I - Quando a herança é aceite pura e simplesmente, dispõe o n.º 2 do art. 2071.º do CC, que é o herdeiro que tem que provar que os bens que recebeu são insuficientes para pagar os encargos da herança. Há, assim, uma inversão do ónus da prova e se não conseguirem provar que aqueles bens que recebeu são insuficientes para pagar os encargos, pode vir a ter de pagar com bens próprios para além dos bens recebidos por morte.
II -Se a herança é aceite a benefício de inventário (n.º 1 daquele normativo), são os credores que provam que existem outros bens.
III - Se não ficaram demonstrados factos relativos ao valor real dos bens que constituem a herança aceite pelos herdeiros de forma pura e simples, estes respondem pela totalidade dos encargos da herança, a não ser que demonstrem, mormente em processo executivo (art. 744.º CPC), que na herança não existem valores suficientes para cumprimento dos encargos.
Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
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RELATÓRIO
AUTORES: AA, BB, CC, todos residentes em ..., por si e em representação da HERANÇA Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de DD.
RÉS: EE, residente em ... e FF, residente em ..., filhas de GG.
Por via da presente ação declarativa, pretendem os AA. que as Rés sejam condenadas a pagarem-lhe, até ao limite das forças da herança deixada por óbito do respetivo pai, as seguintes quantias, no total de € 250.000, 00:
I - 15.000,00€, a título do dano não patrimonial sofrido por DD, entre o momento das lesões e o da morte, a repartir pelos Autores (viúva e filhos) nos termos da lei sucessória. Se assim se não entender, deve tal quantia ser paga à Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de DD.
II - 75.000,00€ a título de indemnização pela perda do direito à vida de DD, a repartir pelos Autores (viúva e filhos) nos termos da lei sucessória. Se assim se não entender, deve tal quantia ser paga à Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de DD.
III. 20.000,00€ a título de indemnização à Primeira Autora AA, pela perda da contribuição do decesso marido para os rendimentos do agregado familiar e que revertiam para o bem-estar económico da Autora.
IV. 15.000,00€ e 5.000,00€, respetivamente, a título de indemnização ao Autor CC, pela perda da contribuição que mensalmente iria auferir do rendimento de seus pais até aos 25 anos e pela frustração da continuação da sua formação académica.
V. 30.000,00€ a cada um dos Autores (viúva e filhos), a título de danos não patrimoniais pela perda do seu ente querido.
VI. A quantia de 30.000,00€ pelos danos não patrimoniais sofridos, até ao presente, pelo Autor CC, emergentes dos padecimentos consequentes às lesões sofridas.
VII. A quantia que se vier a liquidar posteriormente, pela incapacidade temporária e danos emergentes, decorrentes da remoção de projéteis que ainda se mantém no seu corpo e/ou com o tratamento de danos causados por estes, custos e encargos hospitalares, internamentos, cirurgias, tratamentos médicos, de enfermagem, de saúde e medicamentosos de que venha a carecer, bem como por todos os danos daí emergentes.
VIII. A quantia que se vier a liquidar em momento oportuno decorrente do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de que o Autor CC fique a padecer, em razão das lesões sofridas no seu corpo e saúde, bem como pelo respetivo dano estético, quantum doloris futuro e prejuízo de afirmação pessoal.
Juros contados à taxa legal a partir da prática dos factos ilícitos que imputam ao pai das Rés que, mediante o uso de arma de fogo, atingiu a tiro o marido e pai dos AA., a quem causou lesões físicas graves que determinaram a sua morte, no mesmo dia, tendo ainda atingido com projéteis o corpo do A. CC, a quem causou diversas e graves lesões físicas, procurando ainda disparar sobre a primeira A., o que, contudo, não logrou conseguir.
As Rés contestaram, afirmando, sobretudo, a impossibilidade de resposta ao pedido indemnizatório pelo valor dos bens deixados por seu pai, adjudicados à sua mãe, de quem estava divorciado.
Realizado julgamento, veio a ser proferida sentença, datada de 16.10.2024, a qual julgou a ação procedente e, em consequência,
A) Declarou os AA. únicos e universais herdeiros do falecido DD e como tal julgados habilitados para os termos do processo.
B) Condenou as Rés, solidariamente, a pagar aos Autores, até ao limite do valor dos bens que receberam por herança de seu falecido pai, GG, nos seguintes valores:
I. A quantia de 15.000,00€ a título do dano não patrimonial sofrido por DD, entre o momento das lesões e o da morte, a repartir pelos Autores (viúva e filhos) nos termos da lei sucessória (art. 2139º do C.C.), acrescida de juro de mora à taxa legal, desde 11/06/2017 - art. 805.º, n.º 2 b) do C.C.
II. A quantia de 75.000,00€ a título de indemnização pela perda do direito à vida de DD, a repartir pelos Autores (viúva e filhos) nos termos da lei sucessória, acrescida de juro de mora à taxa legal, desde 11/06/2017 - art. 805.º, n.º 2 b) do C.C.
III. A quantia de 20.000,00€ a título de indemnização à 1.ª Autora, AA, pela perda da contribuição decorrente do decesso marido para os rendimentos do agregado familiar e que revertiam para o seu bem-estar económico, acrescida de juro de mora à taxa legal, desde 11/06/2017 - art. 805.º, n.º 2 b) do C.C.
IV. As quantias de 15.000,00€ e 5.000,00€, respetivamente, a título de indemnização ao Autor CC, pela perda da contribuição que mensalmente iria auferir do rendimento de seus pais até aos 25 anos e pela frustração da continuação da sua formação académica, acrescida de juro de mora à taxa legal, desde 11/06/2017 - art. 805.º, n.º 2 b) do C.C.
V. A quantia de 30.000,00€ a cada um dos Autores (viúva e filhos), a título de danos não patrimoniais pela perda do marido e pai, respetivamente, acrescida de juros a contar data da prolação desta decisão e até efetivo e integral pagamento.
VI. A quantia de 30.000,00€ pelos danos não patrimoniais sofridos, até ao presente, pelo Autor CC, emergentes dos padecimentos consequentes às lesões sofridas, acrescida de juros, a contar data da prolação da sentença e até efetivo e integral pagamento.
VII. A quantia que se vier a liquidar posteriormente, pela incapacidade temporária e danos emergentes, decorrentes da remoção de projéteis que ainda mantém no seu corpo e/ou com o tratamento de danos causados por estes, custos e encargos hospitalares, internamentos, cirurgias, tratamentos médicos, de enfermagem, de saúde e medicamentosos de que venha a carecer, bem como por todos os danos daí emergentes na pessoa do A. CC.
VIII. A quantia que se vier a liquidar em momento posterior decorrente do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de que o Autor CC fique a padecer, em razão das lesões sofridas no seu corpo e saúde, bem como pelo respetivo dano estético, quantum doloris futuro e prejuízo de afirmação pessoal.
Mais condenou as Rés nas custas da ação.
Desta sentença recorrem as Rés, visando a sua revogação parcial e a fixação da indemnização em € 25. 835, 00, por via dos argumentos que assim deixaram expostos em conclusões:
(…)
Os AA. responderam ao recurso apresentado pelas Rés, opondo-se à sua procedência.
Também os AA. formularam recurso, arguindo nulidades da sentença e visando a alteração da matéria factual, nos termos seguintes:
(…)
Não foram apresentadas contra-alegações pelas Rés.
Objeto do recurso:
Os vícios (nulidades) repontados por ambas as partes (AA. e RR.) à sentença e os demais segmentos dos recursos respeitam ao regime jurídico aplicável à única questão em causa nas duas as apelações – a relativa à interpretação do art. 2071.º CC – razão pela qual todos os temas dos recursos (vícios intrínsecos do ato decisório, impugnação de facto trazida pelos AA. e condenação das Rés em custas da ação) serão decididos de forma total e não sequencial.
FUNDAMENTAÇÃO
Matéria de facto dada como provada em primeira instância
1.º
Em ../../2017, faleceu, no estado de casado, no regime da comunhão de adquiridos, e em primeiras e únicas núpcias com a Primeira Autora, DD, nascido a ../../1960, filho de HH e de II, natural da freguesia ..., ..., residente que foi na Rua ..., ... – ... – ....
2.º
À morte de DD sucederam-lhe, como únicos e universais herdeiros, sua mulher, AA, ora Primeira Autora, e seus filhos, BB e CC, respetivamente Segunda e Terceiro Autores.
3.º
Além dos ora Autores (viúva e filhos) o de cujus não deixou outros herdeiros da primeira classe de sucessíveis e faleceu intestado.
4.º
Em ../../2017, faleceu, no estado de divorciado, GG, residente que foi na Rua ..., ... – ... – ....
5.º
À morte de GG sucederam-lhe, como únicas e universais herdeiras, suas filhas EE e FF, aqui Rés.
6.º
Tendo ocorrido a aceitação da herança pelas Rés, enquanto únicas e universais herdeiras.
7.º
Desde, pelo menos, o ano de 1999, que GG, mercê do seu feitio conflituoso e violento, vinha mantendo conflitos com a sua vizinhança.
8.º
Nomeadamente com o falecido DD, sua mulher e filhos, ora Autores, e demais pessoas que frequentavam a casa do respetivo casal, bem como com os ante proprietários e possuidores do prédio onde o falecido DD e sua mulher, ora Autora, residiam.
9.º
O que havia levado à condenação daquele em sede judicial, pelo menos por duas vezes, no âmbito do processo n.º ..., do extinto 1.º Juízo Criminal do então Tribunal Judicial da Comarca de Sta. Maria da Feira, onde foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de dano, p. e p. pelos artigos 30.º, n.º 2 e 212.º, n.º 1 do CP, e de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 146.º, n.º 1 e 2, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, g) e h) e 143.º, ambos do CP, em que foi vítima JJ (ante possuidor do prédio onde residia o falecido DD); e no âmbito do processo n.º ..., da extinta Instância Local, Secção Criminal de Sta. Maria da Feira, J1, pela prática, em autoria material, de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, n.º. 1 do CP, de dois crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, a), todos do CP, em que foi vítima o mencionado DD.
10.º
Tendo ainda sido acusado, no âmbito do processo n.º 389/02.7GBVFR, do extinto 2.º Juízo Criminal do então Tribunal Judicial da Comarca de Sta. Maria da Feira, pela prática, em autoria material, de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 2 do CP, processo que, pese embora remetido para a fase de julgamento, terminou arquivado, por desistência de queixa do ali ofendido, DD.
11.º
No dia ../../2017, pelas 17:30h, DD encontrava-se no logradouro do prédio urbano onde residia, sito à Rua ..., ..., ..., ..., a colocar uma rede de ráfia sobre uma outra rede, em malha metálica, que encimava um muro de vedação que delimita a sul o prédio onde residia, do prédio propriedade, então, do falecido GG.
12.º
Nestas circunstâncias, o referido GG, após nos dias, semanas, meses e anos anteriores ter proferido sucessivas e reiteradas ameaças contra a vida e a integridade física das pessoas residentes e frequentadoras do prédio dos Autores, na data e hora supra mencionada abeirou-se do topo do muro que divide ambas as propriedades supra referidas e, dali, quando se encontrava a cerca de 1 metro do DD, empunhou uma arma de fogo, pistola de calibre 6,35 mm, devidamente municiada, apontou-a na direção do corpo do DD e efetuou um disparo.
13.º
Que o atingiu e fez tombar, de imediato.
14.º
Apercebendo-se de tal ocorrência, o filho do DD, aqui Terceiro Autor, CC, ali presente a cerca de 2/3 metros, foi em socorro do pai, tentando abeirar-se do corpo deste.
15.º
Momento em que foi também atingido por um projétil, disparado pela arma de fogo empunhada, manuseada e apontada pelo GG.
16.º
Que igualmente o fez tombar.
17.ºAinda nestas circunstâncias de tempo e lugar, a PRIMEIRA AUTORA, que se encontrava no interior do seu domicílio, após ter escutado o primeiro disparo, de imediato se deslocou para o local onde sabia estar o seu marido, receando pelo pior.
18.º
Tendo-se deparado com o seu filho e marido prostrados e horizontalizados, o primeiro com sangue e a pedir ajuda, dizendo que tinha as pernas dormentes e o segundo a gemer, a esbracejar e com movimentos convulsivos, enquanto o referido GG ali continuava, de arma em punho.
19.º
E com ambos assim prostrados, o DD sobre o tejadilho de um veículo automóvel e o CC sobre um telheiro, o GG continuou a disparar sobre o corpo de ambos e a não mais do que 2/3 metros destes.
20.º
Disparos esses alternados sobre os corpos do DD e seu filho CC, que os atingiram.
21.º
Tendo também efetuado um disparo na direção do corpo da PRIMEIRA AUTORA, num momento em que esta já dali se ausentava para pedir ajuda.
22.º
Disparo esse efetuado a cerca de 5/6 metros de distância, mas que, contudo, não a atingiu, tendo, todavia, embatido na persiana de uma janela, a cerca de 1 metro do local onde esta se encontrava.
23.º
Os disparos efetuados sobre o corpo do DD, em número não inferior a 4, atingiram-no nas regiões hipogástrica inferior direita, infralaríngea direita, supralaríngea direita e da bochecha esquerda.
24.º
Tendo causado neste, além de todas as demais descritas no relatório de autópsia de medicina legal, as seguintes lesões traumáticas:
Na cabeça:
- Infiltração sanguínea nos quadrantes inferiores da região maxilar à esquerda;
- Orifício ao nível do andar médio à esquerda com infiltração sanguínea dos topos ósseos e tecidos adjacentes;
- Traços de fratura com infiltração sanguínea dos topos ósseos ao nível do andar anterior;
- Laceração da meninge ao nível do andar médio à esquerda;
- Hemorragia subdural e subaracnoídea extensa;
- Hemorragia ao nível dos ventrículos laterais;
- Focos de contusão e destruição de parênquima encefálico ao nível dos lobos temporal esquerdo e temporal e parietal direito.
No pescoço:
- Duas soluções de continuidade ao nível da face anterior do pescoço, à direita da linha média;
- Infiltração sanguínea extensa das estruturas à direita da linha média;
- Laceração ao nível do terço superior da carótida direita, com infiltração sanguínea dos bordos e tecidos adjacentes;
- Infiltração sanguínea ao nível do osso hioide e cartilagem tiroidea bilateralmente;
- Infiltração sanguínea extensa ao nível da laringe e traqueia.
No abdómen:
- Escoriação superficial avermelhada na região abdominal anterior quadrante inferior à esquerda da linha média e junto à mesma;
- Solução de continuidade com bordos contundidos, infiltrados de sangue de forma oval, na região abdominal face anterior, com orla de contusão excêntrica quadrante inferior direito;
- Solução de continuidade na face interna da parede abdominal com infiltração sanguínea dos tecidos adjacentes
- Várias lacerações ao nível de algumas ansas do intestino delgado e grosso, à direita da linha média, com infiltração sanguínea, cfr. doc. 15.
25.º
Tais lesões, em especial as lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas, cervicais e abdominais, foram causa direta, necessária e exclusiva da morte da vítima DD, a qual ocorreu no local, pelas 18:20h, pese embora a assistência que ali lhe foi prestada por parte dos Bombeiros Voluntários ... e pelo INEM.
26.º
Os disparos efetuados contra o corpo do CC, em número não inferior a 5, atingiram, 3 a região torácica, 1 a coxa esquerda face anterior, outro o cotovelo direito e um outro, de raspão, a orelha direita.
27.º
Sendo que, no presente, ainda tem no interior do seu corpo pelo menos 3 desses projéteis: 1 no cotovelo direito, 1 na zona pulmonar direita e um na omoplata esquerda.
28.º
Projéteis esses todos disparados pelo referido GG com a mencionada arma de fogo, contra os corpos das vítimas, com o único propósito de as atingir e matar, resultado que representou e desejou.
29.º
Após a chegada de forças de segurança (GNR), e de reiteradas instâncias de um militar desta para que o agressor GG lançasse para fora do seu alcance a arma de fogo que ainda empunhava na sua mão direita, este acabou por colocar termo à sua própria vida com um disparo que desferiu na cabeça, que o atingiu na região tempo-parietal direita, tendo a morte sido confirmada pelas 18:25h, tendo sido determinado o arquivamento do correspondente inquérito – proc. n.º ..., a 1.ª secção do DIAP de Sta. Maria da Feira – por, pela sua morte, ser inadmissível o procedimento criminal.
30.º
Em consequência dos sobreditos disparos, CC, aqui terceiro Autor, sofreu, além do mais descrito na respetiva documentação clínica, médica e hospitalar: traumatismo torácico penetrante bilateral e vertebromedular com bala, hemorragia torácica ativa, hemopneumotorax com hemorragia maciça, lacerações vasculares e pulmonares bilaterais, hemotórax maciço, pneumotórax bilateral, choque hemorrágico, orifícios de projétil na região torácica (3), na coxa esquerda face anterior e cotovelo direito.
31.º
Tendo, após a prestação de primeiros socorros no local, por parte do INEM, sido transportado para o Hospital ..., no Porto, aí dando entrada com ventilação assistida com tubo endotraqueal, com movimentos torácicos quase impercetíveis, palidez cutânea, pele quente e húmida, pulsos periféricos presentes embora fracos, sedado com propofol em perfusão e com dreno torácico à direita com saída imediata de líquido hemático e, após esternotomia, hipotensão grave, com TA média de aproximadamente 25mmHg durante cerca de 2 minutos e arritmias, com episódio de periparagem.
32.º
Em consequência das referidas lesões, bem como de todas as demais descritas nos registos clínicos, médicos e hospitalares, o terceiro Autor, CC, foi alvo, além do mais, de intervenções de saúde, médicas e cirúrgicas (esternotomia mediana de emergência, correção de lacerações pulmonares bilaterais, hemilaminectomia e exérese de projétil) para reparação das lesões e remoção de projéteis que ficaram alojados no seu corpo, tendo obtido a respetiva alta hospitalar a 25 de junho de 2017, tendo tido a última das consultas – ortopedia – a 25-06-2018.
33.º
Após o que, e ao longo de dois meses, o Autor CC teve que ser acompanhado pela sua mãe e pela sua irmã nas tarefas pessoais mais básicas, nomeadamente, andar, tomar banho e vestir-se.
34.º
CC foi sujeito a tratamentos hospitalares, de enfermagem, médicos, cirúrgicos, medicamentosos e de fisioterapia, além de ainda no presente ter alojados no seu corpo 3 dos projéteis de que foi alvo.
35.º
Sendo que, no presente, possui igualmente no seu corpo cicatrizes que para sempre lhe farão recordar e reviver tal evento traumático, mormente:
- na ráquis: cicatriz irregular, coloide de coloração avermelhada, vertical, dolorosa à palpação, localizada na linha média vertebral torácica com 9 cm por 1,5 cm, com mobilidade dolorosa;
- no tórax: cicatrizes irregulares, coloides de coloração avermelhada, dolorosas à palpação, localizadas uma na linha médica esternal do tipo letra “L” invertido verticalmente com 20 cm por 2 cm e horizontalmente com 9 cm por 2 cm; outras cicatrizes, de coloração avermelhada dolorosas à palpação, uma linha anterior axilar à direita ao nível do 6.º espaço intercostal com 2 cm por 1 cm, outra na linha média axilar direita ao nível do 5.º espaço intercostal com 0,7 cm de maior diâmetro, outra na linha posterior axilar direita ao nível do 5.º espaço intercostal com 0,7 cm de maior diâmetro;
- no abdómen: 4 cicatrizes do tipo coloides, de coloração avermelhada, irregulares, dolorosas à palpação, localizadas na região peri umbilical da direita para a esquerda com 2 cm por 1,5 cm, de 2,5 cm por 2 cm, de 3 cm por 2,5 cm e de 2 cm por 2 cm de maiores dimensões;
- no membro superior direito: 2 cicatrizes circulares, de coloração acastanhada, dolorosas à palpação, localizadas na face medial do terço inferior do braço, exposta obliquamente com distância entre eles de 4,5 cm com 0,7 cm de maior diâmetro;
- no membro inferior direito: cicatriz, de coloração acastanhada, localizada na face posterior da nádega do quadrante inferior interno com 1 cm de maior diâmetro, cfr. docs. 30e 31.
36.º
Ao atuar do modo descrito, o GG revelou frieza de ânimo, sangue frio e indiferença perante a saúde e vida das vítimas.
37.º
Bem sabendo que tais disparos eram aptos a causar a morte de DD e de CC, o que efetivamente sucedeu quanto ao primeiro.
38.º
Logrando causar a morte de DD e inúmeras e profundas lesões no corpo e na saúde do TERCEIRO AUTOR.
39.º
O falecido DD tinha, à data da sua morte, 57 anos de idade, porquanto tinha nascido em ../../1960.
40.º
Era casado com a Primeira Autora AA e pai da segunda e do terceiro Autores, estes últimos então com 26 e 17 anos de idade respetivamente.
41.º
Entre o momento em que o DD foi baleado, pelas 17:30h, e o momento da sua morte, ocorrida pelas 18:20h, mediou cerca de 1 hora de sofrimento para este.
42.º
O qual foi vítima de sucessivos disparos, com arma de fogo, enquanto via o seu filho ser igualmente alvejado e atingido, executados de modo frio e determinado, na concretização de males previamente anunciados.
43.º
Parte deles na presença ou na imediação do seu cônjuge, ou escutados por este.
44.º
O que lhe aumentou a dor, angústia e sofrimento.
45.º
Acresce que, desde o momento em que foi baleado e até entrar em agonia e falecer, cerca das 18:20h, o DD teve perceção do seu fim próximo, de que a sua vida corria perigo e do receio da morte que se aproximava.
46.º
Tendo vivido momentos de angústia e pavor.
47.º
Gemendo, esbracejando, apercebendo-se de que ia morrer, que seu filho também poderia morrer e de que nada podia fazer para evitar tais males.
48.º
Padecendo de dores e profundo mal-estar, sentindo dificuldades em ventilar, sufocação, profundos espasmos e todo o mal-estar emergente da crescente falência multiorgânica provocada pelos disparos sofridos.
49.º
DD era um homem cheio de vida, jovial, alegre e muito dado aos outros, em especial à mulher e aos filhos.
50.º
Era amado por estes.
51.º
Não lhe eram conhecidos quaisquer problemas de saúde.
52.º
Era uma pessoa alegre, tranquila, com uma vida familiar estável e consolidada, muito considerado e estimado por todos quantos o conheciam.
53.º
Mantinha uma relação de proximidade, cumplicidade, partilha e amor com a primeira autora, não se lhes conhecendo quaisquer conflitos ou desavenças familiares.
54.º
A segunda e o terceiro autores mantinham com ele uma estreita relação de respeito, amor, carinho e ternura.
55.º
O qual era muito considerado e respeitado por todos quantos o conheciam e devotado à sua família, à qual dedicava grande carinho, afeição, amor e a totalidade dos seus tempos livres, sentimentos que lhe eram totalmente retribuídos pelos mesmos.
56.º
Tais circunstâncias e vivências davam-lhe grande alegria de viver e apego à vida.
57.º
DD auxiliava a primeira autora, AA, no desempenho da sua atividade comercial de venda por grosso e a retalho de fruta e produtos hortícolas, cuidando ainda das lides domésticas e de pequenos trabalhos na sua horta, assim ocupando os seus dias.
58.º
Não lhe sendo conhecidos quaisquer problemas de saúde.
59.º
O falecido era pessoa poupada, de hábitos caseiros, muito dedicado ao trabalho, à família e à casa onde viviam.
60.º
Os seus momentos de folga e as férias eram passados em casa ou dando pequenos passeios, sempre em família.
61.º
Desde a data dos acontecimentos fatídicos aqui descritos, a primeira Autora, AA, viu diminuída a sua situação económica, que advém da perda da contribuição do marido que a auxiliava diariamente no desempenho da sua atividade comercial de venda por grosso e a retalho de fruta e produtos hortícolas, cuidando ele ainda das lides domésticas, e dessa forma libertando a primeira Autora para o exercício da sua atividade mercantil, o que em muito contribuía para o bem-estar económico-financeiro do seu agregado familiar.
62.º
Face ao acontecimento trágico que vitimou o marido, foi a primeira Autora obrigada a desenvolver acrescido trabalho, quer ao nível da sua atividade profissional, quer ao nível das atividades domésticas, porquanto passou a desempenhar não só as suas funções e tarefas habituais, como também as que até então eram desempenhadas pelo falecido marido.
63.º
O terceiro autor era, à data da morte do seu pai, estudante.
64.º
Sendo unicamente os seus pais que vinham assegurando e custeando, em exclusivo, os encargos com a sua subsistência e suas demais despesas.
65.º
Suportando o rendimento gerado até então pelo casal do falecido DD cerca de 180,00€ mensais para os encargos da vida escolar e gastos pessoais do terceiro Autor, CC.
66.º
O qual era então estudante, frequentando o 11.º ano, na Escola Básica e Secundária ..., em ....
67.º
Em decorrência da morte de DD, o terceiro autor teve que abandonar os estudos para auxiliar a mãe na sua atividade profissional de comércio por grosso e a retalho de fruta e produtos hortícolas.
68.º
O que não era a sua vontade e desejo, pretendendo prolongar a sua formação académica através da obtenção de um curso superior.
69.º
A morte de DD conduziu à perda da contribuição para os rendimentos do agregado familiar.
70.º
Não restando outra alternativa ao terceiro autor senão auxiliar a mãe na sua atividade mercantil e abdicar da continuação dos seus estudos.
71.º
Com o prejuízo daí resultante, advindo da perda de rendimento de uma profissão qualificada e da concretização do seu projeto de vida.
72.º
A morte súbita, inesperada e violenta do DD, aos 57 anos, por ação direta, única e exclusiva da conduta de GG, privou os aqui autores de, pelo menos, vinte anos da sua companhia, convivência e apoio.
73.º
Os autores estavam profundamente ligados ao seu marido e pai, respetivamente, por laços da mais profunda ternura, desvelo, amor e amparo.
74.º
Passeavam juntos aos fins-de-semana, amavam-se mutuamente, eram uma família feliz.
75.º
A Autora AA amava muito o seu esposo, no que era inteiramente correspondida.
76.º
Devotava-lhe o maior carinho e respeito.
77.º
Ficou profundamente desgostosa com a morte de seu marido.
78.º
Teve e tem momentos de grande tristeza.
79º.
Com a morte brutal e inesperada do marido,
80.º
Tendo sofrido um enorme abalo psicológico, que se mantém no presente, ainda hoje chorando a sua morte.
81.º
Sentiu, continua a sentir e sentirá insuportável desgosto com a perda do marido, a quem se sentia ligada por estreitos laços de amor, afeto e dedicação, inteiramente correspondidos.
82.º
A saúde e bem-estar psíquico e emocional da Autora AA passaram para uma situação de profundo desequilíbrio, passando a ter insónias resistentes à medicação, manifestações ansiosas e depressão acentuada, com crises frequentes de choro, apatia e tristeza.
83.º
Ao ter sido exposta ao acontecimento traumático descrito (assassinato do marido), que envolveu medo intenso, pânico, sentimento de impotência, perda e horror, o mesmo passou a ser reexperenciado por si, de modo persistente, com lembranças perturbadoras intrusivas e recorrentes do acontecimento, que incluem imagens, pensamentos ou perceções.
84.º
Vivendo cada dia com elevada angústia, tristeza e sofrimento pela morte e perda do marido.
85.º
O que lhe potencia, prolonga e exacerbara o sofrimento.
86.º
Tentando diariamente, e mais do que uma vez ao dia, evitar pensamentos e sentimentos associados a tal evento traumático, que não consegue controlar.
87.º
Passou a ter momentos de ansiedade, insónias prolongadas, prostração, falta de apetite, sentimentos de frustração, revolta, humilhação, medo e receio quanto ao futuro da sua situação económica e do seu agregado familiar, sentimentos e padecimentos que se mantêm no presente.
88.º
Sendo que até tal acontecimento era uma pessoa alegre, dinâmica, divertida, saudável e feliz, com gosto em conviver e em confraternizar.
89.º
A morte do seu marido reduziu-lhe o seu dinamismo de vida e de relacionamento social, e afetou-lhe consideravelmente a alegria de viver, sentindo, desde então, profunda angústia e mal-estar psicológico intenso.
90.º
Sendo que revive o acontecimento supra descrito, com maior intensidade, sempre que se depara ou é exposta perante estímulos internos ou externos que simbolizem ou se assemelhem a aspetos do acontecimento por si vivenciado.
91.º
Por sua vez, os Autores BB e CC tiveram, igualmente, um sofrimento e dor, ao verem partir para sempre o seu pai amado, a sua família destroçada e a ausência para futuro daquele que era seu progenitor, conselheiro e amparo moral.
92.º
Tendo ambos mergulhado em profunda apatia e tristeza.
93.º
Com tal perda, BB e CC nunca mais voltaram a ser as mesmas pessoas alegres e comunicativas que eram até então.
94.º
Quando os AUTORES tiveram notícia da morte do familiar amado e querido, sentiram uma enorme dor e angústia, mormente pelo modo como tal falecimento ocorreu.
95.º
Continuando a sentir a sua falta.
96.º
Choram quando se lembram dele.
97.º
Sentindo-se desesperados ao pensar que não mais terão a sua presença e companhia.
98.º
Sentindo-se, desde então, fragilizados pela perda precoce do seu ente querido, que tanto admiravam e os ajudava em tudo quanto podia.
99.º
Sentindo a segunda e terceiro autores enorme angústia, tristeza e sofrimento pela morte e perda do pai, homem ainda de meia-idade e na plenitude das suas faculdades.
100.º
A dor, desgosto e angústia sentidos pelos autores com a morte de DD manter-se-ão para o resto das suas vidas, sendo tal sentimento agudizado sempre que ocorrem datas festivas ou aniversários dos ora Autores, ou nos dias e meses correspondentes à data da morte ou do nascimento de DD.
101.º
Tendo os autores em tais ocasiões, e na sua proximidade, momentos de revolta, choro, angústia e profunda tristeza.
102.º
O autor CC não consegue esquecer os trágicos acontecimentos, revivendo com elevada frequência tudo quanto se passou, cfr. doc. 30.
103.º
Em especial a morte trágica do seu pai à sua frente, sem que nada pudesse fazer para impedir tal situação, não obstante ter corrido em seu socorro.
104.º
Após o terceiro autor ter sido exposto ao acontecimento traumático descrito, que causou a morte do seu pai e que envolveu medo intenso, pânico e horror, o mesmo passou a ser reexperenciado por si, de modo persistente, com lembranças perturbadoras intrusivas e recorrentes do acontecimento, que incluem imagens, pensamentos ou perceções.
105.º
Apresentando grande dificuldade em manter um sono reparador, acordando diversas vezes ao longo da noite, em sobressalto.
106.º
Revivendo, diversas vezes ao dia o fatídico acontecimento, o que incrementa a sua dor, angústia e tristeza.
107.º
Tendo ficado impossibilitado não só de conviver com o seu pai, com quem mantinha um relacionamento muito próximo, cheio de amor, carinho e compreensão, como também de receber os seus conselhos dada a sua jovem idade.
108.º
Em resultado dos acontecimentos trágicos supramencionados, o autor CC alterou os seus hábitos sociais, diminuindo os contactos com terceiros, nomeadamente com os seus amigos.
109.º
Sentindo-se deveras triste quando observa pais e filhos em convívio, o que lhe traz sempre à memória o seu pai, chorando compulsivamente e sentindo uma dor insuportável em face das recordações que guarda dos momentos que conviveu com este até à data do seu precoce perecimento.
110.º
O que lhe exponencia a dor e lhe causa revolta e frustração por não ter conseguido salvar o seu pai às mãos de GG e ter ficado prematuramente órfão de pai.
111.º
Os disparos efetuados por GG, que atingiram o corpo do CC, causaram-lhe traumatismo torácico penetrante bilateral, lacerações pulmonares bilaterais, traumatismo vertebro medular, hemotórax, pneumotórax bilateral, choque hemorrágico, orifícios de projétil na coxa esquerda face anterior e cotovelo direito.
112.º
Tendo, após a prestação de primeiros socorros no local, por parte do INEM, sido transportado para o Hospital ..., no Porto, aí dando entrada nos termos, modos e condições supra descritas no artigo 33.º que aqui se dá por integralmente reproduzido.
113.º
Em resultado das referidas lesões, o autor CC foi alvo, além do mais, de internamento hospitalar, intervenções médicas e cirúrgicas (esternotomia mediana de emergência, correção de lacerações pulmonares bilaterais, hemilaminectomia e exérese de projétil) para reparação/tratamento das lesões e remoção de projéteis que ficaram alojados no seu corpo, tendo obtido a respetiva alta hospitalar a 25 de junho de 2017.
114.º
O terceiro autor permaneceu internado no Hospital ..., no Porto, durante 15 dias até ter obtido a respetiva alta hospitalar.
115.º
Após o que, ao longo de 60 dias, CC teve que ser acompanhado pela sua mãe e irmã nas tarefas pessoais mais básicas, nomeadamente, andar, tomar banho e vestir-se.
116.º
CC foi sujeito a tratamentos hospitalares, de enfermagem, médicos, cirúrgicos, medicamentosos e de fisioterapia, além de ainda no presente ter alojados no seu corpo 3 dos projéteis de que foi alvo.
117.º
Sendo que, no presente, ainda tem no interior do seu corpo pelo menos 3 desses projéteis: 1 no cotovelo direito, 1 na zona pulmonar direita e um na omoplata esquerda.
118º
A tal acrescem as dores nas partes atingidas pelos projéteis, bem como as sentidas e decorrentes das intervenções cirúrgicas, de saúde e ainda nos tratamentos a que teve de se submeter.
119.º
Após ter sido exposto aos acontecimentos traumáticos, que envolveram dor, medo intenso, pânico, sentimento de falta de ajuda e horror, os mesmos passaram a ser reexperenciados por si, de modo persistente, com lembranças perturbadoras intrusivas e recorrentes dos acontecimentos, que incluem imagens, pensamentos ou perceções.
120.º
Recordando diversas vezes durante cada dia, e com elevada angústia e desconforto, os acontecimentos traumáticos, especialmente as suas circunstâncias “ser atingido por vários tiros, na propriedade onde residia, à falsa fé, sem mal algum ter feito, sem se poder defender e sem ninguém para o acudir.”
121.º
Tendo ainda o autor CC ficado a padecer de sonhos perturbadores recorrentes acerca dos acontecimentos, com mal dormir.
122.º
E sempre que recorda durante o dia o evento traumático em apreço, o que acontece várias vezes ao dia, sente mal-estar psicológico intenso.
123.º
O que sucede também com a exposição a estímulos internos e externos que simbolizem ou se assemelhem a aspetos do acontecimento traumático.
124.º
Tem e sente a necessidade diária de evitar estímulos associados com o evento ocorrido, no que sente muita dificuldade, sendo fator de sofrimento psíquico.
125º
Faz diariamente esforços para evitar atividades, lugares ou pessoas que desencadeiam lembranças do trauma.
126.º
Tentando diariamente, e mais do que uma vez ao dia, evitar pensamentos e sentimentos associados ao evento traumático, que não consegue controlar.
127.º
Desde o momento em que sofreu os acontecimentos supra descritos, passou a ter dificuldades em adormecer ou em permanecer a dormir, acordando muitas vezes em sobressalto, tendo ficado a padecer de reiterados momentos de irritabilidade, de dificuldade de concentração, sentindo-se desconfiado, facilmente padecendo de temores, passando por períodos de desinteresse pelo convívio.
128.º
Sentindo-se hipervigilante em relação a tudo em seu redor, especialmente se andar no exterior da habitação, mas também em casa em relação aos barulhos na rua, encontrando-se sempre em sobressalto e com reatividade fisiológica.
129.º
À data dos factos o autor CC era ainda adolescente, não padecendo de qualquer incapacidade ou défice funcional da sua integridade físico-psíquica.
130.º
Até ao acontecimento traumático em apreço era uma pessoa alegre, dinâmica, divertida, saudável e amiga de confraternizar, sendo certo que os disparos de que foi vítima reduziram-lhe o seu dinamismo de vida e de relacionamento social, e afetaram-lhe consideravelmente a alegria de viver, sentindo profunda angústia e mal-estar psicológico intenso.
131.º
Desde tal acontecimento trágico, o autor CC alterou os seus hábitos sociais, diminuindo o contacto com terceiros, nomeadamente os seus amigos.
132º
A partir do momento em que o terceiro autor sofreu as lesões supra descritas, o seu interesse ou participação em atividades significativas ficou fortemente diminuído.
133.º
Deixou de se interessar por ir a festas e convívios, por conviver com as pessoas mais chegadas e amigos, de frequentar ambientes festivos, de passear, de ir à praia ou à piscina, tendo-se tornado numa pessoa apática e de poucas falas.
134.º
Pois que as lesões sofridas no corpo e na sua saúde lhe alteraram o seu espírito anímico e a alegria e satisfação que tais momentos lhe proporcionavam, bem como criaram um sentimento de receio de ver a sua saúde e mobilidade condicionadas.
135.º
Desde tal acontecimento e até ao presente, sente-se desligado ou estranho em relação aos outros e a tudo o que até então, como atividades de lazer e recreação, lhe proporcionava prazer e satisfação.
136.º
Perdeu a felicidade em conviver e até mesmo com os familiares mais próximos não se sente com a mesma alegria.
137.º
Todo o modo de vida que o terceiro autor viu alterado na sequência dos danos sofridos proporcionava-lhe, até então, enorme satisfação e prazer.
138.º
O que o desgosta profundamente e o faz sentir deprimido e infeliz.
139.º
Até ter sofrido as alegadas lesões, era uma pessoa saudável, comunicativa, sociável, alegre e bem-disposta.
140.º
Muito ativa e empreendedora, sempre se mantendo ocupado após o horário escolar, em atividades domésticas, culturais, recreativas e sociais.
141.º
Com a privação do modo de vida social e do modo em que desenvolvia as atividades que lhe eram prazerosas, sente-se profundamente desgostoso, tendo o seu viver se tornado mais penoso, doloroso e de um sofrimento indescritível.
142.º
Como supra se alegou, o terceiro autor ainda mantém no interior do seu corpo alojados 3 dos projéteis de que foi alvo.
143.º
O que o poderá levar a novos internamentos hospitalares, intervenções cirúrgicas e tratamentos de saúde, em ordem à sua remoção e/ou para tratamento de danos que os mesmos venham a causar.
144.º
Bem como, e por via de tal, a padecer de dores, incapacidade temporária e danos daí emergentes, custos e encargos hospitalares, com internamentos, cirurgias, tratamentos médicos, de enfermagem, de saúde e medicamentosos.
145.º
O terceiro autor apresenta, ainda, uma profunda alteração anatómicomorfológica e estética, bem como danos ao nível psíquico.
146.º
Pese embora já tenha obtido alta médica das especialidades de ortopedia e cirurgia cardio-torácica, ainda sente limitações motoras e dores, estas últimas em várias partes do corpo, especialmente ao nível torácico, nomeadamente sempre que tosse, faz pequenos esforços, sobe escadas ou caminha mais depressa ou com mudanças de temperatura e humidade, desconhecendo-se, ainda, se a totalidade das suas lesões se encontram consolidadas e a consequente extensão do défice funcional permanente da sua integridade físico-psíquica, mercê das inúmeras lesões sofridas e dos padecimentos ainda sentidos, que lhe vêm limitando, profundamente, o seu dia-a-dia e bem-estar, quer ao nível físico, quer ao nível psíquico.
147.º
Ao tempo dos factos, nenhuma das Rés, EE e FF, vivia em ..., mas sim em ... e ..., respetivamente.
148.º
Tomaram conhecimento da morte do pai e do contexto que vitimou DD.
149.º
O pai das ora RR estava divorciado, à data da sua morte.
150.º
Estas decidiram com a sua mãe fazer a partilha dos bens do casal.
151.º
No dia 21 de junho de 2017, no Cartório Notarial do Dr. KK, foi outorgada a escritura de partilha por divórcio.
152.º
Do acervo dos bens a partilhar, faziam parte os seguintes bens:
1- Um prédio urbano, composto por edifício tipo anexo destinado a habitação, com o valor patrimonial de 49.670,00 €;
2- Veículo automóvel Mercedes ..., matricula ..-..-JX no valor de 1000,00 €;
3- Uma sepultura, com o nº ..., no cemitério paroquial de ..., n.º ..., freguesia ..., deste concelho de Santa Maria da Feira, titulada pelo alvará emitido em 30.01.2009, pela Junta de Freguesia competente, a que atribuem o valor de 500,00 €;
4- Metade indivisa de uma sepultura, localizada no talhão T5, com o n.º ..., do cemitério ..., freguesia ..., concelho ..., titulada pelo alvará n.º ...29, a que atribuem o valor de 250,00 €
5- Metade indivisa de uma sepultura, Covato n.º ... do talhão 8, do cemitério ..., freguesia ..., concelho ..., titulada pelo alvará n.º ...10, a que atribuem o valor de 250,00 €.
153.º
Tais bens totalizavam o valor de 51.610,00 €.
154.º
A meação pertencente ao pai das Rés foi de 25.835,00 €, tendo as RR recebido tal valor de tornas, uma vez que os bens foram adjudicados à mãe.
155.º
As Rés não viviam na casa, sendo que a sua mãe ali vivia, não tendo outro local para viver.
156.º
Pela repercussão permanente na atividade profissional, o A. CC apresenta sequelas compatíveis com o exercício da atividade profissional habitual (comerciante), mas implicam esforços suplementares (cfr. Doc. junto aos autos em 30/03/2023 – Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil, realizado pelo INML, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
157.º
Conforme Doc. junto em 30/03/2022 – Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil, realizado pelo INML, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido, o A. CC apresenta:
- A Data de estabilização médico-legal das lesões é fixável em 730 dias.
- Défice Funcional Temporário Total fixável em 73 dias, a que deverão ser acrescidos mais 7 dias para eventual extração de projeteis de arma de fogo de cano curto.
- Défice Funcional Temporário Parcial fixável em 657 dias, a que deverão ser acrescidos mais 21 dias para eventual extração de projeteis de arma de fogo de cano curto.
- Repercussão Temporária Total para as atividades escolares e gimnodesportivas fixável num período estimado de 73 dias.
- Défice Funcional Temporário Parcial para as atividades escolares e gimnodesportivas fixável num período estimado de 657 dias.
- Quantum Doloris fixável no grau 7/7.
- Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 10 pontos.
- As sequelas descritas, em termos de repercussão Permanente na atividade profissional, são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.
- O A. apresenta como Dano Estético permanente de Grau 4/7.
- Repercussão Permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 7/7. -
Ajudas técnicas permanentes:
. O A. CC poderá carecer de intervenção cirúrgica para extração de 4 projéteis de arma de fogo de cano curto, que ainda mantém.
. É recomendável que o A. CC seja acompanhado pelas especialidades de Psiquiatria e Psicologia, de modo a que possa beneficiar de apoio psicoterapêutico, do qual não tem beneficiado, de modo a influenciar positivamente o quadro psicopatológico e minimizar os danos futuros na sua saúde mental.
158.º
Da Perícia realizada ao imóvel, prédio urbano sito na Rua ..., ..., ..., ... resulta que “…estima-se como Presumível Valor de transação para o imóvel, à data de junho de 2017, o valor de 84.353,45 € (oitenta e quatro mil trezentos e cinquenta e três euros e quarenta e cinco cêntimos)”.
Não existem factos não provados.
Das nulidades, da impugnação de facto e do direito aplicável
Consideram os AA. padecer a sentença das nulidades previstas no art. 615.º/1 c) e d) do CPC, por não ter considerado provados ou não provados factos que, afinal, os próprios AA. erigem como fundamento do segundo segmento da impugnação da sentença e que se reporta à impugnação da decisão de facto quanto ao valor dos bens deixados pelo falecido pai das Rés.
Por aqui já se vê que, das duas alegações, apenas uma poderá ser verdadeira: ou a circunstância constitui motivo de invalidade da sentença ou é fundamento da sua impugnação em sede de facto.
Porém, mesmo antes disso, a questão é mais profunda, pois prende-se com a circunstância de as Rés não responderem, em princípio, pessoalmente pelos danos causados ilicitamente aos AA. pelo seu progenitor, já falecido, mas apenas (também em princípio) lhes caber a obrigação pela responsabilidade aquiliana daquele a título sucessível intra vires hereditatis, ou seja, limitada aos bens deixados por morte.
Ora, nos termos do art. 2068.º do CC, é a herança que responde pelo pagamento das dívidas do falecido, como sucede com aquelas que resultam da prática de atos ilícitos criminais e civis, pois o património hereditário não se confunde com o património dos herdeiros.
No caso, cerca de dez dias após o autor da herança ter praticado os crimes que deram origem às indemnizações estabelecidas nos autos e de, ele próprio, ter falecido, quer as suas filhas, únicas herdeiras, quer o seu ex-cônjuge (consigo convivente), colocaram termo à indivisão do património deixado por aquele.
Lê-se na escritura de partilhas que o autor da sucessão já se achava divorciado, haviam alguns anos e que, apesar disso, não havia colocado termo à comunhão de bens que decorria daquele extinto casamento, o que apenas sucedeu após a sua morte, altura em que à ex-cônjuge foi adjudicada metade dos bens que correspondiam à sua meação, sendo a meação do falecido (correspondente a metade daqueles bens), que caberia às duas filhas por herança, também adjudicada àquela, que inteirou as filhas em dinheiro.
A finalidade desta forma de agir parece óbvia, até pelo passado criminal o de cujus e pelo facto de a ex-cônjuge residir, apesar do divórcio, na casa que pertencia a ambos, em comunhão.
Ainda assim, a herança foi aceite pelas herdeiras, de forma pura simples (art. 2052.º/1, primeira parte CC) e não a benefício de inventário – não houve inventário – pelo que as sucessoras apenas respondem pelos encargos da herança, mas, neste caso, têm que demonstrar que na herança não existem valores suficientes para o cumprimento dos encargos. É o que resulta do art. 2071.º/2 CC.
A distinção é simples: em caso de inventário, os credores intervêm no processo e podem carrear para os autos prova da existência de mais bens do que aqueles que ali forem relacionados (ou prova do seu valor real); em caso de aceitação pura e simples, como aqui sucedeu, os credores do autor da herança correm o risco de os herdeiros sonegarem bens, a fim de escaparem aos encargos da herança, razão por que a lei transfere para os herdeiros o ónus da prova de que na herança não existem valores suficientes para o cumprimento dos encargos.
Isto é, in casu, caberá às Rés a demonstração de que a herança de seu pai não tem valor suficiente para responder por um encargo de, para já, € 250.000, 00 e isto “sob pena de virem a responder, na falta de prova, com os seus bens pessoais”[1].
Sobre o art. 2071.º CC reveja-se, ainda, o que escreve Cristina Pimenta Coelho[2]:
«4. Se a herança for aceite a benefício de inventário, dispõe o art. 2071.º, n.º 1, que, em regra, só os bens que constam do inventário é que vão responder pelas dívidas, cabendo aos credores provar que existiam outros bens que não foram indicados no inventário. Com efeito, pode acontecer que os herdeiros não tenham feito constar do inventário todos os bens. Neste caso, os credores podem provar que, para além dos bens indicados, existem outros, e esses também respondem. Mas o ónus da prova cabe aos credores.
5. No caso da herança ser aceite pura e simplesmente, dispões o n.º 2, que é o herdeiro que tem que provar que os bens que recebeu são insuficientes para pagar os encargos da herança. Há, assim, uma inversão do ónus da prova.
6. No primeiro caso, são os credores que provam que existem outros bens. No segundo, são os herdeiros que têm que provar que não existem mais bens. E, se não conseguirem provar que aqueles bens que receberam são insuficientes para pagar os encargos, podem vir a ter de pagar com bens próprios para além dos bens recebidos por morte.
7. Por este motivo, sempre que um herdeiro suspeite de que uma herança é deficitária, das duas, uma: ou não a aceita, ou então, deve aceitá-la a benefício de inventário; se o não fizer, corre o risco de ter de responder com bens próprios e para além do valor dos bens recebidos”.
Esta solução está, aliás, de acordo com o regime legal em matéria de sucessão, pois, “de acordo com a melhor doutrina, os herdeiros sucedem inclusivamente na totalidade dos encargos patrimoniais emergentes da morte do de cujus (cfr. arts. 2024.º e 2025.º do CCiv), só que a sua responsabilidade se encontra limitada aos bens ou forças da herança devolvidas (art. 2017.º CCiv), pelo que no caso de os herdeiros pagarem tais dívidas com bens seus, ultra vires hereditatis, eles não cometem uma liberalidade (…) antes cumprem uma obrigação, porventura natural (cfr. arts. 402.º a 404.º CCiv). Tudo o que atesta a existência de verdadeiras vocação e devolução sucessórias mesmo no caso de herança deficitária”[3].
Veja-se, ainda, o ac. STJ, de 21.11.2019, Proc. 1418/14.7TBEVR.E1-A.S1: II - Os autores não estão impedidos de formular um pedido contra a herança indivisa, representada por todos os herdeiros, de valor superior ao acervo hereditário, o que sucede é que os herdeiros estão salvaguardados de responder para além dos bens que constituem a herança, ou do valor dos bens herdados por cada um, se esta foi aceite a benefício de inventário (art. 2071.º, n.º 1, do CC). III - Sendo a herança aceite pura e simplesmente, a responsabilidade do herdeiro também não deve exceder o valor recebido da herança mas, nesse caso, incumbe ao herdeiro fazer a prova de que os valores recebidos são insuficientes para cumprir o encargo, ou seja, trata-se de matéria de excepção a alegar e provar por parte do herdeiro que não teve o cuidado de exigir a partilha em benefício de inventário. Se o não fizer pode ter de satisfazer um encargo de valor superior ao valor dos bens herdados, daí que não seja ilícito pedir e obter uma condenação em valor superior às forças da herança.
Ora, o objeto da presente ação respeita ao apuramento da responsabilidade civil do autor da herança e à consequente delimitação do direito da indemnização que cabe aos AA., suas vítimas.
Porém, as Rés alegaram, na sua contestação, que a herança apenas totalizou 25.835,00 €, sabendo nós que lhes cabia a elas efetuarem prova de que os únicos bens deixados eram os constantes da escritura de partilhas e de que o valor ali declarado era o respetivo valor real.
Faz sentido que os AA. reclamem da omissão de pronúncia sobre factos que cabia às Rés demonstrar?
Obviamente que não!
Dizem os AA. que, não se tendo dados como provados factos relativos ao valor real dos bens, a sentença é nula por omissão de pronúncia ou, pelo menos, por ser ambígua.
Mas não é assim, pelo menos no primeiro caso.
O normativo que invocam constitui o contraponto do disposto no art. 608.º, n.º 2 CPC que impõe que a sentença resolva as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.
As questões que as partes submetem à apreciação são aquelas que constituem o pedido e a causa de pedir, isto é, o objeto da ação, e, bem assim, as que integram a defesa excetiva.
As exceções podem ter natureza dilatória, reportando-se a factos que obstam à apreciação do mérito da ação, e natureza perentória, as que importam a absolvição total ou parcial do pedido e se baseiam em factos novos, alegados pelo R., que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico pretendido pelo A. (arts. 571.º e 576.º a 579.º CPC).
O art. 608.º, n.º 2 CPC, impõe se resolvam na sentença todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, mas já Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, vol., V, p. 143) explicitava que “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação” não significa considerar todos os argumentos jurídicos ou soluções plausíveis de direito, pela simples razão de que o julgador não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 5.º, n.º 3).
Embora Anselmo de Castro (Direito Processual Civil, Vol. II, p. 142) estenda a noção de questões a todas as vias de fundamentação jurídica que as partes tenham exposto, a jurisprudência tem seguido o caminho indicado pelo primeiro jurista. Veja-se, por ex., o ac. STJ, de 3.10.2017, Revista n.º 2200/10.6TVLSB.P1.S1 - 1.ª Secção: A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia.
Também assim o Ac. STJ, de 12.10.2017, Revista n.º 235/07.5TBRSD.C1.S1 - 7.ª Secção: Não incorre em vício de omissão de pronúncia o acórdão da Relação que deixou de apreciar um dos argumentos aduzidos pela recorrente em benefício da pretendida modificação da matéria de facto.
Quer isto dizer que, na perspetiva dos AA., cabendo-lhes apenas a demonstração dos requisitos da responsabilidade civil que dá origem à indemnização em que foram encabeçados, o direito que lhes assiste sobre as Rés, com o que consta dado como provado, abrange tudo quanto se apurou serem os danos que correspondem à indemnização em que estas foram condenadas.
É esse o direito que detém sobre as Rés, sendo absolutamente inconsequente o que se escreveu na sentença quando ali se diz “não podendo esquecer o que resultou provado relativamente ao valor atribuível ao bem imóvel avaliado em perícia”, isto porque esse valor não ficou dado como provado nos factos elencados como objeto de conhecimento e as Rés – que são quem detém o ónus de o demonstrar – aceitaram os factos tal como foram dados como provados.
Ao invés, é já sobre as Rés que recai o ónus de demonstrar que os bens são apenas os que aceitaram pura e simplesmente e que estes têm aquele valor declarado e não outro, pelo que não pode aludir-se a omissão de pronúncia, quanto aos AA., ou mesmo a ambiguidade da sentença, no que toca a este último tema que não cabia aos AA. demonstrar e, exatamente, porque lhes não cabia a si esse ónus.
A sentença não é, por isso, nula.
Não cabendo aos AA. a prova dos factos que impugnam, indefere-se a impugnação de facto que apresentaram e que visa satisfizer o ónus de prova de matéria de exceção que onera as Rés e não os AA.
Quer isto dizer que, no que toca aos AA., a condenação é inequívoca e importa, para as Rés, responderem pela totalidade dos danos em que foram condenadas, a não ser que demostrem que não existem na herança valores suficientes para o cumprimento deste encargo, o que ainda poderão fazer, como veremos infra.
Todo o recurso apresentado pelos AA. – que afinal os prejudica face à lei aplicável – é, assim, indeferido in totum.
Aliás, dar como provado que os bens do autor da herança são apenas os que os AA. pretendem ver como demonstrados e com o valor que dizem ter sido apurado nos autos mostra, ainda, um outro óbice que os não beneficia: não salvaguarda a possibilidade da de descoberta futura da existência de outros bens que integrem a herança do falecido, mormente de outras heranças de que o mesmo possa vir ainda a ser beneficiário e possam vir a responder pela dívida aos AA. estabelecida nestes autos.
Termos em que se indefere o recurso dos AA.
Cabe averiguar o recurso das Rés que são, de facto, quem tem o ónus de demonstrar que a herança por si recebida a título puro e simples não tem capacidade para satisfazer a dívida em que foram condenadas.
E, neste tocante, o recurso que apresentaram revela desatender, de todo em todo, ao regime legal aplicável que temos vindo a escalpelizar.
Dizem que a sentença seria nula por força do art. 615.º/1 c) CPC, i.é, por oposição entre os fundamentos e decisão.
A verdade é que a sentença não deu como provado que os bens deixados pelo de cujus tivessem o valor que lhes foi atribuído pelas herdeiras e ex-cônjuge meeira na escritura de partilhas, tendo-se limitado a dar como provado o que estas declararam naquele documento.
É absolutamente claro não ter o tribunal tomado partido quanto aos bens que integravam tal herança e, menos ainda, quanto ao respetivo valor.
De modo que a decisão só poderia ser a de reconhecer aos AA., como reconheceu, o direito de indemnização que lhes assiste e salvaguardando, como fez, o disposto no art. 2071.º CC, mas não dar como provado qualquer valor dos bens, valor que cabia às Rés demonstrar, o que não terão feito, tanto que se conformaram com os factos dados como provados.
Dito de outro modo: constando dos autos, quanto aos bens do de cujus, apenas o que se acha provado em 151.º a 154.º, é óbvio não terem as Ré demonstrado o que lhes exige o art. 2071.º/2.º CC - que na herança não existem valores suficientes para o cumprimento do encargo devido aos AA. e isto pela razão simples e absolutamente lógica de que as herdeiras, na divisão pura e simples que fizeram na escritura de partilhas, declararam o que lhes interessou quanto ao valor dos bens – minorando-os ou majorando-os a seu bel prazer – o que não sucederia se tivessem aceite a herança a título de inventário, onde seriam chamados os credores (incluindo os aqui AA.) com possibilidades de estes aí escrutinarem o ativo existente e seu valor à morte do autor da herança.
Não faz por isso sentido a invocação pelas Rés do vício intrínseco da sentença, por alegação da al. c) do art. 615.º/1 c) do CPC
E não faz sentido, porque se mostram absolutamente improcedentes as razões que alinharam: que a escritura de partilhas não foi impugnada pelos AA., logo tem que ser aceite o que nela consta quanto ao ativo e ao valor da herança.
É que, como vimos, face ao ónus expresso do art. 2071.º/2 CC, os valores a considerar para efeitos de pagamento dos encargos da herança não são aqueles que filhas e mãe declararam naquela escritura, mas sim os valores reais que as AA. ainda podem demonstrar em sede de execução, como lhe permite o art. 744.º CPC.
É deslocado e despiciendo o recurso que fazem ao disposto no art. 2121.º do CC, segundo o qual a partilha extrajudicial só pode ser impugnada nos termos em que sejam os contratos.
É que, nesta ação, nunca os AA. não pretenderam impugnar aquela partilha, vê-la nula ou anulada (mormente por qualquer vício de vontade ou situação que inquine a sua validade), nem vê-la considerada ineficaz – tendo-se limitado a exercer o seu direito de acionar a responsabilidade civil e sendo que, em termos indemnizatórios, os herdeiros respondem pela totalidade dos encargos da herança que aceitaram pura e simplesmente, salvo se demonstrarem que esta não dispõe de meios suficientes para o efeito, o que não fizeram até ao momento.
De modo que é de manter a sentença, tal como se encontra, incluindo a condenação em custas das Rés pela totalidade da indemnização, exatamente por que estas não lograram demonstrar que a herança não pudesse responder pela totalidade das indemnizações fixadas e porque aceitaram a herança de forma pura e simples.
Dispositivo
Pelo exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação julgar os recursos improcedentes e manter a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes na proporção do decaimento, que se fixa em metade para cada uma das partes.
Porto, 26/6/2025.
Fernanda Almeida
Nuno Marcelo de Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo
José Nuno Duarte
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[1] Cristina Araújo Dias, Anotação ao art. 2071.º, nota 2, Código Civil Anotado, Livro V, Direito das Sucessões, Coord. pela mesma autora, Almedina, 2018, p. 91.
[2] Anotação ao art. 2071.º, Código Civil Anotado, Vol. II, 2017, p. 97
[3] Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, Vol. II, 2.ª Ed., ps. 122-123.