REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
INCUMPRIMENTO GROSSEIRO E REITERADO DAS CONDIÇÕES DA SUSPENSÃO
Sumário

1 - A suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido foi condicionada ao “regime de prova”, assente num plano de reinserção social com frequência de programas de prevenção de violência doméstica e a manutenção de trabalho estável, com acompanhamento e fiscalização pela DGRS, e na sujeição de afastamento da vítima, da sua residência ou local de trabalho e à proibição de contactar, por qualquer meio, com esta, com vigilância eletrónica.
2 - O arguido não mostrou qualquer empenho e interesse no cumprimento das obrigações impostas no âmbito da suspensão da execução da pena, pois apesar da solene advertência para as consequências que para si poderiam advir desse incumprimento, não alterou a sua postura com manifesto alheamento pelas decisões do tribunal.
3 - A conivência da ofendida não pode servir para justificar a conduta do arguido, tanto mais que o crime de violência doméstica visa proteger não só esta vítima, mas também outras prováveis companheiras/cônjuges daquele.
4 - O comportamento reflectido nos autos não revela qualquer vontade de cumprir o regime de prova, desconsidera a condenação sofrida e demonstra que o arguido não interiorizou os valores tutelados pela norma violada.
5 - O incumprimento do arguido é culposo, mostrando-se infringidos de forma grosseira e repetida as regras impostas e o plano individual de reinserção do arguido, a revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 5ª. Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório.

No processo comum, com intervenção do tribunal singular, nº. 46/22.8GAVLF.C1, que corre termos pelo Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, Juízo de Competência Genérica de Vila Nova de Foz Côa, foi o arguido AA condenado, além do mais, pela prática, em autoria material, na forma consumada, e em concurso aparente, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea a), do Código Penal, perpetrado na pessoa de BB, de um crime de violação de domicílio, p. e p. pelo artigo 190.º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, por referência ao artigo 202.º alínea f), subalínea ii), do Código Penal, e de um crime de perseguição, p. e p. pelo artigo 154.º-A, do Código Penal na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão;

A pena de prisão aplicada foi suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses, subordinando tal execução a regime de prova, acompanhado e fiscalizado pelo DGRSP, com elaboração de um plano de reinserção social que deve contemplar a frequência de programas de prevenção de violência doméstica e a manutenção de trabalho estável, mais subordinando tal suspensão ao afastamento do condenado da vítima BB, da sua residência ou local de trabalho e à proibição de contactar, por qualquer meio, com BB, com vigilância eletrónica, com salvaguarda dos contactos necessários ao exercício da regulação das responsabilidades parentais relativas à filha comum, tudo nos termos do disposto nos artigos 50.º, n.ºs 1, 2, 4 e 5, 52.º, n.º 1, alíneas b) e c), 53.º, n.ºs 1 e 2 e 54.º, todos do Código Penal, e nos artigos 34.º-B, n.º 1, 35.º, e 36.º, n.º 7, todos da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro.

Por despacho proferido em 20/09/24 foi determinada a revogação da suspensão da execução da pena de prisão.

Inconformado com o decidido veio o arguido e ora recorrente o AA interpor recurso da referida decisão, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever:

         “ 1. O arguido não se conforma com a decisão ora recorrida que revoga a suspensão da pena de prisão;

2. Pois entende que para efeito das disposições do artigo 56º nº 1 a) do CP, não violou grosseiramente o dever de se aproximar da vítima, uma vez que foi precisamente o contrário que ocorreu, ou seja, foi a vítima que contatou e que promoveu a reaproximação com arguido nos termos melhor vertidos nos autos;

3. O Ac. TRC de 17-10-2012, acessível in www.dgsi.pt afirma que: “ A violação grosseira dos deveres ou regras de conduta impostos, de que se fala na alínea a), do n.º 1, do artigo 56º, do Código Penal, há-de constituir uma indesculpável actuação, em que o comum dos cidadãos não incorra e que não mereça ser tolerada nem desculpada; só a inconciliabilidade do incumprimento com a teleologia da suspensão da pena é que deve conduzir à respectiva revogação.”

4. Neste conspecto não podemos deixar de ter em consideração que culpa consiste na omissão reprovável de um dever de diligência, que é de aferir, em abstrato, pelo padrão de esmero do bonus pater familiae, hipoteticamente colocado na situação concreta.

5. E colocado nesta situação concreta é de fazer notar a OPINIÃO, do técnico que acompanha os autos, que em declarações na diligência de audição do condenado, face ao circunstancialismo concreto que os presentes autos revestem, considerou que em prol de ser a vítima a procurar o arguido, tal “iliba o condenado de total responsabilidade”!;

6. Situação diversa e diferente, seria se o arguido se contactasse a vítima reiteradamente como o fez para a agredir ou maltratar física ou verbalmente, aí sim estaria definitivamente demonstrada a infração grosseira ou repetida dos deveres de conduta relevante para a revogação da suspensão da pena de prisão, o que nos presentes autos não se verificou (note-se que nunca a DGRSP teve necessidade de alertar as autoridades o que é procedimento comum neste tipo de casos);

7. Conclui o arguido que de facto violou os deveres de não contactar com a vítima, contudo não reconhece que tenha sido por sua culpa;

8. Conclui o Arguido que as finalidades de prevenção especial subjacentes ao caso concreto estão a ser logradas e ainda se podem concretizar, mantendo-se a suspensão da execução da pena de prisão, ainda sendo possível fazer um juízo de prognose favorável da sua aplicação, ou seja, a infirmação, certa, da esperança de, por meio da suspensão, ainda se pode manter o arguido, no futuro, afastado da criminalidade, ainda que para o efeito necessário seja impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção, nos termos das disposições do artigo 55º c) do Código Penal;

9. O se revela pela forma como a vítima descreveu a relação do arguido para com ela;

10. O que se demonstra pela mudança de tratamento do arguido para com a vítima e pela relação de afeto deste para com ela e com os seus familiares;

11. Que evidenciam o afastamento do arguido da delinquência;

12. Não obstante do surgimento da notícia de novos factos incriminadores, que em razão do princípio da presunção de inocência, não devem ser considerados para o aqui a decidir;

13. Relevando ao invés a inexistência de novos relatos de incumprimento do dever de aproximação ou contactos com a vítima desde que esta manifestou querer afastar-se do arguido.

14. Revelando também que o referido pela técnica da DGRSP, na parte em que diz haver necessidade do arguido tratar da dependência emocional da qual padece em relação à vítima;

15. Concluindo-se que não pode haver lugar á revogação da suspensão da pena de prisão, por não estarem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências previstas no Artº 55º do Código Penal;

16. Concluindo-se importante impor ao arguido novos deveres, que passam pelo acompanhamento psicológico de como a colmatar a dependência psicológica de que este padece em relação à vítima de modo a que no futuro quando esta o procure aproveitando-se da fragilidade emocional do arguido, este possa dizer NÃO.

17. Assim se conclui que se deve manter a suspensão da execução da pena, de prisão, pugnando-se pela imposição de novos deveres, designadamente do acompanhamento psicológico de modo a tratar a dependência emocional da qual o arguido padece em relação à vitima, uma vez que se considera que ainda é possível fazer um juízo de Prognose favorável relativamente à manutenção da suspensão da pena de prisão, pois entende-se que a ameaça de prisão, bem como a suspensão da pena são face ao comportamento do arguido, suficientes para o demover da prática futura de novos crimes e assim suficientes para ressocializar o arguido.

Nestes termos e nos demais de Direito, e sempre com o Mui Douto suprimento dos Excelentíssimos Senhores Desembargadores, deve a sentença que revoga a pena de suspensão da pena de prisão ser revogada, devendo, em consequência manter-se a decisão que suspende a execução da pena de prisão, impondo ao arguido novos deveres ao arguido nos termos do artigo 55º do Código Penal.

Fazendo-se assim a acostumada, JUSTIÇA.”

        Na 1ª. Instância o Ministério Público respondeu ao recurso, retirando da respetiva motivação, as seguintes conclusões, que se transcrevem:

         “1. No âmbito dos presentes autos, o arguido AA, foi condenado, por sentença proferida em 31/01/2023, já transitada, pela prática, em autoria material, na forma consumada, e em concurso aparente, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º. 1, alínea a) e n.º 2, alínea a), do Código Penal, perpetrado na pessoa de BB, de um crime de violação de domicílio, p. e p. pelo artigo 190. º , n.ºs 1 e 3, do Código Penal, por referência ao artigo 202.º alínea f), subalínea ii), do Código Penal, e de um crime de perseguição, p. e p. pelo artigo 154.º-A, do Código Penal na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, a qual foi suspensa na sua execução pelo mesmo período, subordinando tal suspensão a regime de prova, a ser acompanhado e fiscalizado pelo DGRSP, com a obrigação de afastamento do condenado da vítima BB, da sua residência ou local de trabalho e à proibição de contactar, por qualquer meio, com a mesma, com vigilância eletrónica, com salvaguarda dos contactos necessários ao exercício da regulação das responsabilidades parentais relativas à filha comum, tudo nos termos do disposto nos artigos 50.º, n.ºs 1, 2, 4 e 5, 52.º, n.º 1, alíneas b) e c), 53º. , n.ºs 1 e 2 e 54º., todos do Código Penal, e nos artigos 34.ºB, nº. 1, 35º. , e 36º., n. 0 7, todos da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro.

 2. .Foram reportados diversos incidentes e aproximações à vitima, pela DGRSP e realizadas as audições do arguido, este não se coibiu de repetir a sua conduta, enunciando que durante o cumprimento da pena, viveu com a vítima enquanto casal.

3. Assim, o arguido infringiu de forma grosseira e repetidamente os deveres a que estava obrigado, porquanto com o seu comportamento, nos termos supra descritos, revelou uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade, ao ignorar a pena de prisão suspensa na sua execução em que foi condenado Frustrando-se o cumprimento do regime de prova por, pelo menos, 3 (três) vezes, frustram-se as finalidades subjacentes à suspensão da execução da pena de prisão.

 4. Na sequência do anteriormente expendido, em nosso entendimento correctamente, o Meritíssimo Juiz de Direito do Tribunal a quo considerou que as finalidades de punição que estavam na base da suspensão, mormente as necessidades de punição e a ressocialização do arguido, não foram alcançadas, ao abrigo do disposto no art.º 56. º, n.º 1, al. a), do Código Penal, e por conseguinte, determinou a revogação da suspensão da execução da pena de prisão e, consequentemente, determinou que o condenado AA, cumprisse a pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses que lhe foi aplicada nestes autos.

 5. O Ministério Público, ao invés do recorrente, considera que o julgamento e a decisão assumida pelo Meritíssimo Juiz de Direito, foi, devida e correctamente, ponderado uma vez que o juízo de prognose favorável efectuado aquando da prolação da sentença condenatória e que esteve na génese da suspensão da pena de prisão a que o arguido foi condenado, encontra-se, total e irremediavelmente, inquinado e/ou contaminado, em virtude da violação grosseira e reiterada do regime de prova.

Em suma, a decisão recorrida não merece censura, devendo manter-se nos seus precisos termos.

 Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas., Venerandos Desembargadores, não deixarão de doutamente suprir.

Deve o recurso ser julgado improcedente, por não provado, mantendo-se a sentença condenatória, nos seus precisos termos. Desse modo fazendo V. Exas. a costumada JUSTIÇA.”

       Neste Tribunal da Relação, o Exmº. Senhor Procurador Geral Adjunto respondeu ao recurso manifestando-se pela sua improcedência.
Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º., nº. 2 do Código de Processo Penal.
Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência.

II-Fundamentação
Objeto do recurso
De acordo com o estatuído no artigo 412º. Do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº. 7/95, de 19 de outubro de 1995, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso.

Assim, atentas as conclusões apresentadas, a questão que se coloca a apreciar deste tribunal consiste em saber se estão verificados os fundamentos da revogação da suspensão da execução da pena de prisão.  

III-Decisão Recorrida

A decisão recorrida tem o seguinte conteúdo:

“ I. Do incumprimento das condições da suspensão da execução da pena:

Nos presentes autos de processo comum, o arguido AA, foi condenado, por sentença proferida em 31/01/2023, já transitada nos autos, pela prática, em autoria material, na forma consumada, e em concurso aparente, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea a), do Código Penal, perpetrado na pessoa de BB, de um crime de violação de domicílio, p. e p. pelo artigo 190.º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, por referência ao artigo 202.º alínea f), subalínea ii), do Código Penal, e de um crime de perseguição, p. e p. pelo artigo 154.º-A, do Código Penal na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, a qual foi suspensa na sua execução pelo mesmo período, subordinando tal suspensão a regime de prova, a ser acompanhado e fiscalizado pelo DGRSP, com a obrigação de afastamento do condenado da vítima BB, da sua residência ou local de trabalho e à proibição de contactar, por qualquer meio, com a mesma, com vigilância electrónica, com salvaguarda dos contactos necessários ao exercício da regulação das responsabilidades parentais relativas à filha comum, tudo nos termos do disposto nos artigos 50.º, n.ºs 1, 2, 4 e 5, 52.º, n.º 1, alíneas b) e c), 53.º, n.ºs 1 e 2 e 54.º, todos do Código Penal, e nos artigos 34.ºB, n.º 1, 35.º, e 36.º, n.º 7, todos da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro.

Por despacho proferido em 18/09/2023, foi declarado verificado o incumprido culposo e censurável pelo condenado das obrigações a que estava sujeita a suspensão da execução da pena de prisão, nomeadamente, a obrigação de afastamento do condenado da vítima BB, da sua residência ou local de trabalho e à proibição de contactar, por qualquer meio, com a mesma.

Nessa sequência, o Tribunal advertiu solenemente o arguido nos seguintes termos:

“i. O Tribunal considerou que o comportamento do Condenando foi um incumprimento do determinado em sentença;

ii. considerou ainda que tal incumprimento foi culposo e como tal censurável já que o Condenado devia ter agido de outra forma, cumprindo o que foi determinado:

iii. o Tribunal afastou, por enquanto, o cumprimento efectivo de prisão como resposta ao comportamento do condenado;

iv. O Tribunal afastou também a possibilidade de se agravar as condições de suspensão, considerando todo o circunstancialismo ínsito ao incumprimento, e uma vez que foi percepcionado que a vítima também contribuiu para estes contactos;

v. De tudo o que acabámos de dizer resulta que, ou o Arguido cumpre o que foi determinado em sentença, ou que será preso por dois anos e quatro meses, já que não faz sentido agravar ou aumentar o que não é sequer minimamente cumprido, prisão essa que apenas não determina desde já pelo contexto que enunciámos, mas que certamente não permitirá uma segunda oportunidade.

 vi. Explique-se, por ser agora o momento, que se o Condenado estiver preso em estabelecimento prisional não poderá evidentemente contactar com os familiares da vítima, reunir-se familiarmente com os seus filhos, participar activamente na vida destes ou manter uma vida em liberdade com todas as virtualidades que a suspensão da pena lhe permite;

vii. É isso que o Condenado está a colocar em perigo e em crise com o seu comportamento, e mantê-lo apenas pode levar o Tribunal a concluir que não merece a confiança que o Tribunal depositou na possibilidade de reintegrar a sociedade como elemento activo e probo;

viii. O Arguido foi condenado numa pena de prisão, não se olvide, que é a mais gravosa do nosso sistema penal;

ix. O facto de a pena a que foi condenado ter sido suspensa na sua execução não lhe retira força ou eficácia, e se o Arguido considerar isso e mantiver o seu comportamento, é porque a suspensão não alcança as finalidades que se pretende, e deve ser revogada;

x. As decisões judiciais, mormente as criminais, e as penas devem ser escrupulosamente cumpridas, e se o não forem, o Tribunal agirá em conformidade;

xi. está na disponibilidade do Condenado demonstrar que esta situação é ultrapassada e que vai pautar o seu comportamento de acordo com os ditames que lhe foram definidos, não contactando e não se aproximando da vítima nos termos judicialmente definidos. Ele deve obviar aos contactos e cumprir a sua pena. Não o fazendo, o sistema penal agirá adequadamente.

 xii. Deve, portanto, o Condenado cumprir escrupulosamente com o determinado em sentença.” (referência n.º 30636840, de 18/09/2023).

Por ofício datado de 12/10/2023, veio a DGRSP informar os autos de que “[o] condenado continua a violar a zona de exclusão fixa correspondente à casa da vítima com a aparente conivência desta. Isso aconteceu nas seguintes datas, após a sua audição em tribunal:

27set23: das 18.21 horas às 18.29 horas e das 21.41 às 21.59 horas; o arguido continua a passar várias vezes na ZEF (zona de exclusão fixa) quer em trabalho quer para ver a filha e quiçá a vítima.

18out23: das 19.25 horas às 19.57 horas e das 21.33 horas às 21.50 horas; condenado asseverou ter ido buscar umas coisas da filha.

 21out23: das 09.13 horas às 09.35 horas e das 10.29 horas às 10.49 horas; foram realizadas inúmeras tentativas de contato com AA, mas nunca atendeu em devolveu as chamadas.

Face ao propalado, fácil é concluir que o condenado tem continuado a violar de a regra de conduta de proibição de contatos com a vítima com a conivência desta que afiança não ter receio dele e não se sentir insegura, bem sabendo que o incumprimento das condições de suspensão pode eventualmente determinar a revogação da suspensão da execução da pena de prisão.” (referência n.º 2280022).

 Procedeu-se à audição do arguido e da técnica da DGRSP quanto ao teor do ofício remetido pela DGRSP, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 495.º, n.º 2, do Código de Processo Penal; sendo que, posteriormente, veio a DGRSP remeter novo ofício em 12/10/2023, veio a DGRSP informar os autos de que “a vítima contatou a Equipa de VE de ... a dar nota que se tinha incompatibilizado com o condenado e que pretendia que ele abandonasse a sua residência no ... onde ele tem estado a viver na sua companhia, violando a regra de conduta que lhe foi imposta judicialmente. Assumiu que informou viver em ... apenas para poder estar mais à vontade com o vigiado mas que ele tem tido um comportamento agressivo para com ela e que tem receio do seu comportamento, tendo informado a vítima que não tem alternativa para viver porque os seus pais não o aceitam em sua casa. Assim sendo, vimos solicitar autorização para mudar a zona de exclusão fixa de ... para o ..., o que exigirá a imediata saída do vigiado da casa da vítima. Esta informou ainda que por vezes o AA coloca fita adesiva à volta da pulseira eletrónica para não ser detetado, o que pode corresponder à verdade porque o sistema tem registado alguns alarmes que o indiciam.” (referência n.º 2351624).

Em 14/02/2024, a DGRSP remeteu relatório de acompanhamento aos autos, no qual se refere que: “O condenado tem comparecido nas entrevistas na Equipa da DGRSP de Alto Trásos-Montes sempre que convocado e adotado um comportamento de alguma instabilidade, culpabilizando a intervenção dos técnicos desta equipa e monitorização da VE como intrusiva na vida dele e da vítima, BB. Em termos relacionais AA refere que os relacionamentos que manteve e tem vindo a manter ao longo da sua vivencia não se têm revelado significativos, assumindo que continua a nutrir pela vítima um acentuado sentimento amoroso, do qual refere de difícil desvinculação, não obstante as orientações para cumprir com a sentença em que foi condenado.

 Assim, e contrariamente ao determinado judicialmente, a vitima, que até ao momento nunca assumiu um relacionamento de coabitação com o condenado, veio atualmente revelar que ela e condenado terão estado a residir juntos na morada Estrada ..., ..., ..., ... ....

 Recentemente, e segundo a vítima, terá existido da parte do condenado comportamento agressivo, pelo que BB lhe terá solicitado para sair da sua habitação, e que o próprio recusou, tendo sido a vitima a sair de sua casa, passando dois dias em casa de uma amiga, mas com o objetivo de regressar de novo aquela que é sua habitação.” (referência n.º 2353092).

Na sequência das novas informações, procedeu-se a nova audição do arguido e do técnico da DGRSP, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 495.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

 Das audições do arguido resultou, em síntese, que: o arguido esteve a residir com a vítima ; a vítima não andava com o aparelho a fim de não serem detectados os encontros com o arguido; o arguido admitiu que, durante o cumprimento da pena, viveu com a vítima enquanto casal. O Ministério Público pugnou pela revogação da suspensão da execução da pena de prisão, invocando, em síntese, que estamos perante, pelo menos, 3 situações de incumprimento culposo e reiterado ainda antes do meio da pena, duas das quais após a existência de uma solene advertência realizada pelo Tribunal, sendo evidentes as manobras do arguido para ludibriar a fiscalização da obrigação de afastamento, com a criação de residências fictícias e manipulação dos aparelhos electrónicos de vigilância.

O Ilustre Defensor do arguido pugnou pela manutenção da suspensão da execução da pena de prisão, manifestando o entendimento de que, muitas das vezes, foi a vítima que procurou o arguido, consentindo com todos os contactos, razão pela qual não pode considerarse que estamos perante uma violação culposa.

 Cumpre apreciar e decidir.

Preceitua o artigo 56.º do Código Penal que: “1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas. 2 - A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado”.

 Por sua vez, dispõe o artigo 55.º daquele diploma que: “Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal: a) Fazer uma solene advertência; b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção; d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50.º.”.

 Os fundamentos da revogação da suspensão são, assim, três: infracção grosseira dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção social; infracção repetida de deveres, de regras de conduta ou do plano de reinserção social; e cometimento de crime durante o período de suspensão. A suspensão da pena tem um sentido pedagógico e reeducativo, o qual é norteado, por sua vez, pelo desiderato de afastar, atentas as concretas condições do caso, o delinquente da prática de crimes, assentando o juízo de prognose, não numa absoluta certeza, mas numa esperança fundada de que a socialização em liberdade seja realizada, importando sempre um risco para o julgador derivado dos elementos de facto a que tem acesso (cfr. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, Parte Geral II, As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, 1993, pág. 344).

 Nesta senda, a revogação da suspensão não é um acto meramente formal, pois que “depende, ainda, da circunstância de o condenado revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, isto é, constitui requisito da revogação a demonstração de que as finalidades de punição não puderam ser realizadas” [vide Maia Gonçalves, in “Código Penal Português - Anotado e Comentado”]. A infracção dos deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social e o cometimento pelo arguido de um crime durante o período de suspensão de execução da pena de prisão não implica, necessariamente, a sua revogação uma vez que, para que tal aconteça, é necessário que tal violação e comportamento criminoso evidenciem que o arguido não é merecedor do juízo de prognose positiva em que se alicerçou a aplicação daquela pena de substituição.

 Como ensina Paulo Pinto de Albuquerque “o critério material para decidir sobre a revogação da suspensão é exclusivamente preventivo, isto é, o tribunal deve ponderar se as finalidades preventivas que sustentaram a decisão de suspensão ainda podem ser alcançadas com a manutenção da mesma ou estão irremediavelmente prejudicadas em virtude da conduta posterior do condenado” [in “Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 202].

 Por conseguinte, constituindo a revogação da suspensão da execução da pena de prisão a ultima ratio, apenas deverá ocorrer em situações mais gravosas, ou seja, quando o comportamento do arguido infirmar “definitivamente o juízo de prognose que esteve na base da suspensão, é dizer, a esperança de, por meio desta, manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade” [vide Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 356]. Apenas o fracasso, em definitivo, da prognose inicial que determinou a sua aplicação, ou seja, a infirmação, certa, da esperança de, por meio da suspensão, manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade, poderá determinar a revogação da suspensão da execução da pena de prisão [vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 03/07/2003, no processo n.º 5347/2003-9, acessível in www.dgsi.pt]. Conforme sustenta Leal Henriques e Simas Santos, “a revogação da suspensão só deve ter lugar como última ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências que se podem tomar. Aliás, o Tribunal goza de uma ampla faculdade de prescindir da revogação, mesmo que exista mau comportamento durante o período de suspensão” [in “Código Penal Anotado”, 1.º Volume, 3.ª edição, Rei dos Livros página 707]. A verificação de um incumprimento da suspensão da pena de prisão, determinada em sentença, exige uma apreciação conjunta do disposto nos artigos 55.º e 56.º do Código Penal. Em suma, o Tribunal deverá conhecer as possíveis consequências do incumprimento das medidas impostas em sede de suspensão, tendo, porém, presente, que a revogação da pena aplicada deverá ocorrer, tão só, em situações de natureza grave, nomeadamente, quando seja possível concluir que a substituição da pena de prisão (através da sua suspensão) constitui uma opção lacunosa e infrutífera (contrariamente ao que se pressupôs precedentemente) [neste sentido, vide os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, datados de 19/12/2019, processo n.º 293/03.1TAVFX.E3; e de 28/04/2020, processo n.º 1852/10.1TXEVR-O.E1; ambos disponível em www.dgsi.pt].

Ora, volvendo à situação subjudice, verifica-se que o arguido, tal como decorre das suas próprias declarações, esteve presencialmente e de modo reiterado com a vítima, residindo com a mesma enquanto casal. Mais se apurou que tal convivência com a vítima ocorreu durante o período da suspensão da execução da pena de prisão, bem como – note-se – após quer o anterior incumprimento culposo declarado judicialmente em 18/09/2023, quer o anterior a solene advertência realizada pelo Tribunal na mesma data. De notar, ainda, que o arguido acabou por admitir ter concertado com a vítima a adopção de comportamentos destinados a ludibriar a fiscalização electrónica do afastamento a que estava obrigado, nomeadamente, o não transporte da UPV (unidade de protecção da vítima) pela vítima, assim como o desligamento de tal aparelho. Acrescentou o arguido, ainda, que a vítima insiste na realização de contactos, ao que aquele acaba por aceder. Ora, concatenando todos os elementos que defluem dos autos – com destaque para os sucessivos ofícios remetidos aos autos pela DGRSP –, com o resultado da audição do arguido e dos técnicos da DGRSP, dúvidas inexistem de que o arguido esteve presencialmente com a vítima. Não pode ignorar-se a circunstância de tais contactos terem ocorrido durante um longo período de tempo, inclusive, e não só, após o Tribunal ter procedido à advertência solene do arguido para que não contactasse, nem se aproximasse da vítima nos termos judicialmente definidos, como também após a realização da segunda audição de condenado agendada na sequência do o ofício da DGRSP datado de 12/10/2023. É certo que a vítima consentiu com os contactos e a aproximação do arguido, tendo, mesmo, insistido na realização dos mesmos, conforme resultou da sua audição pessoal no dia 13/12/2023. Porém, tal circunstância não é bastante para atenuar a imagem dos factos ao ponto de se concluir pelo carácter não culposo dos sucessivos incumprimentos. Já aquando da primeira declaração de incumprimento culposo, foi já considerado e valorado o contexto em que os contactos entre o arguido e a vítima ocorreram, nomeadamente, a circunstância de a vítima, além de consentir com os mesmos, impulsionar activamente o reencontro com o arguido. Aliás, foi também pelo contexto de mútuo consenso em que ocorreram os contactos entre o arguido e a vítima que o Tribunal decidiu não revogar, nesse momento, a suspensão da execução da pena de prisão, concedendo ao arguido a derradeira oportunidade de demonstrar que a sua ressocialização seria possível em liberdade, bastando uma solene advertência para que interiorizasse a gravidade dos seus comportamentos. Não obstante o exposto, o arguido, desprezando a oportunidade concedida, persistiu na incumprimento das obrigações a que estava sujeito, chegando ao ponto permanecer com a vítima, partilhando a vida em comum. Não só preferiu ignorar a solene advertência do Tribunal quanto ao não estabelecimento de qualquer contacto/aproximação com a vítima, como, ainda, concertou com a vítima manobras para ludibriar a fiscalização electrónica daquela obrigação de afastamento, induzindo em erro a DGRSP com residências fictícias e manipulando o regular funcionamento dos aparelhos electrónicos de vigilância (seja através do não transporte da UPV, seja através do desligamento dos mesmos). Tudo o exposto leva-nos a concluir, inevitavelmente, pelo incumprimento reiterado e grave da obrigação de afastamento da vítima, a que estava sujeita a suspensão da execução da pena de prisão a que foi condenado. A conduta reiterada e sub-reptícia do arguido, com a clara intenção de ludibriar os vigilância electrónica, é reveladora do carácter culposo do seu comportamento. Conforme referido aquando dos primeiros incumprimentos do arguido, o condenado não recusa estes contactos e aproximações, aceitando-os e logrando concretizá-los e mantê-los. A sentença condenatória vincula o arguido, ficando este, conforme é do seu conhecimento, sujeito às consequências em caso de incumprimento, do que foi expressamente advertido, quer com a sentença proferida, quer com a solene advertência operada em 18/09/2023. Nessa medida, não pode afirmar-se que este incumprimento das condições da suspensão da execução da pena de prisão não seja culposo, pois que o arguido agiu consciente, reiterada e voluntariamente, quando contactou e/ou manteve contacto com a vítima e partilhou a vida, enquanto casal, com a mesma, tenha ou não sido instado por esta a fazê-lo ou por um seu familiar, e mesmo que exista agora entre ambos um qualquer relacionamento amigável ou cordial.

Do comportamento do arguido denota-se que o mesmo não demonstra a mínima preocupação com o seu cumprimento das obrigações a que está sujeito, extraindo-se daqui, portanto, que o arguido ignorou, por completo, a oportunidade que lhe foi concedida, duas vezes, pelo sistema jurídico. A sucessiva ocorrência de incumprimentos após a realização das três sessões de audição é reveladora da leviandade do arguido quanto à obrigação a que está sujeito no âmbito da suspensão da execução da pena de prisão. O arguido, com o comportamento reiterado supra descrito, não revela interesse, preocupação e consciência para cumprir o regime de prova a que ficou sujeita a suspensão da execução da pena de prisão.

 Deste modo, e não obstante o arguido estar ciente das consequências que poderiam advir - pois que já lhe havia sido concedida anteriormente uma oportunidade, sem que fosse revogada a suspensão da execução da pena de prisão – não se coibiu de adoptar novos e sucessivos comportamentos contrários ao que se lhe impunha e que já anteriormente reafirmado com o decretamento do último incumprimento culposo. O arguido manifestou um claro desrespeito e desconsideração pela solene advertência que lhe foi dirigida, sendo que, ao invés de aproveitar a oportunidade que lhe foi concedida, optou por ignorar a pena suspensa a que foi condenado, não correspondendo ao cumprimento do regime a que estava sujeita a suspensão da execução da pena de prisão. O comportamento de desinteresse assumido pelo condenado é notório e espelha que as finalidades subjacentes à aludida suspensão não puderam, por via dela, ser alcançadas. Tal é evidenciado pela circunstância de o arguido, por diversas vezes e de igual forma, ter incumprido culposamente o regime de prova a que ficou sujeita a suspensão da execução da pena de prisão.

O Tribunal, mediante o comportamento do arguido, apenas poderá concluir que a condenação destes autos não se mostrou suficiente para que aquele interiorizasse o desvalor da sua conduta. Tudo conjugado, o Tribunal considera que o arguido infringiu de forma grosseira e repetidamente os deveres a que estava obrigado, porquanto com o seu comportamento, nos termos supra descritos, revelou uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade, ao ignorar a pena de prisão suspensa na sua execução em que foi condenado e as obrigações a que estava sujeita essa mesma suspensão. Frustrando-se o cumprimento do regime de prova por, pelo menos, 3 (três) vezes, frustram-se as finalidades subjacentes à suspensão da execução da pena de prisão. Assim, impõe-se decidir pela revogação da suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado, até porque, nenhuma das soluções previstas no artigo 55.º do Código Penal, considerando o comportamento reiterado por si assumido, se mostram adequadas a fazer alterar a sua conduta, nem a levá-lo a cumprir os deveres a que está obrigado.

             Em face do exposto, e ponderando todas as circunstâncias referidas, nos termos dos artigos 56.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Código Penal, e 495.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, decido revogar a suspensão da execução da pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão de prisão aplicada ao arguido AA nos presentes autos e, em consequência, determina-se que o mesmo cumpra a pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão efectiva.

 Notifique. (…)”

IV- Apreciação do mérito do recurso

Insurge-se o recorrente contra a decisão que revogou a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado nestes autos.

Dispõe o artigo 50º. nº. 1 do Código Penal que:

 “1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

 2 O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova”

Na situação em referência nos autos, decorre do disposto no artigo 34º–B/1 da Lei 112/2009, de 16 de Setembro (regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas), que “A suspensão da execução da pena de prisão de condenado pela prática de crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º do Código Penal é sempre subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, impostos separada ou cumulativamente, ou ao acompanhamento de regime de prova, em qualquer caso se incluindo regras de conduta que protejam a vítima, designadamente o afastamento do condenado da vítima, da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio”.

 Não são, pois, considerações de culpa que devem presidir na decisão sobre a suspensão da execução da pena ou não – mas antes razões ligadas às exigências de prevenção geral e especial, sendo que na ponderação das segundas não pode nunca perder-se de vista a salvaguarda das primeiras.

Por seu turno, o artigo 53º. do Código Penal estabelece:

“1 - O tribunal pode determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, se o considerar conveniente e adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade.

2 - O regime de prova assenta num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social”.

Por sua vez, remata o artigo 54º. do Código Penal que este plano de reinserção social “contém os objetivos de ressocialização a atingir pelo condenado, as atividades que este deve desenvolver, o respetivo faseamento e as medidas de apoio e vigilância a adotar pelos serviços de reinserção social” (nº1) e “é dado a conhecer ao condenado, obtendo-se, sempre que possível, o seu acordo prévio” (nº2).

O tribunal a quo procedeu a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, porque entendeu que o arguido incumpriu de forma grosseira e repetida os deveres ou regras de conduta impostos.

Nos termos do artigo 55º. do Código Penal “se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal:

a) Fazer uma solene advertência;

b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;

c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção;

d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50.

Estatui o artigo 56º., do Código Penal, sob a epígrafe “revogação da suspensão”, que:

“1. A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:

a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social;

b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

2. A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efetuado.”

Dos citados preceitos decorre que a lei prevê por dois diferentes modos o incumprimento dos deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social: o primeiro, previsto no artigo 55º. do Código Penal, em que se constata um incumprimento meramente culposo do condenado, e o segundo, plasmado no artigo 56º. do mesmo diploma legal, em que se verifica que este é grosseiro e repetido; as consequências são, também diferentes, prevendo-se na primeira das situações a advertência, a exigências de garantias de cumprimento, a imposição de novas regras de conduta ou deveres, e a prorrogação da suspensão, ao passo que na segunda está cominada a revogação da suspensão.

A lei não nos diz o que deve entender-se por “infringir grosseiramente ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos”, deixando ao critério do julgador a densificação dos contornos deste grau de culpa.

É entendimento consolidado pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores que a violação grosseira dos deveres ou regras de conduta tem de constituir uma atuação indesculpável, em que o comum dos cidadãos não incorra e que não mereça ser tolerada nem desculpada e que não pressupõe, necessariamente, um comportamento doloso por parte do condenado, bastando que atue com culpa, ou seja, que a infração seja resultado de um comportamento censurável, de descuido ou leviandade, neste sentido Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/01/2025 e 14/09/2016, Tribunal da Relação de Évora de 19/06/2024, Tribunal da Relação de Lisboa de 6/03/2013,  in www.dgsi.pt.
Como resulta da lei a falta de cumprimento dos deveres impostos, sejam eles quais forem, não determina automaticamente a revogação da suspensão da execução da pena de prisão. É sempre necessário o Tribunal aferir, concretamente a razão ou razões para o sucedido durante o período de suspensão de execução.

Dito isto, voltemos a nossa atenção para o caso concreto.

A súmula do iter processual com relevo consta do despacho recorrido, pelo que nos dispensaremos de voltar a descrevê-lo exaustivamente.

No caso em apreço verifica-se que a pena de prisão aplicada ao arguido foi suspensa na sua execução condicionada ao “regime de prova”, assente num plano de reinserção social com frequência de programas de prevenção de violência doméstica e a manutenção de trabalho estável, com acompanhamento e fiscalização pela DGRS, ficando também sujeito ao afastamento da vítima BB, da sua residência ou local de trabalho e à proibição de contactar, por qualquer meio, com esta, com vigilância eletrónica.

Foi elaborado plano de reinserção social, porém, o condenado não respeitou a imposição de afastamento da vítima, como, também, não o fez após as sucessivas audições, principalmente na sequência da audição pessoal levada a cabo em 18/09/2023, após comunicação da DGRSP relativa a incidências relacionadas com o desrespeito pela obrigação de afastamento da residência da vítima.

Nessa audição 18/09/2023 o tribunal a quo fez uma solene advertência ao arguido para que ficasse ciente da necessidade de  cumprimento do plano a que se encontrava adstrito, advertência que desprezou.

Com efeito, o arguido não mostrou qualquer empenho e interesse no cumprimento das obrigações impostas no âmbito da suspensão da execução da pena,  tanto assim foi que, apesar de solene advertência para as consequências que para si poderiam advir desse incumprimento, o arguido com manifesto alheamento pelas decisões do tribunal não alterou a sua postura.

O desajustado comportamento do arguido, relativamente às obrigações decorrentes da suspensão da execução da pena,  levou  à  realização, por três vezes, da audição presencial do condenado, mas este não interiorizou o desvalor da conduta e manteve uma atitude  obstinada e resistente à intervenção externa.

 Não se compreende tal postura. O arguido pura e simplesmente decidiu não cumprir as condições subjacentes a suspensão da execução da pena.

A conivência da ofendida não pode servir para justificar a conduta do arguido, tanto mais que o crime de violência doméstica visa proteger não só esta vítima, mas também outras companheiras/cônjuges de o virem a ser - vítimas.

Além do mais, o arguido continua a manter uma postura agressiva em relação à vítima.

O arguido tinha absoluta consciência e conhecimento que a suspensão da execução da pena de prisão exigia o estrito cumprimento das obrigações e plano e esse cumprimento dependia unicamente da sua colaboração,  não se justificando  que não tenha repensado a sua atuação e tenha persistido no incumprimento das obrigações,  demonstrando um total desrespeito para com a lei, pese embora as sucessivas audições e a solene advertência para tal.

O comportamento espelhado nos autos não revela qualquer vontade de cumprir o regime de prova, desconsidera a condenação sofrida e não interiorizou os valores tutelados pela norma violada.

        De facto, o arguido continua alheio aos valores sociais conformadores da vida em sociedade com respeito pelas decisões dos tribunais.

Assim, o juízo de prognose a formular, quanto à prevenção especial, revela-se irremediavelmente desfavorável, porquanto se mostram frustradas as finalidades preventivas que estiveram na base da suspensão da execução da pena de prisão.
Conclui-se, pois, que o incumprimento do arguido é, efetivamente, culposo, mostrando-se infringido de forma grosseira e repetida as regras impostas e o plano revelando que a mera advertência do cumprimento da pena de prisão não foi suficiente às finalidades da suspensão da execução da pena em que foi condenado.

Por fim, cumpre dizer que a junção de documentos, em sede de recurso, não pode ser atendida pelo tribunal superior, como resulta do disposto no artigo 165º. do Código de Processo Penal.

Destarte, a decisão recorrida não merece qualquer censura.

V - Decisão.
Nestes termos, acordam os Juízes que compõem a 5ª. Secção do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3(três) UC, artigos 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal e artigo 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma.
Notifique.
Certifica-se, para os efeitos do disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que o presente acórdão foi elaborado pela relatora e revisto pelas signatárias.
                                       *
Coimbra,  25 de Junho de 2025
Maria da Conceição Miranda
Alcina da Costa Ribeiro
Sandra Rocha Ferreira