1. - O procedimento especial de despejo é aplicável para recuperação do imóvel nos casos de extinção do contrato de arrendamento que não resultem de ação de despejo.
2. - Foi intenção do legislador tornar mais céleres os despejos através desse procedimento especial, assim direcionado para a proteção do interesse do senhorio na recuperação do imóvel de que é proprietário perante quem já não tem título nem legitimidade substantiva para o ocupar.
3. - O procedimento especial de despejo tem natureza urgente, como resulta expresso do art.º 15.º-S, n.º 10, da Lei n.º 6/2006, de 27-02, na redação da Lei n.º 56/2023, de 06-10.
4. - Por isso, o prazo único de quinze dias a que alude o art.º 15.º-D, n.º 1, al.ªs a) e b), daquela Lei n.º 6/2006, na versão da Lei n.º 56/2023, corre em férias judiciais, também quanto ao requerimento de diferimento da desocupação do locado.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Recurso próprio, com efeito e modo de subida devidos, nada obstando ao seu conhecimento ([1]).
***
Ao abrigo do disposto no art.º 656.º do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.), segue decisão sumária, face à simplicidade da questão a decidir.
***
I – Relatório
Em autos de procedimento especial de despejo,
intentados por AA, com os sinais dos autos, contra
BB, também com os sinais dos autos,
veio a Requerida – em 03/01/2025 – deduzir o pedido de diferimento da desocupação do locado, perante a pretensão de despejo intentada pela Requerente (requereu esta a desocupação do locado e a sua restituição, livre e devoluto de pessoas e bens).
Concluiu a Requerida pelo diferimento da desocupação do locado para habitação pelo prazo de 5 meses, nos termos do disposto no art.º 865.º do NCPCiv..
Remetidos os autos a Tribunal, foi determinada a notificação da Requerida para se pronunciar – perante eventual subsequente indeferimento liminar – quanto à (in)tempestividade do incidente por si deduzido ([2]).
A Requerida veio pronunciar-se, considerando que ocorreu suspensão do prazo em férias judiciais, razão pela qual concluiu pela tempestividade e decorrente prosseguimento do incidente.
A contraparte veio, por sua vez, pugnar pela manifesta intempestividade do pedido incidental, por se tratar de procedimento urgente, razão pela qual os prazos correm em férias judiciais.
Com data de 06/02/2025, foi proferida decisão (“liminar”), nos seguintes termos:
«(…) verifica-se que a Requerida (…) foi citada para o presente procedimento especial de despejo no dia 09 de dezembro de 2024 (…).
Preceitua o n.º 1, do artigo 864.º do Código de Processo Civil que “no caso de imóvel arrendado para habitação, dentro do prazo de oposição à execução, o executado pode requerer o diferimento da desocupação, por razões sociais imperiosas, devendo logo oferecer as provas disponíveis e indicar as testemunhas a apresentar, até ao limite de três.”(…), aplicável ao caso concreto nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 15.º- M da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro.
Por outro lado, constata-se que a Requerida deu entrada do presente incidente de diferimento de desocupação de imóvel arrendado para habitação a 03 de janeiro de 2025.
A questão suscitada prende-se [com saber] se o pedido de diferimento da desocupação do locado tem natureza urgente ou não, correndo o prazo deste durante o período das férias judiciais.
Efetivamente com a redação dada pela Lei n.º 53/2023, de 26-10, ao artigo 15-S, n.º 5 da Lei 6/2006, de 27-2, passou-se a dispor que “aos prazos do procedimento especial de despejo aplicam-se as regras previstas no Código de Processo Civil, não havendo lugar a qualquer dilação”, retirando o termo “não havendo lugar à sua suspensão durante as férias judiciais”. Contudo, também a referida lei veio introduzir o n.º 10 ao citado artigo, estabelecendo que “O procedimento especial de despejo tem natureza urgente”.
Face a tal introdução, se retira que todo o procedimento especial de despejo tem natureza urgente, inclusive o pedido de diferimento da desocupação do locado.
Deste forma, aplicam-se as regras previstas no Código de Processo Civil, dispondo o n.º 1, do artigo 138.º que “o prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de atos a praticar em processos que a lei considere urgentes.” No caso em apreço, atribuindo o n.º 10, do artigo 15-S, da Lei 6/2006, de 27-2, natureza urgente, é de concluir que o prazo de 15 dias estabelecido no n.º 1, do artigo 864.º do Código de Processo Civil, não se suspende durante as férias judiciais.
Nesse seguimento, tendo a Requerida (…) sido citada no dia 09 de dezembro de 2024, verifica-se que o prazo de 15 dias de que dispunha para apresentar o requerimento de pedido de diferimento da desocupação do locado terminou no dia 24 de dezembro de 2024. Tendo esta dado entrada de tal pedido a 03 de janeiro de 2025, fê-lo de forma extemporânea.
Estabelece a alínea a), do n.º 1, do artigo 865.º do Código de Processo Civil que “1 - A petição de diferimento da desocupação assume caráter de urgência e é indeferida liminarmente quando: a) Tiver sido deduzida fora do prazo.”
Face ao supra exposto e às normas invocadas, indefiro liminarmente o pedido de diferimento da desocupação do locado deduzido pela Requerida BB, por o mesmo ser intempestivo.» (destaques retirados).
Inconformada, a Requerida, em 25/02/2025, veio interpor recurso, alegando e formulando as seguintes
Conclusões ([3]):
«1 – A recorrente não se conforma com o indeferimento liminar do pedido de desocupação do Local, por intempestivo;
2 – O prazo de requerer o Deferimento de Desocupação do Locado, aplica-se as regras do Código do Processo Civil;
3 – Da lei 56/2023, artigo 15º-S, nº 5, resulta que os prazos de procedimento especial de Despejo aplicam-se as regras previstas no CPC;
4 – Nos termos do artigo 138º, nº 1 e 2 do CPC, os prazos suspendem-se em férias judiciais, decorrendo as mesmas (férias de Natal), entre o dia 22 de Dezembro e 3 de Janeiro;
5 – Encontrando-se o prazo suspenso de 22 de Dezembro a 3 de Janeiro, aquando do pedido do Deferimento da Desocupação do Local, em 03 de Janeiro de 2025, ainda decorria o prazo para a prática do ato;
6 – Termos em que deverá ser admitido, o pedido de Deferimento da Desocupação do Local, atendendo que o mesmo foi apresentado no dia 03 de Janeiro de 2025, porquanto dentro do prazo Legal consignado no CPC;
7 – Por conseguinte, deve revogar-se o douto despacho que indeferiu o Pedido de Desocupação do Locado, por intempestivo, por outro que admita tal pedido;
8 – O douto despacho recorrido, violou, assim o disposto nos artigos 15-S, nº 5 da Lei 56/2023, e artigos 859º e 865º do CPC;
Termos em que, e nos demais de Direito, deve o presente recurso proceder com o devido provimento e, por via dele, ser preferida decisão, que revogue a decisão proferida;
Fazendo-se assim, a costuma JUSTIÇA».
A Requerente contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.
Admitido o recurso, foi ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, pelo que, mantendo-se o regime fixado e nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito da apelação, cumpre apreciar e decidir quanto ao seu objeto, em decisão sumária, como referido, dada a simplicidade da questão colocada.
II – Âmbito recursivo
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas respetivas conclusões, pressuposto o objeto do processo respetivo – como é consabido, são as conclusões da parte recorrente que definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([4]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do NCPCiv. –, está em causa na presente apelação saber, apenas, se o prazo discutido corre, ou não, em férias judiciais – para o que terá de responder-se à questão da natureza urgente, ou não, do procedimento e do incidente –, daí havendo de retirar-se a conclusão quanto à (in)tempestividade do pedido incidental de diferimento da desocupação do locado e decorrente indeferimento liminar.
III – Fundamentação
A) Da factualidade considerada apurada
O factualismo e a dinâmica processual a considerar são os que constam do antecedente relatório, cujo teor aqui se dá por reproduzido, a que se acrescenta, com base na prova documental integrante do processado, o seguinte:
- a Requerida foi notificada pelo Balcão do Arrendamento e do Senhorio (BAS) da instauração do procedimento especial de despejo, constando da respetiva notificação ter o prazo de 15 dias para: (i) “Desocupar o local arrendado e pagar o montante relativo a rendas” e legais acréscimos; (ii) “Apresentar oposição”; (iii) “(…) solicitar o adiamento do despejo (por um prazo máximo de 5 meses). Para tal deverá apresentar junto do Balcão do Arrendamento e do Senhorio, que remeterá para o tribunal, um pedido de diferimento da desocupação do imóvel arrendado para habitação; […] O prazo acima indicado é contínuo, não se suspende durante as férias judiciais, nem acresce qualquer dilação, aplicando-se, no restante, as regra do Código de Processo Civil (…)” (cfr. documento/expediente de notificação, datado de 30/09/2024, constante de fls. 15 e segs. do processo físico, com sublinhado aditado).
B) Da questão recursiva, em matéria de índole processual
Insurge-se a Recorrente contra a decisão de indeferimento com a seguinte linha de argumentação (como desenvolvido consta da sua alegação/motivação recursiva):
- dispunha a Lei n.º 6/2006, de 27-02 (NRAU), no seu artigo 15.º-S, que aos prazos do procedimento especial de despejo se aplicam as regras previstas no Código do Processo Civil, não havendo lugar à sua suspensão durante as férias judiciais, nem a qualquer dilação;
- porém, esse preceito foi alterado pela Lei n.º 56/2023, de 6-10, passando o art.º 15.º-S, n.º 5, a ter a seguinte redação: “Aos prazos do procedimento especial de despejo aplicam-se as regras previstas no Código Processo Civil, não havendo lugar a qualquer dilação”;
- tendo, assim, sido eliminada pelo legislador parte da norma (“não havendo lugar à sua suspensão durante as férias judiciais”), passou o prazo a reger-se nos termos do Código do Processo Civil;
- por isso, estando em causa o pedido de diferimento da desocupação do locado, o prazo interrompe-se nas férias judiciais;
- embora o n.º 10 do dito art.º 15.º-S (na redação da Lei 56/2023) refira que o procedimento especial de despejo tem natureza urgente, quis o legislador que essa natureza se aplique apenas a esse específico procedimento e não ao pedido/incidente de diferimento da desocupação do locado;
- trata-se de prazos de natureza diferente (a natureza urgente vale apenas para o procedimento especial de despejo e não para o âmbito incidental aludido).
A contraparte discorda, esgrimindo, no essencial, assim:
- o requerimento de diferimento de desocupação do locado é um incidente processual que se inclui no procedimento especial de despejo;
- ainda que o n.º 5 do art.º 15.º-S da referida lei determine que aos prazos do procedimento especial de despejo se aplicam as regras previstas no Código de Processo Civil, não havendo lugar a qualquer dilação, também o n.º 10 desse artigo determina que o mesmo procedimento tem natureza urgente;
- não fazendo sentido defender que esse número se aplica apenas ao procedimento especial de despejo, tanto mais que o art.º 15.º-S estabelece as “Disposições Transitórias” que se aplicam a toda a tramitação prevista nos art.ºs 15.º a 15.º-R;
- se o legislador quisesse excluir da natureza urgente alguma da tramitação processual (parcelar), tê-lo-ia dito expressamente, em vez de incluir a sua previsão nas disposições gerais reguladoras da respetiva “Subsecção”;
- acresce que a remessa que o atual art.º 15.º-M – respeitante ao diferimento da desocupação do locado – faz para o regime previsto nos art.ºs 863.º a 865.º do NCPCiv. confirma a natureza urgente desse incidente;
- nos termos do art.º 865.º, n.º 1, deste Cód., para o qual remete o sobredito art.º 15.º-M, a petição de diferimento da desocupação assume caráter de urgência, tratando-se, pois, de norma expressa de atribuição de natureza urgente nesse âmbito incidental.
Que dizer?
Desde logo, dir-se-á, antes de entrar na especificidade da questão jurídica suscitada, que, como agora facilmente se constata – numa perspetiva de índole prática –, a aqui Requerida/Recorrente veio pedir o diferimento da desocupação do locado por 5 (cinco) meses (cfr. fls. 21 do processo físico), o que fez em 03/01/2025 (fls. 18).
Ora, esse lapso temporal de 5 meses já teria decorrido, se fosse contado desde o momento da dedução do pedido e instauração do incidente.
É certo que o art.º 865.º, n.º 4, do NCPCiv. se reporta à data do trânsito em julgado da decisão que conceder o prazo, ou seja, da decisão de deferimento do pedido de diferimento da desocupação – e não à data da dedução do pedido –, mas tratando esse prazo de 5 meses como um prazo limite (limite máximo, que não pode ser excedido).
No caso, constata-se que, passados mais de seis meses desde a citação da Requerida para os termos do procedimento especial de despeja (ocorrida em 09/12/2024), não se verificou a desocupação e entrega do locado, continuando, por isso, a Requerida a ocupá-lo e a Requerente privada do mesmo.
Deixada esta nota, passemos à questão jurídica.
É sabido que o «procedimento especial de despejo é um meio processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes – art. 15º, nº 1, do NRAU.
O procedimento especial de despejo é assim aplicável para recuperação do imóvel em todos os casos de extinção do contrato de arrendamento que não resultem de ação de despejo» ([5]).
Com efeito, o «legislador pretendeu tornar mais céleres os despejos através do denominado procedimento especial de despejo (…), destinado a efectivar a cessação do contrato de arrendamento (…) quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes» ([6]), procedimento esse, pois, direcionado à proteção do interesse do senhorio na recuperação do imóvel de que é proprietário perante quem já não tem título nem legitimidade substantiva para o ocupar.
Ora, não há dúvidas de que o procedimento especial de despejo se reveste de natureza urgente, como salientado, desde logo, pelo Tribunal recorrido. Assim resulta expresso do art.º 15.º-S, n.º 10, da Lei n.º 6/2006, de 27-02, na redação da Lei n.º 56/2023, de 06-10: «10 - O procedimento especial de despejo tem natureza urgente.».
Por outro lado, como também referido na decisão recorrida, o art.º 865.º, n.º 1, do NCPCiv. – aplicável ex vi art.º art.º 15.º-M, na redação daquela Lei n.º 56/2023, dispondo este que «1 - À suspensão e diferimento da desocupação do locado aplicam-se, com as devidas adaptações, o regime previsto nos artigos 863.º a 865.º do Código de Processo Civil» – preceitua que «A petição de diferimento da desocupação assume caráter de urgência (…)».
Mais regula que tal petição «é indeferida liminarmente quando», para além do mais, «Tiver sido deduzida fora do prazo» (al.ª a) do n.º 1 do dito art.º 865.º).
Assim, tem de concluir-se, desde já, que, não só o procedimento especial de despejo tem natureza urgente, como a própria petição de diferimento da desocupação assume caráter de urgência.
Seguro é também que o pedido de diferimento da desocupação se assume como um incidente do procedimento especial de despejo; não, pois, algo que lhe seja exterior, mas um processado incidental que o integra, visando obstar à entrega imediata do locado ao senhorio, implicando, por isso, logicamente, o atrasar da satisfação da pretensão procedimental e do interesse deste.
Assim sendo, mesmo na fase do incidente de diferimento da desocupação – âmbito incidental protetivo do interesse da parte requerida –, não deixa de estar em causa, numa visão de conjunto, a intenção originária do legislador de “tornar mais céleres os despejos” quando o arrendatário não desocupe o locado no tempo devido.
Daí que, revestindo-se o procedimento especial de despejo da dita natureza urgente, essa urgência se estenda, quanto à contagem dos prazos processuais, ao incidente de diferimento da desocupação, que naquele se integra, como seu desenvolvimento ([7]).
Se assim não fosse, haveria o legislador de o deixar expresso, e não o fez, antes afirmando a natureza urgente do procedimento e, outrossim, em reforço, da própria petição de diferimento da desocupação.
Quer dizer, se também a petição de diferimento da desocupação assume caráter de urgência, integrando-se, como desenvolvimento, num procedimento com natureza urgente, então tem de extrair-se a conclusão no sentido de o prazo legal para requerer o diferimento da desocupação não poder fugir a essa dimensão de urgência, que marca todo o procedimento (incluindo a dedução do incidente).
Doutro modo – se outra fosse a intenção do legislador – teria a lei de o expressar claramente, o que não ocorre.
É certo, como refere a Requerida/Recorrente, que a lei sofreu alterações, sendo que, na sua anterior redação, o aludido art.º 15.º-S, n.º 5, da Lei n.º 6/2006, de 27-02, dispunha assim:
«(…)
5 - Aos prazos do procedimento especial de despejo aplicam-se as regras previstas no Código de Processo Civil, não havendo lugar à sua suspensão durante as férias judiciais nem a qualquer dilação.» (sublinhado aditado).
Enquanto que o atual art.º 15.º-S, n.ºs 5 e 10 (este último aditado), dessa Lei n.º 6/2006, na redação da Lei n.º 56/2023, de 06-10, prescreve:
«(…)
5 - Aos prazos do procedimento especial de despejo aplicam-se as regras previstas no Código de Processo Civil, não havendo lugar a qualquer dilação.
(…)
10 - O procedimento especial de despejo tem natureza urgente.» (destaques aditados).
Assim sendo, foi expressamente proclamada (em novo n.º) a natureza urgente do procedimento especial de despejo, âmbito em que a supressão, quanto à contagem dos prazos, do segmento “não havendo lugar à sua suspensão durante as férias judiciais”, em nada constitui obstáculo a tal natureza urgente.
Com efeito, aplicando-se, nessa matéria, as regras previstas no Código de Processo Civil, é sabido que a regra da suspensão dos prazos processuais em férias judiciais é afastada quando se trate de “atos a praticar em processos que a lei considere urgentes”, como logo resulta do disposto no art.º 138.º, n.º 1, do NCPCiv. ([8]).
Note-se até que o STJ uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos: «Os actos inseridos na tramitação dos processos qualificados como urgentes, cujos prazos terminem em férias judiciais, são praticados no dia do termo do prazo, não se transferindo a sua prática para o primeiro dia útil subsequente ao termo das férias judiciais» ([9]).
Em suma, com aplicação das regras do NCPCiv. – no caso, a exceção prevista na parte final do dito art.º 138.º, n.º 1 –, tratando-se, na situação decidenda, de ato incidental inserido na tramitação de procedimento qualificado como urgente, no âmbito/esfera judicial, o prazo em causa corria em férias judiciais, pelo que não pode defender-se, salvo o respeito devido, que foi objeto, na sua contagem, de suspensão durante as férias judiciais de Natal.
Note-se que o art.º 15.º-D (“Finalidade, conteúdo e efeito da notificação”) – na versão da Lei n.º 56/2023, de 06/10 – estabelece um prazo único, de 15 dias, para as três possibilidades de opção acima referidas, dispondo assim:
«1 - O BAS expede imediatamente notificação para o requerido, por carta registada com aviso de receção, para, em 15 dias, este:
a) Desocupar o locado e, sendo caso disso, pagar ao requerente a quantia pedida, acrescida da taxa por ele liquidada;
b) Deduzir oposição à pretensão e ou requerer o diferimento da desocupação do locado, nos termos do disposto no artigo 15.º-M.» (destaques aditados).
Termos em que, tratando-se de um prazo processual único, não poderia entender-se dever ser ele objeto de contagem diferenciada consoante a parte requerida pretendesse deduzir oposição à pretensão ([10]) ou, diversamente, requerer o diferimento da desocupação do locado ([11]), podendo até, em cumulação, deduzir ambos ([12]).
Ora, sendo um prazo único, no âmbito de um procedimento que a lei qualifica expressamente como de natureza urgente, só pode concluir-se, salvo o devido respeito, que haverá de ser contado, segundo as regras do NCPCiv., de harmonia com o art.º 138.º, n.º 1, parte final, desse Cód., sem suspensão durante as férias judiciais, atenta aquela natureza urgente (art.º 15.º-S, n.º 10, citado) ([13]).
Não assiste, pois, razão à Recorrente, sendo o seu ato processual (oferecimento do pedido/requerimento de diferimento da desocupação) extemporâneo, assim justificando o decidido indeferimento “liminar” [convocado art.º 865.º, n.º 1, al.ª a), do NCPCiv.].
Inexistindo, portanto, qualquer invocada violação de lei, é de confirmar a decisão recorrida, cabendo à Recorrente, ante o seu decaimento, suportar as custas da apelação (art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do NCPCiv.), sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.
IV – Concluindo (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.): (…).
V – Decisão
Pelo exposto e ao abrigo da norma do art.º 656.º do NCPCiv., julgando-se improcedente a apelação, mantém-se a decisão recorrida.
Custas da apelação a suportar pela Recorrente (parte vencida), sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.
Escrito e revisto pelo relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).
Assinatura eletrónica.
28/06/2025
O Relator,
Vítor Amaral
([1]) Nos moldes decididos no despacho de admissão do recurso, datado de 19/03/2025, onde se fixou efeito suspensivo, como requerido, bem como subida nos próprios autos.
([2]) Sob ponderação de que: «(…) a Requerida (…) foi citada para o presente procedimento especial de despejo no dia 09 de dezembro de 2024, conforme certidão de citação constante na referência 109512716 de 11/12/2024. // Preceitua o n.º 1, do artigo 864.º do Código de Processo Civil que “no caso de imóvel arrendado para habitação, dentro do prazo de oposição à execução, o executado pode requerer o diferimento da desocupação, por razões sociais imperiosas, devendo logo oferecer as provas disponíveis e indicar as testemunhas a apresentar, até ao limite de três.” (…), aplicável ao caso concreto nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 15.º-M da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro. // Por outro lado, constata-se que a Requerida só deu entrada do presente incidente de deferimento de desocupação de imóvel arrendado para habitação a 03 de janeiro de 2025, ou seja, após os 15 (quinze) dias de que dispunha para apresentar oposição ao pedido de despejo. // Nesse seguimento, no sentido de evitar uma decisão surpresa de indeferimento liminar, nos termos do disposto da alínea a), do n.º 1, do artigo 865.º do Código de Processo Civil, notifique a Requerida para, no prazo de 02 (dois) dias, querendo, se pronunciar quanto à tempestividade do incidente por si deduzido».
([3]) Que se deixam transcritas, com destaques retirados.
([4]) Excetuando, logicamente, questões de conhecimento oficioso, desde que não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([5]) Cfr. Ac. TRL de 11/02/2021, Proc. 955/20.9YLPRT.L1-2 (Rel. Nelson Borges Carneiro), em www.dgsi.pt.
([6]) V. Luís Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 8.ª ed., Almedina, Coimbra, 2017, p. 215.
([7]) Como consta do sumário do Ac. TRL de 17/03/2015, Proc. 7012/13.2YYLSB.L1-7 (Rel. Graça Amaral), em www.dgsi.pt, «A finalidade subjacente ao incidente de diferimento da desocupação de imóvel – razões sociais imperiosas que obstem à restituição imediata do imóvel após a extinção do arrendamento – empresta-lhe uma actuação cautelar com vista à defesa de uma posse (ainda que em sentido impróprio) da respectiva casa de habitação. Nessa medida, a lei atribui ao incidente um regime similar ao do procedimento cautelar, desde logo pelo carácter urgente da sua tramitação.».
([8]) Preceito da lei adjetiva segundo o qual: «O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de atos a praticar em processos que a lei considere urgentes.».
([9]) Cfr. AUJ de 15/04/2021, Proc. 1855/13.4TBVRL-B.GL-B.SL-A (Cons. Manuel Capelo), em www.dgsi.pt.
([10]) Dispõe o art.º 15.º-F, n.º 1, que “O requerido pode opor-se à pretensão no prazo de 15 dias a contar da sua notificação.”.
([11]) Sabido também que «À suspensão e diferimento da desocupação do locado aplicam-se, com as devidas adaptações, o regime previsto nos artigos 863.º a 865.º do Código de Processo Civil» (art.º 15.º-M).
([12]) Como entendido no Ac. TRP de 25/11/2024 – Proc. 280/24.6YLPRT-A.P1 (Rel. Manuel Domingos Fernandes), em www.dgsi.pt –, no âmbito do procedimento especial de despejo, «e não tendo sido pedido o diferimento da desocupação do locado em simultâneo com a dedução de oposição [cf. nº 1 al. b) do artigo 15.º-D do NRAU], não pode tal pedido ter lugar posteriormente e, concretamente, no âmbito do artigo 864.º do CPCivil cujo normativo abrange apenas as situações em que a formação do título executivo ocorre numa ação clássica de despejo, precisamente a que vem referida no artigo 14.º do NRAU.». Cfr. também o Ac. TRP de 25-11-2024, Proc. 570/24.8YLPRT.P1 (Rel. Teresa Pinto da Silva), em www.dgsi.pt.
([13]) Se vinha sendo entendido, perante redação legal de pretérito, que, «Segundo os números 5 e 8 do artigo 15-S da Lei n.º 6/2006, de 27-02, na redação dada pela Lei n.º 31/2012, de 14-08, no procedimento especial de despejo ali regulado, os prazos correm em férias judiciais e os atos a praticar pelo juiz têm carácter urgente, não existindo norma que estabeleça, em termos globais, a urgência desse procedimento», com a inerente conclusão de que «não é lícito qualificar todo aquele procedimento como urgente», como consta do Ac. STJ de 24/11/2016, Proc. 470/15.2T8MNC.G1-A.S1 (Cons. Tomé Gomes), em www.dgsi.pt, certo é que agora a lei, de forma consequente, diz expressamente que o “procedimento especial de despejo tem natureza urgente”.