USO DE CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Sumário

I - Ao cônjuge a quem fique atribuído por acordo homologado por sentença (ou por decisão do Conservador do registo civil com valor equiparado) o uso da casa de morada de família sem fixação de uma contrapartida - seja por via do pagamento de passivo comum ou de um montante a título de renda ou outro -, não é posteriormente exigível que suporte qualquer custo por esse uso, salvo se esse acordo vier a ser alterado por acordo das partes ou por decisão judicial, tendo tal alteração efeitos apenas para o futuro.
II - A manutenção dessa situação durante um longo período de tempo não confere ao cônjuge não utilizador da casa de morada de família qualquer direito de indemnização, nomeadamente à luz do enriquecimento sem causa, já que a causa de qualquer vantagem patrimonial que o cônjuge utilizador tenha decorre de acordo entre ambos firmado, homologado com valor de sentença, e o seu prolongamento no tempo decorre da inércia de ambas as partes em proceder à partilha do património comum ou à venda desse bem ou à alteração do referido acordo.

(Sumário da responsabilidade da Relatora)

Texto Integral

Processo número 3955/22.0T8PRT.P1 Juízo Central Cível do Porto, ...

Recorrente: AA

Recorrido: BB

Relatora: Ana Olívia Loureiro

Primeiro adjunto: Miguel Fernando Baldaia Correia de Morais

Segundo adjunto: Carlos Gil

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório:

1. Em 28-02-2022, AA propôs ação a seguir a forma de processo comum contra BB, com quem fora casada de ../../1994 até ../../2014, pedindo a sua condenação no pagamento de 95 398, 85 € (82 934, 26 € de capital e 12 464, 50 € de juros vencidos) bem como a anulação da declaração pela qual se obrigou a pagar uma comissão devida à sociedade que intermediou a venda de imóvel comum do ex-casal.

Para tanto alegou que foi casada com o réu, tendo, na vigência do casamento, sido adquirido por ambos um imóvel que constituiu a casa de morada de família, com recurso a mútuo bancário. Contraíram ambos ainda um outro empréstimo bancário com vista a custear obras nesse imóvel. Em setembro de 2011 o réu terá saído de casa e deixado de contribuir para o pagamento das prestações devidas ao banco mutuante pelos dois empréstimos e em ../../2014 foi decretado o seu divórcio pelo Tribunal de Família e Menores do Porto, por mútuo consentimento. Alegou ainda a autora que desde a saída de casa do réu pagou sozinha, muitas vezes com recurso ao auxílio de amigos e familiares, as prestações dos referidos mútuos bancários, dos seguros de vida e multirriscos associados aos mesmos, o IMI e as taxas municipais devidas pelo imóvel e ainda 10 000 € que ambos deviam ao seu irmão e cunhado por força de empréstimo que lhe pediram durante a vigência do casamento. Pelo que pede que o réu seja condenado no pagamento de metade dos montantes que despendeu para pagamento dessas dívidas comuns.

Segundo a autora, tendo sido entretanto vendido o imóvel comum, pagou 25 000 € a uma empresa de mediação imobiliária, a título de comissão pela venda tendo assinado declaração em que se comprometeu a pagar sozinha tal quantia, declaração essa que diz ser anulável pois foi coagida a emiti-la pelo réu, já que estava a liquidar sozinha os mútuos bancários com grande dificuldade e tinha pressa em vender o imóvel, o que o réu várias vezes tinha recusado, alegando que o preço de venda não era o que pretendia. Perante a afirmação deste, já durante as negociações que conduziram à venda, de que só aceitaria a concluir a mesma caso a autora assumisse a liquidação da comissão, acedeu a tal exigência por ter urgência em receber a sua parte do preço para assim liquidar as dívidas contraídas junto dos seus familiares.

2. O réu foi citado em 08 de março de 2022 e contestou excecionando erro na forma de processo por entender que o alegado crédito da autora apenas podia ser exigido em sede de partilha. Excecionou ainda o abuso do direito da autora na modalidade de “venire contra factum proprium”, alegando que após a separação, em outubro e novembro de 2011, a autora lhe exigiu metade do valor das prestações pagas ao banco mutuante, nunca mais tendo solicitado tal pagamento desde então, tendo, em dado momento, deixado de proceder ao pagamento das mesmas através de conta bancária que se mantinha titulada por ambos e passado o pagamento dos consumos de água, gás e eletricidade do imóvel para seu nome.

Segundo o réu, acordou com a autora a regulação das responsabilidades parentais relativas aos filhos comuns tendo ficado ele responsável pelo pagamento das propinas escolares do colégio frequentado por ambos até ao final do 12º ano, o que já fazia desde a separação, o que o nunca teria aceitado caso tivesse, também, que pagar metade das prestações devidas ao banco mutuante.

Afirmou que no acordo homologado em ../../2014 a autora exigiu manter o uso da casa de morada de família sem que tivesse feito qualquer pedido no que tange aos pagamentos das prestações devidas pelos mútuos, pelos prémios de seguros a ele associados ou impostos o que reforçou a convicção do réu de que nunca lhe exigiria tais quantias. Por isso, alegou, o réu nunca forçou a venda do imóvel e passou ainda a pagar várias despesas extracurriculares dos seus filhos com que despendeu mais 135 573, 98 €, desde dezembro de 2011 a janeiro de 2021. Mesmo durante as negociações com vista à venda do imóvel, iniciadas em 2018, nunca a autora exigiu o pagamento das quantias que ora peticiona e se assim tivesse acontecido o réu não teria aceitado vender o imóvel pelo preço pelo qual o alienaram. Segundo o réu, só depois dessa venda, do pagamento da comissão à mediadora imobiliária e dos montantes então ainda em dívida pelos mútuos hipotecários e depois de dividido o remanescente entre ambos a autora exigiu o pagamento que agora peticiona.

Alegou, ainda, que a autora se manteve a habitar um imóvel de luxo adquirido com o contributo das suas economias, enquanto ele foi viver para casa dos seus pais e suportou grande parte das despesas com a educação dos filhos por estar convencido que a autora jamais lhe exigiria o pagamento dessas dívidas.

Defendeu que os efeitos do divórcio apenas se produzem a partir da sua declaração, pelo que a autora não poderia nunca exigir o pagamento de metade das dívidas comuns pagas desde a separação e até à decretação do divórcio.

Excecionou, ainda, a prescrição do direito a autora, por entender ser-lhe aplicável o prazo a que alude o artigo 310.º d), e) e g) do Código Civil.

Impugnou parte dos factos alegados na petição inicial e deduziu reconvenção, a título subsidiário, para o caso de procedência da ação, peticionando o pagamento de 203 132, 24 €, quantia essa resultante do que entende ser o valor locativo do imóvel comum de que a autora beneficiou sozinha desde a separação e até à sua venda, valor a que diz ter direito por via de compensação ou, assim não sendo, a título de enriquecimento sem causa.

3. A autora replicou pugnando pela improcedência das exceções e impugnando parte dos factos alegados como causa de pedir do pedido reconvencional, nomeadamente alegando que as despesas com a educação dos menores que o réu diz ter suportado foram, de facto, pagas pelos avós paternos, que o réu sempre manteve a chave da casa comum, ali indo muitas vezes e lá permanecendo a conviver com os seus filhos, que nunca foi por vontade da autora que a mesma ficou a habitar com os filhos a casa comum, mas sim por acordo entre ambos que o mesmo podia, querendo, ter alterado quando assim o entendesse, tal como podia ter feito cessar a comunhão pela venda do imóvel em momento anterior, como a autora sempre quis e o réu impediu por nunca concordar com os preços de venda propostos pelos interessados.

Alegou que sempre exigiu do réu o pagamento das quantias que foi liquidando para cumprimento de obrigações comuns o que levou mesmo aquele a tentar que a mesma assinasse, em 1 de março de 2017, uma declaração pela qual a mesma reconhecia que vinha assegurando tal pagamento desde 2012 e continuaria a fazê-lo em contrapartida da assunção das despesas com a formação “académica, musical e desportiva do seus dois filhos, asseguradas pelo ex-marido”, o que a autora recusou.

4. Em 20-09-2022 foi proferido despacho saneador em que se admitiu a reconvenção, se julgaram improcedentes as exceções de erro na forma de processo e de prescrição, foi identificado o objeto do litígio e foram enumerados os factos já assentes e enunciados os temas da prova.

5. Em 04-10-2022 foi apresentada pelo réu reclamação à seleção dos factos assentes e dos temas da prova, que foi decidida por despacho de 25-10-2022, em que se reformularam parcialmente uns e outros.

6. Admitidos os meios de prova requeridos, foi ordenada e realizada perícia com vista à avaliação da casa de morada de família para determinação do seu valor locativo entre 2011 a 2020, tendo o respetivo relatório sido junto em 23-10-2023. Foram pedidos esclarecimentos ao perito, que os prestou em 18-03-2024.

7. Em 26-01-2023 a autora requereu a ampliação do pedido, em função da prova documental já produzida, passando a peticionar a condenação do réu no pagamento de 83 142, 50 € de capital e 12 514, 30 € de juros.

8. O réu impugnou os factos alegados pela autora para fundamentar tal ampliação e esta veio a ser indeferida por despacho de 07-03-2023.

9. A audiência de julgamento realizou-se em 13-11-2024 e 13-12-2024.

10. Em 20-12-2024 foi proferida sentença que julgou improcedente a ação e prejudicado o conhecimento do pedido reconvencional.


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II - O recurso:

É desta sentença que recorre a autora, pretendendo a alteração parcial do julgamento da matéria de facto e a sua revogação com a consequente declaração de procedência parcial da ação, condenando-se o réu ao pagamento de 76 824, 38 €.

Para tanto, alega o que sumaria da seguinte forma em sede de conclusões de recurso:

(…)


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O recurso foi admitido em 07-05-2025 e mandado subir nos próprios autos com efeito devolutivo.


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III – Questões a resolver:

Em face das conclusões dos recorrentes nas suas alegações – que fixam o objeto do recurso nos termos do previsto nos artigos 635º, números 4 e 5 e 639º, números 1 e 2, do Código de Processo Civil -, são as seguintes as questões a resolver:

1 - Inadmissibilidade da impugnação da matéria de facto pela recorrente/autora:
a) por falta de indicação de meios de prova que imponham decisão diferente;
b) tendo em conta a utilidade da sua pretensão para a decisão de mérito.

2 – Em caso de ser admitida, conhecimento da mesma de modo a aferir se deve passar a provada a matéria constante da alínea e) dos factos não provados bem como se deve aditar-se matéria de facto alegada pela autora na petição inicial e na réplica que não consta dos factos provados ou não provados;

3 – Procedendo ou não a impugnação da matéria de facto, aferir da existência de fundamento para a condenação do réu no pagamento de metade das dívidas comuns que se provou que a autora pagou desde a separação de facto do casal e de juros sobre tais montantes;

4 - No caso de procedência da apelação da autora, alteração para não provados dos factos dados por provados nas alíneas 26 e 27;

5 – Ainda no caso de procedência da apelação, existência de fundamento para condenação da autora no pedido reconvencional deduzido a título subsidiário, com fundamento no alegado enriquecimento sem causa da autora.

IV – Fundamentação:

Foi a seguinte a decisão de facto objeto de impugnação:

A) Factos Provados:

“1. A. e R. foram casados no regime da comunhão de adquiridos;

2. A dissolução do seu casamento foi decretada no âmbito do processo nº...., que correu termos na ... do 1º Juízo do Tribunal de Família e Menores do Porto, por sentença proferida a ../../2014, transitada em julgado;

3. Tendo sido homologado, além do mais, o acordo dos aqui autora e ré, no sentido do direito à utilização da casa de morada de família ficar atribuído ao “cônjuge mulher, até à venda ou partilha”;

4. Já por acordo homologado por sentença de 28/09/2012, em sede de processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais com o n.º ..., do extinto Tribunal de Família e Menores do Porto, ..., ficou a residência dos filhos (então menores) do casal, fixada junto da mãe, ficando o pai obrigado ao pagamento da prestação de alimentos mensal de 155,00 €, por cada filho, quantia a atualizar anualmente, de acordo com a taxa de inflação;

5. Ficando ainda obrigado ao pagamento das despesas escolares dos filhos, por si ou através dos seus pais;

6. A. e R., na sequência do divórcio, procederam por mútuo acordo à divisão do património móvel e venderam a terceiros o único bem imóvel de que eram proprietários, tendo liquidado o resto dos empréstimos contraídos junto do Banco 1... e dividido entre si o montante sobrante, na proporção de metade para cada um.

7. Tal bem imóvel correspondia à casa de morada de família, sita à Rua ..., descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto, sob a descrição ...13 da freguesia ... e inscrita na matriz predial urbana da aludida freguesia sob artigo ...65;

8. O referido bem imóvel foi adquirido por contrato de compra e venda, outorgado 18 de Agosto de 2005;

9. Para adquirirem o aludido imóvel, o então casal contraiu, na mesma data, um empréstimo para aquisição de habitação própria e permanente junto do Banco 1..., S. A. no valor de €372.500,00, identificado com o nº. ...96;

10. Posteriormente, a 26 de Setembro de 2008, o então casal contraiu outro empréstimo, denominado multifunções, que se destinou a custear as obras de recuperação do prédio adquirido.

11. Tal empréstimo, também contraído junto do Banco 1..., ascendeu ao valor de € 110.000,00, sendo identificado com o nº. ...96.

12. Os dois empréstimos foram garantidos por hipotecas incidentes sobre o prédio adquirido, devendo ser liquidados através da conta ordem nº....01, que o casal tinha aberto no Banco 1....

13. Nos termos dos empréstimos contraídos pelo casal, era obrigatório para este a contratação de dois seguros de vida, um por cada um dos empréstimos e, ainda, de um seguro multirriscos relativo ao imóvel adquirido;

14. Os seguros de vida começaram por ser contratados por A. e R., ainda casados, junto da A..., S. A. tendo sido agente de seguros a B..., S. A.

15. Por sua vez, o seguro multirriscos foi contratado com a C... desde 2005;

16. O R., desde que abandonou a casa de morada de família (Setembro de 2011), deixou de liquidar a sua parte no I.M.I. e na taxa devida à Câmara Municipal do Porto pela existência de rampa fixa no imóvel de que A. e R. eram proprietários.

17. No que diz respeito ao I.M.I. foi a A. quem liquidou a totalidade do imposto relativo ao ano anterior, nos anos de 2014, 2015 e 2016.

18. No primeiro daqueles anos o imposto ascendeu a €394,90 e em cada um dos outros dois um total de € 403,79;

19. Tendo pago, a este título, um total de €1.202,48,

20. Relativamente à taxa anualmente devida à Câmara Municipal do Porto pela rampa fixa existente no imóvel que foi do casal, liquidada até ao final do mês de Março de cada ano, foi sempre a A. quem a liquidou entre os anos de 2012 e 2019, num total de €421,94;

21. A intermediação efectuada pela sociedade D..., Ldª para venda da casa de família resulta do próprio contrato de compra e venda;

22. A autora assinou declaração na qual se comprometia a pagar sozinha a comissão da imobiliária para venda do imóvel do casal;

23. O que fez, estando em causa o valor de 25.000,00 €;

24. Em 22 de Janeiro de 2021 autora e réu declararam vender o imóvel que correspondia à casa de morda de família a um terceiro, pelo valor de 600.000,00 €;

25. Correspondendo ao melhor preço na altura obtido;

26. Entre Setembro de 2011 e a 22 e de Janeiro de 2021 a autora pagou a quantia global de 109,328, 21 € por conta da amortização dos empréstimos bancário descritos em 8 e 10;

27. Pelos prémios dos seguros de vida desde que o R. saiu de casa até à venda do imóvel a autora liquidou a quantia global de 19.915,18 €;

28. A Autora efectuou um pedido de empréstimo em dinheiro ao seu irmão, no valor de €10.000,00, ainda quando as partes viviam juntas;

29. Sendo que, após o divórcio, a autora acabou por pagar tal quantia ao referido irmão, sendo a última parte entregue já no decorrer deste ano;

30. Sendo que este nunca efetuou o pedido de reembolso de tal quantia ao aqui réu;

31. O progenitor ou os seus pais efetuaram os pagamentos de todas as quantias relacionadas com a frequência dos filhos do aqui casal no Colégio ..., ensino musical, prática de Andebol por um dos filhos, propinas da Universidade e seguros, mesadas e prestações de alimentos;

32. Desde a saída do réu da casa de morada de família, e até à venda do imóvel, a casa era o centro de vida da autora e dos seus filhos;

33. Sendo que o progenitor deslocava-se lá para estar com os filhos;

34. Tendo o seu centro de vida em casa dos pais;

35. Em Novembro de 2011 a autora passou para seu nome os contratos antes titulados pelo réu, relativos aos fornecimentos de água, eletricidade e gás natural, à moradia supra descrita;

36. A partir de maio de 2012, por vontade da autora, as prestações relativas aos dois empréstimos deixaram de ser debitadas na conta comum do casal, e passaram a ser debitadas na conta de DO n.º ...20, titulada pela autora e pelo seu pai;

37. O valor locativo do imóvel que constituía a casa de morada de família, desde Dezembro de 2012 até 2020, era de, mensalmente, 3.854, 16 € (2012), 3.983, 66 € (2013); 4.023, 10 € (2104 e 2015); 4.029, 54 € (2016); 4.051, 30 € (2017); 4.096, 67 € (2018); 4.143, 78 € (2019), e 4.164, 92 € (2020).

Factos não provados:

a) que o réu tenha recusado, por várias vezes, propostas para a venda do imóvel que constituíra a casa de morada de família;

b) que o réu tenha dito que se a autora não assinasse o documento, não aceitaria a venda do imóvel;

c) que o valor de venda do imóvel que constituía a casa de morada de família fosse mais baixo do que o de mercado, na altura;

d) e que o valor em causa tenha sido fixado tendo em conta o facto da autora assumir o pagamento integral da comissão descrita em 22 dos factos assentes;

e) que a autora, enquanto vivia na casa, tivesse requerido ao réu o pagamento das despesas relacionadas com o imóvel que constituía a casa de morada de família.

f) Que o réu tivesse igualmente conhecimento do pedido formulado pela autora, ao seu irmão, e referido no facto assente 27º”.


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1 - Admissibilidade da impugnação da matéria de facto pela recorrente/autora:

a)

O recorrido começa por defender que deve ser rejeitada a impugnação da matéria de facto pedida pela recorrente sustentando que a mesma não indicou “qualquer meio de prova que imponha uma decisão diferente ou qualquer erro evidente na apreciação da prova, limitando-se transcrever pequenos excertos do depoimento de duas testemunhas, dos quais nem sequer resultam os factos que pretende comprovar”.

Como é manifesto, o que recorrido defende com esta argumentação é que os meios de prova indicados pela recorrente não são fundamento bastante para a procedência da sua pretensão de alteração do elenco dos factos provados. Ora, a assim suceder, não está em causa a possibilidade de rejeição da impugnação da matéria de facto, como incorretamente refere o recorrido, mas a sua eventual improcedência.

A recorrente identificou os concretos pontos da matéria de facto que quer ver alterados e indicou o sentido da pretendida alteração bem como os meios de prova em que baseia essa pretensão, tendo, no caso dos depoimentos gravados que convocou, referido as respetivas passagens e procedido mesmo à transcrição de parte deles. Como tal, estão claramente cumpridos os ónus exigidos pelo artigo 640.º, números 1 e 2 do Código de Processo Civil ao recorrente que impugne a matéria de facto.


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b)

Entende ainda o recorrido que os factos que a recorrente pretende ver julgados provados são inúteis à decisão do mérito do recurso, pelo que não deve ser apreciada essa sua pretensão.

É certo que, nos termos do previsto no artigo 130º do Código de Processo Civil, não é lícito realizar no processo atos inúteis.

Como vem sendo decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça[1], “(…) nada impede a Relação de apreciar se a factualidade indicada pelos recorrentes é ou não relevante para a decisão da causa, podendo, no caso de concluir pela sua irrelevância, deixar de apreciar, nessa parte, a impugnação da matéria de facto por se tratar de ato inútil.”.

Há, pois, que aferir se a pretensão da recorrente quanto à impugnação da matéria de facto não é útil ao conhecimento do mérito do recurso.

A mesma pretende que se passe a julgar provado o teor da alínea e) dos factos não provados: “que a autora, enquanto vivia na casa, tivesse requerido ao réu o pagamento das despesas relacionadas com o imóvel que constituía a casa de morada de família”.

Bem como entende que se deviam ter julgados provados os seguintes factos:

- que o recorrido lhe entregou em 1 de março de 2017 uma declaração com vista a que ela a assinasse e da qual resultaria que asseguraria o pagamento integral dos empréstimos bancários como contrapartida da assunção pelo recorrido das despesas relacionadas com a formação académica, musical e desportiva dos dois filhos de ambos (o que a mesma alegou na réplica).

- que ambos venderam a terceiros o único bem imóvel de que eram proprietários, tendo liquidado o remanescente da dívida decorrente dos empréstimos bancários contraídos e dividido entre si o preço sobrante, na proporção de metade para cada um (tal facto foi alegado pela recorrente no artigo 4º da petição inicial, tendo sido aceite pelo recorrido no artigo 8º da contestação).


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i) Quanto à alínea e) dos factos não provados, acima transcrita:

Recorde-se que o réu se defendeu na ação alegando nomeadamente que a autora age em abuso do direito, o que fez decorrer da afirmação de que aquela nunca, desde dezembro de 2011, lhe pediu o pagamento das quantias que ora reclama.

Na fundamentação da sentença recorrida lê-se o seguinte: “(…) parece-nos ser de concluir que o equilíbrio nas obrigações entre as partes implica ou que os ex-cônjuges nada possam pedir um ao outro - uma vez que a autora usufruiu exclusivamente do uso da casa de morada, durante cerca de 9 anos, sem qualquer compensação ao réu (que a ela teria direito, mas que nunca a pediu), sendo que a autora, por seu lado, nunca pediu a este, durante esse período, o pagamento das quantias relativas a encargos com o imóvel, e aqui peticionados) - ou, determinando-se que o réu é responsável pelo pagamento de metade das despesas relacionadas com o imóvel que constitui casa de morada de família, teria de se arbitrar uma compensação mensal ao réu pelo facto da autora ter utilizado, de forma exclusiva, um bem que não era só seu.

No caso dos autos, tendo em conta, repita-se, o lapso de tempo em que perdurou a utilização, pela autora, da casa de morada de família, sem que nunca tenha sido reclamada qualquer quantia de parte a parte, entendemos ser de optar pela primeira hipótese que expusemos”.

Verifica-se, assim que o teor do que foi alegado pelo réu - mas que não é o facto julgado não provado na alínea e) -, foi tido em conta na sentença como fundamento para a improcedência a ação, muito embora o Tribunal a quo não tenha vertido no elenco dos factos provados o que depois valorou na fundamentação do direito.

O que o Tribunal a quo julgou não provado foi que a autora depois da separação, enquanto vivia na casa entretanto vendida, tenha requerido ao réu que pagasse quaisquer despesas relacionadas com tal imóvel. Daqui, contudo, e ao contrário do que consta da fundamentação da sentença na parte que se transcreveu, não resulta a autora nunca tenha reclamado essas quantias.

A não prova de um facto negativo não corresponde à afirmação do mesmo e, no caso, foi o réu quem alegou que a autora nunca tinha feito essa exigência, o que articulou como fundamento para o excecionado abuso do direito, pelo que era a ele quem cabia a prova desse facto, nos termos do artigo 342.º, número 2 do Código Civil.

De facto, nos artigos 31.º, 40.º, 41.º 50.º, 51.º e 64.º da contestação, o réu alegou que a partir de maio de 2012, a autora passou a pagar as prestações devidas pelos mútuos, os prémios de seguros a eles associados e o IMI devido pelo imóvel comum, a partir de uma conta titulada por ela e pelo seu pai, alterando o que até então acontecia, e que era o débito em conta comum do casal, nunca tendo feito qualquer exigência de que o réu lhe pagasse qualquer dessas quantias desde dezembro de 2011 e nunca tendo mencionado tal exigência ou pretensão no acordo destinado à homologação do divórcio por mútuo consentimento, sendo que, segundo ele, só por isso o mesmo se obrigou a pagar todas as prestações que enumera e se referem a despesas com os filhos comuns do casal.

A autora impugnou tal alegação em sede de réplica, apresentando outra, a ela oposta, e a versão que a autora trouxe aos autos foi a única sobre a qual incidiu decisão, sob a alínea e) dos factos não provados.

No artigo 70º da petição inicial a autora já alegara que “tem insistido, por várias vezes, junto do R., para que lhe satisfaça a dívida, mas este, nem sequer a reconhece, o que a obriga a compeli-lo judicialmente ao pagamento”. Não alegou nesta peça, todavia, em que momentos ou por que formas fez tais exigências.

Depois, em sede de réplica (artigos 50º) a autora alegou que sempre pediu ao réu o pagamento de metade das verbas que ora peticiona (relativas aos pagamentos dos mútuos que descreve, seguros a eles associados, taxas e IMI) e que estão relacionadas com o imóvel comum. Desta redação também não decorre quando ou desde quando tais pedidos foram feitos, deduzindo-se, contudo, que a autora pretende afirmar que fez tais pedidos desde que passou a suportar sozinha os pagamentos em causa.

Tal alegação, contudo, apenas foi motivada pela contestação do réu em que este excecionou o abuso do direito da autora consistente no facto de a mesma, com o seu comportamento omissivo, o ter levado a crer que tais montantes nunca lhe seriam cobrados. Para sustentar tal exceção o réu alegou nomeadamente (no artigo 64.º da sua contestação) que “entre dezembro de 2011 e janeiro de 2021, ou seja, enquanto o imóvel foi do casal, mas apenas usufruído por si, a autora nunca exerceu o direito de exigir o valor correspondente a metade das prestações pagas ao banco, seguros, rampas ou IMI e nunca, sequer, verbalizou a hipótese de tal vir a acontecer”.

Em suma, e no que aqui releva convocar, o réu sustenta que do facto de tal não constar no acordo homologado em sede de divórcio e de a autora nunca lhe ter pedido que comparticipasse nessas despesas ou pedido o pagamento de metade delas, resulta ser abusivo que o faça agora (alegando que tal comportamento consubstancia um “venire contra factum proprium”, embora como adiante melhor se verá, a modalidade do abuso e direito em que tal comportamento poderia enquadrar-se, seria a da supressio que tem requisitos bem mais exigentes do que a mera omissão assim descrita pelo réu).

Tendo o réu alegado tal facto para sustentar a sua defesa por exceção, era ao mesmo que cabia a sua prova, nos termos do previsto no artigo 342.º, número 2 do Código Civil.

Pelo que tem razão o recorrido[2], quanto à inutilidade da prova do facto julgado não provado sob a alínea e), pois o mesmo não tem que ser julgado provado para que possa proceder a pretensão da autora.

Quando muito, a alegada interpelação ao pagamento por banda desta teria relevância para aferir a data da constituição do réu em mora, se se vier a concluir que a mesma depende de interpelação. Todavia, a autora não alegou qualquer data concreta de comunicação/interpelação ao réu, pelo que também para tal fim é irrelevante o apuramento dessas interpelações, não havendo motivo para aditar aos factos provados o teor da alínea e) em apreço, que nem tinha que constar dos não provados.

Como se viu, contudo, de acordo com a solução do direito preconizada pelo réu em sede de defesa, poderia ser relevante a prova de que a autora nunca lhe pediu tal pagamento. Tal facto foi alegado e a sentença recorrida não o julgou provado ou não provado.

Nos termos do disposto no artigo 662.º, número 1 e número 2 c) do Código de Processo Civil, este Tribunal deve alterar a decisão sobre a matéria de facto se a prova produzida impuser decisão diversa, podendo nomeadamente ampliá-la, desde que os autos forneçam os elementos necessários[3].

Ora, no caso, foi produzida prova sobre o facto alegado pelo réu e impugnado de forma motivada pela autora que foi omitido na decisão de facto da sentença recorrida. O que sucedeu, apenas, foi que o Tribunal a quo não atentou devidamente nas regras de distribuição do ónus da prova quando deu por não provado o teor da alínea e), desconsiderando que cabia ao réu a prova de que a autora nunca antes lhe pedira o pagamento de metade das quantias que descreve na petição inicial e de que, por causa disso, criou a convicção de que a mesma nunca o faria.

Assim, em cumprimento do disposto no artigo 662.º, número 2 c) do Código de Processo Civil, foram ouvidos na íntegra os depoimentos gravados de CC e de DD, indicados pela autora para sustentar a alteração da alínea e) dos factos não provados que é relativa à mesma factualidade. Foram tidos em consideração, ainda, os meios de prova convocados pelo réu em sede de contra-alegações para sustentar a manutenção de tal facto como não provado, a saber: o depoimento de EE; a cláusula 5ª número 2 do contrato de mediação imobiliária pela qual a autora se obrigou a pagar a comissão devida pela venda do imóvel comum; e a certidão do acordo homologado por sentença, relativa ao uso da casa de morada de família.

Para cabal esclarecimento da questão de facto em análise, entendeu-se ainda ser necessária a audição de toda a prova gravada, no uso dos poderes/deveres de investigação oficiosa a que alude o artigo 640.º, número 2 b) do Código de Processo Civil. Após a análise de todos os referidos meios de prova concluiu-se que a necessária ampliação da matéria de facto pode ser feita por este Tribunal sem necessidade de anulação da decisão proferida em primeira instância, em cumprimento do disposto no artigo 662.º, número 2 c) do Código de Processo Civil.

Ora, como afirmado na motivação da decisão de facto pelo Tribunal a quo verificou-se que a generalidade das testemunhas apenas sabia o que lhe fora sendo transmitido por autora ou réu, revelando-se assim de muito reduzida utilidade a prova testemunhal.

Assim aconteceu nomeadamente com a testemunha DD, indicada pela autora, que apenas sabia o que ela lhe transmitiu, afirmando que a mesma se foi queixando da falta de comparticipação do réu no pagamento dos encargos com a casa ao longo dos anos que se seguiram à separação do casal.

Também a testemunha FF, arrolada pelo réu, disse desconhecer qual o acordo dos ex-cônjuges sobre o pagamento das prestações do mútuo, mas afirmou que o réu lhe disse que devia ser a autora a pagá-las, sem, contudo, confirmar que tal tinha sido objeto de discussão entre os ex-cônjuges nem indicar em que momento o réu lhe transmitiu o que descreveu.

A testemunha GG, indicada pelo réu, apenas afirmou quanto a esta concreta questão de facto que “a perceção que o BB tinha” era a de que seria a autora a pagar os mútuos e demais dívidas relacionadas com o imóvel, pois “ela vivia na casa sem pagar renda.”. Afirmou, em sustentação desta opinião do réu, de que a testemunha revelou comungar, que era ele quem pagava a educação dos filhos comuns e que o réu entendia que a autora “tinha que pagar uma renda que nunca pagou”. Esta versão diverge da apresentada pelo réu na contestação, na medida em que o réu não alega, em sede de defesa, que acordou com a autora o pagamento de qualquer renda ou outra contrapartida pelo uso do imóvel, mas apenas que seria injusto e até abusivo que aquela o usasse em exclusivo se não pagasse as dívidas comuns que ora reclama, dívidas essas que o réu sempre esteve convicto que não teria de pagar.

Já os depoimentos dos filhos do ex-casal comuns divergiram entre si apenas em certa medida.

CC afirmou convictamente lembrar-se de, quando tinha quinze anos, o pai ter ido a casa da mãe, tendo ambos discutido sobre a questão dos referidos pagamentos, pois a mãe compareceu perante si e o seu irmão, depois dessa conversa, a chorar e a mostrar um documento que o pai queria que ela assinasse (que lhe foi exibido e cujos dizeres correspondiam ao que recordava), queixando-se aos filhos do facto de o réu querer exigir-lhe que se responsabilizasse em exclusivo pelo pagamento dessas dívidas.

A testemunha EE, irmão mais velho da anterior, contudo, não relatou tal episódio, afirmando que apenas quando teve acesso aos documentos que instruem o processo viu o documento em causa (junto pela autora na réplica sob o número 1). Admitiu, contudo, que havia discussões entre os pais e queixas da mãe relativamente a questões financeiras, bem como disse ter assistido aos avós maternos a prestarem auxílio financeiro à sua mãe. Disse que as dificuldades da mãe decorriam de ter de suportar o “pagamento da casa” e o sustento dos filhos. Afirmou que a mãe sempre se queixou, ao longo dos anos, do facto de o pai não contribuir para o pagamento da casa (referindo-se aos empréstimos) e do IMI, assunto que a testemunha nunca abordou com o pai, mas que admitiu que a mãe pudesse ter abordado, dadas as várias queixas que fez ao longo dos anos. Admitiu que o pai ia por vezes à casa de morada de família, de que tinha a chave, quer para estar com eles quer para conversar com a mãe sobre questões financeiras.

O documento número 1 junto com a réplica não está assinado e foi elaborado em computador, pelo que não é possível aferir se foi, de facto produzido pelo réu. Da afirmação da testemunha CC, filho comum do casal de que se lembrava desse documento e da queixa da mãe sobre o que o mesmo significava após uma conversa com o pai sobre o mesmo, resultou a única prova testemunhal direta sobre a sua elaboração e entrega pelo réu à autora, o que, não sendo bastante para que se afirme a versão da autora sobre tal facto instrumental, coloca pelo menos em dúvida a afirmação do réu de que a mesma nunca lhe pediu tal quantia e de que estava convicto de que nunca o faria. Se assim fosse, não faria sentido a exigência em causa, que a testemunha afirmou que ocorreu, tendo o seu depoimento sido bastante seguro.

A testemunha HH, irmã do réu, quando perguntada sob a questão do pagamento das dívidas associadas ao imóvel, respondeu de imediato que o irmão tinha a responsabilidade do pagamento da educação dos filhos, nos colégios e demais atividades sendo “o resto, da AA”. Revelou, contudo, desconhecer que os seus pais, avós paternos dos menores, tivessem contribuído no pagamento das despesas educativas dos sobrinhos, como ficou assente na alínea 31 dos factos provados. Depois, de forma muito hesitante, afirmou que o irmão lhe transmitiu que foi esse o acordo que celebrou com a autora, o que o réu sequer alegou na ação. De facto, ao contrário do que tal testemunha disse que lhe tinha sido transmitido pelo réu, este nunca afirmou ter celebrado com a autora um acordo, ainda que verbal, nesse sentido, mas apenas que ficou com a convicção de que a mesma pagaria as dívidas associadas ao imóvel, porque nunca, a partir de dezembro de 2011, lhe pediu o seu pagamento e porque tal seria, na sua ótica, injusto e abusivo. A testemunha HH disse, mais adiante, que apenas soube que a autora pediu o pagamento dessas dívidas ao réu “aquando da venda”. O que contraria a alegação do réu[4] de que o facto de essa exigência não ter sido feita no momento da compra e venda é indício de que a autora sabia que não era credora de qualquer quantia. A referida testemunha, irmã do réu, disse ainda desconhecer a razão pela qual esse alegado acordo entre ele e a sua ex-cunhada - pelo qual esta ficaria obrigada a pagar as dívidas relativas ao IMI e mútuos bancários -, não ficou expresso no momento da homologação do divórcio.

O facto de tal divórcio ter sido homologado judicialmente, estando ambas as partes representadas por advogado, sem que tenha sido fixada qualquer contrapartida a pagar pelo uso do imóvel - diretamente ao réu ou por via do pagamento pela autora das prestações devidas para pagamento de dívidas comuns -, também indicia que não terá, de facto, havido qualquer acordo da partes nesse sentido, acordo esse que, repete-se, o réu sequer alegou.

Quanto à argumentação desenvolvida pelo réu a partir da prova de que a autora se comprometeu sozinha a pagar a comissão imobiliária, cumpre afirmar que desse compromisso (que a autora alegou ter sido obtido sob coação, mas não provou), não resulta necessariamente que a mesma tivesse, com ele, a pretensão de renunciar a qualquer crédito que tivesse sobre o autor ou que nunca antes lhe tivesse exigido o seu pagamento, pois o pagamento da comissão é uma obrigação dos vendedores para com o mediador imobiliário e o próprio réu alegou que foi a autora quem insistiu na venda, com cujo valor o réu não concordava, tornando plausível que a aceitação dessa obrigação pela autora tivesse como causa a vontade de vender o imóvel. Recorde-se que o próprio réu alegou na contestação que essa era a vontade do casal desde a separação, em finais de 2011, e que não concordava com o preço de venda que acabou por aceitar, o que a prova testemunhal por ele arrolada confirmou, asseverando que o réu preferiria não ter vendido o imóvel pelo preço pelo qual acabou por ser alienado.

Do conjunto da prova testemunhal não resultou afirmado por qualquer testemunha que a autora nunca antes exigira ao réu tal pagamento. Do depoimento da irmã do réu, HH, resultou mesmo que a sua ex-cunhada fez essa exigência “aquando da venda” e do depoimento do filho comum das partes, CC, que o seu pai tentou, em 2017, obter da sua mãe uma declaração de que se obrigava a pagar as quantias que ora peticiona. Decorre, ainda, de toda a prova produzida que a questão da venda da casa e do preço de venda nunca foi consensual entre as partes, ambas reclamando que pretendiam tê-la vendido antes tendo sido a outra parte que a tanto se opôs. Pelo que a não exigência pela autora do pagamento de qualquer quantia no momento da venda, se é que assim aconteceu, poderia ter resultado apenas da necessidade que ambos sentiam, segundo as testemunhas, de vender a casa o quanto antes, sem levantar mais obstáculos a tal venda. A irmã do réu admitiu, aliás, com segurança, que o mesmo estava muito descontente com o preço da venda, assim reforçando a ideia de que a venda acabou por se concretizar por pressão da autora, o que explicaria o facto de a mesma não ter, no ato de venda, exigido de imediato o pagamento de metade das dívidas comuns que foi suportando. O próprio réu, como já se disse, alegou no artigo 58.º da contestação que a venda aconteceu por insistência da autora.

Note-se que da escritura de compra e venda junta como documento número 3 da petição inicial resulta que quer no momento do recebimento do sinal quer da celebração da compra e venda os valores daquele e do remanescente do preço foram pagos pelos compradores a ambos os vendedores por via da emissão de quatro cheques a favor deles (dois de 25 000 € cada no momento da celebração do contrato promessa e dois de 98 4733, 33 € cada no momento da escritura) e ainda de dois outros destinados a saldar os débitos bancários e emitidos a favor dos respetivos credores. Não ocorreu, pois, como alegou o réu no artigo 59º da contestação, uma divisão do remanescente do preço entre ambos (depois de pago o passivo comum), mas sim o pagamento, em simultâneo, de metade do preço pelo comprador a ambos os vendedores.

Em face destes meios de prova não temos, assim, fundamento bastante para que se julgue provado o facto alegado pelo réu em sede de contestação: que a autora nunca, desde dezembro de 2011, lhe pediu o pagamento de qualquer das quantias que peticiona nesta ação.

Assim, e uma vez que, como acima se concluiu, o facto dado por não provado sob a alínea e) não tem qualquer utilidade para a decisão da causa será o mesmo eliminado.

Será, contudo, aditado aos factos não provados, sob a mesma alínea, nos termos do artigo 662.º, número 2 c) do Código de Processo Civil, o facto alegado pelo réu no artigo 64.º da contestação, que lhe cabia provar, mas não logrou:

e) Entre dezembro de 2011 e janeiro de 2021, a autora nunca exigiu o valor correspondente a metade das prestações pagas ao banco, seguros, rampas ou IMI e nunca, sequer, verbalizou a hipótese de tal vir a acontecer.


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b) Quanto à alegação, resultante da petição inicial e da réplica, de que foi já vendido o imóvel comum, de que foram amortizados os débitos bancários remanescentes e dividido entre ambos preço da venda, resulta do teor da alínea 6 dos factos provados, sendo manifesto que houve lapso da recorrente ao manifestar a pretensão do seu aditamento.

Pelo que também nessa parte não se conhecerá da pretendida impugnação da matéria de facto.


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c) Pretende finalmente a recorrente que se adite aos factos provados um outro, que alegou na réplica: que o réu quis, em 1 de março de 2017, que a autora assinasse declaração assumindo se encontrava a pagar e continuaria a suportar o pagamento dos mútuos bancários contraídos para compra e obras na casa comum, como “contrapartida” das despesas que o réu suportava com os filhos comuns (cfr. artigo 24.º da réplica).

Tal facto, contudo, e uma vez mais, decorre da impugnação motivada da exceção de abuso do direito. A autora alegou-o com vista a impugnar a afirmação, pelo réu, de que nunca, antes da venda do imóvel, lhe pedira o pagamento das quantias que ora peticiona, sendo a alegada exigência do réu de que a autora assinasse tal declaração meramente instrumental à não prova do que o réu alegou.

Veja-se o teor do artigo 25.º da contestação, em que a própria autora explica a razão de ser da alegação do facto que agora quer ver provado: “A pretensão de que a aludida declaração fosse assinada pela A., cerca de 3 anos depois de decretado o divórcio e mais de 4 depois de reguladas as responsabilidades parentais, é o desmentido mais completo de que o R. tenha confiado que a exigência do pagamento das verbas, aqui em discussão, nunca seria efectuada”.

Ora, como já se disse e repete, da impugnação desse facto, alegado pelo réu, não resulta para a autora o ónus de provar o contrário do que aquele alegou, sendo, como já acima se afirmou, desnecessária à procedência da sua pretensão a alegação e prova de que foi pedindo ao réu o pagamento das quantias em causa.

Cabe, assim ao réu provar os factos que alegou em sustentação da exceção de abuso do direito que invocou (artigo 342.º, número 2 do Código Civil).

Acresce que também a natureza instrumental do facto que a autora quer ver aditado leva a que não tenha que constar dos factos provados ou não provados.

A matéria de facto que deve constar da sentença é aquela que, tendo sido alegada pelas partes, nos termos do previsto nos artigos 5.º, número 1 e 552.º, número 1 d) do Código de Processo Civil, seja relevante para a solução jurídica das pretensões das partes.

Quer o artigo 5.º, número 1, quer a alínea d) do número 1 do artigo 552.º referem a obrigação das partes de alegarem os factos essenciais que constituem a causa de pedir ou o suporte para as exceções que invocam.

O número 2 do referido artigo 5.º, todavia, obriga a que se considerem ainda outros factos, não articulados pelas partes sendo eles:

“a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;

b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;

c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.

Afirma Teixeira de Sousa[5] que “os factos essenciais são aqueles que permitem individualizar a situação jurídica alegada na ação ou na exceção; - os factos complementares são aqueles que são indispensáveis à procedência dessa ação ou exceção, mas não integram o núcleo essencial da situação jurídica alegada pela parte”. Quanto aos primeiros afirma o referido Autor que “(…) são necessários à identificação da situação jurídica invocada pela parte e, por isso, relevam, desde logo, na viabilidade da ação ou da exceção: se os factos alegados pela parte não forem suficientes para perceber qual a situação que ela faz valer em juízo (…), existe um vício que afeta a viabilidade da ação ou da exceção. É por isso que, quando respeitante ao autor, a falta de alegação dos factos essenciais se traduz na ineptidão da petição inicial por inexistência de causa de pedir (…) e que a ausência de um facto complementar não implica qualquer inviabilidade ou ineptidão, mas importa a improcedência da ação”. Já “Os factos complementares (ou concretizadores) são os factos que, não integrando a causa de pedir (porque não são necessários para individualizar o direito ou o interesse alegado pela parte), pertencem ao Tatbestand da regra que atribui esse direito ou interesse ou são circunstanciais em relação ao facto constitutivo desse direito ou interesse.” Finalmente, quanto aos factos instrumentais o mesmo Autor entende que se destinam“(…) a ser utilizados numa função probatória dos factos essenciais ou complementares(…)”e “(…) são utilizados para realizar a prova indiciária dos factos principais, isto é, esses factos são aqueles de cuja prova se pode inferir a demonstração dos correspondentes factos principais.”

No momento da sentença o legislador obriga a que se discriminem os factos que se julgam provados e não provados, como resulta do disposto nos números 3 e 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil [6]. E, na motivação da sua convicção, deve o julgador indicar “as ilações tiradas dos factos instrumentais”, como resulta do número 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil.

Assim, a seleção dos factos provados e não provados a constar da sentença deve conter os que sejam essenciais às pretensões das partes, sendo os factos instrumentais (que tenham sido alegados, resultem da instrução ou tenham sido oficiosamente averiguados) úteis para a prova dos primeiros e não em si mesmos (salvo se deles resultar a aplicabilidade de presunção legal).

O que são os factos essenciais a cada pedido/exceção é questão que sempre tem de ser resolvida no confronto das pretensões das partes e o direito substantivo que pode suportar as mesmas e já acima se fez quanto à questão da alegada não interpelação do réu paga qualquer pagamento das quantias peticionadas nos autos pela autora enquanto a mesma se encontrava a suportá-las em exclusivo.

Por tudo o exposto, também o facto alegado no artigo 24.º da réplica não tem que ter assento no elenco dos factos provados ou não provados.


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Pelo que fica prejudicado o conhecimento da questão número 2 acima enunciada e relativa à impugnação da matéria de facto, sem prejuízo da ampliação feita e resultante no aditamento de um novo facto não provado, sob a alínea e) que fora eliminada, como acima decidido.


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3 - A recorrente sustenta a sua pretensão de revogação parcial da sentença independentemente da procedência da impugnação da matéria de facto, defendendo a existência de fundamento para a condenação do réu no pagamento de metade das dívidas comuns que se provou que a mesma pagou desde a separação de facto do casal e de juros sobre tais montantes.

Cumpre, assim, apreciar se tem razão.

Está em causa o pagamento de várias dívidas comuns, a saber:
i. As prestações de dois mútuos bancários contraídos por ambas as partes para compra e para realização de obras no imóvel adquirido na constância do casamento;
ii. As prestações dos seguros de vida e multirriscos associados a tais mútuos;
iii. O IMI pago à Autoridade Tributária e relativo a esse mesmo imóvel; e
iv. A taxa municipal devida por rampa fixa existente no acesso do referido imóvel à via.

Como foi decidido em sede de saneamento dos autos, tratam-se de dívidas comuns do casal, tendo-se ali concluído que o seu pagamento podia ser peticionado em sede de processo comum.

A natureza comum dessas dívidas, que o réu não põe em causa, resulta do disposto nos artigos 1691.º, número 1 alínea a), 1694.º, 1724.º b) e 1730.º do Código Civil de que decorre que autora e réu são devedores, em igual medida, das dívidas contraídas por ambos na vigência do casamento (como as provadas sob as alíneas 9 e 10 e relativas aos mútuos bancários para compra da casa e realização de obras e os relativos aos seguros multirriscos e de vida associados aos referidos mútuos, seguros que ambos contrataram), bem como daquelas que oneram certos e determinados bens comuns, no caso um imóvel adquirido por ambos na constância do casamento, como são o IMI e a taxa municipal por rampa fixa.

Estando em causa o pagamento de dívidas comuns e tendo as mesmas vindo a ser pagas em exclusivo pela autora desde as datas que ficaram a constar nas alíneas 16, 20 e 26 dos factos provados, cumpre apreciar se a mesma tem direito a reclamar do seu codevedor o pagamento de metade dos valores cujo pagamento suportou.

A própria natureza comum dessas dívidas, inculca a resposta positiva que a recorrente pretende. O direito da ré a ser compensada pelo pagamento dessas dívidas comuns mesmo durante o casamento decorre do disposto no artigo 1697.º do Código Civil tornando-se tais créditos exigíveis no momento da partilha. Esta, segundo resulta dos autos, foi feita verbalmente quanto a bens móveis e resultou, quanto ao único bem imóvel, da receção por ambos de metade do preço da venda, e do pagamento pelo produto dessa venda do remanescente das dívidas comuns.

Assim, ficou partilhado o ativo e saldado o passivo comum por via da compra e venda do imóvel, tendo, nesse momento, em que o património comum ficou partilhado, passado a ser exigível o crédito de compensação da autora pelas dívidas comuns pagas durante o casamento. Pelo que não colhe a alegação do réu de que pelo menos os montantes pagos pela autora até ao divórcio não são devidos. Quanto aos pagamentos posteriores ao divórcio, mantendo-se o património por partilhar, também deviam as dívidas comuns ter sido pagas por via desse património comum. Tendo a autora suportado as mesmas em exclusivo, é manifesto que tem direito a pedir ao codevedor o pagamento de metade das mesmas. Segundo Lopes Cardoso,[7]Provado que um empréstimo bancário foi contraído tanto pelo autor como pela ré, enquanto casados, sendo portanto uma dívida da responsabilidade de ambos os cônjuges (…) e, não obstante, foi apenas o Autor que, desde a data do divórcio, suportou o pagamento da totalidade das prestações do mesmo empréstimo (…) tem de concluir-se ser o Autor titular sobre a Ré dum crédito correspondente àquilo que pagou a mais do que devia, nos temos do art. 1697º, nº 1 do CC. Em conclusão, se um cônjuge pagou dívidas com bens próprios, o outro, que necessariamente participa em metade do passivo da comunhão, terá de ter a mesma participação daquele”.

Assim também o pagamento de dívidas comuns após o divórcio confere ao credor que as satisfez o direito de exigir ao codevedor a sua quota parte de responsabilidade pelo seu pagamento.

Sucede que o réu pretende discutir essa obrigação invocando uma série de argumentos, que se podem resumir da seguinte forma:
1- Aquando da celebração do acordo quanto ao uso da casa de morada de família necessário à homologação do divórcio por mútuo consentimento, não ficou estipulado que o mesmo teria de continuar a contribuir para o pagamento dessas referidas dívidas comuns;
2- Nesse mesmo momento o réu obrigou-se a suportar em exclusivo algumas das despesas com a educação com os filhos comuns do ex-casal que não teria assumido caso soubesse que lhe viria a ser exigido o pagamento de metade das referidas dívidas comuns;
3- A própria autora passou a pagar tais quantias sem que nunca as tivesse exigido ao réu pelo que este criou a expetativa de que nunca lhe viriam a ser exigidas, pelo que é abusivo da sua parte vir agora fazê-lo;
4- A autora usou em exclusivo a casa de morada de família pelo que, a proceder a sua pretensão sempre o réu teria direito a ser indemnizado por tal uso exclusivo, em montante a calcular em função do valor locativo do imóvel, podendo compensar esse seu crédito com o que vier a ser reconhecido à autora.

Analisemos cada um dos três primeiros argumentos, cabendo a apreciação do último no âmbito do conhecimento do pedido reconvencional, que foi deduzido subsidiariamente apenas para o caso de procedência da ação.


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1. Quanto ao que ficou acordado em sede de divórcio por mútuo consentimento, ficou provado que o uso da casa de morada de família, ficou atribuído à “cônjuge mulher, até à venda ou partilha”, por acordo dos cônjuges, homologado por sentença.

Nada foi ali estipulado entre as partes sobre a forma de pagamento das dívidas comuns, nomeadamente que a autora teria de suportar em exclusivo os pagamentos delas ou parte delas, nem que tivesse que pagar qualquer contrapartida pelo uso da referida casa.

Ora, assim sendo, e estando tal acordo na livre disponibilidade das partes, que o celebraram perante a Mmª juíza que o homologou, não se vê qualquer fundamento para que dele possam agora retirar-se obrigações ali não assumidas. Pelo contrário.

Não se encontra, na sentença recorrida qualquer fundamento legal ou contratual para a conclusão que ali se alcança quando se afirma que “o equilíbrio nas obrigações entre as partes implica ou que os ex-cônjuges nada possam pedir um ao outro - uma vez que a autora usufruiu exclusivamente do uso da casa de da morada, durante cerca de 9 anos, sem qualquer compensação ao réu (que a ela teria direito, mas que nunca a pediu), sendo que a autora, por seu lado, nunca pediu a este, durante esse período, o pagamento das quantias relativas a encargos com o imóvel, e aqui peticionados)”. Não foi explicada, neste raciocínio, que não se acompanha, a afirmação de que o réu tinha direito a uma compensação pelo uso da casa de morada de família, que nunca pediu à autora, nem com que fundamento legal podia o Tribunal aferir, a posteriori, do equilíbrio do acordo celebrado livremente entre os ex-cônjuges no momento do divórcio e homologado por sentença, alterando-o com efeitos retroativos.

O uso da casa de morada de família resultou de acordo que foi celebrado nos termos do artigo 994.º, número 1 f) do Código de Processo Civil e foi homologado por sentença.

Também o artigo 1775.º, número 1 d) do Código Civil exige que o acordo sobre o destino da casa de morada seja alcançado para que possa ser decretado o divórcio por mútuo consentimento na Conservatória de Registo Civil (tendo, neste caso, as decisões que sobre tal acordo incidam, o valor de sentença nos termos do artigo 1776.º, número 3 do Código Civil).

Tais acordos, livremente celebrados entre as partes, são objeto de uma decisão judicial (ou, no caso de divórcios celebrados pelo conservador de registo civil, com valor idêntico) e, portanto, não se tratam de meros negócios jurídicos celebrados entre as partes, mas de acordos que são submetidos a apreciação judicial ou equiparada. Essa apreciação pode passar, nomeadamente por um convite à sua alteração, como expressamente resulta dos artigos 999.º do Código de Processo Civil e 1775.º d) e 1776.º, número 1 do Código Civil. Cabe ao juiz ou ao conservador - conforme o divórcio seja judicial ou celebrado na Conservatória de Registo Civil -, aferir se tal acordo acautela os interesses de ambos os cônjuges ou dos filhos de ambos, podendo mesmo produzir prova para aferir da adequação desses acordos em função desses interesses a atender.

Uma vez homologados, esses acordos têm o valor de sentença e vigoram até que as partes procedam à partilha, à venda (no caso do imóvel em causa ser comum), ou a outro destino que venha a ser dado ao referido imóvel, podendo, ainda, as partes acordar em modificar tal acordo, ou qualquer delas pedir a sua alteração, como decorre do disposto nos artigos 1793.º, número 3 do Código Civil e 991.º, número 1 do Código de Processo Civil.

Essa alteração, contudo, apenas valerá para futuro e segue, quando não seja consensual, a forma de processo especial de jurisdição voluntária dependendo da alegação e prova de alteração das circunstâncias que justifique a alteração judicial do acordado ou decidido.

Enquanto não ocorrer qualquer dos factos extintivos do acordo homologado ou a sua alteração por acordo ou judicial o mesmo tem que vigorar nos exatos termos em que foi celebrado e homologado, não sendo, salvo o devido respeito, de aceitar que se venha a entender, como fez a sentença recorrida, que pode posteriormente fazer-se uma avaliação sobre a proporcionalidade, adequação ou justeza do que as duas partes acordaram livremente e foi judicialmente homologado. Não há, pois, qualquer fundamento legal – e nem a sentença o indica – para que que se venha a alterar, com efeitos retroativos, o que foi acordado e homologado por sentença, com argumentos assentes em juízos de proporcionalidade ou justiça em face de uma situação atual diversa da que foi sopesada pelas partes e pelo Tribunal no momento da celebração e homologação desses acordos.

Desde logo porque, como se disse e repete, o acordo quanto ao uso da casa de morada de família é objeto de uma avaliação judicial ou com valor equiparado em que se aferem os vários interesses em confronto, que não são só os dos cônjuges, mas também muitas vezes, como no caso, os dos filhos menores comuns. A decisão de um dos membros do casal permanecer a habitar a casa de morada de família anda muitas vezes, como foi o caso, associada à fixação da residência dos filhos menores nessa mesma casa (cfr. alínea 4 dos factos provados). A ponderação que é feita, à data do divórcio, pelas partes e pelo Juiz ou pelo Conservador, dos vários interesses em confronto, que não são só os dos cônjuges, não pode ser alterada/revogada por uma posterior reavaliação da situação posterior, senão no âmbito de um pedido de alteração dessa decisão, que, a proceder, apenas pode valer para o futuro[8]. E se antes não foi alterada a decisão quanto ao uso da casa de morada de família foi porque nenhum dos ex-cônjuges a pediu, como podia ter feito.

Assim, aliás, tem vindo a ser decidido maioritariamente pelos nossos tribunais superiores, nomeadamente pelo Tribunal da Relação de Coimbra em acórdãos como o proferido em 27-04-2017[9] em cujo sumário, com inteira aplicação ao caso dos autos, se pode ler:

“I – É legalmente admissível a fixação de uma compensação pa­trimonial do cônjuge privado do uso daquela que foi a casa de morada de família por força da sua atribuição ao outro cônjuge até à partilha do bem. Tal compensação deve ter lugar por razões de justiça e equidade, designadamente porque o cônjuge privado do uso desse bem pode estar sujeito, e, por isso, não pode deixar de ter em conta as circunstâncias concretas da vida dos cônjuges.

II - Tal compensação não poderá deixar de ser determinada pelo juiz como consequência da decisão provisória de atribuição do uso da casa de morada de família ou estipulada pelo acordo das partes quando, ao porem termo ao processo de divórcio convertendo-o em divórcio por mútuo consentimento, acordam, acordo sujeito a homologação judicial, na atribuição da casa de morada de família a um dos cônjuges até à partilha desse bem.

III - Nada sendo decidido pelo juiz ou acordado pelas partes, já não será possível, em ação judicial posterior, proceder a tal fixação, porquanto tal implicaria, na verdade, uma alteração substancial do teor da decisão judicial ou do acordo das partes que contempla uma utilização do bem incondicionada, passando-se a estipular, como acima se disse, uma utilização condicionada ao pagamento de quantia pecuniária.

IV - Não constando do acordo outorgado qualquer pagamento pela atribuição do uso da habitação da casa de morada de família ao Réu, qualquer declaratário normal – que de acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 236º do C. Civil corresponde ao "bonus pater familias" equilibrado e de bom senso, pessoa de qualidades médias de instrução, inteligência e diligência normais –, entenderá que foi porque as partes o não quiseram convencionar pois se o quisessem o contrário tê-lo-iam deixado expresso, nada permitindo que se equacione coisa diversa.”.

Ainda o Tribunal da Relação de Coimbra, em acórdão de 28 de março de 2017[10], declarou que não se provando que tenha existido qualquer acordo das partes no que toca à fixação de uma compensação e nem tendo ela também sido fixada por qualquer decisão judicial, a obrigação de a pagar apenas poderia, eventualmente, radicar em qualquer enriquecimento injustificado de uma das partes à custa do património comum, mas que, atendendo aos interesses em jogo e ao regime e finalidade da casa de morada de família, não se pode concluir que a utilização da casa por um dos cônjuges corresponda necessariamente a um enriquecimento que deva ser eliminado por não ter causa justificativa, designadamente quando - como ali acontecia e no caso em apreço por igual - a casa também é utilizada em benefício dos filhos do casal, tendo ambos os pais obrigação de providenciar e custear a sua habitação. Em tal acórdão considerou-se ainda que tal enriquecimento, a existir, não corresponde necessariamente ao valor locativo do imóvel, pois, caso tivesse sido proferida decisão judicial a fixar regime provisório quanto ao uso da casa de morada de família, tal compensação poderia ou não ter sido fixada em função das concretas circunstâncias do caso.

No mesmo sentido, decidiu o Tribunal da Relação de Guimarães em acórdão de 14-06-2018[11] de que se destaca o seguinte trecho do sumário: “Não tendo ficado explicitamente estabelecido e decidido, por acordo entre os ex-cônjuges, que a atribuição da casa de morada da família a um deles dependeria de uma contrapartida pecuniária a prestar ao outro, fica excluída a possibilidade deste último vir ulteriormente, em ação declarativa comum (por via principal ou reconvencional), pedir e obter essa mesma contrapartida pecuniária, unicamente fundamentada nesse direito, que eventualmente lhe assistiria, mas que do mesmo acordo não fez constar. II- No entanto, sempre assistirá ao ex-cônjuge, que se veja posteriormente desfavorecido com tal acordo celebrado sobre o destino da casa de morada da família, alterar tal resolução tomada em processo de jurisdição voluntária, lançando mão do processo (ou incidente) de “atribuição/alteração da casa de morada da família”, com base nas disposições conjugadas dos arts. 1793º, n.º 3, do C. Civil, e 988º, n.º 1 e 990º, do C. P. Civil. III- De qualquer modo, esta alteração, com recurso aos meios processuais próprios da jurisdição voluntária, designadamente em face do disposto no art. 988º, n.º 1, do C. P. Civil, pressupõe necessariamente a alegação e demonstração de uma “alteração superveniente das circunstâncias” que estiveram na base daquele acordo.”.

Também este Tribunal, em acórdão de 06-06-2024[12] em que estava em causa a divisão, enquanto coisa comum, de um imóvel adquirido por um ex-casal antes do casamento entendeu que “(f)icando provado que na altura do divórcio, as partes acordaram que «a casa de morada de família, sita (…), fica atribuída ao cônjuge marido, até à venda ou partilha» não se pode daí extrapolar que tenha existido um acordo de que todas as despesas e encargos com o empréstimo obtido para a compra desse imóvel ficavam a cargo do Réu”.

O Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 13-10-2016[13] também afirmou que quando se atribui, “a título provisório, a um dos cônjuges a casa de morada de família decorre que só existe direito a uma compensação pelo uso exclusivo se o juiz a tiver efetivamente atribuído na decisão proferida. Em conformidade, não existe direito à compensação pelo uso exclusivo se se consolidar a decisão provisória acerca do uso da casa de morada, estando excluída a possibilidade de o outro cônjuge vir ulteriormente em nova ação, apensada ao processo de divórcio, pretender obter compensação. No caso dos autos, a utilização atual da casa de morada de família pelo ex-cônjuge marido estriba-se na inicial decisão provisória do juiz e no conteúdo de um acordo celebrado pelos ex-cônjuges, o que possibilitou o imediato decretamento do divórcio por mútuo consentimento. Nestes termos, não estando previsto o pagamento de qualquer compensação ao ex-cônjuge mulher pela utilização exclusiva da casa de morada da família, atribuída ao ex-cônjuge marido, não existe fundamento bastante para obter o reconhecimento ulterior de tal obrigação”.

Ora, a autora não se obrigou no âmbito dos acordos celebrados com vista ao divórcio, a pagar qualquer contrapartida pelo uso da casa de morada de família, fosse por via de pagamento ao réu de uma compensação por esse uso ou por via do pagamento aos credores comuns das dívidas que já vimos serem da responsabilidade de ambos. Pelo que não colhe o argumento do réu de que tinha que ter ficado expresso no acordo de atribuição do uso da casa de morada de família que o mesmo continuava obrigado a pagar as dívidas comuns. Pelo contrário, para o desonerar desse pagamento como contrapartida desse uso pela sua ex-cônjuge, tal tinha que constar expressamente do referido acordo, homologado por sentença e insuscetível de outra interpretação para além do que do seu texto resulta expressamente.

Não cabe ao tribunal avaliar posteriormente o equilíbrio ou a justeza de um acordo celebrado entre as partes sob determinados pressupostos e homologado por sentença. De todo o modo sempre se dirá que também não se acompanha o raciocínio do Tribunal a quo quando refere que “o equilíbrio nas obrigações entre as partes implica ou que os ex-cônjuges nada possam pedir um ao outro”.

Repare-se, a este propósito, no que o réu alegou nos artigos 25º e 26º da contestação: “Autora e réu, logo em outubro de 2011, acordaram na necessidade da venda do imóvel, tendo contatado uma empresa de mediação imobiliária para o efeito”; e “A vontade comum de vender o imóvel integrava-se num acordo mais global do qual fazia parte a regulamentação das responsabilidades parentais, a partilha de todos os bens comuns e a utilização da casa de morada de família até à venda do imóvel”.

Neste contexto, de vontade de venda imediata do imóvel comum que, como admite o réu, foi vendido apenas em 2021 por pressão da autora e perante a fixação da residência dos menores com a mãe não se vê porque seria mais justo que fosse esta responsabilizada pelo pagamento de todo o passivo comum sendo, depois, o ativo dividido entre ambos em igual medida.

Pelo contrário, a intenção de venda imediata do imóvel por ambos os cônjuges no momento da separação inculca que nenhum deles estivesse convicto de que a autora teria de continuar a pagar o passivo comum durante quase dez anos, como veio a suceder.


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3. Quanto ao argumento que o réu pretende retirar do facto de se ter obrigado a suportar em exclusivo algumas das despesas com a educação com os filhos comuns do ex-casal e de que não as teria assumido caso soubesse que lhe viria a ser exigido o pagamento de metade das referidas dívidas comuns, também não pode proceder.

O mesmo sabia que a autora estava a suportar o pagamento de dívidas contraídas por ambos (já acima nos referimos à sua natureza comum e respetivo fundamento legal), o que lhe diminuía a capacidade para suportar o pagamento de outras despesas. O facto de serem também comuns as obrigações de suportar os custos com a educação dos filhos de ambos e de o respetivo pagamento ter sido assegurado em maior medida pelo réu não o desonera, contudo, do pagamento de outras dívidas comuns.

O réu não tem direito de ver compensado o seu débito para com a autora pelo facto de ter assumido o pagamento de uma prestação de alimentos superior a 50% do total despendido a esse título. Desde logo e antes de mais tal obrigação, decorrente do disposto nos artigos 1874.º, 1905.º, 2003.º, números 1 e 2, é insuscetível de compensação, nos termos do artigo 2008.º, número 2, todos do Código Civil.

Não há, além disso, qualquer sinalagma ou correspetividade que se possa estabelecer entre as prestações devidas a título de alimentos aos filhos comuns e as devidas aos bancos mutuantes, à Autoridade Tributária, ou ao Município do Porto.

O argumento do réu de que se soubesse que lhe viria a ser pedido o pagamento de metade das dívidas comuns suportadas pela autora não teria assumido tal obrigação de alimentos não colhe como fundamento para a sua absolvição. O mesmo não alegou ter feito tal acordo com a autora nesse pressuposto, sequer alegando, aliás, que a mesma estivesse a par desse seu entendimento, de que nada tinha que pagar das dívidas comuns enquanto a mesma habitasse o imóvel comum. O acordo alcançado não exprime, assim, o pressuposto de que parte o réu e também não se sabe se a autora, se antevisse que o réu entendia que não tinha que participar no pagamento das dívidas comuns (apesar de ter participado em 50% no recebimento do preço da venda do imóvel), iria pretender o uso da casa de morada de família ou se, pelo contrário, nesse cenário, a autora preferiria que aquele uso fosse atribuída ao réu.

O que se sabe sobre a vontade das partes que levou ao acordo foi o que as partes declararam perante a Mmª Juíza que homologou o divórcio: que à autora ficou atribuído o uso da casa de morada de família sem que ali fosse fixada qualquer contrapartida, nomeadamente a de que o réu suportaria em maior medida as despesas com a educação dos filhos comuns. Também não é verdade, aliás, que tais foram suportadas só pelo réu, pois, como ficou provado na alínea 31 dos factos provados, também os seus pais, avós paternos dos menores suportaram parte dessas despesas.


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3- Quanto à alegada exceção do abuso do direito, o réu sustenta que a dedução do pedido de condenação no pagamento de metade das dívidas comuns suportadas pela autora constitui “venire contra factum proprium”.

Como já acima adiantamos, em face dos argumentos usados pelo réu, a modalidade de abuso do direito que aqui poderia estar em causa seria, contudo, a “supressio”.

Prevê o artigo 334º do Código Civil, que é “ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”

A identificação das modalidades em que o abuso do direito pode revelar-se tem resultado de estudos doutrinais[14], acompanhados pela jurisprudência que tem vindo a seguir as denominações e critérios de distinção sugeridos pela doutrina.

Segundo Menezes Cordeiro, o abuso do direito na modalidade da supressio tem os seguintes pressupostos ou requisitos:

- o não exercício prolongado de um direito;

- a confiança gerada na contraparte por causa desse não exercício;

- a justificação para essa confiança;

- o investimento de confiança pela contraparte; e

- a imputação dessa confiança àquele que não exerce o direito.

Assim, a simples inação do titular de um direito é insuficiente para concluir pelo preenchimento dessa modalidade de abuso do direito.

Já a modalidade denominada de “venire contra factum proprium”, traduz-se da seguinte forma: a ninguém é permitido agir contra o seu próprio ato.

Por via desta modalidade “o agente fica adstrito a não contradizer o que primeiro fez ou disse”[15]. Ora o réu não alegou que a autora alguma vez tenha assumido perante si o pagamento das dívidas comuns, mas apenas que as foi pagando aos credores comuns sem nunca ter exigido ao codevedor, o pagamento de metade, o que agora, contraditoriamente à sua anterior conduta, veio fazer. Pelo que a modalidade de abuso do direito que invoca é a que a doutrina vem qualificando como “supressio”.

Paulo Mota Pinto[16] alerta para o tratamento, em várias decisões jurisprudenciais, como constituindo abusivo “venire contra factum proprium” de factos que consubstanciam, afinal, declarações negociais tácitas, nomeadamente de renúncia.

No caso em apreço o réu parece, de certa forma, também pretender retirar de alguns comportamentos da autora a conclusão de que a mesma renunciou tacitamente ao direito que ora exerce. Fá-lo ao alegar que a mesma aceitou pagar a comissão de venda do imóvel e ao afirmar que a mesma aceitou dividir com o réu o remanescente do preço de venda do imóvel sem que, nesse momento, tenha exigido o pagamento do que ora peticiona. Todavia, desses dois factos não resulta que a autora tivesse renunciado a qualquer direito de crédito sobre o réu. Desde logo o facto de a mesma se ter responsabilizado pelo pagamento de uma comissão a um terceiro não significa que, para além desse pagamento (que não tinha que ser assumido necessariamente por ambos no âmbito do contrato de mediação), tivesse renunciado a qualquer crédito sobre o réu. Por outro lado, e como já acima salientado, o que ocorreu quanto à divisão do preço de venda não foi o que alegou o réu: que depois de pagas as dívidas comuns ambos dividiram o remanescente do preço. O que sucedeu e resulta da escritura de compra e venda, foi que o preço foi pago pelo comprador a ambos os vendedores, em igual medida, mediante a entrega de quatro cheques (dois para pagamento do sinal e os demais relativos ao remanescente do preço de venda), dois a cada um dos credores desse preço. Não houve, assim, da parte da autora, a entrega de qualquer quantia ao réu depois da venda ou a divisão entre eles do preço, o que poderia indiciar que a mesma entendia que o réu não tinha que dividir com ela também, o valor das dívidas comuns. Ambos receberam do comprador, por razões que não foram alegadas, metade do preço da venda, pelo que com esse recebimento a autora não manifestou qualquer assunção tácita de que o réu nada lhe devia.

Por outro lado, alega o réu que a autora passou a proceder ao pagamento das dívidas aos bancos mutuantes através de uma conta sua, a partir de março de 2012. Do que parece querer fazer decorrer que tal comportamento inculca que a mesma assumiu tal pagamento, comportamento que contrariaria por via desta ação. Ora o facto de a satisfação das dívidas comuns estar a ser feito através de conta da autora só revela que a mesma as suportou com dinheiro seu, e não comum, como se presume que seria o depositado em conta conjunta. Mesmo quando enquanto tal pagamento foi feito a partir de conta conjunta, ficou provado que o mesmo foi apenas suportado pela autora. Daí decorre apenas que a autora satisfez os credores comuns com dinheiro próprio, mas já não que tenha renunciado a pedir ao réu o pagamento da parte que cabia ao mesmo suportar durante o casamento (cfr. artigo 1697.º do Código Civil) ou depois dele, dada a natureza comum das dívidas em apreço.

Finalmente, o réu insiste sobretudo na confiança que lhe gerou o facto de a autora nunca antes lhe ter exigido o pagamento dessas quantias. Ora, quanto a esta alegação, falhou a prova de que tal exigência nunca tenha sido feita ao réu, pelo que nunca poderia proceder a exceção do abuso do direito na modalidade de “supressio”. Sempre se dirá, contudo e ainda, que o réu também não logrou provar que tenha aceitado pagar despesas com a educação dos seus filhos (que se provou mesmo que não suportou sozinho pois também os seus pais as pagaram) porque estava convicto de que a ré suportaria o pagamento de dívidas comuns (sendo esse o requisito do investimento de confiança exigido nesta modalidade de abuso do direito). O que o mesmo alegou quanto à intenção e acordo do casal, logo após a separação - que seria de imediato vendido o imóvel comum - é bastante para que se conclua que a autora não tinha razão para esperar que teria de vir a pagar as dívidas comuns durante cerca de dez anos.

O facto de se tratarem de obrigações comuns e de estarem a ser pagas por um dos devedores aos credores – e note-se que o seu não pagamento conduziria à execução hipotecária do imóvel ou a execuções fiscais por incumprimento de obrigações tributárias -, não desonera o codevedor da sua responsabilidade perante aquele que satisfez os débitos, pois nos termos do artigo 1695.º do Código Civil pelas dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges respondem os bens comuns do casal e, como dispõe o artigo 1697.º número 1 do mesmo preceito, “(q)uando por dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges tenham respondido bens de um só deles, este torna-se credor do outro pelo que haja satisfeito além do que lhe competia satisfazer; mas este crédito só é exigível no momento da partilha dos bens do casal”. No caso ambas as partes admitem que não havia outros bens a partilhar além do imóvel comum, tendo tal partilha, assim, sido efetuada aquando da venda do mesmo e mediante o pagamento do respetivo preço. Quanto ao passivo, contudo, apenas foi solvido por via do património comum o que ainda existia à data da venda, pretendendo a autora por via desta ação que o réu lhe a compense pelo pagamento do passivo comum que a mesma suportou além do que lhe cabia.

Note-se que o pagamento desse passivo resultou uma diminuição significativa da dívida comum aos bancos mutuantes, o que permitiu ao réu, aquando da venda, obter mais do que receberia se tivesse sido vendido o imóvel no momento da separação, como o próprio diz que ambos pretendiam, mas acabou por demorar cerca de dez anos a concretizar-se. E nenhuma das partes pode imputar à outra a demora nessa venda já que se um deles se opusesse, sempre o outro podia, a qualquer momento, fazer cessar a comunhão pedindo a partilha. Pelo que se antes não ocorreu a venda ou a partilha, tal deve-se à omissão de ambos e não apenas da autora.

O abuso do direito, enquanto exceção perentória, impeditiva do exercício de um direito, deve ser usado com a parcimónia que a redação do artigo 334º do Código Civil exige. Ali se estipula que para que se considere abusivo o exercício de um direito o mesmo deve exceder “manifestamente” os limites “impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito”. Não é, assim, qualquer comportamento do credor que se revele desproporcional ou excessivo em face dos interesses em confronto que justifica o recurso a tal norma, de caráter excecional. Têm que ser manifestos essa desproporção ou esse excesso.

No acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 06-06-2024 referido na nota número 9, também se salientou - a propósito da alegação pela ali autora de que era abusiva a exigência, pelo réu, de que a mesma pagasse metade das despesas que o mesmo suportou com tal imóvel comum, nomeadamente as prestações dos empréstimos bancários por via dos quais foi pago o seu preço -, que não se verifica, neste caso, qualquer abuso do direito e, ainda, que o pagamento dessas prestações apenas pelo réu e a posterior divisão do preço da venda por ambos é que viria a constituir injusto locupletamento da autora que, como comproprietária (no caso o imóvel tinha sido adquirido por ambos antes do casamento), tinha de participar no pagamento de todos os encargos do bem comum, na proporção de metade. Ali se pode ler, com inteira aplicação ao caso em análise: “De acordo com a doutrina, o abuso de direito pode assumir as vertentes de venire contra factum proprium ─ a postura de quem adota um comportamento que entra em contradição com outra conduta anteriormente assumida ─, a de suppressio ─ o comportamento de quem não exerce o seu direito durante um tal lapso de tempo, que cria na contraparte a (legítima) expectativa de que ele não mais será exercido ─, a de tu quoque ─ considerando-se que a pessoa que violou determinada norma jurídica não possa depois exercer o direito tutelado por ela norma nem fazer-se valer da situação jurídica criada com essa violação ─, e a de desequilíbrio ─ visando-se acautelar que o benefício colhido por quem exerce o direito, não comporte um sacrifício desmesurado para o obrigado (grave desproporção), ─ todas elas manifestações do princípio da responsabilidade pela confiança.

A Recorrente invocou a vertente de venire contra factum proprium, que nos parece não poder manifestamente ser acolhida, na medida em que o uso exclusivo por parte do Réu resultou de acordo expresso por parte da Autora e nada se provou sobre ele se ter comprometido a suportar sozinho os encargos e as despesas. Donde, inexistir contradição com outra conduta anteriormente assumida.

Também manifesta a inexistência de tu quoque, pois que nenhuma norma se vê violada pelo Réu.

(…) Sucede que, como tem decidido a jurisprudência, o simples decurso do tempo não basta para que se considere verificada a suppressio, sendo também necessária «a verificação de indícios objetivos de que esse direito não irá ser exercido. Indícios objetivos esses que geram na contraparte (beneficiário do não exercício) a confiança na “inação do agente”.

Aliás, se assim não fosse, deixaria de ser necessário o instituto da prescrição, que se basta, essa sim, com o simples decurso de certos períodos de tempo.

Acresce que no caso ficou provado que o Réu vive na casa por acordo no processo de divórcio, tendo ficado acordado que isso aconteceria até à venda ou partilha da fração. Nessa medida, é fácil prefigurar a possibilidade que nessa altura fariam o “acerto de contas”.

Mas ainda que assim não fosse, também poderia imputar-se à Autora a suppressio, dado que esperou idêntico lapso de tempo para exercer o seu direito à divisão de coisa comum.

Por fim, a vertente do desequilíbrio, visando-se acautelar que o benefício colhido por quem exerce o direito, não comporte um sacrifício desmesurado para o obrigado (grave desproporção). Aqui releva também o sentimento de justiça a que alude a Recorrente.
E, neste caso, estamos em crer que só a possível ignorância da lei pode justificar que a Recorrente se sinta injustiçada com a condenação, dado que a solução contrária é que originaria grave desequilíbrio, como passaremos a tentar demonstrar.
Já o dissemos. Decorre do art.º 1405º nº 1 do CC que cada comproprietário participa nas vantagens e encargos da coisa.

Significa isso que a Autora, sendo proprietária de 50% da fração autónoma tem as vantagens decorrentes desse direito de propriedade, designadamente usar, fruir e vender. E, numa hipótese de venda, receberá 50% do respetivo preço.
(…) Donde se vê que se a Autora não tivesse de comparticipar agora no valor daquilo que foi pago pelo Réu, tudo se passaria como se ambos tivessem contribuído em igual medida no preço da aquisição.

Ou seja, seria a Autora quem ficaria enriquecida, pois iria receber um valor pelo preço atual da fração no qual não comparticipou.

Donde terá de se concluir pela inexistência de abuso de direito por parte do Réu, pois nenhum benefício indevido está a exigir da Autora. Ao contrário, ao não pagar agora a metade das prestações e demais encargos pagos pelo Réu, seria a Autora a obrigar o Réu a um sacrifício e uma grave desproporção relativamente àquilo que vai receber com a adjudicação ou venda da fração.”

O raciocínio assim expresso tem pleno cabimento no caso dos autos, devendo concluir-se que não se divisa no comportamento da autora, qualquer excesso manifesto no exercício do direito que lhe é conferido pelo artigo 1697.º número 1 do Código Civil. Em conclusão, não resulta dos factos provados que o exercício do direito da autora ultrapasse os limites “impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito”, já que a mesma apenas pretende que lhe seja paga pelo réu a parte do passivo comum que a mesma satisfez com dinheiro próprio, sendo certo que as partes nunca acordaram entre si que a mesma tinha que o fazer como contrapartida do uso da casa de morada de família que lhe foi atribuído sem qualquer condição.

Tendo sido decidido no despacho saneador, com trânsito em julgado, que a mesma podia exercer tal direito por via do processo comum (e não apenas de inventário que já se viu que não irá ser proposto já que nada mais tinham as partes que partilhar para além do passivo comum já satisfeito aos credores e do imóvel cujo preço de venda já ambos receberam), nada obsta à procedência da ação.

Assim será devido à autora o pagamento de 50% de todas as dívidas comuns que se prove que pagou aos respetivos credores, assim procedendo o recurso.


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Quanto ao montante da condenação, uma vez que o réu impugna a matéria de facto quanto aos valores pagos pela autora e dados por provados, apenas após conhecimento do objeto da ampliação do recurso poderá ser apurado.

Quanto ao momento a partir do qual serão devidos juros de mora sobre tal quantia, contudo, podemos já afirmar que não se tendo provado qualquer interpelação da autora ao réu antes da propositura da ação e estando em causa a pretensão da mesma de exercício do direito à compensação a que alude o artigo 1697.º do Código Civil, o respetivo crédito apenas era exigível após a partilha e interpelação ao pagamento, pelo que não se pode considerar que o réu, devedor, estava em mora em momento anterior ao da sua interpelação, nos termos do disposto nos artigo 805º.º, número 2 a contrario do Código Civil.

Assim sendo, apenas com a sua citação, foi o réu interpelado ao cumprimento, nos termos do número 1 do referido artigo, sendo esse o momento em que entrou em mora.


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4- Em face da procedência do recurso da autora, cabe conhecer da ampliação do seu objeto pelo réu/recorrido.

O mesmo pretende a alteração para não provados dos factos dados por provados nas alíneas 26 e 27.

Sustenta tal pretensão apenas na alegação de que impugnou os documentos que a autora apresentou em suporte de tais factos e que os mesmos não foram corroborados por outros meios de prova, pelo que não podia o Tribunal tê-los considerado bastantes.

É o seguinte o teor das alíneas impugnadas pelo recorrido:

“26. Entre setembro de 2011 e a 22 e de Janeiro de 2021 a autora pagou a quantia global de 109,328, 21 € por conta da amortização dos empréstimos bancário descritos em 8 e 10;

27. Pelos prémios dos seguros de vida desde que o R. saiu de casa até à venda do imóvel a autora liquidou a quantia global de 19.915,18 €.”

Quanto aos pagamentos dados por provados na alínea 26, devidamente discriminados em documento junto pela autora, da sua autoria, sob o número 7 da petição inicial, estão todos evidenciados em extratos bancários que constituem os documentos 8 a 110 juntos com a petição inicial e são relativos ao período compreendido entre 01-12-2011 e 31-08-2020. Foram ainda juntos os documentos 111 e 112 da petição inicial que constituem declarações do banco mutuante de que o pagamento das respetivas prestações foi até ao momento da liquidação dos empréstimos em 27 de janeiro de 2021, por motivo de venda do imóvel.

Os referidos documentos foram emitidos por entidade bancária e refletem os movimentos de conta em extratos que são elaborados eletronicamente, a partir dos documentos de suporte a tais movimentos, como sejam os débitos das quantias que ali se discriminam em que são identificados sempre os mesmos números de identificação ...96) da conta em que tais montantes são creditados e que é o correspondente à “conta empréstimo” ali também identificada.

Pelo que não se vê qualquer razão para os pôr em dúvida e nem se vê que os factos neles documentados pudessem ou devessem ser provados por outros meios mais fidedignos.

O recorrido alega agora que deles também resultam estornos e movimentos relativos a empréstimos pessoais, sem os concretizar e sem identificar os documentos que os revelam. Analisados os documentos juntos os mesmos revelam o débito das quantias que a autora discriminou no documento 7 junto à petição inicial, em concretização mais detalhada dos pagamentos que disse ter feito. Não se verifica que tenha ocorrido qualquer estorno de nenhuma das referidas quantias. Pelo que se mantém o teor da alínea 26 dos factos provados.

Também os pagamentos dos prémios dos seguros contratados por ambos os ex-cônjuges foram quase todos provados por documentos juntos quer na petição inicial, pela autora (documentos 116º a 118º e 120 a 122º) quer a 26-12-2022 pela C..., SA. Deles resulta que foram efetuados pela autora todos os pagamentos alegados nos artigos 26º a 28º da petição inicial, com exceção feita ao valor de 331, 07 € devido pelo seguro multirriscos que se venceu em 31 de agosto de 2019, relativamente ao qual apenas foi junto, sob o documento número 123, um aviso de pagamento e não qualquer fatura, recibo ou declaração de quitação.

Os documentos em causa são uma declaração da seguradora B..., SA, faturas e respetivos recibos emitidos pela C..., SA e por sociedade de mediação de seguros (E..., Ldª) em que são referidas as apólices respetivas e os montantes pagos.

Quanto ao valor de 225, 34 € alegadamente pago em 12-09-2019 apenas foi junto pela autora sob o documento número 119 um talão de multibanco que comprova o pagamento dessa quantia por transferência para uma entidade identificada pelo número ...83 que corresponde ao que consta das faturas emitidas pela C..., SA que estão juntas aos autos. Contudo foi junta posteriormente uma declaração dessa seguradora, de 23 de dezembro de 2022, de que recebeu esse pagamento devido pelo contrato de seguro multirriscos alegado na petição inicial.

Uma vez mais estamos perante documentos emitidos por terceiros, no caso sociedades que se dedicam à atividade seguradora ou à mediação de seguros, com menção dos dados de identificação dos contratos em apreço pelo que não se entende ser exigível outro meio de prova do que deles resulta.

Na alínea 27 dos factos provados, claramente por lapso, apenas é referido o pagamento dos prémios devidos pelos seguros de vida associados ao mútuo, quando as quantias ali referidas e alegadas na petição inicial, se referem, também ao contrato de seguro multirriscos também associado ao empréstimo hipotecário.

Nestes termos, apenas será em parte alterado o teor da alínea 27 dos factos provados, passando a mesma, em função da não prova do pagamento de 331, 07 € em 31 de agosto de 2019, a ter o seguinte teor:

27: Pelos prémios dos seguros de vida e do seguro com cobertura multirriscos referidos em 13 a autora liquidou a quantia global de 19. 584, 11 € desde que o R. saiu de casa até à venda do imóvel.”


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Em função dos factos provados sob as alíneas 19 (pagamento pela autora do valor de 1 202, 48 € de IMI), 20 (pagamento da taxa de rampa fixa no valor de 421, 94 €), 26 (pagamento pela autora das prestações devidas pelos mútuos bancários, num total de 109 328, 21 €) e 27 (pagamento de 19. 584, 11 € de prémios de seguros contratados por ambos), verifica-se que a autora tem direito a ser compensada pelo pagamento de 50% do valor total de 130 536, 74 € de dívidas comuns, ou seja, a que o réu lhe pague 65 268, 37 €.

A tal valor, pelas razões já acima expressas serão devidos juros vencidos e vincendos à taxa legal sucessivamente em vigor, desde a citação do réu, em 08 de março de 2022.


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Em face da procedência parcial da ação, cumpre conhecer do pedido reconvencional, que foi deduzido a título subsidiário, face ao previsto no artigo 665.º, número 2 do Código de Processo Civil.

Entende o réu/recorrido que, como a autora usou em exclusivo a casa de morada de família, a proceder a sua pretensão sempre teria direito a ser indemnizado por tal uso exclusivo, em montante a calcular em função do valor locativo do imóvel, podendo compensar esse seu crédito com o que vier a ser reconhecido à autora.

Acima já nos pronunciámos sobre o valor do acordo celebrado entre as partes e homologado por sentença. Dele não decorreu, nem pode fazer-se agora decorrer, qualquer contraprestação pelo uso da casa que ali não foi fixado.

Também já nos pronunciámos sobre o alegado desequilíbrio/injustiça que tal solução alegadamente criaria. Em primeiro lugar, concluiu-se que cabia aos cônjuges estabelecer os termos do acordo, como fizeram. Em segundo lugar, enfatizou-se que tal acordo esteve sujeito a apreciação judicial não tendo o tribunal que o homologou entendido que o mesmo devia ser alterado ou que não acautelava de forma adequada os vários interesses em confronto (que já se disse que não eram apenas os dos ex-cônjuges). Por último e como já acima sobejamente se afirmou a propósito dos argumentos esgrimidos pelo réu em sustentação da exceção de abuso do direito, não se afigura que o uso da casa de morada de família pela autora (e pelos filhos do casal que com ela ficaram a residir), no âmbito de acordo entre eles firmado, consubstancie um benefício ilegítimo ou desproporcionado.

Assim, como já acima se afirmou, não pode por decisão judicial posterior que não seja no âmbito de alteração do acordo quanto ao uso da casa de morada de família por força de alteração das circunstâncias que a ele presidiram, alterar-se o teor desse acordo com efeitos retroativos, impondo a um dos cônjuges o pagamento de qualquer contrapartida nele não prevista.

A tal não obsta o facto de o réu ter de pagar a sua quota parte no passivo comum que, tal como os bens comuns, tem que ser partilhado e ambos responsabiliza. O seu pagamento pela autora beneficiou ambos os codevedores, na medida em que diminuiu o seu passivo e não foi estabelecido nem é a qualquer título devido como contraprestação pelo uso da casa de família, como acima se concluiu.

Ao cônjuge a quem fique atribuído por acordo homologado por sentença (ou por decisão do Conservador do registo civil com valor equiparado) o uso da casa de morada de família sem fixação de uma contrapartida, seja por via do pagamento de passivo comum ou de um montante a título de renda ou outro, não é posteriormente exigível que suporte qualquer custo por esse uso, salvo se esse acordo vier a ser alterado por acordo das partes ou por decisão judicial, com efeitos apenas para o futuro.

O uso da casa de morada de família sem o pagamento de qualquer contrapartida não constitui, tampouco, como pretende o reconvinte, um enriquecimento sem causa do cônjuge a quem ficou tal uso atribuído na medida em que o referido acordo, homologado por sentença ou por decisão do conservador com igual valor é causa bastante para tal uso exclusivo.

O recurso ao disposto no artigo 473º do Código Civil apenas é possível quando alguém enriqueça à custa de outrem sem causa justificativa. Ora desde logo não pode considerar-se que a autora tenha enriquecido à causa do réu por ter usado a casa, comum, durante os anos que mediaram entre a separação do casal e a sua venda.

Tratava-se, desde logo, de imóvel comum.

A autora e os filhos comuns do casal que com ela ficaram a residir usaram-no no cumprimento de um acordo homologado por sentença em que não foram fixadas quaisquer contrapartidas financeiras, sendo essa a causa para o referido uso, pelo que ainda que se considerasse que este representou vantagem patrimonial para a autora, sempre a mesma teria uma causa que radica em acordo celebrado livremente por ambas as partes.

Acresce, ainda, que, no caso em apreço, o réu não provou que sofreu qualquer prejuízo patrimonial pelo facto de a autora ter usado em exclusivo tal casa de morada de família Pelo contrário, caso o mesmo ficasse desonerado do pagamento das dívidas comuns que a mesma suportou apesar de ter comungado em metade do valor do ativo comum, seria este a ficar enriquecido à custa do património da autora, sem que para tal haja causa.

Pelo que deve improceder o pedido reconvencional.


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As custas do recurso e da ação devem ser suportadas por ambas as partes na proporção dos respetivos decaimentos, como resulta do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil, tendo-se também em consideração, quanto às custas da ação, o decaimento do réu no pedido reconvencional deduzido a título subsidiário.


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V – Decisão:

Nestes termos julga-se procedente a apelação e, em consequência revoga-se a sentença recorrida nos seguintes termos:

1. Condena-se o réu a pagar a autora a quantia 65 268, 37 € a que acrescem juros, vencidos e vincendos, à taxa legal sucessivamente aplicável desde 8 de março de 2022;

2. Absolve-se a autora do pedido reconvencional;

Mantém-se o decidido quanto à absolvição do réu do demais peticionado.

Custas do recurso e da ação por ambas as partes na proporção dos respetivos decaimentos.

Porto, 26 de junho de 2025

Ana Olívia Loureiro

Miguel Baldaia de Morais

Carlos Gil



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[1] Conforme consta do sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-02-2021, disponível em 27069/18.3T8PRT.P1.S1 disponível em STJ 27069/18.3T8PRT.P1.S1. No mesmo sentido se decidiu em mais recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de setembro de 2023, tirado no processo 2509/16.5T8PRT.P1.S1e disponível em STJ 2509/16.5T8PRT.P1.S1, onde se pode ler: “Por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto se entender que os concretos factos objecto da impugnação, atentas as circunstâncias do caso e as várias soluções plausíveis de direito, não têm relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual puramente gratuita ou diletante.”
[2] O mesmo afirma, com inteira razão, que ainda que se provasse que a autora já antes lhe fora fazendo pedidos de pagamento das quantias cujo pagamento suportou daí não decorria necessariamente que a elas tivesse direito. Assim é, de facto. Sucede que é igualmente verdade que do facto de não terem sido feitos tais pedidos, caso tal se venha a julgar provado, também não resulta necessariamente que o pagamento agora peticionado não seja devido.
[3] Nas palavras de Abrantes Geraldes,:“(…) a anulação do julgamento deve ser sempre uma medida de último recurso, apenas legítima quando de outro modo não for possível superar a situação, por forma a fixar com segurança a matéria de facto provada e não provada (…”).Cfr. Recursos em Processo Civil, Almedina, 7ª edição atualizada, página 358.
[4] O réu alegou, na contestação que apenas depois de dividido o remanescente do preço da venda entre ambos (após pagamento dos mútuos) a autora exigiu o pagamento que agora peticiona.
[5] Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Páginas 70 a 72.
[6] A este respeito Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa afirmam: “(…) quando, mais adiante, o juiz vier a decidir a vertente fáctica da lide, importará que tal decisão expresse o mais fielmente possível a realidade histórica tal como esta, pela prova produzida, se revelou nos autos, em termos de assegurar a adequação da sentença à realidade extraprocessual.” – Código de Processo Civil Anotado, Almedina, Volume I, 3ª edição, página 751.
[7] Partilhas Litigiosas, Vol. III, página 358.
[8] Sobre a não retroatividade de qualquer decisão que venha a debruçar-se sobre a atribuição do uso da casa de morada de família pronunciou-se já esta secção, em acórdão de 13-11-2023, com a mesma relatora – cfr. TRP 22918/16.9T8PRT.F.P1
[9] TC3175/16.3T8VIS.C1
[10] TRC 255/10
[11] TRG 423/17.6T8GMR.G1
[12] TRP 408/23.3T8VCD.P1
[13] STJ 135/12.7TBPBL-C.C1.S1
[14] Seguiremos aqui de perto o tratamento da questão por Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral, Tomo I, 1999, páginas 198 a 211.
[15] Op cit. página 200.
[16] Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, Almedina, páginas 124 e 125.