos;

42. Como resulta até dos factos cuja autoria lhe é imputada nesta acusação, da mesma natureza daqueles por cuja prática já foi condenado - (sequestro e furto) - em 26/02/2003, 15 de Junho de 1998 na pena de 4 (quatro) anos e de prisão (sequestro – Processo 176/02....), em 22/12/2014, na pena de 3 anos de prisão (furto – Processo n.º 5/13....; em 01/10/2013, na pena de 5 anos e 8 meses de prisão (vários furtos – Processo n.º 7/13.... – penas parcelares superiores a 2 anos – 1 crime de furto qualificado na pena 2 anos e 5 meses; 5 crimes de furto qualificado, cada um na pena de 2 anos e 3 meses; 1 furto qualificado na pena de 2 anos e 2 meses) - nenhuma das condenações em pena de prisão anteriormente sofridas pelo arguido, algumas das quais acima referidas, foi suficiente para o afastar do cometimento de novos crimes e conseguir a sua recuperação social, pois que o arguido sempre manteve um estilo de vida marginal, não trabalhando, vivendo no mundo do consumo de estupefacientes e sempre se mostrou insensível às advertências contidas nas decisões que o condenaram, revelando assim uma personalidade com acentuada propensão para a prática de crimes, designadamente, contra o património e outros, entre eles o de sequestro, propensão essa que ainda hoje se mantém.

Parece-nos manifesto que aquele pressuposto material se mostra verificado, não nos merecendo qualquer censura a decisão no segmento transcrito supra e relativo ao mesmo.

Aduz o recorrente contra esta decisão que tem um comportamento correto no EP, cumpre as regras e trabalha, temendo esta nova condenação e respetivas repercussões e que já reflete sobre os comportamentos que adotou até ao momento e que o fizeram ter contacto com a justiça.

Ora, apesar de tal matéria ter resultado, efetivamente, provada (pontos 76. a 78.), dela não resulta infirmada a conclusão de que se trata de delinquente com acentuada tendência criminosa, nos termos explicitados supra.

Mostra-se, assim, correta a decisão de aplicar ao Recorrente a pena relativamente indeterminada, a qual se mostra calculada de acordo com o disposto no artigo 83º nº2 do Código Penal que estabelece que: “A pena relativamente indeterminada tem um mínimo correspondente a dois terços da pena de prisão que concretamente caberia ao crime cometido e um máximo correspondente a esta pena acrescida de 6 anos, sem exceder 25 anos no total.”

Resta apenas assinalar que à pena relativamente indeterminada foi fixado o mínimo de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão e o máximo de 10 (dez) anos de prisão.

Cremos que na fixação dos limites mínimo e máximo incorreu o tribunal a quo em erro de cálculo, pois que, no que concerne ao limite mínimo, 2/3 da pena fixada corresponde a 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 10 (dez) dias [e não 2 (dois) anos e 8 (oito) meses como fixado] e, no que concerne ao limite máximo, somando 6 (seis) anos à pena concreta (quatro anos e dois meses) aquele limite seria de 10 (dez) anos e 2 (dois) meses [e não 10 (dez) anos como fixado].

Porém, está este Tribunal impedido de proceder à alteração da pena nesses termos, sob pena de violação do princípio da reformatio in pejus a que alude o artigo 409º do Código de Processo Penal.

Em suma, improcede o recurso, também no que tange a esta questão da aplicação da pena relativamente indeterminada.

2.2.1.5 – Da incorreta condenação no pagamento de indemnização e montante da mesma.

 Compulsadas as conclusões 71º a 81ª, resulta que o Recorrente também questiona a sua condenação no pagamento de indemnização ao ofendido.

Fá-lo suportado na convicção de que a sua pretensão de ser absolvido da prática do crime por que vinha acusado obtenha provimento.

Ora, não foi assim.

                Não tendo a pretensão recursória de ver alterada a decisão sobre a matéria de facto merecido provimento e mantendo-se a sua condenação pela prática do crime de sequestro agravado, necessariamente, improcede esta pretensão do Recorrente, pois que, conforme resulta da decisão recorrida transcrita, verificam-se todos os pressupostos legais de atribuição daquela indemnização.

Quanto ao seu montante.

O Recorrente considera que a quantia fixada a título de indemnização ao ofendido é manifestamente desproporcional, injusta e penalizadora atenta a sua idade, a sua personalidade a e sua situação económica, devendo ser reduzida substancialmente em obediência a critérios de equidade e justiça.

A decisão recorrida, nesta parte, é do seguinte teor:

De acordo com o artigo 16º n.º 1 e n.º 2 da Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro:

“1- À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão relativa a indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável”

2- Há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82º-A do Código de Processo Penal em relação a vítimas especialmente vulneráveis, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser”.

Por sua vez, o artigo 67º-A n.º 1 alínea b) sobre o conceito de vítima, dispõe que “Vítima especialmente vulnerável, a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social”.

Por sua vez, determina o referido artigo 82º- A do Código de Processo Penal:

“1- Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72º e 77º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham.

2- No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório.

3- A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em acção que venha a conhecer de pedido civil de indemnização”.

Ao determinar a aplicação deste regime em qualquer caso, apenas se ressalvando os casos de oposição expressa por parte da vítima, o legislador afastou o pressuposto previsto na parte final do nº 1 do artigo 82º-A do Código de Processo Penal.

Assim, o Tribunal, salvo oposição expressa da vítima, deverá sempre arbitrar uma quantia a título de reparação, ainda que não se verifiquem no caso particulares exigências de protecção.

Uma vez que nestes autos ofendido não deduziu pedido de indemnização civil e não deduziu oposição à aplicação do regime previsto no artigo 82º-A do Código de Processo Penal, haverá que fixar a quantia indemnizatória.

Estão em causa prejuízos não patrimoniais, que - reportando-se a valores de ordem espiritual, ideal ou moral, não se repercutem no património do lesado e, portanto, não são susceptíveis de avaliação pecuniária, embora sejam compensáveis – correspondem àquilo que na linguagem jurídica se costuma designar por pretium doloris ou ressarcimento tendencial de angústia, da dor física, da doença, ou do abalo psíquicoemocional.

Apenas são atendíveis os que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (conforme o artigo 496º do Código Civil) e o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo Tribunal, tendo em atenção a situação económica do agente e do lesado e demais circunstâncias do caso concreto (conforme o artigo 496º ex vi artigo 496º, nº3, ambos do Código Civil).

Releva para a fixação da indemnização as consequências da conduta do arguido e as condições económicas do arguido e da vítima.

No caso dos autos, resultou provado que, em consequência directa e necessária da conduta do arguido descrita supra, o ofendido sofreu dores e ferimentos em todo o corpo, designadamente escoriações dispersas nos membros, hematoma no crânio e feridas na perna esquerda e no antebraço esquerdo (visíveis e descritas a fls. 57-65 e fls. 210- 226). Mais se provou que, em consequência da conduta dos arguidos sofreu FF as lesões descritas e examinadas no relatório de urgência de fls. 210 a 22, no relatório de internamento de fls. 223 e a 226 e no relatório médico-legal de fls. 533 a 536, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, designadamente: Pescoço – na região postero-lateral esquerdo do pescoço apresenta uma escoriação de base larga, avermelhada, com crosta acastanhada, linear, com 0,5 cm de comprimento; Tórax - na fase anterior do terço médio do tórax ao nível da linha média, apresenta duas escoriações avermelhadas puntiformes. Na fase posterior do terço proximal do tórax, ligeiramente à direita da linha média, apresenta 3 escoriações lineares de base larga, avermelhadas, com crosta acastanhada, com 0,5 cm de comprimento cada uma e praticamente paralelas entre sim, distando 1 cm entre si. Na fase posterior do terço distal do tórax, na linha média, apresenta uma escoriação acastanhada, desidratada, com 2 por 1,5 de maiores dimensões; Membro superior direito - na fossa cubital apresenta uma escoriação nacarada, arredondada, com 0,5 cm de maior diâmetro. Na fase posterior do terço proximal do antebraço apresenta uma escoriação linear, avermelhada com 2 cm de comprimento. Na fase anterior do terço médio do antebraço apresenta uma área com múltiplas escoriações lineares e puntiformes avermelhadas, numa área com 4 por 5 cm de maiores dimensões, a maior das quais com 2 cm de comprimento. Na face posterior do terço médio do antebraço apresenta duas escoriações: uma nacarada, com destacamento da crosta, em fase final de evolução com 3 cm de comprimento e outra avermelhada, com 0,7 cm de comprimento; Membro superior esquerdo - Na face lateral do terço superior do braço apresenta uma equimose avermelhada, arredondada com 3 cm de maior diâmetro. Na face anterior do terço médio do braço apresenta uma escoriação linear, avermelhada com 0,5 cm de comprimento. Na fossa cubital apresentada duas escoriações puntiformes, avermelhadas. Na face posterior do terço proximal do antebraço apresenta 4 escoriações lineares de base larga, com crosta acastanhada central e bordos nacarados, desidratados (compatíveis com lesões não recentes) que foram em conjunto uma semicircunferência, numa área com 7 por 4 cm de maiores dimensões, a maior das quais com 2 por 0,8 cm de maiores dimensões. No bordo radial do terço proximal do antebraço apresenta uma escoriação acastanhada, puntiforme. No bordo radial do terço distal apresenta uma escoriação avermelhada, puntiforme; Membro inferior direito - Na metade inferior da região nadegueira apresenta uma escoriação avermelhada, arredondada, com 0,5 cm de maior diâmetro. Superiormente a esta, observa-se uma equimose avermelhada, ténue, com 5 por 1 cm de maiores dimensões. Na face anterior do terço médio da perna apresenta um penso branco com vestígios hemáticos avermelhados, após a remoção do qual se observa uma solução de continuidade suturada, com 2 pontos de sutura azul, com 2 cm de comprimento; Membro inferior esquerdo - No quadrante supero-externo da região nadegueira apresenta uma escoriação linear, vertical avermelhada, com 2 cm de comprimento, além de dores, que determinaram 12 dias para a consolidação médico-legal, sem afectação da capacidade de trabalho geral. Do evento resultaram consequências permanentes, as quais, sob o ponto de vista médico-legal, se traduzem em cicatriz na face anterior da perna direita;

Para além disso, considerada a factualidade descrita nos factos provados é de admitir como certo, tal como por ele afirmado, que o ofendido tenha sentido medo e temido pela sua integridade física e pela própria vida.

Tendo em conta que os pressupostos para a fixação de indemnização assentam na responsabilidade civil, nos termos atrás referidos, não se verifica o pressuposto da culpa, em face da declaração do arguido AA como inimputável.

(…)

Relativamente aos arguidos BB, CC e DD, estes não beneficiavam, quando em liberdade, de condição social e económica favorável, sendo que o arguido EE exercia actividade laboral activa como calceteiro.

Atento o exposto, temos que a referida conduta dos arguidos é grave e merecedora de adequado e justo reparo à vítima, nos termos do artigo 496º n.º 1 e n.º 3 do Código Civil, segundo critérios de equidade, já que estão em causa danos de natureza não patrimonial.

Tendo presente a gravidade e intensidade do dolo, o contexto em causa e as condições socioeconómicas dos arguidos, atentas as regras da experiência comum, sem olvidar o elevado grau de culpabilidade, temos como adequado arbitrar o montante indemnizatório, a título de compensação por danos não patrimoniais, no valor de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) à vitima, já actualizado de acordo com a desvalorização da moeda.”

Assim, em sede de dispositivo do acórdão consta:

“m) Condenar também os arguidos BB, CC, DD e EE no pagamento solidário ao ofendido FF, da quantia de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), a título de indemnização, nos termos do artigo 16º da Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro e artigo 67º-A do CPP;”

O Tribunal a quo fundamenta a fixação do montante indemnizatório nos factos apurados quanto aos danos de natureza não patrimonial suportados pelo ofendido em consequência da prática do crime por que o arguido vai condenado; na gravidade do mesmo e na intensidade do dolo que presidiu à mesma prática.

 Ponderados esses elementos, atenta a natureza dos danos a ressarcir, lançou mão de critérios de equidade sopesando a condição social e económica do Arguido.

Vemos assim, que o Tribunal cumpriu aqueles que são os critérios de fixação de uma indemnização deste tipo, conforme estipulado no artigo 496º nº4 do Código Civil que estabelece que, quanto aos danos não patrimoniais “4 - O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º”, aplicável por força do disposto no artigo 129º do Código Penal.

O montante fixado, não se nos afigura, tendo em conta todos esses elementos, exagerado ou desproporcionado, antes surgindo na linha daquilo que é a jurisprudência dos nossos Tribunais que vem, desde há muito, assumindo a ideia de que as compensações por tais danos devem ter um alcance significativo e não meramente simbólico, de tal modo que as indemnizações não devem ser fixadas em montantes tão reduzidos que, na prática, se apague a função preventiva, sancionatória ou repressiva da responsabilidade civil.

Por outro lado, no caso de indemnização por danos não patrimoniais a intervenção do Tribunal de recurso é, por natureza, limitada.

Na verdade, estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais com apelo a um julgamento segundo a equidade, em que o critérios que os tribunais devem seguir não são fixos, devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, as regras de boa prudência, de bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida, só se justificando uma intervenção corretiva se a indemnização se mostrar exagerada por desconforme a esses elementos.[17]

No caso em análise, estamos perante a prática de crime doloso, em que o grau de culpa do agente se mostra muito elevado e em que as suas consequências não se podem deixar de considerar como muito relevantes.

Por isso, temos por adequada a atribuição à vítima da quantia de € 7 500,00 (sete mil e quinhentos euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos.

De notar que a condenação é solidaria, cabendo, por isso o pagamento a qualquer um dos condenados que, satisfazendo a obrigação de indemnização na totalidade, fica desobrigado da mesma e poderá exigir dos restantes o pagamento da parte que lhes couber – artigos 523º e 524º do Código Civil.

Atento o exposto, não se vislumbra nenhuma razão para alterar o decidido, também nesta parte.

Atento tudo o exposto, improcede totalmente o recurso interposto pelo arguido BB.

            2.2.2.Recurso apresentado pelo arguido AA.

            Decidiu o Tribunal a quo, no que ao arguido AA concerne, e na parte criminal, o seguinte:

            “a) Julgar inimputável o arguido AA, nos termos do artigo 20º pela prática, em co-autoria material e concurso real, de factos integradores dos crimes de sequestro agravado, p. e p. pelo artigo 158º n.º 1 e n.º 2 alínea b) do Código Penal e de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153º n.º 1 e 155º n.º 1 alínea a) do Código Penal;

b) Aplicar ao arguido a medida de segurança de internamento em estabelecimento de tratamento e segurança pelo período mínimo de 3 (três) anos, até cessação do estado de perigosidade criminal que lhe deu origem, mas sem ultrapassar, nos termos do artigo 92º n.º 2 do C. Penal, o período máximo de 10 (dez) anos;”

Compulsadas as conclusões do recurso interposto por este Arguido, as quais delimitam o objeto do mesmo nos termos referidos supra, conclui-se que ali não se impugna a decisão no que toca à matéria de facto provada e não provada, pelo que, inexistindo, também neste segmento, qualquer nulidade ou vício que afetem a decisão, também em relação a ele, tal matéria se mostra estabilizada.

Por outro lado, deve ter-se por assente que o Recorrente também não contesta a decisão de ter sido declarado inimputável, nem a da aplicação da medida de segurança de internamento em estabelecimento de tratamento e segurança pelo período mínimo de 3 (três) anos, até cessação do estado de perigosidade criminal que lhe deu origem, mas sem ultrapassar, nos termos do artigo 92º n.º 2 do C. Penal, o período máximo de 10 (dez) anos.

A questão que coloca e que passaremos a apreciar é apenas a de saber se, no caso, se verificam os pressupostos da aplicação da medida de substituição em que se traduz o decretamento da suspensão da execução da medida de internamento.

Importa, antes de mais, atentar no teor dos artigos 91º e 98º do Código Penal.

Artigo 91.º

Pressupostos e duração mínima

1 - Quem tiver praticado um facto ilícito típico e for considerado inimputável, nos termos do artigo 20.º, é mandado internar pelo tribunal em estabelecimento de cura, tratamento ou segurança, sempre que, por virtude da anomalia psíquica e da gravidade do facto praticado, houver fundado receio de que venha a cometer outros factos da mesma espécie.

2 - Quando o facto praticado pelo inimputável corresponder a crime contra as pessoas ou a crime de perigo comum puníveis com pena de prisão superior a cinco anos, o internamento tem a duração mínima de três anos, salvo se a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.

Artigo 98.º

Pressupostos e regime

1 - O tribunal que ordenar o internamento determina, em vez dele, a suspensão da sua execução se for razoavelmente de esperar que com a suspensão se alcance a finalidade da medida.

2 - No caso previsto no n.º 2 do artigo 91.º, a suspensão só pode ter lugar verificadas as condições aí enunciadas.

3 - A decisão de suspensão impõe ao agente regras de conduta, em termos correspondentes aos referidos no artigo 52.º, necessárias à prevenção da perigosidade, bem como o dever de se submeter a tratamentos e regimes de cura ambulatórios apropriados e de se prestar a exames e observações nos lugares que lhe forem indicados.

4 - O agente a quem for suspensa a execução do internamento é colocado sob vigilância tutelar dos serviços de reinserção social. É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 53.º e 54.º

5 - A suspensão da execução do internamento não pode ser decretada se o agente for simultaneamente condenado em pena privativa da liberdade e não se verificarem os pressupostos da suspensão da execução desta.

6 - É correspondentemente aplicável:

a) À suspensão da execução do internamento o disposto no artigo 92.º e nos n.os 1 e 2 do artigo 93.º;

b) À revogação da suspensão da execução do internamento o disposto no artigo 95.º

Dão-se aqui por reproduzidas, por pertinentes, as considerações de natureza doutrinal e jurisprudencial a propósito deste instituto que constam, quer do acórdão, quer do recurso, quer da resposta a este. Acrescentaremos apenas as seguintes breves considerações.

Ainda nas palavras de Figueiredo Dias[18]:

“Não se trata nela de uma medida de libertação antecipada que ocorra no decurso da execução de um internamento, quando seja razoável supor que – em virtude de melhorias detetadas no estado de perigosidade – o risco da experiência da liberdade já pode ser comunitariamente assumido: a essa situação acorre o instituto da libertação a título de ensaio (art.94º), não o da suspensão da execução do internamento. Este tem lugar no próprio momento da aplicação da medida de segurança, quando o tribunal verifica que, estando embora presentes todos os pressupostos do internamento, existem todavia circunstâncias especiais que justificam a esperança de que a finalidade da medida (a prevenção da perigosidade) ainda possa ser alcançada em liberdade. É pois, nesta aceção, de uma verdadeira medida de substituição que aqui se trata, com uma intenção político-criminal em tudo análoga á que vimos presidir às penas de substituição: a de luta, até aos limites do comunitariamente suportável, contra a privação da liberdade, conforme é, de resto, particularmente imposto nesta matéria pelo princípio da subsidiariedade. (…)

  E referindo-se aos pressupostos de aplicação desta medida afirma:

É necessário, em segundo lugar, que o tribunal emita simultaneamente um juízo de prognose favorável à suspensão da execução da medida. (…) o verdadeiro critério da suspensão; a saber, a convicção do tribunal da existência, no caso, de circunstâncias especiais (sobretudo do agente, mas também eventualmente do facto e da sua «situação») que dão fundamento razoável à esperança de que a finalidade da medida – a prevenção da perigosidade – ainda possa ser alcançada em liberdade. Se existirem dúvidas inultrapassáveis sobre a razoabilidade da esperança a suspensão não deve ser decretada, mas sim o internamento.”

Na síntese de Paulo Pinto de Albuquerque: “O critério para a suspensão da execução do internamento consiste na adequação da liberdade do internado com as necessidades de prevenção especial positiva e negativa do agente.”[19]

As medidas de segurança aplicáveis a inimputáveis não consistem necessariamente em medidas institucionais ou privativas da liberdade, devendo recorrer-se a outras possibilidades suscetíveis de assegurar a cura e a defesa da sociedade. Daí o poder dever atribuído ao tribunal de determinar a suspensão da execução da medida de internamento se for razoavelmente de esperar que assim se atinge sua finalidade: proteção dos bens jurídicos através da reintegração do agente na sociedade, traduzida na sua cura com eliminação da perigosidade.

Como propugnam Leal Henriques e Simas Santos[20]: “(…) através da suspensão da medida de internamento com imposição de regras de conduta e acompanhamento de regime de prova consagra-se um tratamento não institucional para agentes inimputáveis, uma espécie de regime de prova para inimputáveis. Ou seja, a suspensão de execução do internamento é um regime pensado e estruturado como alternativa ao internamento, a ser executado com o inimputável inserido na sociedade e por isso mesmo menos intrusivo da liberdade individual do sujeito. Por este motivo, a suspensão da execução do internamento é privativa dos casos em que a perigosidade é menos acentuada.”

Particularmente esclarecedor é o acórdão do STJ de 15-03-2017[21], também no que tange ao momento a atender e à base factual da decisão de suspender a execução do internamento:

II -  O momento a tomar em consideração sobre a perigosidade e respectiva prognose é o da decisão e resulta da factualidade provada que nessa altura o estado de saúde do arguido reclama um apoio e supervisão de terceiros e, se necessário, o tratamento sintomático de alguns sintomas de ansiedade e de instabilidade emocional, sem o qual é possível que volte a praticar factos ilícitos-típicos da mesma natureza ou gravidade dos praticados e que estão em causa (homicídio).

(…)

IV - A suspensão da execução do internamento reclama que o tribunal adquira uma convicção fundada quanto à necessidade preventiva-especial de neutralização da perigosidade criminal e, no caso dos crimes referidos no n.º 2 do art. 91.º do CP, quanto à necessidade preventivo-geral de pacificação social, não imporem o internamento do inimputável. Em suma, que num juízo de prognose, a liberdade se mostre adequada às necessidades de prevenção especial de recuperação do inimputável e de inocuização ou neutralização da perigosidade criminal, através do tratamento da anomalia psíquica, e de prevenção geral positiva de pacificação social. Neste entendimento, consideramos que não há razões de censura da decisão quanto à não suspensão da execução do internamento.” (sublinhado nosso)

Na Jurisprudência, a propósito do instituto da suspensão do internamento, podem ver-se, entre outros:

- Acórdão do STJ de 16-06-2021(processo nº524/18.3PBCTB.C1.S1; relatora: Cons.ª Conceição Gomes);

- Acórdãos dos Tribunais: da Relação do Porto de 27-01-2016 (processo nº864/13.8GBPRD.P1, relator: Nuno Ribeiro Coelho) e de 06-02-2013 (processo nº137/11.0PBMTS.P1, relatora: Elsa Paixão); da Relação de Coimbra de 22-02-2023 (processo nº444/21.4PBCTB.C1, relatora: Helena Bolieiro) e de 20-04-2016 (processo nº152/14.2GAMDV.C1, relator: Inácio Monteiro); da Relação de Guimarães de 20-02-2024 (processo nº1512/22.0PBBRG.G1, relatora: Anabela Varizo), de 14-11-2023 (processo nº150/22.2GAVRM.G1, relator: Paulo Serafim) e de 03-10-2023 (processo nº614/20.2T9PTL.G1, relator: Pedro Cunha Lopes) e da Relação de Évora de 13-05-2014 (processo nº457/12.7PBBJA.E1, relator: António João Latas)[22].

Volvendo ao caso concreto.

O Tribunal a quo, assentou a sua decisão de não substituir a medida de segurança de internamento pela suspensão da execução do mesmo nos concretos argumentos que seguem (transcrição):

“O tribunal deverá suspender a execução do internamento se for razoável esperar que desse modo se alcança a finalidade da medida designadamente quando, em liberdade, o inimputável, apesar de perigoso, possa ser curado e garantida a necessária segurança da sociedade – art.98º, nº1, do C. Penal.

Circunstância que não ocorre na situação em apreço posto que o arguido, face ao carácter da esquizofrenia paranóide de que padece, a mesma carece de tratamento e o arguido não apresenta qualquer crítica para essa necessidade já que como resulta do relatório pericial de fls. 1620ss, possui uma história de adesão irregular aos tratamentos propostos e de acompanhamento em sede de consulta.

Por outro lado, desse mesmo relatório resulta que a possibilidade da existência de uma rede de apoio, com supervisão e manutenção de regras suficientemente assíduas e eficazes, é considerada ligeira a moderada.

Acresce que, a mãe do arguido, que seria a pessoa que poderia prestar algum apoio nessa matéria, declarou em audiência de julgamento que há mais de um ano que o filho não vive consigo, não obstante dizer que tem um quarto na sua casa à espera dele.

E, sendo assim, o internamento efectivo é, de momento, absolutamente necessário ao tratamento psiquiátrico regular do arguido, evitando-se novos episódios idênticos aos dos autos e em defesa da ordem jurídica e da paz social (art.91º n.º 2, conjugado com o art.98º n.º2, ambos do C. Penal).

Em conclusão, na situação em apreço não será razoável esperar da mera suspensão do internamento a eliminação da perigosidade criminal e consequente protecção dos bens jurídico-penais, finalidades desta medida (Art.98º n.º1 e 3 do C. Penal.”

Por seu turno, o Recorrente discorda desta decisão defendendo que “A suspensão da execução da medida de internamento satisfaz a finalidade preventivo-especial e a finalidade de segurança da sociedade face à perigosidade comprovada, encontrando-se, no caso, reunidos os pressupostos para suspender a mesma”.

Aduz os seguintes argumentos.

- Não é verdade que não apresente qualquer crítica para a necessidade de tratamento da doença de que padece, pois que, resulta dos autos que : “já se teria mostrado estável no passado, quando em contexto familiar, supervisionado e que, na data da avaliação pericial, em contexto institucional/supervisionado, se tinha verificado uma evolução muito favorável em termos clínicos, com resposta à terapêutica com antipsicóticos”; “aparentou ter aprendido a recear as consequências do abandono do acompanhamento e medidas de tratamento e do consumo de drogas. O examinando mostra-se arrependido e buscava apoio para a aproximação à resolução de problemas.”  

- Também não é verdade que não disponha de uma rede de apoio familiar pois que resulta dos autos que a possibilidade de existência dessa rede de apoio é considerada ligeira a moderada e que possui uma relação afetiva com a mãe e que ela está disposta a supervisionar o tratamento, tendo-se aproximado do pai, da madrasta e tem uma relação próxima com a irmã. Acresce que, resulta do relatório social que “O arguido continua a beneficiar do apoio dos familiares de origem, não obstante o desgaste que demonstram relativamente à sua situação jurídico-penal.”, e ainda que “No exterior, no que diz respeito às relações familiares, nesta fase, dispõe de enquadramento sociofamiliar.”

Importa ter presente que a decisão só pode ter por base os factos que constam do elenco dos factos provados nos autos, pelo que, algumas das afirmações feitas pelo Recorrente que, manifestamente, não se encontram naquele elenco, não podem ser tidas em consideração.

Concretamente, e para além da matéria de facto relativa à conduta levada a cabo pelo Arguido, a matéria de facto provada pertinente à questão da determinação da sanção a aplicar ao Recorrente é a que segue, e não outra:

 34. O arguido AA apresenta um quadro clínico de natureza psicótica compatível com o diagnóstico de Esquizofrenia, em fase de descompensação, na data dos factos. A doença mental de que padece é grave, não acidental, não dominando o arguido os seus efeitos;

35. Por força desta doença de que padece e ainda por força da história de perturbação do uso padrão, uso nocivo de múltiplas substâncias psicoactivas referidas no referido relatório psiquiátrico, o arguido AA não tinha a capacidade para avaliar o carácter proibido dos actos que lhe são imputados, nem a ilicitude dos factos, nem de se determinar de acordo com a sua avaliação;

36. Também por força desta doença de que padece o arguido, considerando os efeitos que produz sobre o seu intelecto e a sua vontade, produziu no momento da prática dos factos um efeito que o incapacitou para avaliar a ilicitude de tais factos, por via disso e considerando esta doença de que o arguido padece, há perigo e possibilidade evidente de que o arguido venha a cometer novos ilícitos criminais da mesma natureza;

37. Assim, deverá o mencionado arguido ser declarado inimputável, nos termos do disposto no artigo 20º n.º 2 do Código Penal;

38. Dada a sua perigosidade, deve ser-lhe aplicada uma medida de segurança de internamento, nos termos do disposto no artigo 91º do Código Penal.

94. No período a que se reportam os factos descritos nos autos, AA encontrava-se a viver sozinho, em quarto arrendado, em ..., mantendo um quotidiano centrado na ociosidade com inserção em grupo de pares com comportamentos de risco e associado ao consumo de estupefacientes;

95. Refere que pontualmente realizava alguns trabalhos na área da construção civil, subsistindo, maioritariamente, do montante da pensão por invalidez de que beneficia há cerca de sete anos, em razão da perturbação mental de que padece;

96. Em termos de relacionamento familiar, o arguido encontrava-se mais afastado do contacto com os progenitores e os irmãos, à data dos factos, situação que o arguido e os familiares atribuem à instabilidade emocional e comportamental evidenciada por AA, derivada do consumo de estupefacientes e da perturbação mental, para a qual não concretizava a medicação prescrita;

97. AA é natural de ..., ..., descendente de um agregado familiar constituído pelos progenitores, laboralmente activos, e dois irmãos mais velhos. Aquela dinâmica familiar foi caracterizada como disfuncional em razão da violência conjugal, perpetrada pelo progenitor, conduzindo à separação do casal, quando o arguido tinha 8/9 anos, passando a sua progenitora a constituir-se como a principal figura de vinculação e apoio. Por esta idade, o arguido veio a ser acompanhado na especialidade de Pedopsiquiatria, com um diagnóstico de perturbação depressiva;

98. AA iniciou percurso escolar em idade regular, com conclusão do 8º ano de escolaridade, optando pelo abandono dos estudos, por desinteresse pelas actividades escolares, vindo a concretizar alguma actividade laboral, pouco regular e consistente ao longo do seu percurso vivencial. Ainda na fase da adolescência, em contexto de grupo de pares, iniciou o consumo de estupefacientes, comportamento que, progressivamente, problematizou o seu estilo de vida, apresentando, desde então, períodos de abstinência interpolados com outros de recaída no consumo.

99. Pelos 18 anos, AA foi diagnosticado com esquizofrenia, registando internamento compulsivo, onde não logrou êxito, porquanto retomou o consumo de estupefacientes. Nunca concretizou tratamento à toxicodependência;

100. AA regista anterior contacto com o sistema da justiça, com condenação em prisão efectiva pela prática de crimes contra pessoas.

101. AA encontra-se preso preventivamente à ordem do presente processo;

102. Em meio prisional, o arguido apresenta diagnóstico de esquizofrenia, beneficiando de acompanhamento especializado na área da Psiquiatria, encontrando-se medicado com antipsicótico oral e adoptando um comportamento estável. Mantém a abstinência do consumo de estupefacientes desde a entrada no EPSCBM. Em meio institucional mantém-se em acompanhamento nos serviços clínicos da CPSM, situação que lhe permite manter estabilidade psicopatológica;

103. O arguido continua a beneficiar do apoio dos familiares de origem, não obstante o desgaste que demonstram relativamente à sua situação jurídico-penal.

132. O arguido AA já sofreu as seguintes condenações:

• Por Acórdão proferido no dia 21 de Maio de 2009, no Processo Comum Colectivo n.º 177/08.... do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, transitado em julgado em 12 de Junho de 2009, foi o arguido condenado pela prática em 19 de Maio de 2008, de um crime de furto qualificado e de um crime de condução sem habilitação legal, na pena única de 2 anos e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução, com regime de prova, suspensão que foi revogada;

• Por sentença proferida no dia 5 de Novembro de 2009, no Processo Comum Singular n.º 140/08.... do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Mangualde, transitada em julgado em 23 de Fevereiro de 2011, foi o arguido condenado pela prática em 11 de Abril de 2008, de um crime de roubo e de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena única de 230 dias de multa, à taxa diária de €5,00;

• Por sentença proferida no dia 9 de Dezembro de 2009, no Processo Comum Singular n.º 126/08.... do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Mangualde, transitada em julgado em 14 de Março de 2011, foi o arguido condenado pela prática em 7 de Abril de 2008, de um crime de dano qualificado e de um crime de receptação, na pena única de 200 dias de multa, à taxa diária de €5,00;

• Por Acórdão proferido no dia 23 de Fevereiro de 2011, no Processo Comum Colectivo n.º 204/08.... do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, transitado em julgado em 15 de Março de 2011, foi o arguido condenado pela prática em 17 de Maio de 2008, de um crime de coacção grave na forma tentada, de um crime de roubo, de um crime de coacção agravada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada e de um crime de sequestro, na pena única de 2 anos e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos e 10 meses, com regime de prova;

• Por Acórdão Cumulatório proferido no dia 12 de Março de 2012, no Processo Comum Colectivo n.º 370/08.... do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, transitado em julgado em 18 de Abril de 2012, foi o arguido condenado pena única de 5 anos e 9 meses de prisão e na pena única de 217 dias de multa, à taxa diária de €5,00;

• Por sentença proferida no dia 30 de Novembro de 2022, no Processo Sumário n.º 456/22.... do Juízo de Competência Genérica de Mangualde do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, transitada em julgado em 113 de Janeiro de 2023, foi o arguido condenado pela prática em 18 de Janeiro de 2022, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de €5,00.”

Adiantamos, desde já, que a decisão recorrida não nos merece censura, pese embora lance mão, também ela, a referências aos relatórios social e pericial não se limitando, como devia, à factualidade dada como provada.

Porém, esta factualidade é suficiente enquanto base da decisão que está em causa e a ela nos referiremos para apreciar os argumentos aduzidos pelo Recorrente.

Comecemos pela questão de saber se o Recorrente demonstra ter crítica para a necessidade de tratamento da doença de que padece e de controlo e tratamento da sua toxicodependência, condições essenciais para que sejam evitados períodos de descompensação clínica, onde a sua perigosidade se evidencia, colocando em causa a proteção de bens jurídicos e da comunidade.

Pois bem, atenta a matéria de facto provada é, pelo menos, duvidoso que o arguido tenha essa consciência crítica e que seja capaz de a manter de forma, mais ou menos, regular, como se exige em casos como o dos autos em que o agente padece de doença grave e incurável, a qual apenas pode ser controlada cumprindo as respetivas prescrições médicas, por forma a melhorar a qualidade de vida do doente e em que tem um longo passado de consumo de estupefacientes, o qual nunca logrou tratar de forma consistente.

Com efeito, o que se retira, em síntese, da matéria de facto provada, concretamente da vertida nos pontos 94., 96., 97., 98., 99. e 102. é que:

 - À data dos factos mantinha um quotidiano centrado na ociosidade com inserção em grupos de pares com comportamentos de risco e associado ao consumo de estupefacientes evidenciando instabilidade emocional e comportamental derivada do consumo de estupefacientes e da perturbação mental, para a qual não cumpria a medicação prescrita;

- O seu percurso vivencial foi marcado de forma indelével pela perturbação mental e pela adição ao consumo de estupefacientes, pois que, aos 8/9 anos de idade lhe foi diagnosticada perturbação depressiva e aos 18 anos de idade, esquizofrenia, sendo que, logo na adolescência iniciou o consumo de estupefacientes, comportamento que manteve ao longo da sua vida com períodos de abstinência interpolados com outros de recaída no consumo. Aos 18 anos de idade foi internado compulsivamente, mas tal internamento não teve êxito, pois que, retomou o consumo de estupefacientes, nunca tendo concretizado tratamento a esta sua dependência.

- Detido preventivamente à ordem destes autos e beneficiando de acompanhamento médico especializado da área da psiquiatria cumprindo a medicação prescrita, adota comportamento estável, mantendo, além disso, abstinência do consumo de estupefacientes. O acompanhamento em causa, permite-lhe manter estabilidade psicopatológica.

Com efeito, o Arguido nunca logrou, desde a sua adolescência até à sua reclusão, adotar uma atitude consistente no que toca ao tratamento da sua doença e adição, o que demonstra ausência da crítica a que vimos aludindo e a que o Recorrente se reporta ou, pelo menos, nunca logrou mantê-la de forma consistente.

Por outro lado, resulta claro que a melhoria do seu estado clínico e a abstinência que logrou alcançar só se verificam, desde que foi preso e, em meio fechado, lhe são proporcionadas as condições para tal.

Conclui-se, pois, que à data em que foi prolatada a decisão em recurso, não podia o Tribunal considerar que o arguido tinha consciência crítica no que respeita à sua doença e adição e necessidade absoluta de as tratar.

Passando à questão do apoio familiar.

O que resulta da factualidade provada, concretamente, dos pontos 96. e 103. é que, à data da prática dos factos o arguido vivia sozinho, ocioso e entregue aos consumos de estupefacientes, realizando, pontualmente, trabalhos na construção civil, mas subsistindo, maioritariamente com base na pensão de invalidez que lhe foi atribuída. Estava afastado do contacto com os progenitores e com os irmãos, não cumprindo a medicação prescrita.

Mais resulta que, à data da decisão recorrida, beneficiava do apoio dos familiares de origem, não obstante o desgaste que demonstram relativamente à sua situação jurídico-penal.

            Pois bem, o que se conclui é que, em situações em que o Arguido retoma o consumo de estupefacientes e abandona a medicação, também se afasta dos familiares, sendo certo que estes revelam compreensível desgaste com esta situação que vivenciam desde que o arguido tinha 18 anos de idade. Não se duvida da vontade dos familiares de apoiar o Arguido, do que se duvida é da capacidade de os mesmos, em face da gravidade das problemáticas de saúde com que o mesmo se confronta, do seu arrastamento ao longo dos anos e das sucessivas recaídas no consumo, proporcionarem o apoio de que o arguido necessita.

            Subscrevem-se, também nesta parte, as doutras considerações tecidas pela Exma. Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância (transcrição):

                “Na verdade, não obstante o apoio familiar de que o arguido já beneficiava, também na data dos factos (pese embora, como se dá como provado no ponto 96 da factualidade dada como provada, o arguido se encontrasse mais afastado do contacto com os progenitores e os irmãos, à data dos factos) tal não constituiu impedimento à deterioração do estado mental do arguido e à sua descompensação, e, consequentemente, à prática dos factos. (…) Ora, perante a “instabilidade emocional e comportamental do arguido motivada pelo consumo de estupefacientes e decorrente da sua perturbação mental” para a qual o arguido não concretizava tratamento, a família, nomeadamente a progenitora, foi incapaz de adotar medidas eficazes que garantissem que o arguido não se afastava da família, que não residia sozinho e que fazia o tratamento adequado, não consumindo estupefacientes,… e, assim sendo, que garantias existem agora de que a situação seria diversa?? Que garantias existem de que o arguido não abandona o tratamento, como já sucedeu tantas vezes, e entra em descompensação, ou seja, num estado tal em que é possível e previsível que venha a praticar factos similares?

                (…)

O arguido tem actualmente 33 anos e registou já vários contactos com o sistema de justiça, inclusivamente com o cumprimento de penas de prisão, tendo saído em Liberdade condicional em 01.11.2016, como se colhe do seu Certificado do Registo Criminal. O apoio familiar não foi bastante para que o arguido, em liberdade (e mesmo quando sujeito a regime de prova), se mantivesse longe dos consumos de estupefacientes e fizesse regularmente o tratamento psiquiátrico a que estava sujeito, mantendo-se afastado da prática de crimes…, pelo que nada aponta para que a família, designadamente a progenitora, consiga, agora, que este vá residir consigo e que, se mantenha longe dos consumos de estupefacientes a fazer o tratamento psiquiátrico de que necessita.”

            Sucumbem, pois, os argumentos aduzidos pelo Recorrente, pois que, por um lado, o que resulta dos autos é que o mesmo não demonstra ter sentido crítico relativamente à necessidade de tratamento da sua doença e da sua toxicodependência, com a robustez que é de exigir numa situação como a sua em que aquelas doença e toxicodependência assumem grande gravidade, duram há vários anos e são fatores de grande risco no que tange à sua perigosidade.

            Por outro lado, não obstante se tenha demonstrado que o Recorrente dispõe de algum apoio familiar, o mesmo, em face do longo percurso de consumos e descompensações clínicas do arguido a que foram sujeitos os seus familiares mais próximos, não apresenta garantias de se manter com a eficácia que o seu estado de saúde reclama.

            Concluindo.

Embora permitido pelo artigo 98º do Código Penal, no caso vertente não será de decretar a suspensão da execução do internamento.

No caso dos autos, para além do juízo de prognose favorável a que vimos aludindo e a que se reporta o nº1 do artigo 98º do código Penal, de acordo com o seu nº2, no caso previsto no nº 2 do artigo 91º - como é a situação vertente, uma vez que estamos perante crime contra as pessoas – “a suspensão só poderá ter lugar verificadas as condições aí enunciadas”, ou seja, quando a suspensão se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.

Note-se que a medida de internamento visa não só proteger a sociedade do perigo de o arguido poder vir a praticar novos factos objetivamente criminosos, de natureza grave, mas, mais relevantemente, procura também prosseguir fins terapêuticos em relação a ele próprio, fazendo cessar no internado o estado de perigosidade criminal que deu origem ao internamento, de forma a regressar ao convívio da comunidade um cidadão apto a respeitar os direitos dela.

Ora, no caso vertente, a suspensão do internamento não permite alcançar tais finalidades.

O arguido necessita, para além de tratamento da sua toxicodependência, de acompanhamento psiquiátrico e não resulta dos autos que reconheça estas necessidades, ponto de partida essencial para que pudesse reconhecer-se que a suspensão do internamento era suficiente para lograr o tratamento e cessação do seu estado de perigosidade criminal.

Acresce que o arguido não dispõe de retaguarda familiar que permita, com razoável certeza, manter esse acompanhamento.

Pese embora se admita poder o Arguido, em sede de revisão da medida de segurança imposta (artigos 93º e 94º do código Penal) e caso aquelas condições se alterem, mantendo-se o tratamento e a abstinência do consumo de estupefacientes, vir a beneficiar de uma medida de segurança não detentiva, por ora, não é de esperar com razoabilidade que a suspensão do internamento permita alcançar as apontadas finalidades da medida de segurança, por não se prever que o arguido não volte a praticar factos ilícitos da mesma espécie e gravidade.

Confirma-se, pois, o acórdão recorrido, improcedendo totalmente o recurso.

III – DISPOSITIVO.

Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da 4.ª Secção deste Tribunal da Relação de Coimbra em julgar totalmente improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos BB e AA, do acórdão proferido nos autos, que se confirma.

Custas a cargo dos arguidos/recorrentes fixando-se a taxa de justiça em quantia correspondente a 3 UCs (três unidades de conta) - Artigos 513º, nº1 do Código de Processo Penal e 8º, nº9, do Regulamento das custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma.


            (Texto elaborado pela relatora e revisto pelos seus signatários - art. 94º, n.º 2, do CPP)

                                               Coimbra, 25-06-2025      

Os Juízes Desembargadores

Fátima Sanches (Relatora)

Teresa Coimbra (1ª Adjunta)

Rosa Pinto (2ª Adjunta)

 (data certificada pelo sistema informático e assinaturas eletrónicas qualificadas certificadas)


           


[1] Cfr. os acórdãos do STJ de 18-01-2018 (processo n.º 563/14.3TABRG.S1) e de 25-03-2010 (processo n.º 427/08.OTBSTB.E1.S1), disponíveis em http://www.dgsi.pt.

[2] Cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23/03/2015, processo 159/11.5PAPTL.G1, acessível em www.dgsi.pt.

[3] Castanheira Neves, citado por Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal I, pág.85.

[4] In http://www.dgsi.pt/jstj. – Processo nº405/14.0JACBR.C1.S1 – Relator: Santos Cabral.

[5] “Direito Penal Português, Tomo II - As Consequência Jurídicas do Crime”, 1993, pp. 72-73.
[6] “Direito Penal, Parte Geral”, Tomo I, 2ª Edição, Coimbra Editora, 2007, pp.78-85.
[7] Conforme menciona Manuel Augusto Barros Lopes, in “Sobre Um Caminho Para a Pena”, 2022, p.110, a finalidade da pena «(…) no modo de prevenção geral positiva ou integração, aposta no reforço da confiança ou consciência comunitária na validade da ordem jurídica. Existindo pertinência do bem jurídico a pena exerce uma função pedagógica dirigida à interiorização dos bens jurídico-penais pela consciência jurídica comunitária, uma função de pacificação social. (…) Por seu turno, a prevenção especial assume natureza acautelar a prática de futuros crimes, quer pelo mesmo agente no polo em que fulmina enquanto negativa, quer por possíveis agentes diversos no polo em que atrai como positiva. (…) no modo de especial positiva adota a regeneração, reeducação, ressocialização ou reinserção social como desígnio.»  
[8] Sendo de notar que alguns dos critérios são referidos tendo em conta o conjunto dos arguidos condenados em penas de prisão.
[9] Prolatado no âmbito do processo nº114/14.0JACBR.S1, relator: Cons.º Vinício Ribeiro, disponível para consulta em www.dgsi.pt
[10] A propósito desta sanção, concretamente, a propósito dos respetivos pressupostos, veja-se, Figueiredo Dias in “Direito Penal Português, as consequências jurídicas do crime”, Aequitas Editorial Notícias, 1993, página 563 a 572

[11] Todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt
[12] 19-09-2018
[13] Obra citada, página 565.
[14] Como assinalado pela Exma. Senhora Procuradora da República junto da primeira instância na sua douta resposta, resulta dos documentos de fls. 932 a 935 que o arguido em 13.07.2018 ainda se mantinha preso em cumprimento de tal pena relativamente à qual lhe foi, nessa data, negada a concessão de liberdade condicional e resultando de tal expediente que os 5/6 da pena se atingiram em 19.09.2018, data em que, obrigatoriamente, lhe seria, como foi, concedida a liberdade condicional.
[15] Obra citada, páginas 572 e 573
[16] Prolatado no âmbito do processo nº03P1223, relator: Cons.º Pereira Madeira, disponível para consulta em www.dgsi.pt
[17] - Cfr. Antunes Varela-Pires de Lima in “Código Civil Anotado”, vol. 1º, anotação ao artigo 494.º e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-01-2010, relator: Cons.º Fernando Frois, este último com inúmeras outras referências jurisprudências, prolatado no âmbito do processo nº1234/06.0TASTS.P1.S1 e disponível para consulta em www.dgsi.pt
[18] Obra citada, páginas 517 a 519.

[19] In “Comentário do Código Penal”, 2ª Ed. atualizada, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2010, pág. 340.

[20] In “Código Penal”, Volume I, Anotado, 1995, pág. 712.
[21] Prolatado no âmbito do processo nº98/15.7JAGRD.C1.S1; relator: Cons.º Manuel Augusto de Matos, disponível para consulta em www.dgsi.pt
[22] Todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt