1 - O Decreto-Lei n.º 102-B/2020 revogou a alínea b) do n.º 3, do art.º 130.º, do CE e introduziu uma al. d) ao n.º 1, do mesmo art.º 130.º, com a anterior redacção da al. b) do n.º 3. Assim, a cassação passou do n.º 3 para o n.º 1
2 - O referido diploma aditou ainda no n.º 4 que os titulares de títulos de condução cassados - caducados ao abrigo da al. d) do n.º 1) – são sujeitos ao exame especial do n.º 2, ou seja, que tais títulos de condução cassados podem ser revalidados.
3 - A referida revalidação pode ocorrer depois de decorridos dois anos sobre a efetivação da cassação (art.º 148.º, n.º 11, do CE).
4 - Assim, pratica uma contraordenação e não um crime de condução sem habilitação legal quem conduzir veículo a motor, na via pública, com uma carta de condução caducada, por ter sido cassada nos termos do artigo 148.º do Código da Estrada, enquanto não caírem na al. c) do n.º 3, do art.º 130º.
5 - Já os titulares de carta de condução caducada definitivamente, consideram-se, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido (nº 5 do artigo 130º), incorrendo na prática do crime de condução sem habilitação legal (artigo 3º, nos 1 e 2 do Decreto-Lei nº 2/98, de 03 de janeiro), se exercerem a condução de veículos motorizados nessas circunstâncias.
6 - Os tribunais carecem de competência para a tramitação processual da contra-ordenação, o que implica a remessa do caso para a entidade administrativa competente.
7 - A posição de neutralidade que o pai do arguido, com ele coabitante, que ele almeja e verbaliza, não é uma possibilidade no caso dos autos, já que o seu silêncio e inércia acarretam consequências, pois inviabilizam que o Tribunal condene o arguido numa pena de prisão a executar em regime de permanência na habitação, nos termos do disposto no art.º 43º do CP. A abstenção por ele adotada não significa de facto neutralidade e desresponsabilização, tendo outrossim ínsita uma tomada de posição: a de negar o necessário consentimento.
8 - O Tribunal tem de ter a certeza de que o pai do arguido foi informado de todas as implicações da decisão que lhe foi pedida, de que este estava ciente de que a não prestação de consentimento equivale a uma negação desse consentimento e suas implicações.
9 - Tendo sido omitido esse esclarecimento do pai do arguido, estamos em face de um vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art.º 410º, nº 2, alínea a) do Cód. Proc. Penal.
10 - Os documentos juntos em sede de recurso, ou seja, depois do encerramento da discussão em 1.ª instância, são extemporâneos, nos termos do disposto no artigo 165.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
(Sumário elaborado pela Relatora)
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Acordam, em conferência, na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:
I. Relatório:
-» No Juízo Local Criminal de Pombal - Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, foi proferida sentença datada de 18 de fevereiro de 2025, que condenou o arguido AA pela prática, em autoria material e de forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo disposto no artigo 292.º nº 1 e 69.º n.º 1, al. a), do Código Penal, numa pena de 10 (dez) meses de prisão e na pena acessória de inibição de conduzir veículos a motor pelo período de 1 (um) ano e 6 (seis) meses pela prática, em autoria material e de forma consumada, de um crime de condução sem habilitação legal previsto e punido pelo artigo 3.º n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 de janeiro, numa pena de 06 (seis) meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 1 (um) ano e 1 (um) mês de prisão efetiva.
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-» Inconformado, o arguido interpôs recurso, apresentando motivações e concluindo do seguinte modo (transcrição):
A. Com o presente recurso, a versar sobre reapreciação da matéria de facto e Direito, na vertente penal (maxime vícios decisórios, subsunção jurídica, dosimetria penal e execução da pena), não se pretende colocar em causa o exercício das mui nobres funções nas quais se mostram investidos os Ilustres julgadores, mas tão-somente exercer o direito de “manifestação de posição contrária”, traduzido no direito de recorrer [art. 61º n.º 1 i) CPP e n.º 1 do art. 32º da CRP];
B. Verifica-se, por diversas vezes, erro nos apelidos do arguido, que aparecem pela ordem inversa, impondo-se assim a devida correcção/sanação de tal lapso material;
C. O recorrente, no âmbito do processo de cassação da sua carta de condução, em momento algum foi expressamente advertido, notificado ou elucidado que a posterior condução implicaria a prática de um crime de condução sem habilitação legal, dado que em nome dos princípios da legalidade, protecção da confiança e segurança jurídica do n.º 7 do art. 130º CE decorre a punição de tal condução apenas como contra-ordenação, tendo sido notificado que tal cassação implicaria a extinção da pena acessória e inexiste qualquer outra norma expressa, escrita e prévia que puna tal conduta como crime, havendo tal norma especial que afastaria qualquer outra;
D. Dúvidas inexistem em como o legislador considera os títulos cassados ao abrigo do art. 148º CE como caducidade do título, atento o teor da alínea d) do n.º 1 do art. 130º CE e após a introdução da carta por pontos nenhuma alteração houve ao art. 3º n.os 1 e 2 DL 2/98, que não pode abarcar uma situação inexistente à data da sua publicação, mostrando-se a redacção de tal artigo intocada desde a sua publicação, não tendo tido nenhuma alteração legislativa, pelo que, mostrando-se abrangida a condução com título caducado, nos termos previstos no n.º 1 e abarcando a cassação plasmada na alínea d), a subsunção jurídica terá de ser a expressamente vertida em tal norma incriminatória e apenas em violação dos princípios da legalidade, protecção da confiança, culpa e segurança jurídica é que poderá haver condenação pela prática de um crime!
E. Nos termos da legislação em vigor nunca tal caducidade se mostra definitiva, tendo sido eliminada, pelo DL 102-B/2020, a anterior b) do n.º 3 do art. 130º CE que estipulava o cancelamento do título em caso de cassação, podendo ser obtido no prazo de dois anos nos termos do art. 148º n.º 11 CE e nos termos e para efeitos do art. 9º CC deve presumir-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, sendo que neste caso expressamente comina como contraordenação tal circunstancialismo, nunca tendo o arguido actuado com a consciência da ilicitude de prática criminal, confiando que apenas praticava uma contra-ordenação, atento o teor da legislação supra invocada;
F. Não pode ser equiparada a situação de quem tenha visto o título de condução cassado, pelo que previamente cumpriu as etapas para a sua atribuição, com frequência de aulas teóricas e de condução e com aprovação em ambos os exames, com quem nunca sequer o tenha visto atribuído por nunca ter sido aprovado em ambos os exames dado que o arguido sabe conduzir e deu mostras de ter sido aprovado pelo que se trata de situação desigual face a quem nunca tenha sido habilitado para o efeito;
G. Em função de tal desigualdade não podem ambas ter tratamento semelhante em violação do princípio da (des)igualdade e medida da diferença substancial, julgando-se tal equiparação manifestamente inconstitucional, por violação dos princípios da legalidade, culpa, (des)igualdade, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso pois alguém que tenha sido habilitado com título de condução não representa o mesmo/semelhante perigo, abstracto e concreto, para os demais utentes da via e para a sociedade que outrem que tão-pouco alguma vez tenha sido anteriormente aprovado e dotado de título de condução;
H. Convoca-se o teor de douto acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo 696/23.5SILSB.L1, de 06-II-2024, com o seguinte sumário:
“I– A versão anterior da alínea b), do n.º 3, do art.º 130.º, do CE, estipulava que o título de condução é cancelado quando for cassado nos termos do artigo 148.º do presente Código ou do artigo 101.º do Código Penal.
II–O Decreto-Lei n.º 102-B/2020 revogou esta alínea b) e introduziu uma al. d) ao n.º 1, do mesmo art.º 130.º, com a anterior redacção da al. b) do n.º 3, ou seja, a cassação passou do n.º 3 para o n.º1.
III–O Decreto-Lei n.º 102-B/2020 aditou no n.º 4 que os titulares de títulos de condução cassados - caducados ao abrigo da al. d) do n.º 1) – são sujeitos ao exame especial do n.º 2, ou seja, tais títulos de condução podem ser revalidados.
IV–Os titulares de títulos cassados não podem revalidar os títulos de condução antes de decorridos dois anos sobre a efetivação da cassação (art.º 148.º, n.º 11, do CE), mas deve concluir-se que, enquanto os titulares de títulos de condução cassados não caírem na al. c) do n.º 3, do art.º 130.º, cometem uma contraordenação e não um crime.
V–Temos que interpretar o n.º 1, no sentido de só ser contraordenação quando estivermos perante um título de condução ainda passível de revalidação (n.º 1). Se a caducidade for definitiva (n.º 3) é crime.”
I. A douta acusação pública deveria ter sido rejeitada, por o Tribunal se mostrar incompetente para tramitar o processo de contra-ordenação, ou no limite julgada improcedente, devendo ser absolvido da prática do crime pelo qual se mostra acusado, sendo que se constata que da douta decisão de cassação da carta não consta qualquer advertência ou proibição de condução cominada com a prática de crime, como decorre do teor da certidão junta aos autos;
J. Mostra-se inconstitucional por violação dos princípios da legalidade, na vertente de existência de lei anterior que declare punível a acção, tipicidade, (des)igualdade, culpa, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso e presunção de inocência (in dubio pro reo) plasmados na Constituição da República Portuguesa nos arts. 1º, 2º, 12º, 13º, 29º n.º 1, 32º n.º 2 e 204º, o entendimento e dimensão normativa do art. 3º n.os 1 e 2 DL 2/98 no sentido de “Quem conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada, pela prévia cassação da respectiva carta de condução por perda de todos os pontos, é punido pela prática de crime de condução sem habilitação legal, não obstante a redacção de tal norma do DL 2/98 nunca ter sido actualizada ou alterada para abarcar os efeitos da superveniente entrada do regime de carta por pontos, que era inexistente à data da sua publicação”
K. Mostra-se inconstitucional por violação dos princípios da legalidade, na vertente de existência de lei anterior que declare punível a acção, tipicidade, (des)igualdade, culpa, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso e presunção de inocência (in dubio pro reo) plasmados na Constituição da República Portuguesa nos arts. 1º, 2º, 12º, 13º, 29º n.º 1, 32º n.º 2 e 204º, o entendimento e dimensão normativa do art. 130º n.º 7 CE no sentido de “Quem conduzir veículo com título caducado, pela prévia cassação da respectiva carta de condução por perda de todos os pontos, prevista na alínea d) do n.º 1 do art. 130º e art. 148º CE, é punido pela prática de crime de condução sem habilitação legal, não obstante a redacção de tal norma do DL 2/98 nunca ter sido actualizada ou alterada para abarcar os efeitos da superveniente entrada do regime de carta por pontos, que era inexistente à data da sua publicação”;
L. O arguido foi punido pela prática do crime de condução sem habilitação legal na pena de seis meses de prisão, sendo que o limite mínimo de tal moldura de um mês e não ostenta antecedentes criminais pela prática de tal crime, julgando-se que deveria ter sido dada aplicação à pena de multa, nos termos do art. 70º CP;
M. Todavia e ad cautelam, na improcedência do supra alegado e a ser de aplicar pena de prisão julga-se que a mesma se deverá mostrar em dosimetria inferior e não ser superior a cinco meses de prisão e, por força da idade do arguido bem como ausência de antecedentes por crimes da mesma natureza, ser operada substituição de tal pena pela prestação de trabalho a favor da comunidade prevista no art. 58º CP ou suspensão da execução nos termos do art. 50º CP, o que se requer ainda que V/ Exas. entendam não ser de atenuar a pena aplicada;
N. Ressalta a fls. 17 supra que o Tribunal a quo, dentro da moldura da pena aplicável ao crime de condução em estado de embriaguez, fixou uma sub-moldura da prevenção de 4 a 10 meses mas aplicou a pena no máximo de tal sub-moldura, julgando-se que atento o teor do ponto de facto provado 2.1.10 sempre se poderá equacionar e fixar pena inferior, sendo adequada pena de prisão de oito meses, já de si superior ao equador da moldura aplicável, para além do ponto médio, e num eventual cúmulo jurídico (em caso de indeferimento da peticionada substituição face à outra pena!), pena única de onze meses;
O. O Tribunal a quo não respeitou nem salvaguardou as mais elementares garantias de defesa do arguido pois sem que haja efectiva recusa do pai do arguido em que o mesmo cumpra pena na habitação, sujeito a vigilância electrónica, o Tribunal a quo afastou tal possibilidade quando, a fazer fé no teor do relatório social a casa reuniria condições necessárias para o efeito, importando valorar que o pai do arguido, como consta do teor do ponto de facto provado 2.1.8, é motorista de transportes internacionais, sendo notório, o que se invoca nos termos e para efeitos do art. 412º CPC que trabalha no estrangeiro, daí que se não tenha sequer deslocado aos Serviços da DGRSP para efeitos de realização do relatório social, pois não estava em Portugal, tendo havido necessidade de contacto telefónico, como referido no ponto de facto julgado provado 26;
P. Do teor do relatório social, fls. 3 infra e 4 supra, ressalta que o pai do arguido não assinou a aceitar mas também não recusou, constando expressamente que respeitaria “qualquer que seja a decisão que venha a ser tomada”, pelo que, perante isto, pelo condicionalismo envolvente de trabalhar no estrangeiro, estar fora do país e não manifestar recursa expressa, declarando aceitar qualquer que seja a decisão, não pode ser inviabilizada a prisão na habitação sujeita a vigilância electrónica pois apenas em cristalina preterição do princípio in dubio pro reo é que tal silêncio poderá ser valorado contra o arguido!
Q. O certo é que o Tribunal a quo convoca o teor da Lei 33/2010 mas do teor dos n.os 4 e 5 do art. 4º da Lei 33/2010 não consta que tal autorização tenha de provir da totalidade das pessoas nem que tal consentimento tenha de ser prestado antes sequer da condenação, julgando-se que o Tribunal encarou uma impossibilidade de execução da pena de prisão na habitação, com vigilância electrónica, em desrespeito pelos pressupostos e indo para além do teor da prova obtida em tal relatório da DGRSP que não consagra qualquer verdadeira oposição do pai do arguido;
R. Se o Tribunal tinha dúvidas sobre tal posição, deveria ter pedido esclarecimento(s) adicional(is) pois ao não o ter feito não pode tomar um silêncio, que refere aceitação a qualquer decisão que venha a ser tomada, como oposição inviabilizadora de tal pena de substituição, tendo errado ao interpretar tal relatório da DGRSP e ao valorá-lo indevidamente contra o arguido, nada impedindo que seja determinada a execução da pena em regime de permanência na habitação, sujeita a vigilância electrónica pois inexiste qualquer oposição do pai do arguido, tendo tal posição sido resultado da sua ausência de território nacional, por força de desempenho laboral e mal se compreende que possa tal pena de substituição ser recusada em nome de uma aparente, que não real, oposição do membro do agregado familiar que menos tempo reside na habitação, por força de prossecução laboral no estrangeiro (todavia, veja-se que o mesmo subscreveu tal declaração de autorização, a qual se juntou aos autos para prova de tal realidade!);
S. Mostra-se inconstitucional por violação dos princípios da legalidade, na vertente de existência de lei anterior que declare punível a acção, tipicidade, (des)igualdade, culpa, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso e presunção de inocência (in dubio pro reo) plasmados na Constituição da República Portuguesa nos arts. 1º, 2º, 12º, 13º, 29º n.º 1, 32º n.º 2 e 204º, o entendimento e dimensão normativa do art. 4º n.os 4 e 5 da Lei 33/2010 no sentido de “A utilização da vigilância electrónica depende do consentimento de todas as pessoas, maiores de 16 anos, que coabitem com o arguido ou condenado, bastando que uma delas o não preste expressa T. Mostra-se inconstitucional por violação dos princípios da legalidade, na vertente de existência de lei anterior que declare punível a acção, tipicidade, (des)igualdade, culpa, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso e presunção de inocência (in dubio pro reo) plasmados na Constituição da República Portuguesa nos arts. 1º, 2º, 12º, 13º, 29º n.º 1, 32º n.º 2 e 204º, o entendimento e dimensão normativa do art. 4º n.os 4 e 5 da Lei 33/2010 no sentido de “A utilização da vigilância electrónica depende do consentimento de todas as pessoas, maiores de 16 anos, que coabitem com o arguido ou condenado, devendo tal consentimento ser necessariamente obtido e prestado antes da prolação decisória da condenação e não sendo de aferir a avaliação à data de execução da pena”;
U. Mostra-se inconstitucional por violação dos princípios da legalidade, na vertente de existência de lei anterior que declare punível a acção, tipicidade, (des)igualdade, culpa, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso e presunção de inocência (in dubio pro reo) plasmados na Constituição da República Portuguesa nos arts. 1º, 2º, 12º, 13º, 29º n.º 1, 32º n.º 2 e 204º, o entendimento e dimensão normativa do art. 4º n.os 4 e 5 da Lei 33/2010 no sentido de “A utilização da vigilância electrónica depende do consentimento de todas as pessoas, maiores de 16 anos, que coabitem com o arguido ou condenado, sendo que caso uma delas não preste consentimento mas também não declare oposição, não assinando nem preenchendo a declaração, pode o Tribunal suprir tal silêncio e ter por não verificados os pressupostos para tal execução”;
V. Mostra-se inconstitucional por violação dos princípios da legalidade, na vertente de existência de lei anterior que declare punível a acção, tipicidade, (des)igualdade, culpa, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso e presunção de inocência (in dubio pro reo) plasmados na Constituição da República Portuguesa nos arts. 1º, 2º, 12º, 13º, 29º n.º 1, 32º n.º 2 e 204º, o entendimento e dimensão normativa do art. 4º n.os 4 e 5 da Lei 33/2010 no sentido de “A utilização da vigilância electrónica depende do consentimento de todas as pessoas, maiores de 16 anos, que coabitem com o arguido ou condenado, devendo tal consentimento ser obtido e prestado antes da prolação decisória da condenação, sendo que caso uma delas não preste consentimento mas também não declare oposição, não assinando nem preenchendo a declaração, pode o Tribunal suprir tal silêncio e ter por não verificados os pressupostos para tal execução”;
W. Normas jurídicas violadas: maxime arts. 40º n.º 2 , 43º n.º 1 a), 50º, 58º, 70º e 71º n.os 1 e 2 CP; arts. 127º CPP; art. 3º n.os 1 e 2DL 2/98; art. 130º n.º 1 d) e 7 d) e 148º CE; art. 4º n.os 4 e 5 da Lei 33/2010; art. 9º CC; art. 412º CPC; arts. 1º, 2º, 12º, 13º n.º 1, 18º n.os 1 e 2, 27º n.os 1, 32º n.os 1 e 5, 110º n.º 1, 202º n.os 1, 2 e 3, 204º e 205º CRP; Princípios jurídicos violados: maxime da legalidade, da tipicidade, da protecção da confiança e da segurança jurídicas, da culpa, in dubio pro reo, da proibição da dupla valoração, da materialidade decisória, da interpretação jurídica, da preferência por pena não privativa da liberdade em ambiente prisional, da legalidade, da (des)igualdade, da não discriminação, da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso bem como inerentes aos fins das penas.
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Destarte, sempre com o V/ mui douto suprimento requer-se, mui respeitosamente a V/ Exas., a procedência do presente recurso e a consequente alteração/revogação da douta sentença condenatória, maxime em razão de:
I) lapso/erro material ao nível do nome do arguido;
II) indevida subsunção jurídica por se julgar que a ilicitude (a condução de veículo automóvel após cassação da carta por perda total de pontos) é punida expressamente como contraordenação, não estando abarcada pela previsão legal típica do DL 2/98;
III) desacertada escolha da natureza da pena aplicada ao crime de condução sem habilitação legal, pugnando-se pela substituição por pena de multa, prestação de trabalho a favor da comunidade ou sus-pensão da execução, sendo que, ad cautelam e na improcedência da alteração, peticiona-se atenuação atenta a majoração; e
IV) majoração da dosimetria penal da pena aplicada ao crime de condução sob influência de álcool, cuja atenuação se peticiona, com reflexos na atenuação da pena única; e
V) indevida preclusão da execução da pena de prisão na habitação, sujeita a vigilância electrónica, pela qual se pugna, por errónea valoração da omissão/silêncio do pai do arguido como oposição ou não prestação de consentimento, com preterição de garantias de defesa e sem contraditório ou pedido de esclarecimento(s), com violação do princípio in dubio pro reo;”
*
-» Notificado, o M.º P.º respondeu ao recurso interposto, pedindo a manutenção da decisão recorrida.
*
*
-». No parecer a que alude o art. 417º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o Exm.º Procurador Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de, com exceção da mera correção de lapsos materiais, dever o recurso ser totalmente improcedente.
*
-» Notificado nos termos do disposto no art.º 417º n.º 2 do CPP, o arguido respondeu, no essencial reiterando a posição já expressa no recurso.
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Os autos foram aos vistos e, após, à conferência.
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II. Poderes cognitivos do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso:
Conforme Jurisprudência constante e pacífica, são as conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações que delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso e das indicadas no art. 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (cfr. Ac. do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro, publicado no DR, 1-A de 28-12-1995).
Assim, no caso sub judicie, cumpre apreciar:
- saber se a sentença enferma de lapso/erro material ao nível do nome do arguido devendo ser corrigida;
- saber se foi indevidamente feita a subsunção jurídica dos factos ao crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal (após cassação da carta por perda total de pontos), porquanto esta situação é punida expressamente como contraordenação, não estando abarcada pela previsão legal típica do DL 2/98;
- saber se, subsidiariamente, a pena aplicada ao crime de condução sem habilitação legal foi desacertada, pugnando-se pela substituição por pena de multa, prestação de trabalho a favor da comunidade ou suspensão da execução, ou, por cautela, na improcedência da alteração, pugna pela sua redução;
- saber se é excessiva a medida da pena aplicada ao crime de condução sob influência de álcool, pugnando pela sua atenuação; e
- saber se foi indevidamente precludida a execução da pena de prisão na habitação, sujeita a vigilância eletrónica, por errónea valoração da omissão/silêncio do pai do arguido como oposição ou não prestação de consentimento, com preterição de garantias de defesa e sem contraditório ou pedido de esclarecimento(s), com violação do princípio in dubio pro reo;
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III- Transcrição parcial da sentença recorrida:
“II. Fundamentação da matéria de facto:
2.1. Factualidade provada:
2.1.1. No dia 29 de janeiro de 2025, pelas 02h15m, na ..., ..., concelho ..., AA seguia aos comandos do veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula ..-..-VV sendo portador de uma Taxa de Álcool no Sangue (TAS) de 2,641 g/l.
2.1.2. Sem que estivesse devidamente habilitado por título de condução válido ou por qualquer outro documento emitido por autoridade competente que o habilitasse a conduzir aquele tipo de veículo numa via pública.
2.1.3. Atuando da forma descrita, não obstante ter efetivo conhecimento de que tinha ingerido bebidas alcoólicas previamente e de que estava influenciado pelas mesmas, de tal modo que era passível de acusar uma taxa de álcool superior a 1.2 g/l, e, ainda assim, ciente de tal realidade, quis agir como fez.
2.1.4. Sabendo ainda que não possuía título de condução válido ou de qualquer outro documento emitido por uma autoridade competente que o habilitasse a conduzir o veículo automóvel com as características daquele que conduzia, bem como conhecia devidamente as características da via onde o conduzia.
2.1.5. Mas ainda assim, consciente destas realidades, AA quis conduzir nas circunstâncias em que o fez, atuando de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que as suas condutas eram e são proibidas e punidas pela lei penal.
(mais se provou ainda que:)
2.1.6. No âmbito do processo de cassação de carta de condução n.º ...95/2022 AA viu cassada a sua carta de condução, por subtração total de pontos, nos termos do artigo 148.º do Código da Estrada, por decisão do Presidente da ANSR, iniciando essa decisão os seus efeitos a 01 de fevereiro de 2024 e tendo o seu termo previsto para 01 de fevereiro de 2026.
2.1.7. São conhecidos ao arguido as seguintes condenações:
a) condenado por sentença transitada em julgado a 05.05.2021 [Proc. 266/20....] pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez numa pena de 70 dias de multa à taxa diária de 7,00 € e numa pena de 4 M e 15 D de inibição de conduzir, ambas declaradas extintas pelo seu cumprimento.
b) condenado por sentença transitada em julgado a 05.01.2022 [Proc. 379/21....] pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez numa pena de 100 dias de multa à taxa diária de 6,50 € e numa pena de 6 M de inibição de conduzir, ambas declaradas extintas pelo cumprimento.
c) condenado por sentença transitada em julgado a 28.11.2022 [Proc. 184/21....] pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e um crime de violação de proibição, imposições e interdições na pena única de 170 dias de multa à taxa diária de 7,00 € e na pena de 8 M de inibição de conduzir, declaradas extintas pelo cumprimento.
d) condenado por sentença transitada em julgado a 02.10.2023 [Proc. 66/23....] pela prática a 10.07.2023 de um crime de desobediência, previsto e punido pelos artigos 152.º nºs 1 al. a) e 3 ex vi artigo 156.º n.º 1 do Código da Estrada e do artigo 348.º n.º 1 al. a) do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, sujeito a regime de prova, e numa pena de 9 meses de inibição de conduzir, declaradas extintas pelo seu cumprimento.
e) condenado por sentença transitada em julgado a 10.09.2024 [Proc. 128/23....] pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez numa pena de 5 (cinco) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, sujeito a deveres [fixar residência; manter boa conduta e integração social e familiar; aceitação da tutela da reinserção social e aceitar a sua referenciação para unidade de saúde], e numa pena de 12 meses de inibição de conduzir.
2.1.8. AA nasceu em 1997 e é solteiro; integra presentemente o agregado familiar constituído por si, por BB, sua mãe, CC, seu pai, e DD, seu irmão; vive uma habitação, do tipo moradia, com sala, cozinha, 3 quartos e casa de banho; com uma grande área exterior vedada, onde se situa a oficina onde trabalha, a cerca de 50 metros da habitação, e onde é valorizado pelas suas competências como mecânico; AA tem o 12.º ano de escolaridade e aufere em médio a quantia de 900,00€ por mês, enquanto que o seu pai, como motorista de transportes internacionais, tem um ordenado de 2.000,00 € por mês; a mãe trabalha três dias por semana na Caixa de Crédito Agrícola de ..., onde realiza tarefas de limpeza e aufere um rendimento de cerca de 180,00 €; o irmão mais velho, com necessidades especiais, potenciado por consumos de drogas no passado e com contactos com o sistema de justiça, encontra-se reformado por invalidez e aufere uma pensão de 300,00 € por mês; AA emprega os seus tempos livres a ajudar a sua mãe e a privar com os amigos da mesma faixa etária, com as mesmas características de consumos exagerados de álcool, situação que, aliado à personalidade frágil do arguido, à falta de maturidade, de responsabilidade e de autocontrolo, tem-se revelado um fator de risco na reincidência criminal; o arguido não minimiza esta problemática, mas tem-se revelado incapaz, continuadamente, de debelar, não obstante a intervenção dos membros da sua família, em termos de orientação, controlo e supervisão, para que este passasse a adotar comportamentos normativos, mas sem qualquer resultado prático até à data, pois que o mesmo persiste em manter uma conduta desconforme normativamente.
2.1.9. AA foi detido em flagrante delito no dia 04 de janeiro de 2025 pela GNR ... por indiciada prática de um crime de condução de veiculo sem habilitação legal dando origem ao processo n.º 8/25.....
2.1.10. AA iniciou acompanhamento em consulta de alcoologia no passado dia 12 e tem nova consulta agendada para o dia 14 de maio de 2025.
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2.2. Factos não provados:
2.2.1. Nas circunstâncias mencionadas em 2.1.1) AA estivesse convencido que a condução de uma viatura automóvel numa via pública ou equiparada após a cassação da sua carta de condução constituísse apenas e tão somente uma contraordenação.
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2.3. Motivação
O tribunal para dar como provados os factos assinalados como tal valorou de forma positiva os elementos documentais indicados na acusação e que decorrem da instrução deste processo ao longo do seu julgamento [CRC e RIC do arguido, relatório social elaborado a respeito do arguido e certidão extraída do processo sumário n.º 8/25....] ou emergem de indicação na contestação crime [cartão de utente junto com a contestação e alegação de falta de consciência da ilicitude], a que acresce o resultado da fiscalização rodoviária [quanto ao resultado obtido em alcoolímetro, não constituindo prova pericial em sentido técnico, a TAS que o arguido seria portador à data da sua fiscalização decorre do exame efetuado com alcoolímetro devidamente validado no âmbito do artigo 153.º do Código da Estrada, que não foi impugnada e constitui prova tarifada, porquanto o aparelho usado se encontra homologado, aprovado e com verificação periódica válida cfr. documentado a fls.31-2 – vide acórdão do TRC de 16.05.2012 in www.dgsi.pt] e a confissão integral e sem reservas do arguido a respeito do imputado crime de condução de veículo em estado de embriaguez. Já quanto à condução sem habilitação, aquele delito constitui pressuposto lógico da condução de uma viatura na via pública, o que o arguido também reconhece em termos objetivos, ensaiando, no entanto, uma versão de acordo com a qual julgava que estava apenas a cometer um delito de contraordenação e não um crime.
Concluindo, as declarações do arguido, nesta parte confessórias, no confronto com o Auto de Noticia documentado no processo, corroboram e sedimentam as circunstâncias de tempo (quando foi fiscalizado, detido e libertado), de modo (o arguido era o condutor da viatura e era portador de uma TAS de 2,641 g/l) e de lugar (Rua ..., ..., perto da sua casa) em que viria a ocorrer a fiscalização rodoviária do arguido em situação de “flagrante delito”, no exercício da condução de um veiculo mercadorias, que aquele, segundo afirma, pedira emprestado, numa rodovia afeta ao trânsito público, tal como registado no respetivo Auto de Noticia, cujo teor viria a confirmar.
Da conjugação de todos estes elementos de prova resulta medianamente claro que o arguido AA foi de novo fiscalizado pelas autoridades em violação de regras estradais que bem conhecia e em que é relapso quanto ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez, malgrado todas as condenações pretéritas e a pena suspensa que o mesmo cumpre no âmbito do processo n.º 128/23.... – entre 10 de setembro de 2024 e o dia 10 de setembro de 2025. O que, por se tratar de um facto pessoal, intensifica em muito a sua determinação no cometimento de novo crime de condução em estado de embriaguez, até mesmo pela elevadíssima TAS de que era portador.
Comprometendo-se, mais uma vez, como por si confesso, com o crime de condução de veículo em estado de embriaguez de que se mostra acusado. A taxa de alcoolémia de que o mesmo era portador é também ela elevada e mostra-se compatível, de acordo com aquelas que são as regras da experiência comum, com um dolo direto dos factos (art. 14.º n.º 1 do CP). Sem que se vislumbrem causas de exclusão da culpa ou da ilicitude.
Quanto ao exercício de uma condução sem habilitação legal os seus pressupostos objetivos foram igualmente confessados pelo arguido em sede de audiência e por referência às mesmas circunstâncias de tempo e de lugar, mas quanto ao respetivo elemento subjetivo, tratando-se de crime doloso, o arguido ensaiou uma versão pouco plausível e credível, diga-se, de acordo com a qual julgava que apenas cometida uma contraordenação.
Questionado porque razão assim pensara, referiu que havia colhido um tal parecer de uns conhecidos seus, cuja identidade não identifica, pessoas leigas, e quando questionado se havia colhido o parecer do seu Mandatário – que o tem acompanhado na maioria dos processos que se mostram averbados no seu CRC e até na impugnação judicial da decisão do Sr. Presidente da ANSR que cassara a sua carta de condução, de que viria a desistir numa fase embrionária do processo judicial – referiu que não. O que muito se estranha, porquanto seria a pessoa com os conhecimentos necessários para o elucidar sobre esta questão, se é que aquele não o teria esclarecido modo próprio, como nos parece decorrente do cumprimento da procuração outorgada em seu favor e até da defesa efetiva que tem proporcionado nos processos. Por fim, e acima de tudo, questionado o arguido sobre as razões que teriam conduzido à sua detenção vinte e cinco dias antes, no que viria a dar origem ao processo n.º 8/25...., pela incidida prática de um crime de condução sem habilitação legal, não se obteve resposta consistente. O que se explica pela única razão de que a tese ensaiada em julgamento e também vertida na contestação escrita não tem o menor substrato para com a realidade dos factos. Porquanto, como é bom de ver, uma qualquer pessoa colocada na posição deste concreto arguido – mesmo que atentando nas fragilidades deste último – e com a sua experiência judiciária seria mais informado e acima de tudo prudente em toda a sua atuação em função do regime probatório em que se encontra atualmente; teria colhido aconselhamento junto do seu advogado de como proceder dali em diante, como com aquele esclareceria as dúvidas que tivesse sobre o que podia ou não poida fazer e suas implicações legais, como estamos em crer que aconteceu.
De outro quadrante não é consistente e como tal minimamente credível que no dia em causa – 29.01.2025 – o arguido pudesse estar convencido de que apenas cometia uma contraordenação com a sua condução indocumentada quando vinte e cinco dias antes havia sido detido pelas mesmas autoridades com fundamento no mesmo delito e preparado ainda aquele seu julgamento que – pasme-se – ocorre ainda a 22 de janeiro de 2025, sete dias antes de cometer os factos aqui em apreço.
Nestas circunstâncias, analisado globalmente tudo aquilo que se mostra descrito à luz das mais basilares regras da experiência é ostensivamente pífia a tese engendrada pela defesa e destituída de respaldo com a realidade dos factos apurados, razão pela qual resultará afirmado, para lá de qualquer dúvida e reserva, que o arguido nas circunstâncias dadas como provadas em 2.1.1) tinha pleno conhecimento que aquela condução lhe estava vedada e que se a concretizasse, como quis e fez numa via pública, incorreria em responsabilidade criminal – 2.1.4) a 2.1.6) – porquanto o seu titulo de condução, como bem sabia, havia sido à muito definitivamente cassado. O que equivale a uma situação de ausência de autorização legal para o exercício da condução por falta de idoneidade [e não de uma situação de caducidade do titulo suscetível de renovação no prazo de dez anos].
Deste modo, verifica-se também o preenchimento do tipo subjetivo do crime de condução sem habilitação legal imputado e praticado pelo arguido e a titulo de dolo direto.
Por fim, encontra-se igualmente preenchido o tipo de culpa [i.e., a censurabilidade da ação ilícita-típica em função da atitude interna juridicamente desaprovada] doloso, em face da personalidade ou atitude ético-pessoal [i.e., da atitude íntima do agente] de oposição ou indiferença perante as exigências ético-sociais [jurídico-penalmente assumidas] de respeito pelos valores fundamentais da vida em comunidade [bens jurídico-penais], que se encontra materializada nos dois factos típicos e ilícitos praticados – 2.2.1).
Sem que se vislumbre qualquer causa de exclusão da culpa ou da ilicitude.
No mais foi valorado o teor do seu CRC atualizado documentado no processo quanto aos seus antecedentes criminais e o seu RIC; como ainda o relatório elaborado pela DGRSP a seu respeito no âmbito do processo n.º 8/25.... – e as declarações finais do arguido quanto à sua vida, juntamente com a verificação das condições formais para que possa existir a execução de uma medida de prisão em OPHVE [ainda que, quanto ao pai do arguido, que integra o seu agregado, tal consentimento não haja sido por este dado].”
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III. Mérito do recurso:
4.1. Questão prévia: lapso de escrita.
É patente que assiste efetivamente razão ao recorrente no reparo que faz à sentença recorrida.
Tal lapso de escrita deverá ser corrigido, nos termos do disposto no art. 380º, nº 1 al. b) e n.º 2 do Código de Processo Penal, por forma a que, onde se lê “EE”, se passe a ler “AA”.
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4.2. - Qualificação jurídica dos factos provados:
Não vindo questionados pelo arguido os factos fixados pelo Tribunal a quo, e uma vez que não se vislumbra que exista qualquer desconformidade na sentença que deva ser conhecida oficiosamente, mormente algum dos vícios elencados no artigo 410º do Código de Processo Penal, não cabe, pois, a este Tribunal ad quem pronunciar-se sobre tais aspetos.
Aceitando o arguido que a conduta dada como provada é subsumível ao crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292 do CP, insurge-se no entanto contra a condenação pela prática de um crime de condução ilegal, p. e p. pelo artigo 3.º, nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 3/98, de 3 de janeiro.
E na realidade o legislador não é claro quanto à questão de saber se a conduta em apreço é sancionada como crime ou como contra-ordenação, razão pela qual não se encontra na jurisprudência uma resposta uniforme.
Desta divergência, de resto, deu conta o Tribunal da condenação, na decisão recorrida.
Na tomada de posição que nos é reclamada, salientamos que o Decreto-Lei n.º102-B/2020, de 09.12, que veio alterar o art.º 130.º, do Código da Estrada, diz no seu preâmbulo: “São introduzidas alterações ao regime de caducidade dos títulos de condução, não só quanto às regras que permitem que condutores que deixaram caducar os seus títulos possam reavê-los, ainda que condicionados à realização de provas de exame ou à frequência de ação de formação, como também à previsão da caducidade definitiva dos títulos de condução nas situações tipificadas na lei”.
A versão anterior da alínea b), do n.º 3 do art.º 130.º do CE estipulava que o título de condução é cancelado quando for cassado nos termos do artigo 148.º do presente Código ou do artigo 101.º do Código Penal.
O Decreto-Lei n.º 102-B/2020 revogou esta alínea b).
E introduziu uma al. d) ao n.º 1, do mesmo art.º 130.º, com a anterior redação da al. b) do n.º 3, ou seja, a cassação passou do n.º 3 para o n.º1.
Acresce que aquele Decreto-Lei n.º 102-B/2020 aditou no n.º 4 que os titulares de títulos de condução cassados - caducados ao abrigo da al. d) do n.º 1) – são sujeitos ao exame especial do n.º 2, ou seja, tais títulos de condução podem ser revalidados.
Eliminou-se assim a figura do cancelamento do título de condução prevista no nº 3 do art. 130º, assim se reconduzindo todas as situações de falta de requisitos desse título à figura da caducidade.
Desta forma, à data dos factos o art. 130º do CE tinha a seguinte redação, que mantém atualmente:
1 - O título de condução caduca se:
a) Não for revalidado, nos termos fixados no RHLC, quanto às categorias abrangidas pela necessidade de revalidação, salvo se o respetivo titular demonstrar ter sido titular de documento idêntico e válido durante esse período;
b) O seu titular não se submeter ou reprovar na avaliação médica ou psicológica, no exame de condução ou em qualquer das suas provas, determinados ao abrigo dos n.ºs 1 e 5 do artigo anterior;
c) Se encontrar em regime probatório e o seu titular for condenado, por sentença judicial transitada em julgado ou decisão administrativa definitiva, pela prática de crime ligado ao exercício da condução, de uma contraordenação muito grave ou de segunda contraordenação grave;
d) For cassado nos termos do artigo 148.º do presente Código ou do artigo 101.º do Código Penal;
e) O condutor falecer.
2 - A revalidação de título de condução caducado fica sujeita à aprovação do seu titular em exame especial de condução, cujo conteúdo e características são fixados no RHLC, sempre que:
a) A causa de caducidade prevista na alínea a) do número anterior tenha ocorrido há mais de dois anos e há menos de cinco anos, com exceção da revalidação dos títulos das categorias AM, A1, A2, A, B1, B e BE cujos titulares não tenham completado 50 anos;
b) A causa de caducidade seja a falta ou reprovação no exame de condução ou em qualquer das suas provas determinadas ao abrigo dos n.ºs 1 e 5 do artigo anterior;
c) A causa de caducidade seja a falta ou reprovação na avaliação médica ou psicológica, determinada ao abrigo dos n.ºs 1 e 5 do artigo anterior e o título se encontre caducado há mais de um ano.
3 - O título de condução caducado não pode ser renovado quando:
a) [Revogada.]
b) [Revogada.]
c) O titular reprove, pela segunda vez, em qualquer das provas do exame especial de condução a que for submetido;
d) Tenham decorrido mais de dez anos sobre a data em que deveria ter sido renovado.
4 - São ainda sujeitos ao exame especial previsto no n.º 2:
a) Os titulares de títulos de condução caducados ao abrigo das alíneas c) e d) do n.º 1;
b) Os titulares do título caducado há mais de cinco anos.
5 - Os titulares de título de condução caducado consideram-se, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido, sendo-lhes aplicável o regime probatório previsto no artigo 122.º caso venham a obter novo título de condução.
6 - [Revogado.]
7 - Quem conduzir veículo com título caducado, nos termos previstos no n.º 1, é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600.
(sublinhados nossos)
Em face do atual texto do artigo 130º nº 3 do Código da Estrada, deixou pois de fazer sentido a discussão que se vinha travando na jurisprudência quanto à necessidade da existência de um ato administrativo por parte do IMT – enquanto entidade competente para a emissão, revogação e cancelamento de títulos de condução – que determinasse o cancelamento definitivo do título de condução caducado. Ela ocorre ope legis.
E prevê-se agora que o titular de título de condução caducado por este ter sido cassado nos termos do artigo 148.º do presente Código, possa, no fim do prazo da cassação, obter a revalidação de título de condução caducado, caso fique aprovado em exame especial de condução, que está previsto no art.º 37º do RHLC (DL n.º 138/2012, de 05 de Julho)
Note-se contudo que, logo que ocorram as circunstâncias previstas no n.º 3 do art.º 130 do CE, já não é mais possível a renovação da carta de condução, considerando-se ipso legem os respetivos titulares para todos os efeitos legais não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido – cf. nº 5 do citado artigo 130º.
Esta modelação legal tem reflexos na responsabilidade penal/contraordenacional do titular de título de condução caducado, posto que o nº 7 do artigo 130º se reporta expressamente aos títulos caducados nos termos previstos no nº 1 – ou seja, aqueles cujo limite de validade se mostra ultrapassado, mas que ainda são passíveis de revalidação.
Para os titulares de carta de condução caducada definitivamente (relativamente à qual já não é possível a revalidação), rege o nº 5 do mesmo artigo 130º, isto é, consideram-se para todos os efeitos legais não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido, incorrendo em ilícito criminal se exercerem a condução de veículos motorizados nessas circunstâncias, nos termos previstos no artigo 3º, nos 1 e 2 do Decreto-Lei nº 2/98, de 03 de janeiro.
No caso de titulares de carta de condução cassada nos termos do art.º 148 do CE, como é o caso dos autos, esta não pode ser revalidada antes de decorridos dois anos sobre a efetivação da cassação (art.º 148.º, n.º 11, do CE).
Decorrido tal prazo, podem revalidar o título de condução sujeitando-se ao exame especial previsto no n.º 2 do art.º 130º, conforme prevê no n.º 4 al. a) deste normativo.
Caso conduzam estando o título caducado, e enquanto não caírem no n.º 3, do art.º 130.º, cometem uma contraordenação prevista no n.º 7 do art.º 130º.
Esta condução não habilitada só será crime depois de ocorrerem as circunstâncias do n.º 3 do art.º 130º do CE.
Entendeu de facto o legislador que, nas situações em que os títulos de condução já não podem ser revalidados (caducidade definitiva), a gravidade da condução sem habilitação legal é merecedora de uma censura acrescida, como é o caso da censura criminal, podendo pois dar lugar à privação da liberdade (no sentido de que é esta privação da liberdade que constitui “a summa divisio entre as sanções penais e contra-ordenacionais, permitindo estabelecer um distinção de teor qualitativo entre as penas de prisão e de multa e a coima que, por sua vez, viabiliza a afirmação da autonomia material do direito das contra-ordenações em relação ao direito penal”, cfr. Nuno Brandão, crimes e contra-ordenações: Da cisão à convergência material, Ensaio para uma recompreensão da relação entre O direito penal e o direito contra-ordenacional).
Como supra foi já referido, o texto da lei não é perfeito e por isso dá azo a divergências de interpretação.
É certo o reparo de que não faz sentido deixar no n.º 1 do art.º 130.º, mais concretamente na al. d) alguém que já faleceu, situação que, à vista de todos, é impeditiva de revalidar o título de condução.
E sabemos também que o n.º 11 do art.º 148.º fala em não ser concedido novo título de condução a quem tenha sido cassado.
Contudo, o argumento literal, enquanto regra interpretativa consagrada no art. 9º do Código Civil, não permite, julgamos, interpretação diversa daquela que acima foi exposta.
O intérprete move-se na norma, “nos estritos limites traçados pela letra” (Tatiana Guerra de Almeida, em anotação ao referido art.º 9º, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Portuguesa)
E a criminalização da conduta em causa nos autos contende com a letra da lei, pondo em causa a segurança e a previsibilidade jurídicas e não pode por isso ser advogada.
Lembramos a este respeito os ensinamentos de BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1996, págs. 188 e ss.:
"I - O art. 9.º deste Código, que à matéria se refere, não tomou posição na controvérsia entre a doutrina subjectivista e a doutrina objectivista. Comprova-o o facto de se não referir, nem à "vontade do legislador", nem à "vontade da lei", mas apontar antes como escopo da actividade interpretativa a descoberta do "pensamento legislativo" (art. 9.º, 1.º). Esta expressão, propositadamente incolor, significa exactamente que o legislador não se quis comprometer. [...]
II - Começa o referido texto por dizer que a interpretação não deve cingir-se à letra mas reconstituir a partir dela o "pensamento legislativo". Contrapõe-se letra (texto) e espírito (pensamento) da lei, declarando-se que a actividade interpretativa deve - como não podia deixar de ser - procurar este a partir daquela.
A letra (o enunciado linguístico) é, assim, o ponto de partida. Mas não só, pois exerce também a função de um limite, nos termos do art. 9.º, 2: não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) "que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso". Pode ter de proceder-se a uma interpretação extensiva ou restritiva, ou até porventura a uma interpretação correctiva, se a fórmula verbal foi sumamente infeliz, a ponto de ter falhado completamente o alvo. Mas, ainda neste último caso, será necessário que do texto "falhado" se colha pelo menos indirectamente uma alusão àquele sentido que o intérprete venha a acolher como resultado da interpretação. Afasta-se assim o exagero de um subjectivismo extremo que propende a abstrair por completo do texto legal quando, através de quaisquer elementos exteriores ao texto, descobre ou julga descobrir a vontade do legislador. Não significa isto que se não possa verificar a eventualidade de aparecerem textos de tal modo ambíguos que só o recurso a esses elementos externos nos habilite a retirar deles algum sentido. Mas, em tais hipóteses, este sentido só poderá valer se for ainda assim possível estabelecer alguma relação entre ele e o texto infeliz que se pretende interpretar.
III - Ainda pelo que se refere à letra (texto), esta exerce uma terceira função: a de dar um mais forte apoio àquela das interpretações possíveis que melhor condiga com o significado natural e correcto das expressões utilizadas. Com efeito, nos termos do art. 9.º, 3, o intérprete presumirá que o legislador "soube exprimir o seu pensamento em termos adequados". Só quando razões ponderosas, baseadas noutros subsídios interpretativos, conduzem à conclusão de que não é o sentido mais natural e directo da letra que deve ser acolhido, deve o intérprete preteri-lo.
IV - Desde logo, o mesmo n.º 3 destaca outra presunção: "o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas".
No sentido por nós advogado, encontramos, na jurisprudência, os Acórdãos da RL de 2021-12-07. Processo nº 340/19.5PTLRS.L1-5, relator: Manuel Sequeira, de 2022-03-22, Processo: 533/21.5PCLRS.L1-5, Relatora: Sandra Pinto, de 06-02-2024, Processo: 696/23.5SILSB.L1-5, Relator: Paulo Barreto e de 06-02-2025, Processo: 663/24.1PBSNT.L1-5 Relator: Ana Lúcia Gordinho; da RP de 25-11-2020, Processo: 20/19.1GALSD.P1, Relator: VÍTOR MORGADO; em sentido contrário, encontramos o o Ac. do TRG de 05.12.2022 relatado por Paulo Almeida Cunha e o Ac da RE de 13-09-2022, Proc.º 20/22.4GDPTM.E1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
Assim, à luz de tudo o que foi dito, impõe-se considerar procedente este segmento do recurso e absolver o arguido do crime de condução sem habilitação legal pelo qual foi condenado, sem prejuízo de o mesmo poder vir a ser responsabilizado pela prática de contra-ordenação, o que próprio recorrente logo admite.
A apreciação da argumentação do recorrente no sentido do desconhecimento da punição penal da conduta proibida torna-se, naturalmente, desnecessária.
Duas posições se perfilam agora sobre o destino do processo: uma, que defende a aplicação de uma coima pelo tribunal; outra, que diz que os tribunais carecem de competência para a tramitação processual, o que implica a remessa do caso para a entidade administrativa competente.
Parece-nos que é esta última a correta, em face do disposto nos art.s 134º n.º 1 e 2 e
nas alíneas a) e b) do nº 1 e nº 7 do artº 169º, todos do CE e 77 e 78 do RGCC (Dec.‑Lei nº 433/82 de 27.10)
A competência para a tramitação processual por contra‑ordenação estradal é, assim, da ANSR, só assim se compatibilizando o processo, desde logo, com a prerrogativa de pagamento voluntário da coima e respectivo formalismo, totalmente desadequado à fase de julgamento perante tribunal de 1ª instância, orientada para a audiência final e prolação de sentença.
Desta forma, deverá a final ser ordenada extracção de certidão e remessa à autoridade competente para o respectivo processamento.
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4.2. Medida da pena:
Insurge-se o recorrente contra a pena em que foi condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, que entende ser excessiva.
A propósito da intervenção do tribunal de recurso quanto ao controle da fixação concreta da pena, ensina Figueiredo Dias, Direito Penal Português, in “As consequências Jurídicas do Crime”, págs. 196-197, e constitui jurisprudência uniforme do STJ, que tal intervenção “tem de ser necessariamente “parcimoniosa”, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada.”
Ou seja, o recurso não visa nem não pode eliminar alguma margem de atuação livre, reconhecida ao tribunal de julgamento enquanto componente individual do ato de julgar.
(cfr. neste sentido, e por todos, os Acs do STJ de 29-1-2004, processo: 03P1874, relator: Pereira Madeira e de 27-5-2009, processo: 09P0484, relator: Raul Borges, Ac. RG de 13-5-2019, proc.º n.º 348/18.7GAVLP.G1, relator: Ausenda Gonçalves, disponíveis in www.dgsi.pt)
A determinação da pena, realizada em função da culpa e das exigências de prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização, face ao disposto nos arts. 71.º, n.º 1, e n.º 2, e 40.º, do CP, deve visar as necessidades de tutela do bem jurídico em causa e ter em conta todas as circunstâncias que depõem a favor e contra o arguido.
Ora, lida a sentença, vemos que o tribunal recorrido teve em atenção todos os elementos disponíveis no processo que interessavam em sede de graduação da pena a aplicar, tendo avaliado a conduta do arguido em função dos parâmetros legais, que foram respeitados.
Notamos, tal como o Tribunal a quo o fez, que são elevadas as exigências de prevenção geral positiva, dado o alarme causado na sociedade aquando da prática de crimes desta natureza, tendo em conta, nomeadamente, a continuação da existência de um elevado índice de episódios de condução sob o efeito de álcool (cfr. as estatísticas disponíveis in http://www.ansr.pt/Estatisticas/RelatoriosDeSinistralidade/Documents/2023/pt) muitas vezes associados a sinistralidade rodoviária, com graves consequências para a vida, o corpo e o património, quer dos agentes do crime, quer de outras pessoas alheias à conduta destes.
Estas necessidades de prevenção geral impõem uma resposta punitiva firme (neste sentido se tem pronunciado a jurisprudência, de forma unânime, de que são exemplo os. Ac RC de 17-12-2014, Processo: 52/14.6GTCBR.C1 e de 10-07-2018, Processo: 41/18.1PBCLD.C1, e da RG de 28-10-2019, Processo: 156/19.GAVNF.G1, in www.dgsi.pt).
Quanto às razões de prevenção especial ou individual, entendemos que elas também são elevadas, não obstante a inserção social e familiar, considerando os antecedentes criminais do arguido, a adição alcoólica e as características de personalidade que se manifestaram nos factos praticados: irresponsabilidade e dificuldade de controlo de impulsos e indiferença ao dever-ser jurídico penal e às consequências que das suas condutas podem advir para terceiros.
Salienta o recorrente que se deve ponderar que iniciou acompanhamento em consulta de alcoologia no passado dia 12 e tem nova consulta agendada para o dia 14 de maio de 2025.
É de facto uma circunstância que deve ser considerada e que não foi ignorada pelo Tribunal da condenação.
Contudo, não é possível atribuir-lhe o peso que o recorrente pretende, uma especial diminuição das exigências de prevenção especial positiva, pois trata-se de um tratamento ainda recente e a abstinência do arguido tem ainda de ser consolidada. E não podemos esquecer que os factos em causa nos autos foram praticados pouco mais de quatro meses após a condenação do recorrente numa pena de cinco meses de prisão suspensa na sua execução e numa pena acessória de inibição de conduzir por um ano - processo n.º 128/23..... Ou seja, a ameaça da prisão não lhe serviu de suficiente advertência no sentido de passar a pautar a sua conduta pelo respeito pelo Direito, tendo voltado a praticar um crime estradal.
Por outro lado, a ilicitude da conduta é elevada, como salientou o Tribunal a quo e o dolo manifestou-se na sua modalidade mais grave: a de dolo direto.
Cremos, portanto, que, ponderada a ilicitude global do facto, a culpa do recorrente e as exigências de prevenção requeridas, uma pena situada acima da metade da moldura penal abstrata aplicável, como é a pena em que o Tribunal a quo condenou o arguido, não se pode considerar excessiva nem desproporcional, respeita as finalidades da punição e não merece censura.
Improcede assim este segmento do recurso
4.3.Da escolha da pena:
Não questionando o recorrente a aplicação ao arguido de uma pena de prisão, requer contudo a “execução da pena de prisão na habitação, sujeita a vigilância electrónica.”
Argumenta que o Tribunal fez uma “errónea valoração da omissão/silêncio do pai do arguido como oposição ou não prestação de consentimento, com preterição de garantias de defesa e sem contraditório ou pedido de esclarecimento(s), com violação do princípio in dubio pro reo;
Vejamos então o que escreveu a este respeito o Tribunal a quo:
“Importará ainda assim avaliar se o seu cumprimento deve ser efetuado em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.
Em resultado da revisão operada pela citada Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto, no artigo 43.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, a aplicação do regime de permanência na habitação foi alargada aos casos de prisão concretamente fixada em medida não superior a dois anos. Devendo o Tribunal optar por esta forma de cumprimento da pena de prisão efetiva sempre que conclua que assim se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena e o condenado nisso consentir.
O n.º 2 do mencionado preceito legal estabelece que o apontado regime consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância pelo tempo de duração da pena de prisão em que é condenado, sem prejuízo das ausências para o exterior devidamente autorizadas.
Pese embora a existência de um pressuposto formal de estarmos perante a aplicação de uma pena concreta de prisão em medida não superior a dois anos, critério que se mostra aqui preenchido (1 A e 1 M de prisão), e de existir autorização do arguido, da sua mãe e irmão quanto a esta forma de execução de pena, o pai do arguido, que integra o agregado familiar, não consentiu expressamente nesta forma de execução de pena – vide relatório social.
O consentimento do arguido, tal como os consentimentos de outras pessoas que com ele vivam e as demais condições de que depende o cumprimento da prisão em RPH mediante vigilância eletrónica, nos termos da Lei 33/2010, constituem requisitos formais para a aplicação do RPH.
Tendo sido realizada a recolha das informações prévias a que se reportam os artigos 7.º n.º 2 e 19.º, da Lei 33/2010, pois que a utilização da vigilância eletrónica depende ainda do consentimento das pessoas, maiores de 16 anos, que coabitem com o arguido ou condenado (art. 4.º n.º 4), que é feito por simples declaração escrita, a qual deve acompanhar ainda toda a informação referida no n.º 2 do artigo 7.º, ou ser enviada, posteriormente, ao juiz (art. 4.º n.º 5), resulta que CC, na qualidade de pai e membro do agregado familiar, informou os Serviços de Reinserção Social que se recusava a assinar toda e qualquer documentação e perante a insistência daquele organismo viria a justificar-se «num discurso de desilusão e tristeza, de que “coloca à disposição das instâncias judiciais a melhor avaliação da situação do AA, pretendendo manter uma posição de neutralidade perante toda a situação, respeitando qualquer que seja a decisão que venha a ser tomada”.
Não é possível manter uma “posição neutral” quando a lei exige que aquela pessoa tome uma posição expressa e concludente sobre um direito que pode e trem que exercer no sentido de autorizar ou não. Sem que ali preveja o suprimento de uma tal postura ou posição ou se possa obviar à resposta desarmante do arguido, quando confrontado com este facto, de que não falara com o seu pai a este respeito. Mesmo quando toma nota da posição que aquele transmite à DGRSP.
De outro quadrante uma pena de prisão executada em regime de permanência na habitação supõe exigências de prevenção geral moderadas; que não exista perigo de continuação da atividade criminosa, e a par da reclusão no “meio natural” do condenado, se entenda ser de preservar ou incentivar uma situação de integração profissional que seja pré-existente, assim como promover a formação profissional e/ou educacional.
Tudo juízos contemporâneos do segmento da determinação da pena, sendo, como tal, contemporânea da elaboração da sentença. Não podendo ou devendo o segmento da condenação criminal da sentença ser condicional, ainda que esta forma de execução da pena de prisão, não constitua, em sentido próprio, uma “pena de substituição”
De tal forma que o regime estatuído pela Lei n.º 33/2010 obriga ao conhecimento das condições de execução formal desta pena em momento anterior à prolação da sentença, sem prejuízo, claro está, das prorrogativas legais atribuídas pelo artigo 138.º da Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro, ao TEP respetivo, sem que este tribunal deva cogitar possibilidades não concretizadas e abertas como as mencionadas pela defesa em alegações orais.
Nesta medida não estão verificados todos os pressupostos legais – formais – para que o arguido possa ver executada a pena única de 1 A e 1 M meses de prisão em regime de permanência na habitação, sujeita a vigilância eletrónica à distância.”
Sem embargo de se saber se no caso dos autos estão reunidos os pressupostos formais para o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação (questão que abordaremos de seguida), a verdade é que se entende que, estando o arguido profissional e familiarmente inserido, sendo jovem e vulnerável e tendo iniciado por sua iniciativa um tratamento à dependência do consumo do álcool, a sua reclusão e afastamento do arguido do seu meio social, familiar e laboral poderá ter consequências nefastas do ponto de vista da socialização (atentos os consabidos efeitos criminógenos e estigmatizantes do contacto com o meio prisional) e ainda não é necessária para se atingirem as finalidades da punição
Entendemos, com efeito, que a realização das finalidades de ressocialização poderá ainda ser cumprida mantendo o arguido afastado do ambiente prisional, assegurando que mantém hábitos de trabalho, sujeitando-se a tratamento médico ao alcoolismo de que padece e permanecendo junto do seu agregado familiar, que lhe presta apoio.
Considerando a natureza do crime e as condições pessoais do arguido, a sociedade não sentirá tal decisão como uma injustificada indulgência e sinal de fraqueza na luta contra a criminalidade.
A questão que então surge é a de saber se estão reunidos os requisitos formais para aplicação do regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica, em concreto o consentimento do pai do arguido, com ele residente, e exigido nos termos do art.º 4º da Lei nº 33/10, de 2/09.
No caso em análise, foi solicitado e junto aos autos o relatório social para determinação da sanção, nos termos do disposto no art.º 370º do CPP e dele consta que o pai do arguido, com ele coabitante, foi contactado telefonicamente pela DGRSP e por ele foi dito que o filho lhe devia uma “palavra/explicação, o qual à data não o fez”, razão pela qual não preencheu a declaração com resposta positiva ou negativa para aplicação do sistema de vigilância eletrónica. Declarou nessa altura ao técnico do SRS que com ele falou que “coloca à disposição das instâncias judiciais a melhor avaliação da situação do AA, pretendendo manter uma posição de neutralidade perante toda a situação, respeitando qualquer que seja a decisão que venha a ser tomada”.
Em face desta declaração, entendeu o Tribunal da condenação que o consentimento do pai do arguido não foi prestado.
Vejamos.
O momento de determinação da aplicação do regime de execução da pena de prisão previsto no art.º 43º do Cód. Penal é o da prolação da decisão condenatória, ou eventual subsequente despacho revogatório, no processo do tribunal do julgamento, encontrando-se tais matérias dentro do círculo dos poderes do juiz de julgamento e sem que possam vir a ser objeto de ponderação por um Tribunal distinto do da condenação ( cf. neste sentido o Ac. RP de 1/3/ 2023, Processo nº 66/22.2PAOVR-D.P1 e o Ac. da RE de 05/11/2024, Processo: 14/24.5PTFAR.E1, acessíveis em www.dgsi.pt).
E o Tribunal da condenação tem razão quanto à inexistência do consentimento por parte do pai do condenado.
Contudo, a verdade é que, em face do teor do relatório social, subsiste a dúvida sobre a real vontade do pai do arguido, pois o que lemos é que este declarou que respeitará qualquer decisão do Tribunal e que pretende permanecer numa “posição de neutralidade”.
Contudo, essa posição de neutralidade que ele almeja e verbaliza não é uma possibilidade no caso dos autos, já que o seu silêncio e inércia acarretam consequências, pois inviabilizam, impossibilitam, que o Tribunal condene o arguido numa pena de prisão a executar em regime de permanência na habitação, nos termos do disposto no art.º 43º do CP.
A abstenção por ele adotada não significa de facto neutralidade e desresponsabilização, como ele almejava. Ela tem ínsita uma tomada de posição: a de negar o necessário consentimento
Ou seja, ficamos com a clara impressão de que o pai do arguido decidiu sem ter conhecimento das implicações da decisão.
E o Tribunal tem de ter a certeza de que o pai do arguido foi informado de todas as implicações da decisão que lhe foi pedida, tinha de estar ciente de que a não prestação de consentimento equivale a uma negação desse consentimento.
Pelo exposto, concluímos que foi omitida uma diligência imprescindível – a de esclarecimento do pai do arguido -, o que configura um vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art.º 410º, nº 2, alínea a) do Cód. Proc. Penal.
Ou seja, a matéria de facto apurada na sentença recorrida é insuficiente para se poder formular um juízo seguro de aplicação ao recorrente da pena de prisão em regime de permanência na habitação, não tendo o Tribunal a quo investigado a totalidade da matéria de facto com relevo para a decisão da causa, podendo fazê-lo.
Esta insuficiência da matéria de facto existe internamente, no âmbito da decisão e resulta do texto da mesma.
O nº 1 do art. 426º do CPP estatui: Sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do nº 2 do artigo 410º, não for possível decidir da causa, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio.
In casu, não se mostra possível decidir da causa, em face dos elementos juntos aos autos
Nesta situação, poderá o Tribunal limitar-se a proferir nova sentença, sanando o vício em causa, com a junção aos autos de documentos e/ou a inquirição de testemunhas habilitadas a responder à matéria de facto em causa.
Mostra-se, por conseguinte necessário determinar o reenvio [parcial] do processo ao Tribunal a quo, para novo julgamento relativamente a tais aspectos nos termos estipulados no artigo 426º, nº 1 do CPP, julgamento esse a ser levado a cabo nos termos prescritos no artigo 426º-A do mesmo diploma, com reformulação da sentença, incluindo correção da matéria de facto provada relativamente a eventuais factos que estejam provados em contradição com os novos factos que venham a ser dados como provados.
*
Há que notar, por fim, que o conhecimento das inconstitucionalidades invocadas nas conclusões J, K, S,T,U,V e da violação das normas legais aí indicadas, bem assim como a pena a aplicar ao crime de condução sem habilitação legal, a que se referem as conclusões L e M ficam prejudicados em função do supra decidido.
V. Decisão:
Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - deste Tribunal da Relação de Coimbra em julgar o recurso interposto pelo arguido AA parcialmente procedente por parcialmente provado e, em consequência, decidem:
a) Nos termos do disposto no art. 380º, nº 1 al. b) e n.º 2 do Código de Processo Penal, determinar que, onde se lê na sentença “EE”, se passe a ler “AA”.
b) Absolver o arguido da prática como autor material de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. no artigo 3.º, nºs 1 e 2, do DL n.º 2/98, de 03.01, por referência aos artigos 121.º, n.º 1, e 123.º, n.º 1, do Código da Estrada.
c) julgar verificado o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410º, nº 2, alínea a) do CPP e, consequentemente, ordenar o reenvio parcial do processo para novo julgamento, nos termos do disposto nos artigos 426º e 426º-A do mesmo diploma, que abrangerá a matéria de facto indicada no ponto 4.3, podendo ser antecedido da requisição de documentos e da inquirição de testemunhas que possam vir a revelar ter conhecimento dos factos em causa e serem importantes para a descoberta da verdade material, após o que deverá ser proferida nova sentença complementada com os novos factos (e, caso necessário, corrigindo factos dados como provados e não provados que possam estar em oposição com a nova matéria de facto apurada) e respeitando o princípio da proibição da reformatio in pejus.
Sem custas.
Coimbra, 25-06-2025
Sara Reis Marques
Alexandra Guiné
Conceição Miranda