ATRIBUIÇÃO DA CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
ALTERAÇÃO DO PEDIDO NA FASE DO RECURSO
LIMITE TEMPORAL
ADMISSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO CONDICIONAIS
Sumário

1. - Não é possível ao autor alterar unilateralmente o pedido na fase recursiva, antes tendo de conformar-se (na falta de acordo) com o seu pedido originário.
2. - A lei não permite, por regra, a condenação condicional, por o reconhecimento do direito ficar dependente, nesse caso, da hipotética verificação de um facto futuro e incerto, a exigir uma ulterior indagação judicial, o que põe em causa a necessidade de o veredito ser seguro, impositivo e definitivo.
3. - Pretendendo o demandante uma decisão judicial para o futuro, que lhe atribua um direito futuro, se e para o caso de um determinado cenário se vir a verificar, o que é incerto e inseguro, estamos perante pedido condicional, a demandar sentença/condenação condicional.
4. - Ora, este caráter/horizonte incerto e condicional a que se reporta um tal pedido – traduzido, no caso, na atribuição do uso exclusivo da casa de morada de família, para o período após a partilha dos bens comuns, a um só dos ex-cônjuges, com afastamento do outro, quando existe decisão anterior no sentido de o uso da casa ficar atribuído a ambos até à partilha, esta ainda não alcançada, muito embora esteja pendente processo de inventário para o efeito, mas ainda na fase da reclamação à relação de bens – não pode ser acolhido e disciplinado por sentença judicial, não cabendo ao tribunal julgar com base em cenários futuros e hipotéticos, como tal incompletos e implicando um veredito carecido de certeza e definitividade e, assim, a falta de efetividade da tutela judicial.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

***

          Recurso próprio, com efeito e modo de subida devidos, nada obstando ao seu conhecimento ([1]).

                                                          ***    

Ao abrigo do disposto no art.º 656.º do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.), segue decisão sumária, face à simplicidade da questão a decidir.

                                               ***

I – Relatório

AA, com os sinais dos autos,

veio, por apenso aos autos de divórcio que correram entre si e BB, também com os sinais dos autos,

instaurar contra esta o que designou de “modificação e prolongamento temporal da decisão tomada por homologação do acordo a que os ex-cônjuges chegaram nesta ação de divórcio consentido, com vista à atribuição da utilização da casa de morada de família nos termos do artigo 1793º do CC”.

Alegou factos e alinhou razões para pedir – tendo em conta, por um lado, que foi proferida sentença, transitada em julgado, de divórcio por mútuo consentimento do casal e que homologou o acordo entre ambos, Requerente e Requerida, obtido relativamente à utilização da casa de morada de família, assim atribuída aos dois ex-cônjuges até à partilha de bens comuns do casal; e, por outro, que o Requerente sofre de problemas de saúde, agravados até pela difícil convivência entre as partes, sendo que este, ao contrário da Requerida, “não tem outro sítio para viver” – que «lhe seja mantida a utilização da casa de morada de família, após a partilha de bens comuns do ex casal, com ou sem adjudicação do prédio respectivo, à requerida, conforme suceda, e se assim, se lhe for adjudicado, mediante contrato de arrendamento, com a renda social que deverá ser fixada no montante mensal de € 50,00».

Designada data para conferência / tentativa de conciliação, nos termos dos art.ºs 990.º e 931.º do NCPCiv., e nela não tendo sido possível a resolução amigável para o litígio, foi notificada a Requerida para, querendo, apresentar contestação, o que esta fez, pugnando pela improcedência total da pretensão do Requerente, de molde a manter-se o acordado no âmbito da ação de divórcio.

Tramitados os autos e produzidas as provas, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: «(…) com os fundamentos expostos, na total improcedência da acção, do pedido deduzido se absolve a R.».

Inconformado, o Requerente veio interpor recurso, alegando e formulando, sinteticamente, as seguintes

Conclusões ([2]):

«i) Há, por conseguinte, motivo sério e de necessária proteção na debilidade do Recorrente, para ser mantida a solução, pela qual a utilização da casa de morada de família do ex-casal, foi co-atribuída a ambos os ex-cônjuges.

ii) Imputa o Recorrente à Recorrida o seu agravamento de saúde e perante declarações de testemunhas em audiência de julgamento se fez prova e que a Recorrida até á partilha da casa de morada de família passe a residir na habitação dos seus pais da qual já é proprietária de uma parte por morte do seu pai.

iii) Condicionada, sim, nos termos legais, ao pagamento de uma renda social ao ex-cônjuge a quem, e se, o prédio onde instalaram a casa de morada da família lhe for adjudicado, a ela, ex-mulher.

iiii) Montante da renda que não excederá 10% do rendimento mensal do Recorrente, índice compatível com o estatuto socio-económico de pobreza em que o Recorrente se vê incluído, i.e, € 50.00.

V.Exas decidirão, com suprimento bastante e necessário, de melhor direito e JUSTIÇA

Junta: 2 documentos.».

A Requerida contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.

Admitido o recurso, foi ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, pelo que, mantendo-se o regime fixado e nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito da apelação, cumpre apreciar e decidir quanto ao seu objeto, em decisão sumária, como referido, dada a simplicidade da questão colocada.

II – Âmbito recursivo

Sendo o objeto do recurso delimitado pelas respetivas conclusões, pressuposto o objeto do processo respetivo – como é consabido, são as conclusões da parte recorrente que definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([3]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do NCPCiv. –, está em causa na presente apelação saber, apenas, se:

a) Pode, em questão prévia, ser admitida a junção de documentos pelo Recorrente na fase recursiva;

b) Há fundamento legal para a procedência do pedido do Requerente/Recorrente.

III – Fundamentação

         A) Questão prévia

         Da admissibilidade de junção de documentos pelo Recorrente na fase recursiva

          Em anterior despacho do aqui relator, datado de 03/06/2025, foi assim determinado:

          «Constata-se que a parte recorrente juntou, aquando da sua alegação de recurso, prova documental, omitindo, todavia, o respetivo requerimento de junção, bem como o necessário esclarecimento quanto à pertinência e necessidade/tempestividade de junção dos documentos probatórios por referência à factualidade visada.

            Ora, a junção de documentos tem de ser requerida, com explicitação do objetivo probatório visado (indicação da factualidade que se pretende provar concretamente com cada documento), e na fase de recurso é, não livre, mas excecional ([4]), pelo que não pode a parte apresentante limitar-se a fazer acompanhar a sua alegação de recurso de documentos de cariz probatório ([5]), antes devendo, desde logo, alegar/motivar no sentido de demonstrar que a junção é admissível/tempestiva (ante os parâmetros legais do art.º 651.º do NCPCiv.) e útil/pertinente, declarando, autónoma e discriminadamente, sendo o caso, quais os concretos factos (dentre os que sejam objeto de impugnação recursiva) que os documentos se destinam a fazer prova ou contraprova.

            Assim, notifique, por ora, a parte recorrente para, querendo, proceder aos esclarecimentos em falta.».

          Decorrido o prazo legal, o Recorrente nada veio dizer.

          Por isso, a contraparte veio pugnar pela não admissão (e desentranhamento) dos aludidos documentos.

          Cabe apreciar e decidir.

          Como dito – e se reitera –, a junção de documentos tem de ser requerida, com explicitação do objetivo probatório visado (indicação da factualidade que se pretende provar concretamente com cada documento), e na fase de recurso é, não livre, mas excecional, pelo que não pode a parte apresentante (o ora Recorrente) limitar-se a fazer acompanhar a sua alegação de recurso de documentos de cariz probatório, antes devendo, desde logo, alegar/motivar no sentido de demonstrar que a junção é admissível/tempestiva (perante o disposto no art.º 651.º do NCPCiv.) e útil/pertinente, declarando, autónoma e discriminadamente, sendo o caso, quais os concretos factos (dentre os que sejam objeto de impugnação recursiva) que os documentos se destinam a fazer prova ou contraprova.

          Ora, aquando da junção, o Recorrente não observou tal ónus de alegar/motivar, razão pela qual foi convidado a fazê-lo, de molde a prestar os “esclarecimentos em falta”.

          O que também não fez, apesar do despacho de convite do relator.

          Assim, não pode a pretensão de admissão de tal prova documental proceder, visto que não se demonstra que a junção seja admissível/tempestiva e, outrossim, útil/pertinente, nem sequer se declarando quais os concretos factos que os documentos – meio de prova – se destinassem a fazer prova ou contraprova.

          Com efeito, como é consabido, a junção de prova documental, por regra, “deve ocorrer preferencialmente na 1.ª instância, regime que se compreende na medida em que os documentos visam demonstrar certos factos, antes de o tribunal proceder à sua integração jurídica” ([6]).

        Assim, é admissível a junção em sede de recurso quando a apresentação dos documentos não tenha sido possível até então ou quando a junção apenas se tenha revelado necessária por força do julgamento proferido, “maxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo”, sendo de recusar a junção “para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado” ([7]).

        Não se demonstrando, pois, no caso dos autos, desde logo, a tempestividade da junção ([8]), resta concluir pela extemporaneidade dos documentos apresentados, impondo-se a sua rejeição.

        Pelo exposto:

a) Não se admitirá, a final, a requerida junção de documentos – os de fls. 117 e v.º do processo físico – por tal Recorrente;

        b) Condenando-se o mesmo na legal multa, a que aludem os art.ºs 443.º, n.º 1, do NCPCiv., e 27.º, n.ºs 1 e 4, do RCProc., que se fixa em 02 UCs..

B) Da factualidade a considerar

         1. - Na 1.ª instância foi julgado provado o seguinte factualismo:

         «1. A. e R. contraíram um com o outro, casamento católico, sem convenção antenupcial a 18.7.1998.

2. Durante o matrimónio, desde data exacta não apurada o casal fixou a casa de morada comum no imóvel sito na Travessa ..., ..., em ..., ..., ....

3. A 6.11.2017 foi proferida sentença, transitada em julgado, que homologando o pedido dos cônjuges e acordos celebrados declarou o divórcio por mútuo consentimento entre ambos e julgou dissolvido o casamento referido no ponto anterior.

4. A dita sentença homologou, para além do mais, o seguinte acordo:

“O uso da casa de morada de família é atribuído a ambos os requerentes até à partilha.

Tendo em conta que existe um grande desequilíbrio de rendimentos entre os requerentes, por tal ocupação a requerente mulher suportará a quantia referente ao empréstimo bancário contraído na parte que ainda se encontra por liquidar (€ 94,00), sendo o uso do requerente marido sem qualquer contrapartida.

Atento o que acima se deixa dito a requerente mulher prescinde, pois, de haver do requerente os valores que por conta de tal pagamento haja de liquidar até à partilha.

5. Corre termos desde 1.6.2018, inicialmente no cartório Notarial e depois em tribunal o apenso C de inventário para partilha dos bens comuns do extinto casal, no qual o requerente é cabeça-de-casal.

6. Na relação de bens foi relacionado um prédio urbano, destinado a habitação, composto de casa de rés-do-chão com 5 assoalhadas, cozinha, 2 casas de banho, corredor e 2 varandas, cave para arrumos e logradouro, sito na Travessa ..., ..., em ..., ....

7. O referido processo encontra-se desde Dezembro de 2021 em fase de reclamação à relação de bens, com base, para além do mais, em pretendida exclusão do mencionado imóvel que a aqui requerida entende dever ser excluído da relação por ser seu bem próprio, muito embora com inclusão na relação de bens de um direito de crédito do património sobre a sua pessoa correspondente ao valor da benfeitoria/construção que edificou em imóvel que lhe foi doado e ela e que, por isso, não integra a comunhão.

8. Até hoje, A. e R. residem no imóvel sobredito, conjuntamente com os dois filhos comuns.

9. O A. padece de malformação arteriovenosa (MAV) desde 2011, além de epilepsia, tendo tido, algumas crises que motivaram a sua condução ao serviço de Urgência do Hospital ..., em ....

10. Contudo e apesar de estar medicamente desaconselhado de o fazer mantém consumo excessivo de bebidas alcoólicas e persiste na abstenção da toma de medicação prescrita.

11. Tem sido submetido a episódios de urgência e internamentos no âmbito das problemáticas ditas em 9. e 10..

12. Desde há tempo exacto não apurado o A. tem vindo a acumular, pelas várias divisões da casa e no exterior da mesma volumosas quantidades de lixo, incluindo alimentação, que diariamente recolhe dos contentores existentes na via pública para recolha do mesmo, o que é gerador de cheiros nauseabundos e mau aspecto visual, incluindo atracção de insectos e larvas.

13. Isso é gerador de conflitos familiares e discussões entre A. e R. e entre os filhos e o R., já que os familiares tentam que o mesmo actue de modo diverso e este não o fez e tentam limpar, sem sucesso, por repetição de condutas semelhantes.

14. O A. é reformado por invalidez, tendo apresentado, no ano de 2021, rendimento de pensões no montante de 6.988,80€.

15. Nem o A., nem a R. ou os filhos de ambos têm outra habitação própria onde possam residir.

16. Não obstante o que acima se deixa dito, o A. é autónomo ao nível da sua própria higiene e alimentação, mas carece em absoluto de acompanhamento na toma de medicação, controle comportamental e condução a cuidados médicos.».

2. - E foi exarado quanto a matéria não provada:

«Restantes factos alegados com relevância no incidente: não provados.

Designadamente não se provou que as circunstâncias de vida de A. e R. durante a comunhão de vida e após a sua cessação, fossem outras ou tivessem outros contornos que não os que se dão como provados; que existam queixas ou participações criminais, que a R. tenha para com o A. outros comportamentos para além dos que se dão como provados, que as maleitas do A. e os seus internamentos sejam outros ou tenham outro contexto ou extensão, para além do que se dá como provado; que os seus rendimento sejam outros para além do que se deixa dado como provado; que a R. tenha outra habitação; que o A. não tenha outros bens.».

C) Aspeto jurídico do recurso

Insurge-se o Recorrente contra a decisão de total improcedência da sua pretensão, sendo, porém, diga-se preliminarmente, que não deduziu operante impugnação da decisão de facto.

Com efeito, nada nas suas conclusões de recurso – acima transcritas – mostra que pretendesse impugnar a decisão relativa à matéria de facto ou que se tivesse preocupado em observar os ónus legais a cargo de quem pretenda impugnar a decisão de facto, desde logo, a indicação dos factos que se considerasse terem sido incorretamente julgados e a decisão, diversa, que lhes deveria corresponder (com a inerente formulação fáctica concreta), e designadamente com base na produzida prova pessoal [cfr. art.º 640.º, n.ºs 1, al.ªs a) a c), e 2, al.ª a), do NCPCiv., preceito este, de caráter imperativo, que comina com a rejeição a inobservância de tais ónus].

Ainda que se entendesse poder resultar da sua antecedente alegação/motivação de recurso a intenção de deduzir impugnação da decisão relativa à matéria de facto, seguro é que o Recorrente não formulou, nem ali, quais os concretos factos, constantes da parte fáctica da sentença, que devessem ser julgados de modo diverso, nem qual fosse esse modo diverso (redação a prevalecer para os mesmos).

Nem indicou que concretos factos devessem ser integrados no elenco da factualidade provada (por dele não constarem), ao que acresce a circunstância de, embora convocando diversa prova pessoal (mormente, testemunhal), jamais o Recorrente, sabido tratar-se de prova objeto de gravação áudio (cfr. ata de audiência de 14/06/2024, a fls. 95 e segs. do processo físico), ter indicado quaisquer passagens da respetiva gravação em que se fundasse, o que é motivo legal de “imediata rejeição do recurso” na parte afetada.

Em suma, não resulta da sua peça recursiva que o Recorrente tivesse materializado uma intenção séria de impugnação da decisão de facto – o que em nada se poderia retirar das suas conclusões de recurso –, sendo ainda que, se assim não fosse entendido, o Apelante não observou os ónus legais a seu cargo, tal como previstos no art.º 640.º, n.ºs 1 e 2, do NCPCiv., jamais indicando, como salientado, quaisquer passagens da gravação áudio da prova em que se fundasse, omissão esta que, aliada à não indicação dos factos que entendia incorretamente julgados (e da diversa resposta pretendida a respeito), constitui motivo legal para imediata rejeição do recurso quanto à decisão de facto.

Termos em que permanece inalterada a decisão de facto da sentença, assim tornada definitiva, razão pela qual são os factos provados na decisão recorrida – e somente esses – que devem ser considerados para decisão do recurso.

Posto isto, entremos na matéria recursória, a ser analisada sob o ponto de vista adjetivo e substantivo.

Começando pelo âmbito adjetivo, deve dizer-se que há alguma desconformidade, de si relevante, entre o pedido inicialmente formulado – e sobre o qual, logicamente, se debruçou a sentença – e o pedido recursivo, termos em que só aquele pedido originário poderá ser atendido, sob pena de se extravasar os limites do princípio do pedido ([9]) e de se conhecer de questão nova ([10]), o que seria vedado ao Tribunal de recurso.

Com efeito, no pedido originário – aquele que vincula as partes e o Tribunal – a pretensão era a de que «lhe seja mantida a utilização da casa de morada de família, após a partilha de bens comuns do ex casal, (…)».

Já nas conclusões de recurso, diversamente, vem a aludir-se a que «(…) a Recorrida até á partilha da casa de morada de família passe a residir na habitação dos seus pais (…)» [cfr. conclusão ii), com destaques aditados].

Ou seja, o pedido recursivo reporta-se a um tempo diverso do tido em conta no pedido originário, sem que tivesse havido alteração lícita do pedido, a qual, obviamente, também não pode ser obtida, unilateralmente, na fase de recurso (cfr. art.ºs 260.º, 264.º e 265.º, n.º 2, todos do NCPCiv.).

Assim, o pedido a considerar pelo Tribunal de recurso reporta-se à “utilização da casa de morada de família, após a partilha de bens comuns do ex casal” – foi esse o pedido licitamente deduzido e sobre que, por isso, se debruçou a 1.ª instância na sentença recorrida –, e não, por tal estar vedado, “até á partilha da casa de morada de família” (ou seja, antes da partilha, a qual, como comprovado, ainda não foi realizada/consumada, embora corra termos processo de inventário para o efeito, o qual se queda, por ora, em fase anterior a tal partilha).

É que é fora de dúvida que o pedido não pode ser alterado unilateralmente na peça recursiva da parte, nem o Tribunal de recurso poderia conhecer, ex novo, de uma tal questão.

Ou seja, em rigor, se o Recorrente pretende a alteração do decidido (sentença de improcedência), acaba por vir pedir algo diverso do que pediu na ação, no seio da sua petição.

Termos em que o agora peticionado (no acervo conclusivo), sem respaldo no pedido originário, não pode, manifestamente, ser concedido, nem sequer apreciado em termos de substância.

A pretensão do demandante fica, pois, logicamente, limitada ao pedido originário e ao decidido na sentença em crise.

Passando, então, à substância do recurso, assim balizado, temos de concordar com a sentença recorrida no que respeita à problemática vertida na conclusão i) do Apelante, onde este defende haver «motivo sério e de necessária proteção na debilidade do Recorrente, para ser mantida a solução, pela qual a utilização da casa de morada de família do ex-casal, foi co-atribuída a ambos os ex-cônjuges.».

Ora, se o Requerente/Recorrente pretendia que fosse “mantida a solução” em vigor – a resultante do acordado e homologado nos autos de divórcio, no sentido de se preservar a utilização da casa de morada de família do ex-casal, tal como foi co-atribuída a ambos os ex-cônjuges –, então nada carecia de requerer nestes autos, sendo inconsequente a pretensão de que seja mantido o que já se encontra em vigor, por anteriormente acordado, homologado judicialmente e não cessado.

Ou seja, padece de inconsequência/inutilidade, salvo o devido respeito, a pretensão vertida na conclusão i) da apelação.

E também o que consta da conclusão ii), como visto, não pode proceder, por se tratar de pedido diverso (em relação ao pedido originário e apreciado na sentença), necessariamente votado, no contexto recursivo dos autos, à manifesta improcedência.

Resta o pedido primitivo, julgado improcedente na sentença e de que, por isso, recorre o Apelante, embora sem o considerar expressamente nas suas conclusões de recurso, o que deveria ter feito.

Ainda assim, considerando este TRC poder tratar-se de pedido recursório implícito, não se deixará de o considerar, à luz do que foi sentenciado.

E aqui não poderá, salvo sempre o devido respeito, deixar, no essencial, de concordar-se com a 1.ª instância.

Vejamos.

Pretende o Requerente/Recorrente que, em alteração ao anteriormente acordado e homologado nos autos de divórcio, lhe seja mantida a utilização da casa de morada de família, após a partilha de bens comuns, em termos de o ex-cônjuge mulher ser forçado a deixar essa casa e ir residir para outra.

Ora, desde logo não se demostra o pressuposto de que parte o Recorrente, qual seja, o de que a sua ex-mulher dispõe de outra casa onde possa residir.

Com efeito, o que se prova é que nenhuma das partes tem outra casa/habitação própria onde possa(m) residir (designadamente, com os filhos do casal, posto residirem atualmente todos na casa em discussão), como expressamente resulta dos factos provados n.ºs 8 e 15.

Acresce que estamos, inequivocamente, perante pedido direcionado para o futuro, por reportado ao tempo após a partilha dos bens comuns, partilha essa que ainda não teve lugar, nem se pode determinar quando será realizada, nem em que termos, posto o respetivo processo de inventário ainda se encontrar longe da realização da partilha, como resulta dos factos provados n.ºs 5 a 7 (esses autos encontram-se, desde dezembro de 2021, ainda na fase da reclamação à relação de bens).

Só pode, pois, concordar-se com o sinalizado na sentença em crise, no sentido de, se não pretendesse o Requerente o “uso exclusivo da casa de morada da família”, então «o direito do A. ao uso da casa de morada da família até à partilha ou venda do imóvel encontra-se assegurado por força da decisão homologatória proferida no divórcio o que torna inútil o recurso a tribunal, neste momento».

Enquanto que, se o pretendesse – como, tudo visto e interpretado, nos parece ser o caso –, é sabido que o processo de inventario corre os seus termos «e nele para além do mais, discute-se [s]e o imóvel onde foi instalada a casa de morada da família é bem próprio da R., daí resultando um direito de crédito do património sobre a mesma por força da construção da casa ou, se ao invés, o todo, incluindo o terreno e a edificação nele implantada, é bem comum.

Resolvida tal questão e se a solução [a] adoptar for a última importará, ainda, proceder à partilha do património, da qual poderá até resultar a adjudicação do imóvel ao A., o que, mais uma vez redundaria na total inutilidade desta acção.

Porém ainda que se venha a concluir, futura e condicionalmente que o prédio é bem próprio da R. ou sendo bem comum que à mesma venha a ser em partilha adjudicado, as condições a ajuizar com vista á eventual atribuição do direito de o A. continuar a usar a casa de morada da família, dependerá das condições que ao tempo, o A. tiver e não daquelas que neste momento tem, desde logo porque se desconhece como evoluirá a sua patologia e condições pessoais e financeiras até porque a partilha em si, poderá vir a ser geradora de um engrandecimento do seu património, o mercado de arrendamento e o próprio regime jurídico altera-se, sendo manifestamente intempestivo vir agora e imediatamente, requerer ao tribunal que lhe atribua um direito futuro se e para o caso de um certo cenário se vir a verificar, o que não é certo, nem seguro.

Aliás, a tentativa de ver antecipadamente julgado procedente o seu pedido na pendência dos autos de inventario e no contexto descrito poderia até considerar-se como um verdadeiro abuso de direito (vedado pelo artº 334º do Código Civil), uma vez que colocaria o A., numa posição de manifesta vantagem nos autos de inventário, onerando antecipadamente um bem (cujo uso já teria garantido), ali em discussão e sem necessidade sequer de nele licitar, caso se conclua pela sua natureza comum, independentemente de saber que condições terá, então para a tal direito aceder.» (destaques aditados) ([11]).

Ou seja, é inequívoco que o Requerente pretende uma decisão judicial para o futuro, que lhe atribua um direito futuro, se e para o caso de um determinado cenário – ainda hipotético – se vir a verificar, o que não é certo, nem seguro.

Ora, este caráter/horizonte incerto e condicional a que se reporta um tal pedido, tanto mais que se encontra pendente e sem partilha o processo de inventário para divisão dos bens comuns, não pode ser acolhido e disciplinado por sentença judicial, não podendo o tribunal julgar com base em cenários futuros e hipotéticos, cuja álea e condicionalidade não permitem um veredito seguro, impositivo e definitivo ([12]).

Resta, pois, ao Requerente/Recorrente, atento também o demais circunstancialismo provado (mormente, factos n.ºs 9 a 13), observar/acolher/cumprir o acordo homologado em vigor quanto ao dito uso do imóvel, que se estende até à partilha, e, bem assim, aguardar o resultado desta, após o que, e só então, se saberá a quem cabe o imóvel nessa partilha e se é caso de assegurar quaisquer direitos seus a respeito, designadamente, quanto ao invocado arrendamento, com “pagamento de uma renda social”.

Em suma, improcede o recurso, inexistindo violação de lei e cabendo ao Recorrente, ante o seu decaimento, suportar as custas da apelação (art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do NCPCiv.), sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.

IV – Concluindo (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.): (…).

V – Decisão

Pelo exposto e ao abrigo da norma do art.º 656.º do NCPCiv.:

a) Não se admite a requerida junção de documentos – os de fls. 117 e v.º do processo físico – pelo Recorrente;

b) Condenando-se, assim, tal Recorrente na legal multa, a que aludem os art.ºs 443.º, n.º 1, do NCPCiv., e 27.º, n.ºs 1 e 4, do RCProc., que se fixa em 02 UCs.;

c) Julgando-se, ainda, improcedente a apelação, mantém-se, por isso, a decisão recorrida.

Custas da apelação a suportar pelo Recorrente (parte vencida), sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.                  

Escrito e revisto pelo relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinatura eletrónica.

30/06/2025

O Relator,

Vítor Amaral


([1]) Nos moldes decididos no despacho de admissão do recurso, onde se fixou o regime de subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
([2]) Que se deixam transcritas, com destaques retirados.
([3]) Excetuando, logicamente, questões de conhecimento oficioso, desde que não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([4]) Sobre o tema, mormente as subjacentes razões de superveniência, cfr. Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, ps. 83 e seg., bem como Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, ps. 184 e seg..
([5]) Apenas se visualiza a menção, no final da peça recursiva, de que “Junta: 2 documentos”.
([6]) Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., p. 184.
([7]) Vide Abrantes Geraldes, op. cit., ps. 184 e seg..
([8]) E cabia ao Recorrente essa demonstração/comprovação.
([9]) Cfr. as disposições conjugadas dos art.ºs 609.º, n.º 1 (limites da condenação), e 615.º, n.º 1, al.ª e) (nulidade da sentença ou acórdão por se condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido), ambos do NCPCiv..
([10]) vide art.º 615.º, n.º 1, al.ª d) (nulidade da sentença ou acórdão por excesso de pronúncia, traduzido em o juiz conhecer de questão de que não podia tomar conhecimento, por não suscitada perante a 1.ª instância, não ser matéria de conhecimento oficioso e, outrossim, se tratar de questão nova, sabido, ademais, que os recursos não se destinam a apreciar questões novas, mas apenas a sindicar as questões objeto de conhecimento na decisão recorrida), também do NCPCiv..
([11]) E acrescentou-se, nesta senda: «Diga-se, aliás, que a pretensão de manter o uso da casa de morada da família, não a título exclusivo, mas sim, em conjunto com a R., extravasa, também os limites do direito legalmente estabelecido tal como supra se consignou, pois aparenta que o A. pretende manter os cuidados e apoio familiar que lhe é dado, com mais ou menos conflitos, impondo-o à R., como se o divórcio não existisse, mais do que garantir o seu próprio direito à habitação, no que parecem ambos ter igualdade de circunstâncias, até porque o A. nada mais alega do que o facto de a R. ter outra casa – o que não provou – embora da própria alegação nesse sentido apresentada resulte que a referida casa integrará isso sim o património indiviso aberto por óbito de seu pai, na mesma residindo a meeira e cabeça de casal, mãe da R., o que ainda que corresponda à verdade, não lhe atribui qualquer direito sobre o imóvel, enquanto tal considerado. // Diga-se, aliás, que neste particular aspecto, ambas as partes se encontram em situação idêntica (por não terem outro local para habitar) e a situação de doença do A., por si só, sem qualquer critério ou alegação comparativa da R. não constitui motivo para lhe atribuir a casa de morada de família, para além da partilha caso fosse este o momento próprio e estivessem reunidos os pressupostos para tal, o que já se concluiu não ocorrer. // De resto, face ao transtorno de acumulação de que padece o A. a concessão de um tal direito a título exclusivo (…), poderia levar a uma total degradação do estado do imóvel bem como a uma agravação do seu estado de saúde, face á necessidade de ser acompanhado nessa matéria, o que o uso do imóvel, por si só, sem os seus habitantes actuais, lhe não salvaguardaria.».
([12]) É sabido que a lei não admite, por regra, uma “condenação condicional”, uma decisão judicial condenatória de conteúdo hipotético ou condicional, “em que o reconhecimento do direito fica dependente da hipotética verificação de um facto futuro e incerto, ainda não ocorrido”, mormente “nos casos em que o facto condicionante sempre exigiria ulterior verificação judicial, prejudicando irremediavelmente a definitividade e certeza da composição de interesses realizada na ação e a efetividade da tutela alcançada pelo demandante” – cfr. Abrantes Geraldes e outros, Código de Processo Civil Anot., vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, p. 731, e Ac. STJ de 07/04/2011, Proc. 419/06, ali citado [Proc. 419/06.3TCFUN.L1.S1 (Cons. Lopes do Rego), em www.dgsi.pt]. No mesmo sentido, o Ac. STJ de 04/06/2024, Proc. 978/20.9T8PRT.P1.S1 (Cons. Maria Clara Sottomayor), também em www.dgsi.pt, podendo ler-se no respetivo sumário que a sentença “que condena a ré no pagamento dos custos de consolidação da estrutura da habitação do Autor, caso venha a ser necessário, constitui uma condenação condicional que não pode ser admitida, pois o reconhecimento do direito fica dependente da hipotética verificação de um facto futuro e incerto, que exige uma ulterior indagação judicial”.