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RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATO MÉDICO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
VIOLAÇÃO DAS LEGIS ARTIS
ÓNUS DA PROVA
Sumário
I - Embora o domínio da responsabilidade civil por ato médico se encontre na confluência da responsabilidade civil extracontratual e da responsabilidade contratual, no caso de contrato de prestação de serviço médico a responsabilidade civil extracontratual deve, em princípio, “ser absorvida ou consumida pela responsabilidade contratual, se a esta houver lugar, por ser a mais adequada ao princípio geral da autonomia privada e, em regra, mais favorável aos interesses do lesado no que respeita ao ónus da prova da culpa (artigo 799º, do Código Civil)”. II - Para que se possa concluir por uma situação de responsabilidade civil médica no âmbito do contrato de prestação de serviço médico, além da existência do contrato, ter-se-á de provar uma desconformidade objetiva entre os atos praticados/omitidos pelo médico e as leges artis (o incumprimento ou cumprimento defeituoso), a culpa, os danos, bem como o nexo de causalidade entre esses atos e o dano. III - Em sede de distribuição do ónus da prova incumbe ao doente-paciente lesado, na qualidade de credor, provar a falta de cumprimento do referido dever objetivo de cuidado na atuação técnica como fundamento de ilicitude na responsabilidade contratual médica (art. 342º, 1, CCiv.) – nele incluindo a obrigação omissiva de não afetar a sua integridade física e saúde; sobre o médico, na qualidade de devedor, recai o ónus de (contra-)provar (arts. 342º, 2, 346º, CCiv.) a inexigibilidade de comportamento contrário ao adotado, em atuação conforme com as leges artis, a fim de afastar a responsabilidade (atuação não ilícita ou justificada; atuação sem ser causa do dano ocorrido; ilidir a presunção da culpa, nos termos do art. 799.º do CCiv.). IV - Só depois de demonstrada a violação das leges artis pelo paciente é que opera a presunção de culpa a que se reporta o artigo 799º, do Código Civil, pois o que aí se presume é a culpa do incumprimento ou cumprimento defeituoso e não o incumprimento ou o cumprimento defeituoso em si mesmo. Operando a presunção de culpa, cabe ao médico demonstrar a conformidade entre a sua conduta efetivamente observada e a atuação que lhe era exigível.
Texto Integral
Processo nº 3846/19.2T8AVR.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo Central de Aveiro – Juiz 2
Recorrente: AA
Recorridos: BB; Hospital Privado ..., S.A.; A... – Companhia de Seguros, S.A. e B... – Companhia de Seguros, S.A.
Relatora: Des. Teresa Pinto da Silva
1ª Adjunta: Des. Fátima Andrade
2º Adjunto: Des. Manuel Fernandes
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Acordam os Juízes subscritores deste acórdão, da 5ª Secção, Cível, do Tribunal da Relação do Porto
I – RELATÓRIO
AA intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB (1º Réu) e Hospital Privado ..., S.A. (2ª Ré), pedindo a condenação solidária dos Réus a pagarem-lhe a quantia global de € 223.071,41 (duzentos e vinte três mil e setenta e um euros e quarenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora vincendos, a contar da citação, sendo € 120.000,00 a título de danos não patrimoniais, incluindo o quantum doloris; € 100.000,00 a título de dano futuro, que inclui o dano biológico e € 3.071,41 a título de despesas de saúde.
Alegou, para tanto, que o 1º Réu é médico, sendo a 2ª Ré uma unidade de saúde privada.
A Autora foi submetida a duas intervenções cirúrgicas à coluna lombar, a primeira em 24 de fevereiro de 2017 e a segunda em 12 de setembro de 2017, tendo o 1º Réu chefiado as equipas cirúrgicas em ambas as operações nas instalações da 2ª Ré, com o conhecimento e consentimento desta, mediante pagamento por parte da Autora.
Sucede que o 1º Réu agiu com negligência, tendo operado a Autora sem cuidar de verificar se aquela sofria de osteoporose e sem a ter mandado fazer exames para saber da viabilidade da operação cirúrgica, quer da primeira quer da segunda cirurgia.
Em consequência das operações mal sucedidas resultou para a Autora uma afetação permanente da sua integridade físico-psíquica de 19 pontos, tendo em despesas de saúde gasto €3.071,41, para além de ter sofrido danos não patrimoniais, que descreve.
Na contestação que apresentou em 21 de janeiro de 2020, o 1.º Réu impugnou os fundamentos da ação nos termos alegados pela Autora, sustentando que agiu sempre no estrito cumprimento das leges artis, nomeadamente procedendo ao correto diagnóstico da patologia da Autora com base nas queixas desta, no seu historial clínico e em exames complementares de diagnóstico, e atuou com recurso a técnicas médicas adequadas, não só a tratar a patologia da coluna lombar da paciente, como a preservar a sua saúde geral, que conhecia dos respetivos antecedentes escritos e que pela mesma lhe foram relatados.
Mais alegou ter celebrado com a seguradora A... um seguro de responsabilidade civil médica, através do contrato de seguro titulado pela apólice nº ..., por via do qual transferiu a sua responsabilidade civil médica para a referida seguradora, e requereu, por isso, a sua intervenção principal provocada.
Conclui pela improcedência da presente ação por não provada, com a sua consequente absolvição do pedido formulado pela Autora, requerendo ainda a citação da A... para, na qualidade de interveniente, contestar, querendo, a presente ação.
A 2.ª Ré, na contestação que apresentou em 19 de fevereiro de 2020, impugnou os fundamentos da ação nos termos alegados pela Autora, porquanto o 1º Réu pautou a sua atuação de acordo com as boas leges artis, mais sustentando não existir nexo causal entre os procedimentos realizados pelo 1.º Réu e os danos patrimoniais e não patrimoniais invocados pela Autora.
Entende ainda que Autora não alegou qualquer facto que consubstancie conduta ilícita por parte da 2.ª Ré (e mesmo do 1.º Réu), face aos serviços hospitalares que esta se obrigou a prestar no âmbito da assistência médica a que aquela foi sujeita.
Mais alegou ter celebrado com a companhia de seguros B..., Companhia de Seguros, S.A. um contrato de Cosseguro de Responsabilidade Civil, titulado pela apólice n.º ..., por força do qual transferiu para aquela companhia de seguros e, bem assim, para a cosseguradora Companhia de Seguros C..., S.A., na medida da distribuição das respetivas responsabilidades e através de um contrato único de seguro, a responsabilidade civil que lhe seja imputável, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes de lesões corporais e/ou materiais causados involuntariamente a pacientes ou a terceiros em geral.
Conclui pela improcedência, por não provada, da presente ação, absolvendo-se os Réus do pedido.
Caso assim não se entenda, pugna pela redução do montante indemnizatório a ser atribuído à Autora para montantes justos e adequados.
Sem prescindir, sustenta que sempre qualquer condenação da 2ª Ré no pagamento de indemnização deverá considerar que a responsabilidade do seu efetivo pagamento foi transferida para a seguradora B..., Companhia de Seguros, S.A., em virtude da transmissão do risco por contrato de seguro válido à data dos factos em vigor.
Requereu, por último, a intervenção principal daquela companhia de seguros como sua associada.
Por despacho de 2 de setembro de 2020, o Tribunal a quo indeferiu os incidentes de intervenção principal provocada deduzidos, convolando-os para incidentes de intervenção acessória, tendo nessa qualidade admitido a intervenção da A..., Companhia de Seguros S. A. e da B..., Companhia de Seguros S.A..
Na contestação que apresentou em 3 de novembro de 2020, a B... – Companhia de Seguros, S.A. reconheceu a existência do contrato de seguro invocado pela 2ª Ré no seu articulado, alegando que o 1º Réu sempre atuou no cumprimento das leges artis médicas e por parte da 2ª Ré em momento algum existiu qualquer negligência perante o estado de saúde da Autora, mais tendo alegado inexistir qualquer nexo de causalidade entre o estado de saúde atual da Autora e as intervenções cirúrgicas realizadas pelo 1º Réu e o acompanhamento clínico efetuado àquela pela 2ª Ré, tendo também impugnado os danos patrimoniais e não patrimoniais peticionados pela Autora.
Conclui pela improcedência da ação, por não provada, absolvendo-se os Réus e as Intervenientes do pedido.
Em 5 de novembro de 2020, a Interveniente A..., Companhia de Seguros S.A., veio declarar que faz seus os articulados apresentados pelo 1.º Réu.
Em 12 de março de 2021, o Tribunal a quo proferiu despacho saneador, no qual fixou o valor da causa em € 223.071,41, identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.
Após a instrução dos autos, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal, que se prolongou por duas sessões (a primeira no dia 14 de novembro de 2023 e a segunda no dia 6 de dezembro de 2023) tendo as partes, no âmbito da 1.ª sessão acordado, em dar como assente um conjunto de enunciados de facto.
Em 21 de janeiro de 2024 foi proferida sentença, da qual consta o seguinte dispositivo:
“23. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, julgo a ação totalmente improcedente, e, em consequência, absolvo os Réus dos pedidos.
24. Condeno a Autora nas custas processuais, por ter ficado vencida (cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, CPC), na vertente de custas de parte”.
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Inconformada com esta sentença, veio a Autora dela interpor o presente recurso, pretendendo a revogação da decisão proferida, com as legais consequências, para o que apresentou alegações, culminando com as seguintes conclusões:
1. Ante a frequente onerosidade da prova para o paciente sobre a inobservância das leges artis, por parte do médico, têm vindo a ser consideradas outras soluções, entre as quais a que tem procurado distinguir a atividade médica de carácter mais geral, aleatório ou complexo, e as atividades médicas especializadas em que a margem de risco seja ínfima.
2. Nessa base, tem sido considerado que, nestes tipos de atividade, a obrigação do médico se poderá traduzir numa obrigação de resultado, fazendo recair sobre ele o ónus de provar, no plano da culpa, que a ocorrência desse resultado não decorre de falta de cuidado ou imperícia, nomeadamente por inobservância das leges artis.
3. Seja como for, afigura-se que uma tal ponderação – obrigação de meios / obrigação de resultado - não deve ser feita de forma apriorística em função da mera categorização do tipo de atividade médica, mas sim de forma casuística centrada no exato contexto e contornos de cada situação, sem prejuízo do apelo a alguns fatores indiciários, sabido como é que o carácter aleatório e complexo dos atos médicos dependem de diversas condicionantes que nem sempre se revelam na tipologia de determinada especialidade.
4. Aplicando à responsabilidade civil por ato médico o regime geral da responsabilidade contratual, dir-se-ia, como decorre do art. 799º, nº 1, do CC, que impende sobre o prestador de serviços médicos uma presunção de culpa, que lhe cumpre ilidir, se pretender furtar-se à obrigação de indemnizar, por falta de cumprimento ou cumprimento defeituoso.
5. Considerando as dificuldades de prova dos pressupostos da responsabilidade civil por parte dos lesados nos atos médicos, tem sido justamente defendido que, muito embora caiba ao demandante o ónus da prova da violação da lex artis (ilicitude), no tocante à culpa, deve a mesma presumir-se, nos termos do art. 799º, do CC, cabendo ao médico o ónus da prova da falta de culpa, ou seja a prova de que, naquelas circunstâncias, não podia e não devia ter agido de maneira diferente.
6. O ónus da prova da diligência recairá sobre o médico, caso o lesado faça prova da existência do vínculo contratual e dos factos demonstrativos do seu incumprimento ou cumprimento defeituoso.
7. Nos termos do disposto no art. 798º, do CC, “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”.
8. Por sua vez, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art. 562º, CC), tendo em conta que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria se não fosse a lesão (art. 563º, do CC).
9. Por seu turno, a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objetivo, que tenha em conta o circunstancialismo de cada caso, e não por padrões subjetivos, resultantes de uma sensibilidade particular, cabendo ao tribunal dizer, em cada caso, se o dano, dada a sua gravidade, merece ou não tutela jurídica.
10. Por conseguinte, e salvo melhor opinião, julgamos que o I-R. não tomou todas as medidas exigíveis ao caso, conformes à “lex artis”, de modo a, pelo menos, minimizar o resultado danoso, nem tão pouco, no que respeita ao nexo de causalidade, pode alegar que houve uma situação de caso fortuito, excludente da relação de causalidade entre a conduta censurável e o dano, pelo que, em consequência, não pode deixar de se considerar que agiu com culpa.
11. Tal conclusão resulta da factualidade dada como provada em bb) e cc).
12. Tendo operado a A. não cuidou de verificar se aquela sofria de osteoporose, sendo certo que a hipótese de sucesso é tanto maior quanto menor for o grau de exposição àquela doença óssea.
13. E, assim, por via da sua conduta, a autora foi operada, duas vezes no mesmo ano, com um intervalo de tempo de 7 meses.
14. Também não teve o cuidado de mandar fazer exames de densitometria óssea para diagnóstico de osteoporose à A. para saber da viabilidade da operação cirúrgica, quer da primeira, quer da segunda.
15. Por outro lado, perante as queixas da autora, não podia ter deixado de admitir a possibilidade de ter realizado um diagnóstico errado, e de prescrever os tratamentos adequados, ponderando designadamente – como se impunha – a submissão da autora a uma “Junta Médica”, ainda que informal e com a “prata da casa”, leia-se com a douta Opinião dos demais colegas do I-R.
16. Note-se que os tratamentos que o réu recomendou não surtiram qualquer efeito, pelo que, a sua conduta de submeter a A. a nova operação não pode deixar de merecer um juízo de reprovação; note-se ainda que a obrigação do médico compreende o dever de vigilância após a prática do acto médico, tendo em vista reduzir ou eliminar o risco de ocorrências anómalas com efeitos nefastos para a saúde do doente.
17. Ao não decidir como vem de dizer-se fez a douta Sentença errada aplicação dos artºs 562º, 563º, 798º e 799º do Código Civil.
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Os Réus e a Interveniente B... Companhia de Seguros, S.A. apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e a confirmação da sentença recorrida.
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Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e com efeito devolutivo.
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Recebido o processo nesta Relação, emitiu-se despacho que teve o recurso como próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões vertidas pela Recorrente nas suas alegações (arts. 635º, nºs 4 e 5 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do Código de Processo Civil).
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais prévias, destinando-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não à prolação de decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido.
Mercê do exposto, da análise das conclusões vertidas pelo Recorrente nas suas alegações decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à seguinte questão:
1ª – Se ocorreu erro de julgamento do Tribunal a quo, justificando os factos provados e o direito aplicável decisão de procedência da ação.
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II – FUNDAMENTAÇÃO Fundamentação de facto
É o seguinte o teor da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida (transcrição): Factos provados
a) O Réu BB é médico, tendo-lhe sido conferida a especialidade de neurocirurgia pela Ordem dos Médicos;
b) A Ré “Hospital Privado ..., S.A.” (que passou a designar-se, desde 29/07/2020, como “Hospital ..., S.A.”) é uma unidade de saúde privada, prestando serviços de saúde aos utentes que a procuram, e dispondo de quase todas as especialidades médicas; dispõe ainda de atendimento urgente 24 horas, consultas, exames, análises clínicas, cirurgia e internamento;
c) A Autora tinha queixas de lombociatalgia, pelo menos desde 26/03/2012, e em 02/06/2014 a Autora teve consulta em ortopedia realizada pela testemunha CC;
d) Em 30/01/2017, a Autora teve consulta em neurocirurgia realizada pelo 1.º Réu nas instalações da 2.ª Ré, no âmbito da qual este prescreveu a realização dos seguintes exames: RM Lombossagrada e TC E NEURO da bacia;
e) Uma vez efetuados aqueles exames (em 09/02/2017), a Autora teve nova consulta em neurocirurgia realizada pelo 1.º Réu nas instalações da 2.ª Ré, que ocorreu em 20/02/2017; nessa consulta, o 1.º Réu propôs, e a Autora aceitou ser operada;
f) Em 24/02/2017, a Autora foi submetida a operação realizada pelo 1.º Réu (especialidade de neurocirurgia), nas instalações da 2.ª Ré, que consistiu numa nucleoplastia lombar L4-L5-S1;
g) A Autora teve outras consultas em neurocirurgia realizadas pelo 1.º Réu nas instalações da 2.ª Ré, que ocorreram em 27/02/2017, 06/03/2017, 31/07/2017 e 21/08/2017;
h) Em 31/07/2017 foi realizada TAC da anca, por prescrição do 1.º Réu;
i) Em 12/09/2017, por persistência das queixas, o 1.º Réu propôs, e a Autora aceitou ser submetida a nova operação, realizada pelo 1.º Réu (especialidade de neurocirurgia), nas instalações da 2.ª Ré, que consistiu numa artrodese da coluna lombar, Foraminotomias bilaterais L4-L5 e L5-S1, utilizando-se parafusos canulados e Metilmetacrilato (MMA) para fixações bilaterais L4 - L5 e L5-S1;
j) Após esta segunda operação, a Autora foi sujeita aos seguintes exames prescritos pelo 1.º Réu: TAC lombossagrada (19/09/2017); Electromiografias (em 23/02/2018); RMN LS (em 26/02/2018); e RMN bilateral das ancas (em 06/06/2018). A Autora foi ainda sujeita a Rx lombar e da anca esquerda (em 25/09/2018); TAC lombossagrada (em 27/09/2018); Rx lombossagrado funcional (em 10/10/2018);
k) A Autora teve mais consultas em neurocirurgia realizadas pelo 1.º Réu nas instalações da 2.ª Ré, que ocorreram em 18/09/2017 (tendo sido prescrito exame para imagiologia – TC E NEURO TC, realizado em 19/09/2017), 25/09/2017, 09/10/2017, 19/02/2018 (com prescrição de RM em Imagiologia, realizada em 26/02/2018), 05/03/2018, 19/03/2018, 09/04/2018, 04/06/2018 e 18/06/2018;
l) Na Ressonância Magnética realizada em 26/02/2018, é referido que: Regista-se encunhamento do corpo de L4 e ligeiro recuo posterior de fragmenti ósseo póstero-superior, a valorizar no contexto clínico da examinada (fratura vertebral de L4 após artrodese?).
m) Em 25/09/2018, a Autora teve consulta em ortopedia realizada pela Testemunha CC nas instalações da 2.ª Ré;
n) A Autora teve mais consultas em neurocirurgia realizadas pela testemunha DD nas instalações da 2.ª Ré, que ocorreram em 26/09/2018 (tendo sido prescritos exames para imagiologia), 10/10/2018 (tendo sido prescritos exames para imagiologia), 20/10/2018 e 21/11/2018;
o) Em 08/01/2019, a Autora teve consulta em ortopedia realizada pela Testemunha CC nas instalações da 2.ª Ré;
p) Quase todo o pessoal médico e de enfermagem que labora no hospital da 2.ª Ré fá-lo em regime liberal de prestação de serviços, como profissionais liberais, sendo tecnicamente autónomo e independente no exercício das suas funções;
q) A 2.ª Ré não superintende na atividade técnica dos médicos e enfermeiros que prestam serviço no hospital, não interferindo no seu aspeto técnico-profissional;
r) Todos os atos médicos (praticados em relação à Autora) foram executados no Hospital da 2.ª Ré sob a ordem e a direção do 1.º Réu;
s) A Autora AA nasceu no dia ../../1948;
t) A Autora, à data das intervenções em causa, estava reformada, era doméstica, e auferia uma pensão de € 338,41 por mês;
u) A Autora é uma pessoa do sexo feminino, com antecedentes de síndrome depressivo, hipertensão arterial, dislipidemia, insuficiência renal crónica, obesidade, asma, gastrite, síndrome do cólon irritável, gonartrose submetida a prótese total do joelho e meniscectomia, coxartrose, espondilose; antecedentes cirúrgicos por síndrome do canal cárpico direito (1998), histerectomia total com anexectomia bilateral (1998);
v) Em 28/09/2021, a Autora encontrava-se medicada com: Alprazolam 0.5mg, Fluoxetina 20mg, Espironolactona 25mg, Furoato de fluticasona 27.5microg/dose, Glucosamina 1500mg, Omeprazol 20mg, Atorvastatina 10mg, Levotiroxina 0,075mg, Azilsartan 40mg, Trazodona 150mg, Tramadol+Paracetamol 37.5mg+325mg, Tapentadol 150mg;
w) Após a 1.ª e a 2.ª operação, a Autora sofreu de dorsalgia e dor lombar e fez planos terapêuticos para a dor;
x) A Autora sofre de uma afetação permanente da integridade físico-psíquica que se fixa em 19 pontos, por referência a 05/03/2019;
y) A Autora sofre de uma incapacidade permanente global que se fixa em 69%, reportada a 2020;
z) A Autora tem, presentemente, dificuldade em agarrar objetos, deixou de fazer caminhadas e necessita do uso de canadianas para se mover;
aa) Em despesas de saúde, gastou a quantia de € 3.071,41;
bb) A Autora nunca foi submetida a exame de densitometria óssea para diagnóstico de osteoporose;
cc) A Autora tinha redução generalizada da trabeculação óssea;
dd) O 1.º Réu neurocirurgião, Dr. BB, beneficia de um contrato de seguro por si individualmente contratado com a Interveniente “A...”, que ficou titulado pela apólice nº ..., que garante a responsabilidade civil decorrente do exercício da sua profissão enquanto médico;
ee) Entre a interveniente “B... - Companhia de Seguros, S.A.” e a 2.ª Ré “Hospital Privado ..., S.A.” foi celebrado um contrato de seguro de “Responsabilidade Civil de Exploração — Unidades de Saúde”, que se encontra titulado pela apólice ... e se rege pelas suas condições gerais, especiais e particulares, conforme docs. 1, 2 e 3 anexos à contestação daquela Interveniente, que aqui se dão por integralmente reproduzidas. Factos não provados
a) O 1.º Réu não mandou a Autora fazer exames prévios para saber da viabilidade das operações cirúrgicas, quer da primeira, quer da segunda (art. 15.º PI);
b) E depois das operações também não mandou fazer exames de evolução / estado de saúde (art. 16.º PI);
c) A operação foi malfeita, porque há parafusos soltos, os ossos “não os agarraram” e alguns estão partidos (art. 18.º PI);
d) O 1.º Réu agiu com negligência, por não ter feito um diagnóstico correto, ou, pelo menos, encaminhado a doente para consulta de outra especialidade, onde pudesse ser confirmada a necessidade de ser operada (art. 20.º PI).
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Fundamentação de direito 1 – Se ocorreu erro de julgamento do Tribunal a quo, justificando os factos provados e o direito aplicável decisão de procedência da ação
Defende a Apelante a revogação da sentença recorrida, por entender que estão provados factos que determinam a procedência da ação, nos termos por si peticionados.
Na presente ação a Autora visa a condenação dos Réus, médico e unidade de saúde, no pagamento de uma indemnização por danos resultantes de alegada negligência médica, alegação que nos coloca no âmbito do instituto da responsabilidade civil e convoca a problemática da responsabilidade civil por ato médico.
Em concreto, estão em causa duas operações médico-cirúrgicas, que foram realizadas no âmbito da execução de dois contratos de prestação de serviços médicos, figura contratual sem regulamentação legal específica, incluída na categoria genérica dos contratos de prestação de serviços - artigo 1154.º do Código Civil . («aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição») - e subordinada às regras supletivas do contrato de mandato, com as devidas adaptações – artigo 1156.º do CC.
Na 1ª cirurgia, realizada em 24 de fevereiro de 2017, o 1º Réu vinculou-se a executar uma nucleoplastia lombar L4-L5-S1 e a Autora paciente aceitou submeter-se a esse ato (alíneas e) e f) dos factos provados).
Na 2ª cirurgia, realizada em 12 de setembro de 2017, o 1º Réu obrigou-se a executar uma artrodese da coluna lombar, Foraminotomias bilaterais L4-L5 e L5-S1 e a Autora vinculou-se e aceitou submeter-se a esse ato (alínea i) dos factos provados).
Este domínio da responsabilidade civil por ato médico encontra-se na confluência da responsabilidade civil extracontratual, consagrada nos art.ºs 483º e ss. do Código Civil, e da responsabilidade contratual, prevista nos art.ºs 799º e ss. do citado diploma fundamental, pois que o mesmo facto pode constituir, a um tempo, uma violação do contrato e um facto ilícito lesivo do direito à vida ou à integridade física.
No entanto, no caso do contrato de prestação de serviço médico, a responsabilidade civil extracontratual deve, em princípio, “ser absorvida ou consumida pela responsabilidade contratual, se a esta houver lugar, por ser a mais adequada ao princípio geral da autonomia privada e, em regra, mais favorável aos interesses do lesado no que respeita ao ónus da prova da culpa (artigo 799º, do Código Civil)” – como se consolidou dominantemente na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça relativa às ações de responsabilidade civil por ato médico (neste sentido, cfr. Acs. do STJ de 02/06/2015, processo nº 1263/06.3TVPRT.P1.S1; de 07/03/2017, processo nº 6669/11.3TBVNG.S1; de 15/12/2020, processo 765/16.8T8AVR.P1.S1, todos disponíveis in www.dgsi.pt).
Atentas as considerações que antecedem, entendemos, tal como sustenta a Apelante, que a pretensão indemnizatória manifestada pela Autora deve ser apreciada à luz da responsabilidade contratual.
Neste âmbito, o conteúdo da prestação a cargo do médico tem sido qualificada pela jurisprudência maioritária como uma obrigação de meios, visto que o médico estará obrigado a desenvolver a sua atividade, de acordo com as regras da medicina aceites e seguidas no universo da especialidade (“leges artis”), conjugando essas regras com os específicos conhecimentos científicos do médico e a sua experiência acumulada, visando um determinado objetivo, sem que lhe seja exigível a obtenção de um concreto resultado – Neste sentido, vd., entre outros, os Acs. RP 27-03-2017, p. 7053/12.7TBVNG.P1; RG 14-01-2021, p. 304/17.3T8BRG.G2; e STJ 07-03-2017, p. 6669/11.3TBVNG.S1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.. De facto, o resultado a que alude o dito art. 1154º do Código Civil não é a cura em si, mas os cuidados de saúde, isto é, no âmbito de tal contrato não recai sobre o médico o dever de promover a cura do doente com quem contrata ou a obrigação de lhe restituir a saúde, mas somente a obrigação de empreender todos os meios adequados à obtenção de tal resultado.
Contudo, o Supremo Tribunal de Justiça já admitiu a qualificação de tal obrigação como obrigação de resultado relativamente a cirurgias com uma probabilidade de insucesso ínfima [vd. acs. STJ de 23-03-2017 (Cons.Tomé Gomes), p. 296/07.7TBMCN.P1.S1; de 29-03-2022 (Cons. Mª Clara Sottomayor), p. 640/13.8TVPRT.P2.S1]ou no tocante a determinados aspetos da mesma cirurgia [ac.STJ 15-12-2020 (Ricardo Costa), p. 765/16.8T8AVR.P1.S1], todos disponíveis in www.dgsi.pt..
Independentemente desta distinção entre obrigação de meios e obrigação de resultado, essencial para que se possa concluir por uma situação de responsabilidade civil médica é a verificação de uma desconformidade objetiva entre os atos praticados/omitidos pelo médico e as leges artis (o incumprimento ou cumprimento defeituoso), bem como o nexo de causalidade entre esses atos e o dano.
Com efeito, às obrigações decorrentes para o médico da celebração do contrato de prestação de serviço médico aplica-se o princípio geral da responsabilidade contratual, previsto no artigo 798º, nº1, do Código Civil, nos termos do qual “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao devedor”, bem como a presunção de culpa, estatuída no artigo 799º, do Código Civil (nos termos do qual incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua), norma que consagra uma presunção de culpa do devedor e que faz recair sobre o médico o ónus da prova de que agiu com a diligência e perícia devidas, se se quiser eximir à sua responsabilidade.
Mas cumpre salientar que não se pode olvidar que a presunção em causa se refere tão só á culpa, sendo certo que a Apelante parecer ter-se esquecido desta realidade nas suas alegações.
Para que se possa concluir por uma situação de responsabilidade civil médica no âmbito da presente ação, além da existência do contrato, ter-se-á de provar, como já acima referido, uma desconformidade objetiva entre os atos praticados/omitidos pelo médico e as leges artis (o incumprimento ou cumprimento defeituoso), a culpa, os danos, bem como o nexo de causalidade entre esses atos e o dano.
Ora, a prova da existência do vínculo contratual, da verificação dos factos demonstrativos do incumprimento ou cumprimento defeituoso do médico, bem como dos danos e do nexo de causalidade entre o facto e o dano compete sempre à Autora /Apelante.
Essencial para aferir se ocorreu por parte do médico incumprimento ou cumprimento defeituoso é o conceito de diligência exigível, ou seja, é necessário que a concreta atuação do agente se conforme dentro do padrão de conduta profissional que um médico medianamente competente, prudente e sensato, com os mesmos graus académicos e profissionais, teria tido em circunstâncias semelhantes.
Como se pode ler no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28 de novembro de 2018, proferido no âmbito do processo nº 558/11.9TBCBR.C1, disponível em www.dgsi.pt, “tratando-se, como é o caso, de prestação de serviços médicos, a responsabilidade médica, por negligência, por violação das leges artis, tem lugar quando, por indesculpável falta de cuidado, o médico deixe de aplicar os conhecimentos científicos e os procedimentos técnicos que, razoavelmente, face à sua formação e qualificação profissional, lhe eram de exigir: a violação do dever de cuidado pelo médico traduz-se precisamente na preterição das leges artis em matéria de execução da sua intervenção.”
Dito de outro modo, na linha do afirmado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de março de 2017, proferido no âmbito do processo nº6669/11.3TBVNG.S1, disponível in www.dgsi.pt, que aqui se transcreve, diremos que “Afastando os casos e situações em que a acção ou omissão de um profissional da medicina pode ser qualificada como intencional ou dolosa, o erro médico soe revelar-se numa tríptica perspectiva comportamental: imprudência, imperícia e negligência.
(…) a negligência, consistiria em levar a efeito uma acção, ou abster-se de realização de uma conduta positiva, que, segundo as regras, metodologias e conhecimento da ciência médica (relativamente ao caso), deveriam ter sido encetadas, processadas e concretizadas na situação concretamente reconhecida e avaliada.
Já no caso de uma acção ou omissão imprudente, o autor leva a efeito, ou omite, uma acção que, tendo presente a avaliação do caso concreto, não deveria, segundo a arte da medicina, ser levado a cabo ou omitido.
No que concerne à perícia, ou ausência de um adestramento e manuseamento das técnicas da ciência médica, ajustadas e adequadas à situação diagnosticada e conhecida, a acção, ou omissão, de um profissional de medicina deve ser aferida pela inconveniente e inapropriada administração de meios de diagnóstico para avaliação do estado de morbidez do paciente e/ou, malgrado uma correcta avaliação e reconhecimento da doença uma intervenção desviada, descompassada e desconchavada do correcto e reconhecido meio para fazer cessar ou minorar o estado de doença do sujeito passivo.”
No que respeita à distribuição do ónus da prova, conforme se pode ler no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de dezembro de 2020, proferido no âmbito do processo nº 765/16.8T8AVR.P1.S1, cujo entendimento perfilhámos, diremos que “…em sede de distribuição do ónus da prova perante obrigações de meios, incumbe ao doente-paciente lesado, na qualidade de credor, provar a falta de cumprimento do referido dever objetivo de cuidado na actuação técnica como fundamento de ilicitude na responsabilidade contratual médica (art. 342º, 1, CCiv.) – nele incluindo a obrigação omissiva de não afectar a sua integridade física e saúde –, naturalmente assistido em regra por prova pericial, que complemente e supra a falta de conhecimentos técnico-científicos do paciente onerado, e sem prejuízo de facilitações de prova em benefício do lesado (como o recurso à prova de “primeira aparência”, sem abdicar da valência da “presunção judicial”); sobre o médico, na qualidade de devedor, recai o ónus de (contra-)provar (arts. 342º, 2, 346º, CCiv.) a inexigibilidade de comportamento contrário ao adoptado, em actuação conforme com as leges artis, a fim de afastar a responsabilidade (actuação não ilícita ou justificada; actuação sem ser causa do dano ocorrido; ilidir a presunção da culpa, nos termos do art. 799.º do CCiv.), sendo logicamente mais reforçado este ónus – em contrabalanço do aligeiramento probatório a cargo do credor paciente – nas situações de dano desproporcionado à natureza da intervenção”.
Ou seja, só depois de demonstrada a violação das leges artis pelo paciente é que opera a presunção de culpa a que se reporta o artigo 799º, do Código Civil, pois o que aí se presume é a culpa do incumprimento ou cumprimento defeituoso e não o incumprimento ou o cumprimento defeituoso em si mesmo. Operando a presunção de culpa, cabe ao médico demonstrar a conformidade entre a sua conduta efetivamente observada e a atuação que lhe era exigível.
Tendo presente estas considerações de cariz geral, e revertendo ao caso dos autos, diremos que, analisada na globalidade a factualidade dada como provada, não vislumbramos como sustentar que ocorreu essa violação das leges artis por parte do 1º Réu.
E passamos a explicar porquê.
A Autora funda a sua pretensão recursória na alegada culpa do 1º Réu, que, segundo ela, não tomou todas as medidas exigíveis conforme as leges artis para minimizar o resultado danoso, não podendo alegar caso fortuito.
As conclusões da Autora apontam diretamente para os factos provados bb) e cc) como base para a sua argumentação, dos quais resulta assente que a Autora "nunca foi submetida a exame de densitometria óssea para diagnóstico de osteoporose" (bb) e que "tinha redução generalizada da trabeculação óssea" (cc)).
Da análise global dos factos provados extrai-se que a Autora foi submetida, em 24 de fevereiro de 2017, a uma operação, realizada pelo 1º Réu, nas instalações da 2ª Ré, que consistiu numa nucleoplastia lombar L4-L5-S1, em virtude de queixas de lombociatalgia desde pelo menos 26 de março de 2012.
Em 12 de setembro de 2017, por persistência das queixas, foi submetida a uma nova operação, também realizada pelo 1º Réu, nas instalações da 2ª Ré, que consistiu numa artrodese da coluna lombar, Foraminotomias bilaterais L4-L5 e L5-S1.
Mais se provou que:
w) Após a 1.ª e a 2.ª operação, a Autora sofreu de dorsalgia e dor lombar e fez planos terapêuticos para a dor;
x) A Autora sofre de uma afetação permanente da integridade físico-psíquica que se fixa em 19 pontos, por referência a 05/03/2019;
y) A Autora sofre de uma incapacidade permanente global que se fixa em 69%, reportada a 2020;
z) A Autora tem, presentemente, dificuldade em agarrar objetos, deixou de fazer caminhadas e necessita do uso de canadianas para se mover.
Perante este acervo factual, bem como o demais que resulta dos factos provados, em particular sob as alíneas d), e), g), h), i), j), k), l), m), n), o), analisada toda a sequência de atos praticados pelo 1º réu, médico, desde as consultas até à realização das intervenções cirúrgicas, não se encontra demonstrada a existência de algum comportamento daquele desconforme com as leges artis, seja por ter praticado as cirurgias de forma deficiente, seja por ter omitido atos necessários e adequados à atenuação ou superação do estado de saúde da Autora.
É certo que se provou que a Autora nunca foi submetida a exame de densitometria óssea para diagnóstico de osteoporose, mas daí não é possível extrair que a ausência da prescrição e realização desse exame à Autora faça incorrer o Réu em violação de alguma leges artis, pois que não logrou a Autora provar, como lhe incumbia, que a decisão médica de submeter a Autora às cirurgias que veio a realizar exigia, de acordo com as leges artis, a realização prévia daquele exame de diagnóstico para afastar um possível quadro de osteoporose que, a demonstrar-se, desaconselharia a realização daquelas cirurgias. Nem sequer se provou que num quadro de osteoporose a realização das cirurgias em causa fosse, de acordo com as leges artis, desaconselhada.
Não se tendo demonstrado tais circunstâncias, não pode concluir-se que a omissão daquele exame, ou que a omissão da verificação prévia quanto a saber se a Autora sofria ou não de osteoporose, configure uma violação das leges artis.
Dito de outro modo, cabendo o ónus probandi à Autora lesada da ilicitude da conduta dos Réus, não logrou aquela demonstrar uma base factual sólida que permita sustentar a conclusão de que ocorreu uma desconformidade entre os procedimentos cirúrgicos adotados pelo 1º Réu e a obrigação de meios exigida pelas leges artis, nem que aqueles procedimentos fossem inadequados perante o quadro clínico da Autora.
Não resultando assente essa violação das leges artis, não pode operar a presunção de culpa constante do art.º 799º do CC, não estando, assim, demonstrados os pressupostos da ilicitude e da culpa, que constituem elementos integradores da causa de pedir dos autos, o que redunda na improcedência da ação, como decidido em primeira instância.
Importa ainda salientar que se sabe, é certo, que a Autora apresenta uma afetação permanente da integridade físico-psíquica de19 pontos, por referência a 05/03/2019, sofrendo uma incapacidade permanente global de 69%, reportada a 2020.
No entanto, não se apurou um ato ilícito e negligente por parte do 1º Réu que tenha dado origem a essas limitações físicas, nem uma relação de causa e efeito que permita concluir fundadamente que o seu atual estado de saúde se deveu às intervenções cirúrgicas realizadas pelo 1º Réu nas instalações da 2ª Ré, falecendo por isso, também, o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
No mais, e uma vez que a responsabilidade da 2ª Ré e das Intervenientes dependeria da responsabilidade do 1º Réu, na medida em que a responsabilidade da 2ª Ré se fundava no art.º 800º do Código Civil, e as responsabilidades das Seguradoras Intervenientes decorriam dos contratos de seguro celebrado com os dois Réus, dependendo por isso da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil relativamente aos mesmos, improcedendo a ação relativamente àquele 1º Réu, improcede necessariamente também quanto aos demais.
Concluindo, entende-se que a sentença recorrida não merece qualquer censura, sendo improcedentes as conclusões da Apelante.
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Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527º do Código de Processo Civil, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que lhes tiver dado causa, presumindo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção, pelo que, mercê do princípio da causalidade, as custas serão da responsabilidade da Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que a mesma beneficia.
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Síntese conclusiva (da exclusiva responsabilidade da Relatora – artigo 663º, nº7, do Código de Processo Civil):
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes subscritores deste acórdão da 5ª Secção, Cível, do Tribunal da Relação do Porto em julgar a apelação improcedente e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que a mesma beneficia.
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Porto, 26 de junho de 2025
Os Juízes Desembargadores
Teresa Pinto da Silva
Fátima Andrade
Manuel Domingos Fernandes