INSOLVÊNCIA
APENSAÇÃO DE AÇÕES
TRIBUNAL COMPETENTE
Sumário

Cabe aos juízos de comércio, a requerimento do administrador de insolvência, a decisão sobre a apensação ao processo especial de insolvência das ações a que aludem os artigos 85.º e 86.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Texto Integral

Processo número 7328/23.0T8PRT-A.P1, Juízo Central Cível do Porto, Juiz 6.

Recorrentes: AA, BB, CC, Herança aberta por óbito de DD, EE e FF

Recorridos: A... (Uk) Limited, A... Portugal, (Uk) Limited, GG, B..., S.A, A... Holdings (U.K.) Limited, A... Investment Holdings (Ireland) Limited, A... Investments Portugal (Uk) Limited, A... Portugal Investments (Ireland) Limited e Massa Insolvente da Sociedade A... (Uk) Limited.

Relatora: Ana Olívia Loureiro

Primeira adjunta: Maria de Fátima de Almeida Andrade

Segundo adjunto: Carlos Gil

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório:

1. Em 17-04-2023, os recorrentes acima melhor identificados propuseram ação a seguir a forma de processo comum pedindo a desconsideração da personalidade jurídica das 1ª, 2ª, 4ª, 5ª, 6ª, 7ª e 8ª rés, ora recorridas, e a condenação de todos os réus no pagamento de 2474320,09 €. Alegaram, em suma, terem vendido à primeira ré a totalidade do capital social da quarta ré, bem como os créditos que sobre ela detinham, tendo a compradora pago apenas parte do preço acordado e encontrando-se em dívida o valor remanescente (2253720 €). Tendo sido, a pedido dos autores, declarada a insolvência da primeira ré por sentença de 13 de janeiro de 2022, verificaram, entretanto, que a mesma vendera a totalidade das ações da quarta ré à segunda, estando ambas numa relação de grupo. Os autores intentaram, então, ação de impugnação pauliana com vista à declaração de ineficácia desse negócio em relação a si. No decurso do processo especial de insolvência, foi proposto pelo administrador de insolvência um plano de recuperação que passa pela venda de todo o capital social da quarta ré, que é proprietária do único ativo que se conhece ao grupo a que pertencem as demais rés. Sendo o capital social da primeira ré totalmente detido pela quinta ré e o desta pela sexta ré e sendo a segunda ré detida pela sétima ré e esta pela oitava ré, todas elas têm um administrador comum, o terceiro réu, que admitiu no referido processo especial de insolvência ser o único “beneficiário” de todas as referidas sociedades. Todos os réus agiram de forma concertada de modo a frustrar o pagamento da dívida da primeira ré à autora, sendo as rés sociedades controladas pelo terceiro réu que as usou, de forma instrumental e abusiva para defraudar os credores. Com tal ação concertada as rés impediram a cobrança da dívida à primeira ré, pelo que são por ela solidariamente responsáveis.

2. Em 14-11-2024 o administrador de insolvência da primeira ré deu conta nos autos de que já pedira, no próprio dia, a apensação da presente ação àquele processo, com base no disposto no artigo 86.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

3. As segunda a oitava rés contestaram em 05-12-2024, excecionando a ilegitimidade da primeira ré por estar insolvente e das demais por não terem celebrado qualquer negócio com os autores e a incompetência internacional do Tribunal (por esta ordem). Invocaram, de seguida, a irregularidade da citação. Impugnaram ainda os factos alegados como causa de pedir da ação.

4. A massa insolvente da Sociedade A... (UK) Limited, representada pelo administrador de insolvência contestou em 06-12-2024, alegando, em suma, que o crédito dos autores já foi reconhecido no processo especial de insolvência e que aqueles, além da ação de impugnação pauliana referida na petição inicial também já propuseram uma outra ação com vista a “impugnar” a venda das ações da Ré B..., SA, pretendendo com a propositura de todas essas ações virem a ser tratados como credores privilegiados.

5. Em 19-12-2024 os autores apresentaram articulado em que responderam às alegadas exceções e pugnaram pela intempestividade da apresentação das contestações.

6. Em 13-02-2025, foi proferido despacho em que se facultou contraditório sobre a possibilidade de se apensar a ação ao processo especial de insolvência da primeira ré, por força dos fundamentos constantes de acórdão do Tribunal da Relação de Évora que ali foi parcialmente transcrito.

7. Em 24-02-2025 as segunda a oitava rés responderam, pronunciando-se a favor dessa apensação, alegando agora a competência do Juízo de Comércio de Lisboa para a tramitação dos autos, nos termos dos artigos 146.º a 148.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

8. No mesmo dia o administrador de insolvência deu conta nos autos de que o Juízo de Comércio de Lisboa ainda não se pronunciara sobre o pedido de apensação por si apresentado em 14-11-2024.

9. Em 27-02-2025 os autores opuseram-se à apensação por entenderem que esta ação não visa o reconhecimento ulterior de créditos nem a restituição ou separação de bens, já que o seu crédito já foi reconhecido no processo especial de insolvência e a presente ação visa, segundo eles, apenas a desconsideração da personalidade jurídica da devedora e demais rés sociedades, por forma a que todos os réus respondam solidariamente pelo débito da ré declarada insolvente.

10. Em 19-03-2025 foi proferido despacho que ordenou a apensação dos presentes autos ao processo especial de insolvência da primeira ré.

II - O recurso:

É desta sentença que recorrem os autores pretendendo a sua revogação

Para tanto, alegam o que sumariam da seguinte forma em sede de conclusões de recurso:

“1. O artigo 146º do CIRE, que tem por epígrafe “Verificação ulterior de créditos ou de outros direitos” e o artigo 148.º do CIRE tem por epígrafe – “Apensação das acções e forma aplicável, são preceitos que respeitam, única e exclusivamente, a créditos que não hajam sido reconhecidos no processo de Insolvência e que sejam objeto de uma ação judicial póstuma que tem por objeto ou a verificação ulterior de créditos, ou a separação de bens da massa Insolvente, ou a restituição de bens à massa Insolvente.

2. Os ora Recorrentes reclamaram, oportuna e tempestivamente, o seu crédito sobre a Insolvente no respetivo processo de Insolvência, tendo, nessa sequência, o seu crédito sido reconhecido em Junho de 222 sobre a Insolvente no valor de 2.253.720,00€ - vide documentos nº 16 e 32 junto com a P.I.

3. A presente ação declarativa comum, intentada contra diversas entidades, e entre as quais, a Ré Insolvente A... (UK) LIMITED, apenas foi interposta depois de os Recorrentes terem o seu crédito reconhecido sobre a Insolvente.

4. A presente ação tem como pedido a desconsideração da personalidade jurídica de todas as sociedades do grupo A... e, nessa sequência, serem todos os Réus declarados responsáveis pela dívida que a Insolvente, ora Recorrida A... (UK) LIMITED, mantém com os Autores, no valor de €2.294.329,00 (dois milhões, duzentos e noventa e quatro trezentos e vinte e nove mil), com todas as demais e legais consequências.

5. A presente ação judicial não se enquadra em qualquer das hipóteses previstas no artigo 146º do CIRE, uma vez que no presente processo não se peticiona qualquer verificação ulterior dos créditos sobre a Insolvente, nem a separação de bens da massa Insolvente, nem a divisão de bens de bens da massa insolvente

6. O objeto da presente ação não é o reconhecimento ulterior de qualquer crédito sobre a Ré insolvente, mas sim a desconsideração da personalidade jurídica de outras entidades para responderem solidariamente pelo crédito que os Recorrentes mantêm sobre a Recorrida Insolvente, pelo que não estamos perante o instituto da verificação ulterior de créditos.

7. A verificação ulterior de créditos é uma ação judicial destinada a reconhecer créditos que não tenham sido reclamados, dentro do prazo, no processo de insolvência.

8. No presente caso, peticiona-se que o véu da personalidade jurídica seja levantado para que outras entidades ou pessoas respondam por uma dívida da sociedade insolvente, com base em pressupostos específicos.

9. Esta ação não se enquadra no âmbito estrito e na finalidade do artigo 146º do CIRE, não devendo, por essa via, ser a mesma apensada ao processo de insolvência nos termos do artigo 148º.

10. Nem se compreenderia ser outra a interpretação do artigo 146º do CIRE, quer por razões de segurança jurídica, celeridade processual e acima de tudo da necessidade imperiosa de estabilidade do processo de insolvência.

11. Não têm aplicabilidade ao caso concreto o regime previsto nos artigos 146º e seguintes do CIRE, com base no qual o Tribunal recorrido vem decretar a apensação do processo aos autos de Insolvência da Recorrida A... (UK) LIMITED.

12. Mesmo que a presente ação se enquadrasse num dos exemplos tipificados no artigo 146º do CIRE, no que não se concede, jamais poderia o Tribunal Recorrido determinar, como determinou, a apensação deste processo a um outro processo que não está sobre a sua jurisdição, sob pena de violação do artigo 17º nº 1, do CIRE e do artigo 267º, nº 3 do C.P.C.

13. O artigo 148º do CIRE fixa uma regra especial quanto ao foro materialmente competente para o conhecimento destas ações, estipulando que tais ações correm por apenso aos autos de Insolvência, seguindo os termos do processo comum, ou seja, decorre deste último normativo que o Tribunal competente para a interposição destas ações, não é o Tribunal Comum, mas sim o Tribunal onde corre o processo de Insolvência.

14. Trata-se de uma regra especial quanto aos termos e condições em que tais ações são admissíveis, bem como quanto à competência material do foro e regras processuais pelas quais se regerá a o conhecimento e apreciação dessas ações.

15. A presente ação não cumpre os requisitos supra referidos pela simples razão de não ser uma ação destinada a obter um reconhecimento de um crédito sobre a insolvente, não tendo sequer sido proposta no ano subsequente à declaração de insolvência.

16. Não são aplicáveis ao caso concreto as regras constantes dos artigos 145º e seguintes do CIRE, pelo que, e desde logo, se impõe a revogação da decisão recorrida por falta de fundamentação legal que a admita, o que, desde já se requer, com todas as demais e legais consequências.

17. Também não é aplicável o regime previsto no artigo 85º do CIRE, desde logo, porque, tal como resulta da sua epígrafe – “Efeitos sobre as acções pendentes “- o mesmo só se aplica às ações pendentes à data da sentença que declarou a Insolvência.

18. Tal preceito só determina a apensação de ações intentadas contra o Insolvente quando nessas ações se discutam questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, o que não sucede nos presentes autos.

19. Em nenhures do presente processo se discute qualquer bem que esteja compreendido na massa insolvente, sendo certo que a massa insolvente da Recorrida A... (UK) LIMITED, não dispõe de quaisquer bens, pelo que o disposto no artigo 85º do CIRE também não tem qualquer aplicabilidade ao caso concreto.

20. Mesmo que fosse aplicável o referido artigo 85º do CIRE ao presente caso, no que jamais se concede, nunca poderia ser o Tribunal recorrido a decretar a apensação aos autos de insolvência, porquanto, nos termos do nº 1 e 2º do aludido preceito, é ao Administrador de Insolvência a quem cumpre requerer tal apensação junto do Processo de Insolvência, mediante o cumprimento do ónus de fundamentar a sua conveniência para os fins do processo, o que não sucedeu no presente caso.

21. É o Juiz dos autos de Insolvência quem tem a competência para requisitar a apensação dos outros processos onde se discutam questões relacionadas com bens compreendidos na massa Insolvente, cujo resultado possa influenciar o valor da massa, pelo que o Tribunal a quo não tinha poderes para decidir a apensação.

22. Resulta também claro do disposto no artigo 85º do CIRE que quem decide sobre a conveniência da apensação de um outro processo ao processo de insolvência é sempre o juiz deste último processo, não estando vinculado a qualquer outra decisão que eventualmente possa ter sido proferida pelo juiz do processo cuja apensação foi requerida.

23. Mal andou o Julgador a quo em “determinar a apensação”, impondo-se-lhe, apenas, em face da pretensão formulada pelo Administrador de Insolvência, que solicitasse ao Tribunal de Comércio de Lisboa, a sua decisão com vista a possível apensação ao processo de insolvência a correr termos naquele tribunal, caso este entendesse por preenchidos os requisitos da apensação legalmente impostos.

24. O único regime de apensação de ações que se poderia aplicar no presente caso não seria nunca o previsto no artigo 148º do CIRE, nem o do artigo 85º do CIRE, mas sim o regime previsto no artigo 267º doC.P.C. aplicável por via do artigo 17º do CIRE.

25. Regime este que determina que cabe ao Tribunal onde foi interposta a primeira ação o poder de decidir, querendo, pela apensação de processos, no caso de verificarem as condições previstas no aludido preceito que justifiquem essa apensação e não se verifique nenhuma situação que a torne inconveniente.

26. Assim, e mais uma vez, por todas as diferentes razões e fundamentos vindos de expor, é manifesto o erro de julgamento do Tribunal recorrido ao se arrogar da competência para determinar a apensação dos presentes autos ao processo de Insolvência, motivo pelo qual se impõe a revogação do despacho em crise, com todas as demais e legais consequências”.


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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O recurso foi admitido por despacho de 14-05-2025, para subir de imediato e em separado, com efeito devolutivo.

Contudo, da consulta do processo principal na sua origem, verifica-se que, já em 11-04-2025 fora proferido despacho em que se determinou que os autos aguardassem a decisão a ser proferida no presente apenso de apelação em separado.


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III – Questões a resolver:

Em face das conclusões do Recorrente nas suas alegações – que fixam o objeto do recurso nos termos do previsto nos artigos 635º, números 4 e 5 e 639º, números 1 e 2, do Código de Processo Civil -, é apenas uma a questão a resolver: a da possibilidade de apensação desta ação aos autos de processo especial de insolvência da primeira ré, por decisão do Tribunal a quo.

IV – Fundamentação:

Os factos relevantes para a decisão da causa são os que resultam do histórico processual sumariado no relatório.

Recorde-se que por via desta ação os autores pretendem que sejam todas as rés solidariamente condenadas no pagamento da quantia de 2 474 320, 09 €, sendo o pedido também dirigido contra a devedora (primeira ré) que foi julgada insolvente no processo especial de insolvência a correr termos no Juízo de Comércio de Lisboa sob o número 28287/20.5T8LSB, onde o crédito dos autores já foi reconhecido, bem como contra a respetiva massa insolvente (nona ré).

O referido processo especial de insolvência foi proposto pelos aqui autores e nele foi já requerido pelo administrador de insolvência a apensação deste processo, não tendo, até à data da remessa deste apenso de recurso a este Tribunal, sido proferido despacho sobre tal requerimento.

Na decisão recorrida, sem que tal fosse pedido por qualquer das partes, o Tribunal a quo entendeu que a presente ação devia ser apensada ao processo especial de insolvência da primeira devedora com base na aplicação do disposto nos artigos 146.º a 148.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, para o que afirmou que na ação se discute “a desconsideração da personalidade jurídica de todas as sociedades do grupo A..., de forma a todas elas se responsabilizarem pela dívida solidariamente o que, naturalmente, pode implicar a responsabilidade da massa insolvente pelo pagamento da dívida cujo reconhecimento é aqui reclamada pelos autores”. Ali se convocou a fundamentação de acórdão do Tribunal da Relação de Évora, na parte em que afirma que “esta apensação, ao contrário das acções pendentes a que alude o art. 85º do CIRE, não está sequer sujeita a critérios de oportunidade ou a requerimento do administrador da insolvência”.

Dispõem os artigos 146.º a 148.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que o Tribunal a quo entende aplicáveis o seguinte:

Artigo 146.º:

“1 - Findo o prazo das reclamações, é possível reconhecer ainda outros créditos, bem como o direito à separação ou restituição de bens, de modo a serem atendidos no processo de insolvência, por meio de ação proposta contra a massa insolvente, os credores e o devedor, efetuando-se a citação dos credores por meio de edital eletrónico publicado no portal Citius, considerando-se aqueles citados decorridos cinco dias após a data da sua publicação.

2 - O direito à separação ou restituição de bens pode ser exercido a todo o tempo, mas a reclamação de outros créditos, nos termos do número anterior:

a) Não pode ser apresentada pelos credores que tenham sido avisados nos termos do artigo 129.º, exceto tratando-se de créditos de constituição posterior;

b) Só pode ser feita nos seis meses subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de declaração da insolvência, ou no prazo de três meses seguintes à respetiva constituição, caso termine posteriormente.

3 - Proposta a ação, a secretaria, oficiosamente, lavra termo no processo principal da insolvência no qual identifica a ação apensa e o reclamante e reproduz o pedido, o que equivale a termo de protesto.

4 - A instância extingue-se e os efeitos do protesto caducam se o autor, negligentemente, deixar de promover os termos da causa durante 30 dias.”

Artigo 147.º:

“Se os efeitos do protesto caducarem, observa-se o seguinte:

a) Tratando-se de ação para a verificação de crédito, o credor só adquire direito a entrar nos rateios posteriores ao trânsito em julgado da respetiva sentença pelo crédito que venha a ser verificado, ainda que de crédito garantido ou privilegiado se trate;

b) Tratando-se de ação para a verificação do direito à restituição ou separação de bens, o autor só pode tornar efetivos os direitos que lhe forem reconhecidos na respetiva sentença passada em julgado, relativamente aos bens que a esse tempo ainda não tenham sido liquidados; se os bens já tiverem sido liquidados, no todo ou em parte, a venda é eficaz e o autor é apenas embolsado do respetivo produto, podendo este ser determinado, ou, quando o não possa ser, do valor que lhe tiver sido fixado no inventário;

c) Para a satisfação do crédito referido na última parte da alínea anterior, o autor só pode obter pagamento pelos valores que não tenham entrado já em levantamento ou rateio anterior, condicional ou definitivamente, nem se achem salvaguardados por terceiros, em virtude de recurso ou de protesto lavrado nos termos do artigo anterior e que, por isso, existam livres na massa insolvente, com respeito da preferência que lhe cabe, enquanto crédito sobre a massa insolvente.”

Artigo 148.º:

As ações a que se refere o presente capítulo correm por apenso aos autos da insolvência e seguem os termos do processo comum, ficando as respetivas custas a cargo do autor, caso não venha a ser deduzida contestação.”

As ações aqui previstas visam, assim a restituição de bens (pretensão em que claramente não cabe o pedido formulado nos autos) ou a reclamação de créditos para além do prazo fixado na sentença declaratória da insolvência[1], a que alude o artigo 128.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, reclamação essa que pode ser feita por mero requerimento. No caso de estar já ultrapassado tal prazo, podem ainda os credores do insolvente, contudo, propor ações de processo comum contra a “massa insolvente, os credores e o devedor”, para verificação e posterior graduação dos seus créditos “nos seis meses subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de declaração da insolvência”, ou, sendo tais créditos posteriores, no prazo de três meses seguintes à respetiva constituição.

Tal direito só pode ser exercido pelos credores que não tenham sido avisados nos termos do artigo 129.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas quando, como sucede no caso dos autos, o seu crédito seja anterior.

Ora, no caso, como decorre da petição inicial e está certificado nos autos (documento número 13 junto com tal articulado), a sentença que decretou a insolvência da primeira ré data de 13 de janeiro de 2022, pelo que à data de instauração desta ação haviam decorrido mais de quinze meses sobre tal data.

Acresce que os autores, ali requerentes, já tinham visto o seu crédito sobre a devedora reconhecido no âmbito do processo especial de insolvência, como resulta da contestação da nona ré.

É, assim, manifesto que não estão verificados o requisito de legitimidade ativa e nem os prazos legais previstos para a propositura de ação de verificação ulterior de créditos. Tal, aliás, não é a pretensão dos autores, tal como decorre da petição inicial, não obstante os mesmos também deduzirem pedido de condenação da primeira e nona rés (devedora e respetiva massa insolvente) no pagamento (em solidariedade com os demais réus) de quantia que apenas podiam ter reclamado no processo especial de insolvência, como fizeram e já lhes foi reconhecido. A dedução desses pedidos contra a primeira e nona rés, contudo, não tem a virtualidade de converter esta ação em verificação ulterior de créditos. Os autores terão, ao que se crê, pretendido apenas assegurar a legitimidade passiva quanto ao pedido de condenação solidária que formulam tendo em vista a respetiva causa de pedir – a da desconsideração da personalidade jurídica de várias sociedades, entre elas a insolvente.

Dúvidas não há, pois, de que a pretensão dos autores não é a de reconhecimento ulterior de um crédito não reclamado, mas a da condenação solidária de outros devedores no pagamento de tal crédito - já reconhecido no processo especial de insolvência -, por via da alegação da desconsideração da personalidade jurídica da devedora e de outras sociedades do mesmo grupo que, segundo eles, foram usadas de forma instrumental e abusiva para satisfação dos interesses exclusivos do terceiro réu.

Não se está, portanto, e ao contrário do que afirmou o Tribunal a quo, perante uma das ações cuja apensação está prevista nos artigos 146.º a 148.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Não estando este Tribunal, contudo, limitado pela qualificação jurídica feita pelo Tribunal a quo relativamente aos fundamentos da determinada apensação, resta aferir se a mesma podia ter sido decretada oficiosamente, como foi, à luz de outro(s) dispositivo(s) legal(ais).

Ora, a apensação que o administrador de insolvência da nona ré pediu no processo especial de insolvência, à luz do disposto nos artigos 85.º e 86.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas depende, por sua vez, de pedido daquele e tem que ser determinada pelo juiz do processo especial de insolvência, sendo a ele quem cabe requisitar tal remessa.

Cumpre de todo o modo salientar que, ao contrário do invocado pelo administrador de insolvência no requerimento dirigido ao processo especial de insolvência da nona ré cuja cópia juntou aos autos, não vemos como poderia ser aqui aplicável o disposto no artigo 86.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, já que não está alegado nesta ação que as demais rés tenham sido declarados insolventes, como decorre daquele preceito.

Também quanto à aplicabilidade do artigo 85.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, por sua vez, não se vê em que medida a presente ação, intentada contra a devedora, mas também contra terceiros, possa influenciar o valor da massa.

Ainda que assim possa vir a ser entendido pelo Juízo de Comércio de Lisboa, contudo, e como já se afirmou, está afastada a possibilidade de apensação desta ação ao processo especial de insolvência da nona ré por decisão a proferir pelo Tribunal a quo, onde pende a ação a apensar, por força do disposto no artigo 85.º, número 2 do Código de Processo Civil que confere a competência para determinar tal apensação apenas ao juiz titular do processo especial de insolvência.

Como expresso no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 6 de março de 2025[2], o artigo “85/1 prevê uma situação de alargamento da competência dos juízos de comércio, dependente de requerimento do administrador da insolvência e de decisão do juiz, fundado na conveniência da apensação ao processo de insolvência das ações pendentes no momento da declaração de insolvência e em que se discutam questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente. Trata-se, portanto, de uma extensão superveniente e condicionada da competência dos juízos do comércio.”.

Também o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 14-01-2020[3], salientou que o artigo 85.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas não permite a apensação imediata, estando a mesma dependente da verificação de determinados pressupostos: a apensação tem de ser requerida pelo administrador da insolvência, este tem de invocar e demonstrar a conveniência da apensação para os fins do processo e cabe ao próprio tribunal da insolvência determinar a apensação mediante o reconhecimento da referida conveniência”.

O mesmo, aliás, se passa com a apensação prevista no artigo 267.º, do Código de Processo Civil (supletivamente aplicável por força do disposto no artigo 17.º número 1 do Código de Processo Civil), que a torna admissível quando “forem propostas separadamente ações que, por se verificarem os pressupostos de admissibilidade do litisconsórcio, da coligação, da oposição ou da reconvenção, pudessem ser reunidas num único processo”.

Também neste caso, a considerarem-se verificados tais requisitos, a apensação apenas poderia ser ordenada pelo tribunal onde pende o processo especial de insolvência, a requerimento de qualquer das partes com interesse atendível na junção, nos termos do número 3 do citado artigo.

Também não se está perante ação intentada pelo administrador de insolvência em favor do próprio devedor ou com vista a indemnizar a generalidade dos credores ou, ainda, contra os responsáveis legais pelas dívidas do insolvente previstas no número 3 do artigo 82.° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas as quais, nos termos do número 6 do mesmo artigo, “correm por apenso ao processo de insolvência”.

Finalmente, os presentes autos tampouco configuram uma das situações previstas no artigo 89.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, onde se prevê que as ações, incluindo as executivas, relativas a dívidas da massa insolvente (e não da devedora insolvente) corram por apenso ao processo especial de insolvência.

Não se vê, assim, qualquer fundamento legal para que o Tribunal a quo determinasse a apensação dos autos que nele correm termos ao processo especial de insolvência, pelo que cumpre revogar o despacho que a determinou.


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Não tendo os recorridos requerido a apensação (que foi determinada oficiosamente pelo Tribunal a quo) e não tendo apresentado contra-alegações – ou seja, não tendo ficado vencidos -, as custas do recurso serão a suportar pelos recorrentes, nos termos do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil, por dele terem tirado proveito.

V – Decisão:

Revoga-se o despacho recorrido.

Custas pelos Recorrentes.


Porto 26 de junho de 2025.
Ana Olívia Loureiro
Fátima Andrade
Carlos Gil
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